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Processo nº 267/2020
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data do Acórdão: 30 de Julho de 2020

ASSUNTO:
- Violação do princípio do contraditório.
- Notificação para o efeito do artº 3º nº 3 do CPC.
- Contrato de promoção de jogos de fortuna e azar.
- Limite das comissões e remunerações pagas aos promotores de jogo.
- Liberdade contratual

SUMÁRIO:
- Notificadas as partes para se pronunciarem sobre a eficácia das cláusulas contratuais face aos diplomas legais que regulam os jogos de fortuna e azar, foi dado cumprimento ao princípio do contraditório expresso no nº 3 do artº 3º do CPC.
- O facto do promotor de jogo participar em determinada percentagem nos prejuízos gerados pelas mesas de jogo que ao abrigo do contrato de promoção de jogos de fortuna e azar lhe foram cedidas para exploração, não é bastante para se concluir que houve transferência da exploração de jogos de fortuna e azar para efeitos do nº 9 do artº 17º da Lei nº 16/2001.
- O artº 27º do Regulamento Administrativo nº 6/2002 e o Despacho do Secretário para a Economia e Finanças nº 83/2009 consagram apenas o limite máximo das comissões e remunerações a pagar aos promotores de jogo pelas concessionárias.
- No âmbito da liberdade contratual as partes são livres de fixar no contrato a proporção em que entre si repartem os ganhos ou os prejuízos desde que não ultrapassem o limite legal máximo fixado.


____________________________
Rui Pereira Ribeiro







Processo nº 267/2020
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 30 de Julho de 2020
Recorrente: A, S.A.
Recorridos: B Promotor de Jogo Sociedade Unipessoal Lda.
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  A, S.A, com os demais sinais dos autos,
  vem instaurar acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra
  B Promotor de Jogo Sociedade Unipessoal Limitada, também, com os demais sinais dos autos,
  Pedindo que a presente acção seja julgada procedente, por provada e, em consequência, ser a Ré condenada a pagar à Autora a quantia global de MOP7.638.866,91 (sete milhões, seiscentas e trinta e oito mil, oitocentas e sessenta e seis patacas e noventa e um avos), sendo MOP6.335.599,40 (seis milhões, trezentas e trinta e cinco mil, quinhentas e noventa e nove patacas e quarenta avos) a título de capital, e MOP1.303.267,40 (um milhão, trezentos e três mil, duzentas e sessenta e sete patacas e quarenta avos), a título de juros de mora legais, calculados à taxa legal, desde a data da constituição em mora até a data da entrada da presente acção, bem como os vincendos até efectivo e integral pagamento, e ainda no pagamento de custas e procuradoria devida.
  Proferida sentença, foi a acção julgada parcialmente procedente e a Ré condenada a pagar à Autora a quantia de HKD27.574,38, acrescido dos juros à taxa de 11,75% contados a partir de 30 de Setembro de 2015.
  Não se conformando com a decisão proferida vem a Autora interpor recurso da mesma, formulando as seguintes conclusões e pedido:
I. Vem o presente Recurso interposto da decisão final proferida pelo douto Tribunal a quo que julgou a presente acção parcialmente procedente e em consequência decidiu “condenar a Ré, B Promotor de Jogo Unipessoal Lda., a pagar à Autora, A, S.A., a quantia de HKD27.574.38, acrescido de juros à de 11,75% contados a partir de 30 de Setembro de 2015.”
II. A ora Recorrente não se conforma com esta decisão e está em crer que a mesma padece de nulidade por violação do disposto no artigo 3º, nº 3 do CPC e vício de erro na aplicação do direito.
III. A ora Recorrente não se conforma com o entendimento do douto Tribunal a quo no que respeita à (i) nulidade da cláusula contratual que estabelece que a remuneração da Ré corresponde a 55% dos ganhos da sala VIP por violação do limite estabelecido no Despacho do Secretário para a Economia e Finanças nº 83/2009 e (ii) à violação do disposto nos artigos 7º e 17º da Lei nº 16/2001, de 24 de Setembro.
IV. Conforme resulta dos factos apurados, a comissão da Ré pode ser calculada com base nos ganhos da sala VIP e com base nas fichas adquiridas, sendo que a percentagem aplicável aos ganhos da sala variava entre os 45% e 55%, e sobre as fichas adquiridas, 0,04% e 0,12%, sendo que o que serve de base ao limite da remuneração do promotor de jogo fixado no Despacho do Secretário para a Economia e Finanças nº 83/2009 é o valor total apostado (net rolling).
V. Nenhuma ligação existe entre as fichas adquiridas por um lado e o valor total apostado por outro, e nem entre os ganhos da sala VIP e o valor total apostado, não se podendo retirar de uns valores os outros.
Assim sendo,
VI. Parece indiscutível que, da letra do contrato dos autos não resulta qualquer violação ao limite imposto pelo Despacho do Secretário para a Economia e Finanças nº 83/2009.
VII. Por outro lado, por não existirem nos autos quaisquer informações relativas ao net rolling (valor total apostado), também em termos de facto não poderia o douto Tribunal chegar à conclusão a que chegou.
VIII. Mas ainda que se conceba a hipótese de, na prática, a remuneração a pagar à Ré por força do contrato dos autos poder ultrapassar o limite estabelecido no mencionado Despacho, o certo é que não passa disso mesmo, de uma mera possibilidade não geradora de nulidade da cláusula contratual que estabeleceu a remuneração da Ré. Ademais,
IX. O normativo contido em tal Despacho prescreve apenas que a remuneração não pode ultrapassar um determinado limite, sendo que, na modesta opinião da ora Recorrente, caso esse limite seja de facto ultrapassado, a consequência seria a impossibilidade de a ora Autora pagar à Ré o valor que fosse em excesso daquele limite.
X. Nem do Despacho do Secretário para a Economia e Finanças nº 83/2009, nem de qualquer outro que disciplina os contratos de promoção de jogo, resulta qualquer limitação à modalidade que pode revestir a remuneração do promotor e nem à forma como a mesma é estabelecida, sendo que a preocupação da lei nesta questão se prende só com o seu limite máximo e em claro beneficio das concessionárias que não só não estão obrigadas, como não podem, pagar mais do que o limite estabelecido na lei, independentemente de, de acordo com a forma de cálculo estabelecida no contrato, na prática, a remuneração poder atingir um valor que o ultrapasse.
XI. Ora, face ao supra exposto incorreu em erro de direito o douto Tribunal a quo ao considerar que a cláusula que estabelece o valor da remuneração da Ré viola o disposto no Despacho do Secretário para a Economia e Finanças nº 83/2009, sendo por conseguinte nula.
XII. O douto Tribunal a quo entende que se estabeleceu uma parceria entre a Autora e a Ré na exploração do jogo, sendo que, nada indica que a Ré foi autorizada nos termos do artigo 17º, nº 9 da Lei nº 16/2001, e por conseguinte julgou ser nulo o contrato de promoção de jogo em causa nos presentes autos.
XIII. Sem perder de vista o convite veiculado pelo despacho de fls. 148, esta decisão trata-se de uma decisão surpresa.
XIV. O despacho de fls. 148 foi proferido já depois de realizada a audiência de discussão e julgamento e decidida a matéria de facto e a ele respondeu a ora Recorrente através do requerimento apresentado a juízo em 03 de Setembro de 2019, para o qual se remete.
