打印全文
Processo nº 923/2019
(Nulidade)

Data: 30 de Julho de 2020
Reclamantes: A e B

ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
  
  A fls. 398 a 402 vieram os Autores e Recorrentes arguir a nulidade do Acórdão proferido porquanto o Tribunal não se pronunciou sobre as conclusões de recurso 54 a 60 e sobre o ponto nº 7 do pedido, apresentando em sede de arguição de nulidade as seguintes conclusões:
1. Os recorrentes foram notificados da decisão arguida; respeitamos sempre as sentenças judicias; porém, os recorrentes estavam inconformados com a decisão arguida, de que não é admitido recurso para o TUI; pelo que os recorrentes deduziram a arguição da nulidade.
2. Da decisão arguida já constam as partes de conclusão e de pedido das alegações de recurso dos recorrentes; incluindo os artigos (54) a (60) da conclusão e a alínea (7) do pedido; em suma, os recorrentes indicaram que os réus não usaram o respectivo objecto ao longo dos anos, e em conformidade com as disposições legais correspondentes, devia o tribunal declarar a caducidade do direito dos réus; mas o TJB declarou o indeferimento liminar sem conhecer dessa questão, pelo que a sua sentença deve ser declarada anulada por incorrer no vício da ilegalidade.
3. Na decisão arguida, referiu-se que “… por serem individualizáveis podem ser objecto de prescrição aquisitiva (fundamentos III a V do recurso).” (vide o 1º parágrafo das fls. 23 da decisão arguida, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, destaque e sublinha nosso)
4. Mas entendem os recorrentes que, com sua compreensão superficial, a decisão arguida não decidiu sobre os artigos (54) a (60) da conclusão e a alínea (7) do pedido das alegações de recurso, nem especificou os fundamentos. E um dos elementos constitutivos da al. d) do nº 1 do artº 1402º do Código Civil é “qualquer que seja o motivo”;
5. Assim, entendem os recorrentes que a decisão arguida violou a al. b) e a primeira parte da al. d) do nº 1 do artº 571º do CPC, e o nº 2 do artº 563º do mesmo Código, pelo que deve o tribunal declarar que a respectiva parte da decisão padece do vício de nulidade, bem como decidir sobre a referida parte.
6. Os recorrentes, com atitude humilde, apresentam o presente requerimento, e pedem aos MMº Juízes para, sob aplicação correcta da al. b) e da primeira parte da al. d) do nº 1 do artº 571º do CPC, e do nº 2 do artº 563º do mesmo Código, declarar a nulidade da decisão arguida na respectiva parte,
7. Bem como declarar que por violar os artigos 1412º, nº 1, 1402º, nº 1, al. d), e 320º a 325º do Código Civil, e o artº 391º do CPC, deve ser anulada a sentença do TJB; e ordenar o reenvio do processo ao TJB para novo julgamento.
Pelo exposto, e nos melhores de direito que os MMº Juízes doutamente suprirão, pede-se para;
(1) Admitir a presente arguição e juntar a mesma aos autos; e
(2) Julgar que a decisão arguida violou a al. b) e a primeira parte da al. d) do nº 1 do artº 571º do CPC, e o nº 2 do artº 563º do mesmo Código, declarar que a respectiva parte padece do vício de nulidade, e decidir sobre a mesma.
E
(3) Declarar que por violar os artigos 1412º, nº 1, 1402º, nº 1, al. d) e 320º a 325º do Código Civil, e o artº 391º do CPC, deve ser anulada a sentença do TJB; e ordenar o reenvio do processo ao TJB para novo julgamento.
  Notificada a parte contrária veio este responder pugnando pela improcedência da invocada nulidade.

  As conclusões 54 a 60 do recurso estão sob a epígrafe “a sentença recorrida não apreciou a matéria relativa à extinção do direito de uso” e discorrem sobre a obrigatoriedade do tribunal “a quo” ter de declarar extinto o “direito de uso” do estacionamento em causa das 1ª e 2ª Rés e não se ter pronunciado sobre essa matéria.
  O alegado pedido 7 da petição que segundo as recorrentes o tribunal “a quo” também não conheceu está englobado nos pedidos da p.i. e que a seguir se transcrevem:
(1) Admita a presente petição inicial, todos os anexos e fotografias; e
(2) Declare integralmente provados os factos invocados nesta petição inicial; e
(3) Declare integralmente procedentes os fundamentos invocados nesta petição inicial; e
(4) Declare que os 1º e 2ª Autores são possuidores públicos, pacíficos e de boa fé, que, desde 18 de Agosto de 1988 ou 18 de Agosto de 1994, começam a possuir o “Direito ou menções especiais: O USO DO PARQUE : 271” da fracção autónoma designada por BJR/C, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o nº XX; e
(5) Declare que os 1º e 2ª Autores são únicos titulares do “Direito ou menções especiais: O USO DO PARQUE: 271” da fracção autónoma designada por BJR/C, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o nº XX, por posse e usucapião.
E
(6) Ordene à Conservatória do Registo Predial de Macau que, face à decisão em apreço, faça a nova inscrição na descrição nº XX, a fim de mencionar que os 1º e 2ª Autores são únicos titulares do direito de uso do referido parque de estacionamento; e, ademais
(7) Ordene o cancelamento do direito sobre o referido parque de estacionamento da fracção autónoma designada por BJR/C, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o nº XX, a favor das 1ª e 2ª Rés.
  Segundo os Recorrentes o tribunal “a quo” não conheceu daquela matéria e este Tribunal de Segunda instância não conheceu da omissão daquele o que constitui nulidade do Acórdão proferido.
  
