Processo n.º 145/2019 Data do acórdão: 2020-7-30
Assuntos:
– erro notório na apreciação da prova
– art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal
– violação de leges artis
S U M Á R I O
Há erro notório na apreciação da prova como vício referido na alínea a) do n.o 2 do art.o 400.o do Código de Processo Penal, quando for patente que a decisão probatória do tribunal violou inclusivamente as leges artis.
O primeiro juiz-adjunto,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 145/2019
(Autos de recurso penal)
Recorrente (assistente): A
Recorrido (arguido): B
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o acórdão proferido a fls. 1793 a 1803v do Processo Comum Colectivo n.º CR5-15-0125-PCC do 5.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB), absolutório do arguido B da acusada prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de emissão de cheque sem provisão em valor consideravelmente elevado, p. e p. sobretudo pelo art.o 214.o, n.o 2, alínea a), do Código Penal, bem como do pedido cível de indemnização enxertado contra o mesmo arguido demandado, veio o ofendido assistente e demandante civil A recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), alegando, materialmente, na motivação apresentada a fls. 1822 a 1865 dos presentes autos correspondentes, que essa decisão recorrida padecia dos vícios de erro notório na apreciação da prova, de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, e de contradição insanável da fundamentação, aludidos respectivamente nas alíneas c), a) e b) do n.o 2 do art.o 400.o do Código de Processo Penal (CPP), para rogar a condenação do arguido no dito crime (entendido pelo próprio recorrente como totalmente verificado), com necessária procedência também do pedido cível, ou, pelo menos, o reenvio do processo para novo julgamento.
Ao recurso, respondeu a Digna Delegada do Procurador a fls. 1870 a 1874 dos autos, no sentido de improcedência da argumentação do recorrente.
Respondeu também o arguido recorrido a fls. 1875 a 1880, defendendo a confirmação do julgado.
Subidos os autos, a Digna Procuradora-Adjunta, em sede de vista, emitiu parecer a fls. 1895 a 1896 sobre a parte penal do recurso, pugnando pela manutenção do julgado.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos legais, cumpre decidir do recurso, nos termos constantes do presente acórdão definitivo, lavrado pelo primeiro dos juízes-adjuntos, por o M.mo Juiz Relator ter ficado vencido na solução do recurso.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se que o acórdão ora recorrido ficou proferido a fls. 1793 a 1803v, cujo teor se dá por aqui integralmente reproduzido.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesse enquadramento, apreciando:
Embora o recorrente tenha invocado a existência dos três vícios referidos nas alíneas a), b) e c) do n.o 2 do art.o 400.o do CPP, o cerne do seu recurso tem a ver com a entendida verificação do vício de erro notório na apreciação da prova, sendo certo que para o presente Tribunal de recurso, após lida toda a fundamentação fáctica da decisão judicial recorrida, não se patenteia, para já, qualquer contradição irredutível na mesma fundamentação (pelo que há que decair desde logo o vício invocado de contradição insanável de fundamentação previsto na alínea b) do n.o 2 do art.o 400.o), nem há, por outro lado, qualquer lacuna da investigação, levada a cabo pelo Tribunal recorrido, sobre o objecto probando do processo (daí que não se pode verificar o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, referido na alínea a) do n.o 2 do mesmo art.o 400.o – e sobre o sentido e alcance próprios deste vício da alínea a), cfr., por exemplo, de entre muitos outros, os acórdãos deste TSI, de 22 de Julho de 2010, do Processo n.o 441/2008, e de 17 de Maio de 2018, do Processo n.o 817/2014).
No fundo, o que o recorrente pretendeu atacar ao Tribunal recorrido é o resultado do julgamento de factos, para pretender, com o nuclearmente esgrimido, a esse Tribunal, erro notório na apreciação da prova, a condenação penal do arguido e a procedência, a final, do seu pedido cível de indemnização enxertado nos autos.
Sempre se diz que há erro notório na apreciação da prova como vício previsto na alínea c) do n.o 1 do art.o 400.o do CPP, quando for patente que a decisão probatória do tribunal violou inclusivamente as leges artis (neste sentido, e de entre muitos outros, cfr. o douto Acórdão do Venerando Tribunal de Última Instância, de 22 de Novembro de 2000, do Processo n.º 17/2000).
Na verdade, o princípio da livre apreciação da prova não significa que a entidade julgadora da prova possa fazer uma apreciação totalmente livre da prova. Pelo contrário, há que apreciar a prova sempre segundo as regras da experiência, e com observância das leges artis, ainda que (com incidência sobre o caso concreto em questão) não existam quaisquer normas legais a determinar previamente o valor das provas em consideração.
Ou seja, a livre apreciação da prova não equivale à apreciação arbitrária da prova, mas sim à apreciação prudente da prova (em todo o terreno não previamente ocupado por tais normas atinentes à prova legal) com respeito sempre das regras da experiência da vida humana e das leges artis vigentes neste campo de tarefas jurisdicionais.