XV. Face ao teor do despacho de fls. 148 dos autos, a ora Recorrente podia contar que o douto Tribunal a quo antevia questões que se poderiam prender com a eficácia das cláusulas relativas à remuneração da Recorrida, porém, para além das que se prendem com a eventual violação dos limites impostos pelo Regulamento Administrativo 27/2009 e o Despacho do Secretário para a Economia e Finanças nº 83/2009 não lhe era possível antever em que outras eventuais violações tais cláusulas poderiam incorrer.
XVI. Em termos gerais, na sua resposta a ora Recorrente remete para o controlo que a Direcção de Inspecção de Jogos faz dos Contratos de Promoção de Jogos realiza em relação não só aos Contratos de Promoção de Jogos para de toda a actividade desenvolvida pelas Concessionárias e os seus Promotores, e mais especificamente, no que respeita à eventual violação dos limites impostos pelo Regulamento Administrativo 27/2009 e o Despacho do Secretário para a Economia e Finanças nº 83/2009, tentar afastá-la com recurso aos factos apurados, ao direito aplicável e à mais recente jurisprudência firmada no douto Acórdão do TUI, no que respeita à vertente negativa da remuneração.
XVII. Foi por isso com evidente surpresa que a ora Recorrente se deparou com o entendimento de que as referidas cláusula contratuais contendiam com o disposto nos artigos 7º e 17º da Lei nº 16/2001, estando em crer, face à extensão da Lei em que os mesmos se enquadram e nunca a questão tendo sido abordada nos presentes autos, dever o douto Tribunal a quo ter mencionado especificamente estas disposições legais no referido despacho de fls. 148, assim dando cabal cumprimento ao princípio do contraditório nele invocado, não se compreendendo por que motivo não o fez por forma a dar às partes a oportunidade de se pronunciarem de forma completa e esclarecida.
XVIII. Tanto mais quando o entendimento do douto Tribunal a quo em relação à alegada violação daquelas disposições legais se reputou essencial e determinante na decisão da causa.
XIX. Donde, salvo devido respeito, a decisão ora em crise, uma decisão surpresa, por não dar cabal cumprimento ao disposto no artigo 3º, nº 3 do CPC, padece de nulidade, desde já se remetendo na íntegra para o c1arissimo e douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 04/19/2018, proferido no âmbito do processo nº 533/04.0TMBRG-K.G1, disponível em www.dgsi.pt. e que, não obstante a sua extensão, face à sua clareza e adequação a título de direito comparado se invoca:
XX. Salvo devido respeito por melhor opinião, nesta matéria, não é este o único vício que se pode assacar à decisão recorrida, estando-se em crer que nenhuma das cláusulas do contrato de autos, designamente aquelas que incidem sobre a remuneração da Recorrida, viola o disposto nos artigos 7º e 17º, nº 9 da Lei 16/2001.
XXI. Conforme resulta das disposições legais que o douto Tribunal considera violadas, é nula a transferência/cessão para terceiro da exploração de jogos, não nos parece porém que isso se verifique no caso dos autos.
XXII. Para que se fale em transferência/cessão da exploração de jogos necessário nos parece ser que a concessionária, neste caso a ora Recorrente, transfira para um terceiro a faculdade de explorar, de forma autónoma e independente e por sua conta e risco, a actividades de jogos de fortuna ou azar em casino, essa transferência pode ocorrer limitada à exploração de jogos numa específica sala VIP, mas, quer nos parecer que o que a lei pretendeu impedir é o exercício autónomo e por entidade não autorizada da actividade de exploração de jogos e não uma mera partilha de resultados, positivos e negativos.
XXIII. A actividade de exploração de jogos de fortuna e azar é uma actividade muito complexa e mediante a qual se disponibiliza ao cliente o jogo, providenciando um espaço, mesas de jogo, slot machines, cartas, fichas, croupiers, aceitação de apostas, pagamento ou apropriação do resultado do jogo … e no presente caso, nenhuma destas obrigações foi transferida para o promotor do jogo, tendo sido sempre a ora Recorrente quem, durante a execução do contrato, providenciou aos jogadores a sala, as mesas de jogo, as cartas, as fichas, os croupiers, aceitou as apostas e pagou/reteve o resultado do jogo,
XXIV. A Recorrida por seu turno angariava clientes para jogar na sala VIP e aproveitava ou participava da actividade desenvolvida pela Recorrente, na medida em que a sua retribuição dependia dos resultados obtidos pela sala VIP, sem que isso signifique que explorasse ou sequer lhe tivesse sido transferida/cedida a exploração do jogo.
XXV. Explorar a actividade de jogo não pode senão significar a prática de todo o conjunto de actos materiais e jurídicos que o jogo envolve, por forma a se obter as virtualidades económicas que o mesmo encerra, em benefício próprio e exclusivo, pelo que a participação nos resultados, quer eles sejam positivos quer negativos, de uma determinada sala VIP não é subsumível à figura da transferência/cessão da actividade prevista na lei, tal participação, por si só não é suficiente para se preencher a previsão da norma.
XXVI. A exploração de jogo, conforme é prevista na própria lei do Jogo, implica e traz consigo sempre a execução de um concreto jogo ou o exercício autónomo da actividade em questão - veja-se a propósito os artigos 1º, nº 2, alínea a), ou art. 3º, nº 1, art. 4º, art. 5º, nº 5 – e é esta exploração, salvo devido respeito, que a norma contida no artigo 17º, nº 9 quis prevenir.
XXVII. Parece-nos claro que a lei nos referidos preceitos legais (artigo 7º e 17º, nº 9) não teve em vista uma mera participação nos resultados da sala, como forma de remuneração da actividade do promotor, o que tais preceitos pretendem evitar é que um terceiro não autorizado tome as rédeas da exploração de uma actividade altamente regulada e a a qual só entidades devidamente autorizadas, face às responsabilidades sociais que acarretam, estão em condições de facultar ao grande público.
XXVIII. Quanto à licitude de essa remuneração ser negativa, já se pronunciaram os doutos Tribunais de Segunda e Última Instância, no âmbito do processo 4/2015, nos acórdãos citados na decisão recorrida e para os quais face à sua relevância se remete, tendo em tais arestos sido decidido que a vertente negativa da remuneração da promotora cabe na autonomia das partes e não contende com qualquer norma que regula o contrato dos autos, conforme aliás reconheceu o próprio tribunal a quo.
XXIX. Assim sendo, a possibilidade da Recorrida participar nas perdas da sala VIP e de se ver sujeita a penalizações por não atingir os objectivos contratualmente impostos, não importa qualquer transferência da exploração da sala, representando somente uma fórmula de cálculo da comissão a que a Recorrida estava intitulada por força do contrato de promoção de jogo.
XXX. Esta prática é uma prática normal e comummente aceite na indústria do jogo da RAEM, sendo que os contratos entre concessionária e promotor de jogo não são o resultado de uma mera relação especifica entre uma concessionária e um determinado promotor de jogo, mas antes obedece a um padrão ou a um standard já aceite no sector de jogo, sendo apenas normal fixar o valor ou a percentagem específica a um determinado promotor de jogo num modelo de contrato já existente.
XXXI. Tal modelo de contrato existe no sentido em que ele plasma a vontade dos próprios promotores de jogo de quererem participar nos lucros e prejuízos resultantes do trabalho por eles desenvolvido, sendo esta uma forma de obterem um maior rendimento.