  Vejamos então.
  De acordo com o disposto no nº 1 do artº 571º, aplicável “ex vi” nº 1 do artº 633º ambos do CPC é nulo o Acórdão «quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».
  Atente-se na letra da lei quando refere sobre questões que devesse apreciar, o que remete para o nº 2 do artº 563º do CPC.
  O juiz tem apenas de conhecer dos pedidos deduzidos e de todas as causas de pedir invocadas.
  No entanto não tem que se pronunciar sobre todas as alegações e argumentação das partes e que segundo estas poderia levar ao bom sucesso do que pretendem, especialmente aquelas que nem conexão têm com a causa de pedir.
  Mal andariam os tribunais se tivessem que responder a todas os argumentos que são trazidos a mote de fundamento das peças apresentadas.
  «Pedido é a solicitação do autor de uma actuação judicial determinada e que está na base do processo, é o efeito jurídico que se pretende obter com a acção (artº 417º nº 3)» - cit. de Viriato Lima em Manual de Direito Processual Civil, 3ª Ed., pág. 131.
  Ora dos pedidos deduzidos de 1 a 3 da p.i., não se pode dizer que o sejam (pedidos).
  Em 4 e 5 os Autores pedem que sejam reconhecidos possuidores públicos pacíficos e de boa fé e que adquiriram por posse e usucapião o uso do parque.
  Em 6 e 7 pedem que se ordene o registo na Conservatória do registo predial do direito dos autores e que se cancele o direito registado.
  No despacho de indeferimento liminar e no Acórdão proferido explicam-se as razões e fundamentos pelos quais a pretensão das Autores não poderá nunca proceder, não havendo nada mais a apreciar.
  As considerações que os Autores tecem a cerca da alegada caducidade do direito de uso em nada relevam para a decisão da causa, não integrando a causa de pedir de pedido algum.
  Aquilo que os Autores pretendem nesta sede de arguição de nulidade é que “se ande para trás” para dizer que caducou o direito ao uso das Rés do parque de estacionamento e que o tribunal omitiu a pronúncia sobre esse aspecto.
  Verificando agora que o efeito jurídico que pretendiam alcançar com a acção é impossível querem desta forma alcançar uma decisão que impeça as Rés de usar o que é seu.
  Porém, independentemente de se recomendar melhor estudo dos direitos reais nomeadamente do direito de uso e redacção do nº 1 do artº 1411º do C.Civ., o certo é que, não se pedindo a caducidade de direito de uso algum, nada tem o tribunal que acrescer ou se pronunciar sobre a alegada caducidade do direito de uso.
  E não se confunda o indicado pedido formulado em 7 com alguma caducidade do direito de uso, porque o que ali se pede, sem espaço para outra interpretação, era o cancelamento do direito inscrito no registo predial por decorrência da inscrição do registo que os Autores queriam ver reconhecido, sendo certo que não está inscrito direito real de uso algum.
  O direito real de uso não se confunde com a afectação ao uso dos condóminos de partes comuns do edifício.
  Destarte, não interessando os argumentos invocados sob as conclusões 54 a 60 à decisão da causa não tinha este tribunal que discorrer sobre eles.
  Em sentido igual ao deste Acórdão se decidiu entre outros no acórdão de 31.05.2012, Processo nº 167/2012.
  Veja-se também Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, 3ª Ed., pág. 143.
  
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, vai indeferida a arguida nulidade.
   
   Custas pelo incidente a cargo dos reclamantes fixando a taxa de justiça em 2 Uc´s.
   
   Notifique.
   
   RAEM, 30 de Julho de 2020
_________________________
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
_________________________
Lai Kin Hong
_________________________
Fong Man Chong
   

923/2019 NULIDADE 4