E no concernente à temática da prova livre, é de relembrar os seguintes preciosos ensinamentos veiculados no MANUAL DE PROCESSO CIVIL (2.ª Edição, Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1985, páginas 470 a 472), de autoria de ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA:
– <
[…]
Há, todavia, algumas excepções ao princípio da livre apreciação da prova, que constituem como que justificados resíduos do sistema da prova legal.
[…]
Mas convém desde já conhecer os diferentes graus de convicção do julgador criados pelos meios de prova e precisar o seu alcance prático.
Quando qualquer meio de prova, não dotado de força probatória especial atribuída por lei, crie no espírito do julgador a convicção da existência de um facto, diz-se que foi feita prova bastante – ou que há prova suficiente – desse facto.
Se, porém, a esse meio de prova um outro sobrevier que crie no espírito do julgador a dúvida sobre a existência do facto, a prova deste facto desapareceu, como que se desfez. Nesse sentido se afirma que a prova bastante cede perante simples contraprova, ou seja, em face do elemento probatório que, sem convencer o julgador do facto oposto (da inexistência do facto), cria no seu espírito a dúvida séria sobre a existência do facto.
Assim, se a parte onerada com a prova de um facto conseguir, através de testemunhas, de peritos ou de qualquer outro meio de prova, persuadir o julgador da existência do facto, ela preencheu o ónus que sobre si recaía. Porém, se a parte contrária (ou o próprio tribunal) trouxer ao processo qualquer outro elemento probatório de sinal oposto, que deixe o juiz na dúvida sobre a existência do facto, dir-se-á que ele fez contraprova; e mais se não exigirá para destruir a prova bastante realizada pelo onerado, para neutralizá-la […]>>.
No caso dos autos, da leitura da fundamentação probatória da decisão recorrida, não se vislumbra que o Tribunal recorrido tenha violado qualquer norma jurídica sobre o valor das provas, ou violado qualquer regra da experiência da vida humana, ou violado quaisquer leges artis a observar no julgamento da matéria de facto.
O resultado do julgamento de factos a que chegou o Tribunal recorrido não é desrazóavel (tendo esse Tribunal explanado, com minúcia, e necessária congruência lógica, o processo de formação da sua convicção sobre os factos), não houve, aí, pois, qualquer violação do princípio da livre apreciação da prova.
Assim, em face desse resultado do julgamento de factos, é também legal e correcta a decisão absolutória penal e civil tomada pelo mesmo Tribunal recorrido, sem mais indagação por ociosa ou prejudicada.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar não provido o recurso.
Pagará o recorrente as custas da parte civil do seu recurso, e seis UC de taxa de justiça pelo decaimento total na parte penal do recurso.
Macau, 30 de Julho de 2020.
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Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)