XXXII. A existência no contrato de promoção de jogo de uma variante de cálculo da comissão que passe também pela aplicação de uma percentagem às perdas verificadas na sala VIP objecto do contrato de promoção e que a aplicação de tal variante possa implicar para o promotor a obrigação de compensar a concessionária pelo mau resultado da sua-actividade, não implica, salvo devido respeito por melhor opinião, a cessão ou transferência, ainda que parcial, da exploração dos jogos naquela Sala VIP.
XXXIII. Ademais, se o contrato de promoção de jogo em causa nos presentes autos implicasse uma verdadeira cessão da exploração da sala VIP objecto do mesmo não autorizada, a entidade reguladora do sector, ou seja, a Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos (DICJ) há muito teria intervindo enquanto entidade reguladora e fiscalizadora da actividade de jogo e mais especificamente da legalidades dos contratos celebrados entre concessionárias e promotores, cfr artigo 6º alíneas 2) e 4) do supra mencionado Regulamento Administrativo.
XXXIV. Assim, salvo devido respeito por melhor opinião, não se afigura correcto o entendimento do douto Tribunal a quo de que o contrato de promoção de jogo celebrado entre a ora Recorrente e a Recorrida é nulo por violação do disposto no artigo 17º, nº 9 da Lei 16/2001, uma vez que o mesmo implica uma cessão, ainda que parcial, da exploração da sala VIP para a Recorrida.
XXXV. Motivo pelo qual, por violar o disposto nos artigos 27º do Regulamento Administrativo 27/2009, o nº 1 do Despacho do Secretário para a Economia e Finanças, o artigo 3º, nº 3 do C.P.C. e os artigos 7º e 17º, nº 9 da Lei 16/2001, deverá a decisão recorrida ser revogada e substituída por uma outra que, face à factualidade assente e provada no âmbito dos presentes autos, julgue procedentes por provados os pedidos da ora Recorrente.
Termos em que e nos demais de Direito deve o presente Recurso ser julgado procedente por provado e ser a decisão recorrida revogada e substituída por uma outra que julgue a acção procedente por provada,
Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!
  Contra-alegando veio a Recorrida pugnar para que fosse negado provimento ao recurso, apresentando as seguintes conclusões:
1. A autora recorreu invocando dois vícios: 1) Nulidade por violação do artigo 3º, nº 3 do CPC; 2) Nulidade por errada aplicação da lei relativamente à remuneração estipulada no Contrato de Promoção de Jogos.
2. Disso discorda a ré.
Da nulidade por violação do artigo 3º, nº 3 do CPC
3. Após a leitura da decisão da matéria de facto, as partes não se pronunciaram, de forma alguma, sobre o “modo de cálculo de remuneração da sala VIP” nos aspectos relativos ao disposto na Lei nº 16/2001, RA nº 6/2002, RA nº 27/2009 e Despacho do Secretário para a Economia e Finanças nº 83/2009. Nesta circunstância, o Tribunal a quo, por despacho de fls. 148, notificou as partes para se pronunciarem sobre a respectiva questão, de forma a decidir sobre as questões de direito.
4. Daí se vislumbra que o Tribunal a quo antes da tomada da decisão procedeu, no cumprimento do princípio do contraditório, à notificação de ambas as partes, não violando assim o disposto no artigo 3º, nº 3 do CPC.
5. Além disso, de acordo com o artigo 147º, nº 1 do mesmo Código, mesmo que se entenda que se violou o princípio do contraditório, disso não resultaria a nulidade da sentença prevista no artigo 571º do CPC.
6. A arguição, por meio de recurso, da nulidade-de-sentença só é viável quando se verifique qualquer-dos requisitos do artigo 571º do CPC.
7. Se a autora considerou nulo o referido despache de fls. 148, devia ter deduzido a arguição no prazo de 10 dias a partir da tomada de conhecimento do despacho. No entanto, a autora não arguiu a nulidade perante o Tribunal a quo na sua resposta constante de fls. 151 a 158 dos autos.
8. Face ao exposto, a violação do princípio do contraditório apenas conduz à nulidade processual, que não pode ser legalmente arguida através de recurso. Com a mesma jurisprudência, veja-se os acórdãos do TUI de 30 de Abril de 2007, 11 de Novembro de 2008 e 26 de Setembro de 2012, respectivamente proferidos nos processos nºs 10/2007, 337/2008 e 59/2012.
Da nulidade por errada aplicação da lei relativamente à remuneração estipulada no Contrato de Promoção de Jogos
9. A ré concorda com o entendimento do Tribunal a quo exposto na decisão deste, dando-se aqui por integralmente reproduzido o teor constante de fls. 16 a fls. 21 (até a 13ª linha).
10. O “modo de cálculo de remuneração da sala VIP” manifestamente viola o disposto no Despacho do Secretário para a Economia e Finanças nº 83/2009 e nos artigos 7º e 17º da Lei nº 16/2001, pelo que deve ser declarado como negócio jurídico nulo ao abrigo do disposto no artigo 273º do CC.”
Face ao expendido, pede que seja julgada improcedente o recurso e, em consequência, se mantenha a decisão do TJB e se condene a recorrente no pagamento de todos os encargos processuais e dos honorários de advogado da recorrida.
Assim se fazendo habitual JUSTIÇA!

Foram colhidos os vistos.

Cumpre, assim, apreciar e decidir.
  
II. FUNDAMENTAÇÃO

a) Factos

Da sentença sob recurso consta a seguinte factualidade:
Da Matéria de Facto Assente:
- A Autora é uma sociedade comercial anónima que se dedica à exploração de jogos de fortuna e azar em casino e é concessionária para tal actividade nos termos do contrato celebrado por escritura pública em 28 de Março de 2002 com o Governo da Região Administrativa Especial de Macau (alínea A) dos factos assentes).
- A Ré é uma sociedade registada na Conservatória do Registo Comercial de Macau sob o n.º 41804 (SO) que se dedica à actividade de promoção de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em Casino (alínea B) dos factos assentes).
- Em 09 de Março de 2012, a Autora e a Ré celebraram um Contrato de Promoção de Jogos de Fortuna ou Azar em Casino para a sala B VIP Club (HJ233), no Casino Grand Lisboa (alínea C) dos factos assentes).
- Na data da celebração do referido acordo a Ré era titular da licença de promotor de jogo n.º E349 emitida pela Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos (alínea D) dos factos assentes).
- No âmbito do referido Contrato a Ré comprometeu-se a tomar todas as diligências necessárias à promoção do mercado, entre as quais, o aprovisionamento de transporte, alimentação, alojamento e entretenimento, com vista a captar interessados para jogarem na referida sala VIP (alínea E) dos factos assentes).
- E comprometeu-se a, mediante remuneração, adquirir mensalmente à Autora, para os jogadores por si angariados, fichas de jogo especiais, destinadas a serem exclusivamente utilizadas na sala B VIP Club (HJ233), no valor mínimo de HK$250,000,000.00 por cada mesa (alínea F) dos factos assentes).
- Autora e ré acordaram que a retribuição acordada era paga pela Autora à Ré até ao dia 10 do mês seguinte a que a mesma diz respeito (alínea G) dos factos assentes).
- A Ré comprometeu-se a compensar a Autora pelas perdas verificadas na Sala VIP por si promovida até ao dia 15 do mês seguinte a que tais perdas digam respeito e autorizou a Autora a descontar nas retribuições que lhe competissem os valores das compensações (alínea H) dos factos assentes).
- A Ré autorizou a Autora a descontar os impostos legalmente estabelecidos nas remunerações cujo pagamento lhe fosse devido (alínea I) dos factos assentes).
- A Sala VIP promovida pela Ré contava, aquando da celebração do Contrato de Promoção de Jogo, com 12 mesas de jogo, tendo gradualmente sido este número reduzido até que, aquando da cessação do contrato já só contava com 3 mesas (alínea J) dos factos assentes).
- O contrato foi inicialmente celebrado pelo prazo de 3 anos, tendo depois vindo a ser prorrogado até 30 de Junho de 2015 (alínea K) dos factos assentes).
- Em 26 de Dezembro de 2013, a Autora e a Ré celebraram um Aditamento ao Contrato nos termos do qual concordaram alterar os objectivos da Ré, sendo que agora esta teria que promover a aquisição um volume mínimo de fichas especiais por mesa correspondente a HK$200,000,000.00 ou assegurar que cada mesa tivesse um ganho mensal superior a HK$5,000,000.00 (alínea L) dos factos assentes).
- E acordaram alterar a forma de cálculo da remuneração que à Ré cabia, nos termos seguintes (alínea M) dos factos assentes):
Montante de Fichas por mês
e por mesa
Comissão baseada nos ganhos
Comissão sobre fichas adquiridas
Subsídio
De
Até



750 milhões
Mais
47,50%
0,1200%
0,03%
700 milhões
750 milhões
47,50%
0,1100%
0,03%
650 milhões
700 milhões
47,50%
0,1000%
0,03%
600 milhões
650 milhões
47,50%
0,0900%
0,03%
550 milhões
600 milhões
47,50%
0,0800%
0,03%
500 milhões
550 milhões
47,50%
0,0700%
0,03%
450 milhões
500 milhões
46.00%
0,0600%
0,03%
400 milhões
450 milhões
46,00%
0,0550%
0,03%
350 milhões
400 milhões
46,00%
0,0500%
0,03%
300 milhões
350 milhões
46,00%
0,0450%
0,03%
250 milhões
300 milhões
46,00%
0,0400%
0,03%
200 milhões
250 milhões
46,00%
0,0000%
0,03%
Menos de 200 milhões
45%
0,0000%
0,03%
- O subsídio de 0.03% que consta da última coluna da tabela supra, diz respeito a uma provisão no valor máximo correspondente a 0.03% das fichas adquiridas, para fazer face às despesas de refeições, alojamento e transporte incorridas no âmbito da sua actividade (alínea N) dos factos assentes).
- Essa provisão devia ser utilizada em estabelecimentos alimentares para o efeito designados, por meio de bilhetes de oferta de jetfoil e vouchers de alojamento em quartos de hotel designados (alínea O) dos factos assentes).
- Ainda nos termos acordados no referido Aditamento, caso a Ré não conseguisse atingir os objectivos mencionados, a sua comissão seria calculada à razão de 55% dos resultados líquidos da Sala VIP, acrescida ou deduzida de uma penalização correspondente a HK$500,000.00 por mesa de jogo (alínea P) dos factos assentes).
- Foi também acordado que, caso as receitas da sala de jogo promovida pela Ré fossem negativas e/ou caso a penalização a que a Ré estava sujeita, ultrapassassem o valor da Comissão a que estava intitulada, a Autora estava autorizada a descontar os valores a suportar pela ré nas retribuições que lhe coubessem (alínea Q) dos factos assentes).
- O contrato de promoção de jogo celebrado entre as partes terminou a pedido da Ré no dia 13 de Junho de 2015 a pedido da ré, face aos reiterados maus resultados alcançados na sala VIP por si promovida (alínea R) dos factos assentes).
- Em Março de 2015, a Ré não conseguiu promover a aquisição de quaisquer fichas para a sala de jogo por si promovida. E (alínea S) dos factos assentes).
- Nesse mês, a Sala Vip apresentou uma perda de HK$520,000.00 (alínea T) dos factos assentes).
- No mês de Abril de 2015, a Ré também não promoveu a aquisição de quaisquer fichas para a sala vip (alínea U) dos factos assentes).
- Porém, a referida sala teve um ganho de HK$1,083,000.00 (alínea V) dos factos assentes).
- Em Maio de 2015, a Ré promoveu a aquisição de fichas no valor de HK$24,930,000.00 (alínea W) dos factos assentes).
- Nesse mês a sala VIP apresentou perdas no valor de HK$2,212,000.00 (alínea X) dos factos assentes).
- Relativamente a esse mês, a autora suportou imposto no valor de HK$2,493.00 (alínea Y) dos factos assentes).
- No mês de Junho de 2015 a Ré não promoveu a aquisição de fichas especiais para serem jogadas na Sala VIP (alínea Z) dos factos assentes).
- Nesse mês, a Sala VIP apresentou uma perda de HK$116,455.00 (alínea AA) dos factos assentes).
- Nos meses de Maio e Junho de 2015 a ré despendeu HK$27,574.38 com alojamento e transporte de clientes, além da provisão acordada para esse efeito (alínea BB) dos factos assentes).
- No mês de Abril de 2015 a Ré despendeu em alojamento e transporte com os Clientes por si angariados, o valor de HK$2,723.38 (alínea CC) dos factos assentes).
- No mês de Maio de 2015, a ré gastou em transporte e acomodação para os seus clientes o montante de HK$31,646.00 (alínea DD) dos factos assentes).
- No mês de Junho de 2015, não tendo promovido a aquisição de fichas, a Ré incorreu em despesas de alojamento e transporte no valor de HK$684.00 (alínea EE) dos factos assentes).
- A Réu não pagou à autora a quantia por ela reclamada nos presentes autos (alínea FF) dos factos assentes).
- Por carta datada de 16 de Junho de 2015, a ré, para além de reconhecer que tinha uma dívida para com a Autora, solicitou-lhe o pagamento da mesma em 10 prestações mensais, sendo a primeira a pagar no dia 15/08/2016 e a última no dia 15/05/2016 (alínea GG) dos factos assentes).
Da Base Instrutória:
- A Autora aceitou o pedido de pagamento em prestações apresentada pela Ré referido em GG) dos factos assentes (resposta ao quesito 2º da base instrutória).
- E enviou à Ré a carta cuja cópia consta de fls. 79 a 80 solicitando-lhe que no prazo de 7 dias se deslocasse às instalações da Autora a fim de assinar não só dos documentos referentes à cessação do contrato de promoção de jogo e encerramento da sala VIP, mas ainda o documento referente ao acordo de pagamento de HK$6.151.067,38 em dez prestações mensais (resposta ao quesito 3º da base instrutória).
- Tendo advertido expressamente a ré que caso não comparecesse na referida data a dívida ser-lhe-ia exigida integralmente (resposta ao quesito 4º da base instrutória).
- A Ré não compareceu nas instalações da Autora para os fins solicitados na referida missiva (resposta ao quesito 5º da base instrutória).
- A Autora, através dos seus mandatários, enviou cartas ao Administrador da Ré para a morada deste e para a sede da Ré constantes do registo comercial deste, solicitando o pagamento da quantia de HK$6.151.067,38 (resposta ao quesito 6º da base instrutória).