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Tam Hio Wa
(Segunda Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Relator)
(附表決聲明)
第145/2019號上訴案
表決聲明
作為本案的原裁判書製作人,在合議庭的評議會表決上落敗於大多數意見,現作以下表決聲明;
上訴人在所提交的上訴狀中,指被上訴判決存在《刑事訴訟法典》第400條第2款a項、b項和c項所指的瑕疵,即“獲證明之事實上之事宜不足以支持作出該裁判”、“在說明理由方面出現不可補救之矛盾”及“審查證據方面的明顯錯誤”。雖然,從上訴人所表達的不同意原審法院不採納其所提供的事實版本繼而開釋嫌犯的決定的上訴理由來看,其所質疑的並非屬於事實不足和說明理由矛盾的問題,而是證據審查存在錯誤的問題,但是,作為輔助人,在這類空頭支票罪的案件中,其所需要陳述的事實僅是證明的持有一張不能兌現的支票足矣,而其他,則由嫌犯負責證明其他可能令其不受刑事處罰的事實。
所以,就本案的具體事實和情節而言,上訴人的上訴理由也僅需提出一項法律問題,根據已證事實,嫌犯的行為已經足以構成簽發空頭支票罪。
誠然,本案屬於一個發回重審的案件,中級法院合議庭於第872/2016號上訴案中,基於原審法院沒有審理重要的事實而發回重審,當時的決定的理由主要是:
“我們認為,如果存在任何的協議,尤其是對空白支票的填寫協議,甚至像本案協議文件所指的不能承兌的協議,在雙方同意的基礎上,使得支票不能付款就不能認為行為人存在犯罪的故意的主觀要素。
那麼,原審法院在錯誤的判斷的基礎上而認為協議無效,也不能不去查明是否存在這個協議,因為這個問題一直就是訴訟的重要標的。也就是說,原審法院在作出這些雖然是錯誤的判斷之前,也應該在確定是否存在協議的事實基礎上進行審理,否則,確實陷入了事實不足以作出法律適用的瑕疵之中。”
原審法院經過重審認定了“輔助人和嫌犯以協議書對上述港幣一千四百萬元(HKD$14,000,000.00)款項作出規範,見卷宗第378頁,為著適當的法律效力,在此視為全文轉錄。”
被上訴法院的判決書基於未能證實嫌犯在簽發空白支票時候的故意,而裁定其罪名不成立。
因此,根據第一和第二次審理的問題,本上訴需要解決的關鍵是原審法院所認定的“協議”事實是否可以用以認定為嫌犯與輔助人之間有關對空白日期的支票的填寫問題所達成了協議,並依此可以排除嫌犯簽發支票的故意。
正如在上述提到的第872/2016號上訴案也提到的,在理論和司法實踐上,基於《刑法典》第214條第1款的規定,並結合澳門《商法典》的有關規定,人們一般地總結出以下的簽發空頭支票罪的構成要素:
1、出具一張支票(包括填寫及向持票人的交付。當出票人填寫支票及交出支票轉給受益人持有時,依據普遍學說,便產生了一系列權利及義務。1);
2、存款欠缺或不足(即在支票交兌時──以8天為期──在出票人的銀行帳戶中存款不足);
3、一般故意(指行為人的行動意圖是故意的,其意識到存款不足且這一行為具有不法性);2
簽發空頭支票罪為一危險犯,只要意識到行為的不法性以及欠缺付款之存款就足以構成既遂,因為它立即產生了作為可轉移的票據在經濟流通中的危險──支票作為支付手段,但有關行為人沒有付清債務之能力。因此,不能視支票為設立債務或債務擔保的文件。3
我們應該承認,現在的社會,一方面越來越多的支付工具的出現已經在很多方面代替了支票的功能,而另外一方面,支票在此存在“生存”危機的關鍵時候,卻有被用於扮演更等多的角色,甚至原來沒有具備的。但是,無論如何,支票仍然在合法的條件下收到刑事法律的保護,尤其是在澳門現有的刑法的立法環境中,這些都得到了一貫的司法見解的堅持。
即使在支票的簽發背後存在一個發票人及受益人之間的民事債務關係,甚至乎支票只用作擔保之用,但並不代表該票據會因此失去支票一切的特徵和功能。其實,正因支票具有極高的流通性,以及得到法律特別的保護(包括在刑事上),才能夠成為借貸雙方都放心使用的擔保工具。4 甚至,在當事人各方地位平等、表達意思自由並受到法律保護的借貸合同中,沒有任何人可以強迫對方使用或者不使用支票作為擔保工具,當人們自願地在交易過程中不運用支票的固有支付功能,也不能完全抛棄其本身具有的能夠充分受到刑法保護的特點。
也就是說,嫌犯在以單純的簽名發出支票的時候起,就將這個被視為現款的支票就推向流通領域,只要持票人遵守“填寫協議”,支票仍然受到刑法保護。
所顯示的可見,嫌犯交付給發上訴人一張沒有填寫日期的支票,雙方並沒有就支票的交付承兌日期的空白達成填寫協議,出票人就有責任保障有關支票必須具有充足的資金對支票作出支付。
至於原審法院所得出的嫌犯不存在簽發空頭支票的故意的結論,是一個法律問題,並非事實問題,上訴法院仍然可以憑藉已證事實和未證事實作出推斷以認定這項結論性事實。
因此,在本案中,即使根據原審法院所認定的新的已證事實:“輔助人和嫌犯以協議書對上述港幣一千四百萬元(HKD$14,000,000.00)款項作出規範。見卷宗第378頁,為著適當的法律效力,在此視為全文轉錄”,而根據協議的內容(卷宗第378頁)結合未證事實,也未能肯定雙方的就填寫支票的空白部分達成了填寫協議,而於原審法院所認定的,也都不能顯示此足以被視為空白日期的“填寫協議”。
在這裡,從簽發支票行為作出的一刻起,只有當輔助人在事後填寫該支票金額時不根據雙方協議進行(例如填寫一個大於嫌犯實際所獲得之籌碼金額時)方會出現填寫協議的違反。本案的支票並沒有失去屬於支票的一切功能,包括刑事保護,也就是說,既然卷宗內涉案的支票應視為一張具備法定效力的支票,而它的不能兌現就應該產生刑事責任的效力。
很顯然,根據已證事實,嫌犯的行為已符合一項《刑法典》第214條第1款及第2款a)項,配合《商法典》第1240條及《刑法典》第196條b)項所規定及處罰的「簽發空頭支票罪」。
因此,應該判處上訴人的上訴理由成立,廢止原審法院被上訴的無罪判決,並依照終審法院在2020年4月3日第130/2019號案件的統一司法見解(載於2020年4月27日第17期《澳門特別行政區公報》第一組第二副刊)直接作出量刑改判以及裁定上訴人的損害賠償請求成立,作出嫌犯對受害人承擔賠償責任的判決。
澳門特別行政區,2020年7月30日
蔡武彬
1 見Lucas Coelho在《空頭支票的刑事問題》,第29頁。
2 見1980年11月20日之判例,BMJ,301.263。
可見,對其的可處罰條件為:
• 在8日法定期限前提示付款(自支票上所載之日期開始計算);
• 證實因欠缺存款或存款不足而無法兌現(在此必須證實存款不足是在應提示支票供付款之期間內存在)。
3 此一論調一如葡萄牙最高法院於1969年6月11日在一合議庭裁判中指出“沒有以支票保證的借款,因為出具支票產生了一種絕對的票據義務,儘管存有一種內在關係為據亦然。”
4 參見中級法院於2017年1月26日在第50/2016號上訴案的判決。
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