- As cartas referidas na resposta ao quesito 6º vieram devolvidas por não terem sido reclamadas (resposta ao quesito 7º da base instrutória).

b) Do Direito.
  
  Da nulidade da decisão por violação do disposto no artº 3º nº 3 do CPC, invocada na conclusão II.
  Realizada a audiência de discussão e julgamento e decorrido o prazo para as alegações de direito, veio a ser proferido o despacho de fls. 148 com o seguinte teor:
  «Tendo em conta os factos provados e o regime legal nesta matéria, mormente a constante da Lei nº 16/2001, dos Regulamentos Administrativos nº 6/2002 e nº 27/2009 e do Despacho do Secretário para a Economia e Finanças nº 83/2009, pode-se suscitar o problema de eficácia das cláusulas contratuais constantes do contrato de promoção, designadamente a que fixa o direito a 55% ou dever a 55% dos resultados conseguidos nas mesas de jogo em que a Ré exercia a sua actividade e a penalização quando os objectivos fixados no contrato não são atingidos.
  Assim, notifique as partes para, querendo, pronunciar-se – artigo 3º, nº 3, do CPC.».
  Notificadas as partes daquele despacho veio a Autora responder nos termos que constam de fls. 151 a 158, de onde conclui que «… Interpretando os preceitos em análise, salta logo à vista desarmada que os artigos 1.º e 2.º nada têm que ver com o tema em apreciação, pois se limitam a estatuir sobre o âmbito do diploma normativo (artigo 1.º) e sobre a noção de actividade de promoção de jogos (artigo 2.º), embora este adiante que é essencial que ao promotor de jogo caiba uma contrapartida de uma comissão ou outra remuneração paga por uma concessionária.
  Quer dizer, o artigo 2.º impõe que o promotor de jogo tenha uma remuneração, mas não impõe concretamente qual seja.
  Por outro lado, o artigo 27.º dispõe que o Secretário para a Economia e Finanças pode fixar, por despacho, o limite máximo das comissões ou outras remunerações que podem ser pagas pelas concessionárias aos promotores de jogo, e regular a referida forma de pagamento.
  Ou seja, preocupa-se em prever poder ser imposto um limite máximo às remunerações a pagar aos promotores de jogo (levado a cabo pelo Despacho do Secretário para a Economia e Finanças n.º 83/2009), mas nada prevê quanto a um mínimo de remuneração. E nem este preceito, nem qualquer outro do mesmo Regulamento Administrativo n.º 6/2002, estatuem qualquer limite ao princípio da liberdade contratual das partes, previsto no artigo 399.º do Código Civil, no sentido de não permitirem ao promotor suportar perdas do negócio que promove, em exclusivo, numa sala VIP.
  Logo, bem podiam as partes acordar em que a promotora de jogo tivesse uma remuneração com base na receita da sala de jogo, mas suportando igualmente, parte das perdas da mesma.”
  25. Face ao supra exposto, e atenta a matéria de facto provada e a inexistência de qualquer violação das normas legais que a regem, deve a presente acção ser julgada procedente por provada nos termos peticionados.».
  Pela Ré foi junta aos autos a resposta de fls. 159 na qual remete para a decisão do TUI no Acórdão proferido em 26.06.2019 processo 4/2015, transcrevendo um parágrafo do mesmo que em Chinês corresponde a «第27條規定經濟財政司司長可以通過批示訂定承批公司可向博彩中介人支付的佣金或其他報酬的上限,並規範有關支付方式。換言之,該條所關心的是規定可以對向博彩中介人支付的報酬設定一個上限(通過第83/2009號經濟財政司司長批示予以落實),但對於報酬的下限卻沒有作任何規定。況且,不論是該條還是第6/2002號行政法規的其他任何條文,都沒有對《民法典》第399條所規定的當事人合同自由原則設定任何關於不允許中介人承擔由其在某貴賓廳以專營方式從事業務而產生之虧損的限制。» e em Português a «o artigo 27.º dispõe que o Secretário para a Economia e Finanças pode fixar, por despacho, o limite máximo das comissões ou outras remunerações que podem ser pagas pelas concessionárias aos promotores de jogo, e regular a referida forma de pagamento. Ou seja, preocupa-se em prever poder ser imposto um limite máximo às remunerações a pagar aos promotores de jogo (levado a cabo pelo Despacho do Secretário para a Economia e Finanças n.º 83/2009), mas nada prevê quanto a um mínimo de remuneração. E nem este preceito, nem qualquer outro do mesmo Regulamento Administrativo n.º 6/2002, estatuem qualquer limite ao princípio da liberdade contratual das partes, previsto no artigo 399.º do Código Civil, no sentido de não permitirem ao promotor suportar perdas do negócio que promove, em exclusivo, numa sala VIP.».
  Ou seja, Autor e Ré entenderam perfeitamente qual a questão que se entendia poder vir a colocar-se, pronunciando-se ambos no sentido de ser seguido o entendimento adoptado no indicado Acórdão do TUI.
  Destarte, não só foi dado cumprimento ao disposto no nº 3 do artº 3º do CPC como as partes entenderam o sentido do despacho e quais as questões que se suscitavam, pelo que, no caso em apreço não houve omissão do contraditório, nem a decisão sob recurso foi uma decisão surpresa ao decidir no sentido em que o fez, pelo que, falece o argumento invocado, sem tão pouco haver que cuidar nesta sede se a ter sido violado o disposto no nº 3 do artº 3º do CPC a nulidade haveria de ter sido invocada em 1ª instância logo após a prolacção da decisão ou se o poderia ser em sede de recurso1.
  
  Da (in)validade do contrato de promoção de jogos de fortuna e azar.
  Sobre esta matéria decidiu-se na sentença recorrida nos seguintes termos:
  «Ora, dos factos assentes decorre que as partes acordaram na forma como deviam partilhar os ganhos e perdas apurados nas mesas de jogo da sala de jogo promovida pela Ré designadamente o direito da Ré de receber 55% dos ganhos s, se o saldo fosse positivo e o dever de pagar à Autora 55% das perdas, se o saldo fosse negativo e que a Ré estaria obrigada a sujeitar a uma penalização casos o volume de fichas adquirida e os ganhos verificados na sala não atingissem certo nível.
  Porém, não se afigura que as quantias a que a Ré teria direito de receber ou obrigação de pagar a título de comissão pelos ganhos ou perdas verificadas na sala de jogo e as correspondentes às penalizações em virtude de os objectivos não terem sido atingidos são devidas, porque as regras com base nas quais as mesmas são reclamadas não podem vincular as partes.
*
  Como foi referido mais acima, o Regulamento Administrativo nº 6/2002, de 1 de Abril de 2002, condiciona o exercício da actividade de promoção e este Regulamento Administrativo veio a ser alterado pelo Regulamento Administrativo nº 27/2009, de 10 de Agosto de 2009.
  Segundo o artigo 27º do Regulamento Administrativo nº 6/2002, com a nova redacção dada pelo Regulamento Administrativo nº 27/2009 “1. O Secretário para a Economia e Finanças pode fixar, por despacho, o limite máximo das comissões ou outras remunerações que podem ser pagas pelas concessionárias aos promotores de jogo, e regular a referida forma de pagamento. 2. Para efeitos do presente artigo, presume-se que têm carácter remuneratório, quaisquer bónus, liberalidades, serviços ou outras vantagens susceptíveis de avaliação pecuniária que sejam oferecidas ou proporcionadas ao promotor de jogo pela concessionária, na Região Administrativa Especial de Macau ou no exterior, quer seja por forma directa ou indirectamente, através de sociedade participada pela concessionária ou com a qual a mesma esteja em relação de grupo. 3. O despacho previsto no n.º 1 aplica-se a todas as comissões ou remunerações futuras, ainda que pagas ao abrigo de contratos já existentes à data da sua entrada em vigor, e para tal é concedido um prazo aos interessados para apresentarem na Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos novos contratos redigidos de acordo com os limites remuneratórios nele estabelecidos. (sublinhado nosso)
  Por sua vez, por força do Despacho do Secretário para a Economia e Finanças nº 83/2009, o limite das comissões de jogo ou quaisquer outras formas de remuneração da actividade de promoção de jogos foi fixado em 1,25% do valor total apostado (net rolling) seja qual for a respectiva base de cálculo, tendo o despacho entrado em vigor em 22 de Setembro de 2009.
  Tendo em conta o exposto, pela prestação do serviço de promoção do jogo pela Ré à Autora, as mesmas não podem fixar que a contrapartida da actividade desenvolvida pela Ré corresponde a 55% dos lucros das mesas de jogo.
  Dispõe o artigo 273º do CC que, “1. É nulo o negócio jurídico cujo objecto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável. 2. É nulo o negócio contrário à ordem pública, ou ofensivo dos bons costumes.”
*
  Sendo nula a cláusula que atribui uma remuneração superior a 1,25% do valor total apostado (net rolling), resta apurar se, no contrato de promoção de jogo, as partes podem ser fixadas regras que impõem à Ré o dever de suportar 55% dos prejuízos das mesas de jogo acrescido de penalização pela falha nos negócios.
  É que, se o que está em causa é a promoção do jogo pura e simplesmente, ou seja, actividade levada a cabo pelo promotor destinada a canalizar jogadores aos casinos das concessionárias e subconcessionárias a fim de obter uma remuneração paga por estas como estipula a norma do artigo 2º do Regulamento Administrativo nº 6/2002, não deverá a Autora pagar remuneração à Ré independentemente dos ganhos ou perdas dos jogadores?
  Não estará fora de cogitação qualquer obrigação da Ré de pagar remuneração à Autora pelo serviço de promoção do jogo prestado por aquela a esta?
  Por força do regime introduzido pelo Regulamento Administrativo nº 27/2009, em conjugação com Despacho do Secretário para a Economia e Finanças nº 83/2009, o pior cenário em que o promotor se pode encontrar pelo insucesso na promoção da sala de jogo não será o de não recebimento de qualquer retribuição?
*
  Porém, melhor ponderada a questão à luz da liberdade contratual prevista no artigo 399º do CC referida no Acórdão do Tribunal de Última Instância, de 26 de Junho de 2019, processo nº 4/2015, citado pelas partes, e no Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, de 10 de Julho de 2014, processo nº 7/2014, ambos proferidos na mesma acção, não é de excluir de todo a hipótese de haver promotores dispostos a sujeitar-se a esse dever em vista de uma retribuição calculada com base em idêntica percentagem mas agora sobre os ganhos obtidos pela sala de jogo.
  É verdade que isso faz emergir uma nova questão, a de ser ou não o contrato de promoção de jogo dos autos totalmente nulo em virtude da nulidade da claúsula que fixa a remuneração superior a a 1,25% do valor total apostado (net rolling).
  Porém, dispõe o artigo 285º do CC que “A nulidade ou anulação parcial não determina a invalidade de todo o negócio, salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada.”
  Equacionada a questão nesses termos, a resposta a dar nestes autos é necessariamente negativa visto que a Ré nunca arguiu essa excepção da nulidade total do contrato de promoção.
*
  Apesar disso e bem vistas as cláusulas contratuais relativas à responsabilidade nos casos de perdas e nos casos em que os objectivos não são atingidos, constata-se que as mesmas violam o regime jurídico da exploração de jogos de fortuna ou azar em casino constante da Lei nº 16/2001, de 24 de Setembro.
  Nos termos do artigo 7º dessa Lei “1. A exploração de jogos de fortuna ou azar é reservada à Região Administrativa Especial de Macau e só pode ser exercida por sociedades anónimas constituídas na Região, às quais haja sido atribuída uma concessão mediante contrato administrativo, nos termos da presente lei. 2. É de três o número máximo de concessões para a exploração de jogos de fortuna ou azar em casino.”
  A isso acresce que o artigo 17º, nº 9, do mesmo diploma prevê que “É nula a transferência ou cessão para terceiro, a qualquer título, da exploração de jogos de fortuna ou azar em casino, bem como de outras actividades que constituam obrigações legais ou contratuais da concessionária, sem prévia autorização do Governo.”
  Ora, das regras relativas à responsabilidade nos casos de perdas e nos casos em que os objectivos não são atingidos vê-se que a Ré não se obrigou apenas a canalizar jogadores para os casinos da Autora como esta alega. Com efeito, para obter a “remuneração” correspondente a 55% dos ganhos verificados nas mesas de jogo da sala promovida pela Ré, a sala de jogo tinha que conseguir lucros com a sua actividade de exploração do jogo. A isso acresce o risco de suportar 55% das perdas tidas nessa mesma actividade e pagar uma quantia de HK$500.000,00 por mesa de jogo se o volume de venda não atingir HK$200.000.000,00 por mesa e os ganhos obtidos por cada mesa de jogo não forem superior a HK$5.000.000,00.
  Trata-se manifestamente de uma parceria entre a Autora e a Ré na exploração do jogo assumindo esta parte dos riscos desta actividade, quer quando ocorram prejuízos quer ainda quando os ganhos não atingirem certo nível, em violação das normas acima transcritas.
  Ora, nada indica que a Ré foi autorizada nos termos do artigo 17º, nº 9, da Lei nº 16/2001.
  Por se tratar de uma área altamente regulamentada onde a liberdade contratual está sujeita às regras imperativas fixadas no regime regime jurídico da exploração de jogos de fortuna ou azar em casino, a parceria estabelecida entre a Autora e a Ré não pode ir contra o que está definido nas normas dos artigos 7º e 17º da Lei nº 16/2001, de 24 de Setembro, acima transcrito.
  Assim, ao abrigo do disposto no artigo 273º do CC e do artigo 17º, nº 9, da Lei nº 16/2001, de 24 de Setembro, o acordo estabelecido entre a Autora e a Ré é nulo e não pode vincular as partes, não podendo a aquela exigir a esta o pagamento de parte das perdas tidas nas mesas de jogo.
  Com o que se deve absolver a Ré dos pedidos de pagamento de da quantia HK$6.121.000,25 (HK$971.000,25 + HK$5.150.000,00) reclamadas em virtude de ter havido perdas na sala de jogo sub judice e de os ganhos por mesa não terem atingido certo valor.».
  A questão suscitada na decisão recorrida já havia antes sido colocada, mas dessa feita apenas no sentido de que face à limitação imposta pelo legislador quanto aos limites das comissões ou outras remunerações a serem pagas pelas concessionárias aos promotores de jogo, no pior cenário estes apenas se poderiam ver na situação de não receber qualquer retribuição.
  Em sentido contrário veio a pronunciar-se este Tribunal no Acórdão de 10.07.2014 proferido no Processo nº 7/2014, vindo na parte em que dele veio a ser interposto recurso para o Venerando Tribunal de Última Instância a ser confirmado por Acórdão desse Tribunal de 26.06.2019 proferido no processo nº 4/2015.
  Contudo, a decisão hoje objecto deste recurso dista daquela outra no argumento utilizado.
  A sentença sob recurso não conclui pela invalidade da cláusula em questão mas pela nulidade do contrato de promoção de jogo celebrado entre a Autora e Ré com base no disposto no artº 273º do C.Civ. e nº 9 do artº 17º da Lei nº 16/2001.
  Reza o artº 273º do C.Civ. que:
  «É nulo o negócio jurídico cujo objecto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável.
  2. É nulo o negócio contrário à ordem pública, ou ofensivo dos bons costumes.».
  E diz o nº 9 do artº 17º da Lei nº 16/2001 que «9. É nula a transferência ou cessão para terceiro, a qualquer título, da exploração de jogos de fortuna ou azar em casino, bem como de outras actividades que constituam obrigações legais ou contratuais da concessionária, sem prévia autorização do Governo.»
  Entende-se na decisão em causa que houve transferência da exploração de jogos de fortuna e azar para o promotor porquanto este passou a participar nos prejuízos da sala por si gerida o que iria para além do simples “canalizar jogadores para os casinos da Autora”.
  Porém, longe está a matéria dos autos de permitir tal conclusão.
  A Autora forneceu à Ré um espaço (a sala de jogo) e mesas de jogo para onde estes canalizam os seus clientes promovendo os jogos de fortuna e azar naquele espaço, isto é, com as fichas do casino, as mesas do casino, no espaço do casino e com recurso às utilidades do casino, tudo propriedade da concessionária, sujeita exclusivamente à administração desta, a qual é solidariamente responsável pela actividade desenvolvida pela Ré enquanto promotora de jogo nos termos do artº 29º e 30º-A da Lei 16/2001.
  Não há nem resulta dos autos que tenha havido qualquer transferência da titularidade desses meios da concessionária para o promotor, não sendo o facto deste (o promotor) participar no prejuízo das mesas que explora o bastante para se retirar aquela conclusão.
  Os meios espaço e mesas adstritos ao promotor por força do acordo celebrado com a concessionária implica que esta (a concessionária) durante a execução do contrato está também privada da exploração do jogo relativamente aos meios abrangidos pelo contrato – v.g. mesas, máquinas -.
  Ora, numa área de tão forte concorrência, a entender-se estar proibida a participação nos prejuízos por banda do promotor – sob pena de se haver por transmitida a exploração dos jogos de fortuna e azar - isso significaria que o promotor nenhuma responsabilidade assumiria ao tomar a exploração da sala, pois se nada fizesse ou se fosse negligente, seria a concessionária a perder, por não poder explorar as mesas/recursos em causa, sem que a si (promotor) se assacasse responsabilidade alguma.
  Para o promotor bastaria ter apenas ali o espaço, levar clientes quando os tivesse, receber se houvesse ganho, sem mais responsabilidades.
  Ora, não é esse o espírito da actividade, a qual sendo, como é sabido, bastante lucrativa, não o é menos exigente no esforço e empenho e no risco associado, nomeadamente de prejuízos altos.
  A promoção de jogos de fortuna e azar é também uma actividade comercial, pelo que, o participar nos proveitos e nos prejuízos que gera não consiste em nada que extravase os fins a que se destina, não sendo, seguramente, o bastante para concluir que só por isso – participar nos prejuízos – houve transferência da exploração de jogos de fortuna e azar.
  No caso dos autos não há o mínimo indício de subjacente aos contrato de promoção esteja a transferência da exploração da actividade pelo que, não pode este argumento agora usado proceder.
  Não havendo transferência da exploração dos jogos de fortuna e azar, não se verifica a previsão do nº 9 do artº 17º da Lei nº 16/2001, falecendo a sustentada nulidade do contrato de promoção.
  
  Sendo válido o contrato de promoção somos remetidos para a apreciação da cláusula que estabelece o direito da Ré de receber 55% dos ganhos se o saldo fosse positivo e o dever de pagar à Autora 55% das perdas se o saldo fosse negativo acrescida da penalização por não atingir o volume de fichas adquiridas nem o ganhos fixado.
  Sobre esta matéria, como já se referiu, já se pronunciou este tribunal no já indicado Acórdão de 10.07.2014.
  «8. DA (IN)VALIDADE DO SISTEMA REMUNERATÓRIO DE PARTILHA DE GANHOS E DE PERDAS
  8.1. No que se refere ao período posterior à redução do contrato de promoção a escrito, e na parte onde foi fixado o sistema de “Partilha de Ganhos e de Perdas (Tabela 3do contrato), por via do qual as partes acordaram que a promotora receberia 45% dos ganhos brutos da Sala VIP e responderia por 45% dos prejuízos brutos da mesma, o Tribunal a quo considerou que, de acordo com o artigo 27.° do Regulamento Administrativo 6/2002, de 2 de Abril, alterado pelo Regulamento Administrativo 27/2009, de 4 de Agosto, e com o Despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças n.º 83/2009, que fixou o limite das comissões de jogo ou quaisquer outras formas de remuneração da actividade de promoção de jogos em 1,25% do valor total apostado(“net rolling”), o qual entrou em vigor em 22 de Setembro de 2009, “o pior cenário em que os promotores podem encontrar pelo insucesso na promoção da sala de jogo é o não recebimento de qualquer retribuição”.
  E decidiu, em consequência disso, que “não pode a Autora exigir o cumprimento da cláusula contratual onde foi fixada a forma de remuneração pedindo o pagamento das despesas operacionais da sala de jogo a partir de 28 de Setembro de 2009”.
  Em suma, o Tribunal a quo considerou inválida a cláusula em que as partes fixaram o sistema de "Partilha de Ganhos e de Perdas" por violação de lei imperativa.
  8.2.Quid juris?
  Será que a lei impõe a comissão sobre as apostas como a única forma de retribuição da actividade promocional do jogo nos casinos e mais particularmente das salas VIP?
  8.3. Atentemos nas normas pertinentes.
  De acordo com o n.º 1 do artigo 27.º do Regulamento Administrativo em causa, “O Secretário para a Economia e Finanças pode fixar, por despacho o limite máximo das comissões ou outras remunerações que podem ser pagas pelas concessionárias aos promotores de jogo, e regular a referida forma de pagamento.”
  O n.º 2 dispõe que “Para efeitos do presente artigo, presume-se que têm carácter remuneratório, quaisquer bónus, liberalidades, serviços ou outras vantagens susceptíveis de avaliação pecuniária que sejam oferecidas ou proporcionadas ao promotor pela concessionária, na Região Administrativa Especial de Macau ou no exterior, quer seja por forma directa ou indirectamente, através de sociedade participada pela concessionária ou com a qual a mesma esteja em relação de grupo.”.
  E o n.º 3 que “O despacho previsto no n.º 1 aplica-se a todas as comissões ou remunerações futuras, ainda que pagas ao abrigo de contratos já existentes à data da sua entrada em vigor, e para tal é concedido um prazo aos interessados para apresentarem na Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos novos contratos redigidos de acordo com os limites remuneratórios nele estabelecidos.”.
  Dispõe o n.º 1 do artigo 32.º-A do predito Regulamento Administrativo, “É punida com multa de 100 000 a 500 000 patacas a concessionária que pagar, por forma directa ou indirecta, a promotor de jogo comissões ou outras remunerações em valor superior ao limite máximo fixado ( ... ).”.
  E o n.º 2 do mesmo artigo, “Com igual multa é punido o promotor de jogo que receber comissões ou outras remunerações em valor superior ao limite máximo mencionado ( ... )”.
  Segundo o n.º 1 do Despacho acima indicado, “As comissões ou quaisquer outras formas de remuneração da actividade de promoção de jogos não podem ultrapassar o limite correspondente a 1,25% do valor total apostado (net rolling) seja qual for a respectiva base de cálculo.”.
  Nos termos do n.º 7 do Despacho em causa, “Compete às concessionárias/subconcessionárias apresentar as adequadas propostas de actualização contratual, diligenciar a assinatura dos respectivos documentos contratuais e a subsequente apresentação na Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos”.
  De acordo com o disposto no artigo 29.º da Lei 16/2001, (a “Lei do jogo”), mantido inalterado pelo Regulamento 27/2009, no que respeita ao imposto incidente sobre as comissões de jogo e ao seu modo de pagamento, expressamente se estabelece que este imposto incide sobre as comissões ou outras remunerações pagas a promotores, em reconhecimento de que em alternativa ao pagamento de comissões podem as partes acordar noutros tipos ou modelos de remunerações.
  E, por outro, do n.º 8 do artigo 30.º do Regulamento Administrativo 2/2006, também este mantido inalterado pelo Regulamento 27/2009, decorre como uma das obrigações da concessionária de jogo “pagar pontualmente as comissões ou outras remunerações acordadas com os promotores de jogo”, numa clara referência a outros sistemas remuneratórios.
  8.3. Ora, fica demonstrado que a lei claramente admite outros modelos de pagamento ou remuneração aos promotores de jogo para além do sistema clássico de pagamento de comissões calculadas sobre os valores das fichas não negociáveis transaccionadas num dado mês, designado na gíria por net rolling.
  Um desses modelos utilizados em alternativa ao pagamento de comissões, pode ser o sistema de partilha de ganhos e de perdas brutas mensais decorrentes da actividade de promoção desenvolvida nas salas VIP, tal como vem comprovado nos autos, sendo esse o sistema contratado no caso vertente.
  Pelas disposições acima transcritas resulta que as partes de um contrato de promoção de jogo não estão impedidas de acordar outros sistemas remuneratórios, com outras bases de cálculos e outras obrigações e contrapartidas para o promotor, como os de participar numa percentagem dos prejuízos brutos da sala VIP, caso os haja, desde que, naturalmente, destes sistemas não resultem pagamentos ao promotor de valores superiores ao limite legal, aí, sim, observando-se uma norma imperativa, cuja justificação se alcança perfeitamente, a fim de evitar práticas potencialmente atentatórias de uma livre e sã concorrência no sector.
  É do conhecimento público nesta RAEM, vista até a importância que a indústria do jogo tem na economia local, a concorrência aguerrida no mercado, sendo que a chamada “guerra de comissões” conduziu ao aumento de custos de exploração de salas VIP, visando-se pela intervenção legislativa produzida, preservar o normal desenvolvimento da indústria do jogo e assumir a responsabilidade de defender o desenvolvimento ordenado do mercado da indústria do jogo.
  8.4. Acresce que os normativos acima citados se referem simplesmente a remunerações aos promotores e não às obrigações e pagamentos destes às concessionárias decorrentes do contrato de promoção de jogo, porque o propósito, desta alteração legislativa, compreende-se que seja o de impor um valor máximo àquilo que os promotores poderiam receber ou ganhar e não restringir ou impor um mínimo às responsabilidades assumidas por estes naquele tipo de contrato, como é o caso de os promotores se comprometerem a pagar à concessionária uma percentagem dos prejuízos brutos da sala VIP nos moldes acima descritos para a "Partilha de Ganhos e de Perdas, situação que se verifica no caso “sub judice.”
  8.5. Reforçando a admissibilidade de um sistema retributivo, alternativo às comissões, nos termos da documentação junta aos autos, foi emitida pela entidade reguladora a Instrução n.º 2/2009, de 7 de Outubro, de acordo com a qual:
  i. Comissão (junket comission) foi definida por “remuneração dos serviços prestados pelos promotores de jogo aos jogadores com elevada capacidade de colocação de apostas calculada pela aplicação de uma percentagem sobre o valor apostado (net rolling) (cfr. a cláusula 1);
  ii. Outras formas de remuneração foram definidas como “qualquer remuneração ou compensação, diferente da comissão, atribuída aos promotores de jogo pelos serviços prestados a jogadores com elevada capacidade de colocação de apostas, podendo assumir a partilha de rendimentos, prestação de serviços, bónus, liberalidades, descontos ou outras vantagens com expressão pecuniária (cfr. a cláusula 1); e
  iii. Foi definido que o valor máximo a considerar para efeitos de controlo do referido limite máximo de 1,25% no caso de remuneração dos promotores através de partilha de rendimentos é de 44% do rendimento bruto (cfr. cláusula 5.6).
  8.6. Donde resulta a evidente intenção da entidade reguladora em consagrar e regulamentar, mas não em proibir, as práticas e os sistemas remuneratórios existentes antes da entrada em vigor destas alterações, ao fazer expressa referência à “partilha de rendimentos”, que não de prejuízos.
  Após discussão e colaboração com as concessionárias de jogo no sentido de melhor apurar e precisar conceitos e procedimentos, foi emitida, em substituição daquela Instrução n.º 2/2009, a Instrução n.º 4/2009, de 27 de Novembro, segundo a qual:
  i. Comissão (junket comission) foi definida por “remuneração dos serviços prestados pelos promotores de jogo ou serus colaboradores aos jogadores com elevada capacidade de colocação de apostas calculada pela aplicação de uma percentagem sobre o net rolling (cfr. a cláusula 1);
  ii. Rolling ou net Rolling foi definido como “valor apostado correspondente, em regra, à diferença entre as fichas não negociáveis (fichas junket) adquiridas e devolvidas;
  iii. Outras formas de remuneração foram definidas como “qualquer remuneração ou compensação, diferente da comissão, atribuída aos promotores de jogo ou aos seus colaboradores pelos serviços prestados a jogadores com elevada capacidade de colocação de apostas, podendo assumir a forma de serviços complementares, bónus, liberalidades, descontos ou outras vantagens com expressão pecuniária (cfr. a cláusula 1);
  iv. Foram estabelecidos os formulários a enviar à entidade reguladora por forma a esta proceder ao controlo do limite máximo das comissões e outras remunerações a pagar aos promotores, incluindo o relativo a montantes pagos, em cada mês a título de partilha de rendimentos, através dos formulários J-02, J-04 e J-08 (cfr. cláusula 5.1.2).
  Sendo de assinalar que deixou de se ensaiar a correlação entre 1,25% do net rolling como correspondente a 44% do rendimento bruto.
  8.7.Tudo, razões para considerar que as cláusulas contratuais acordadas não violam normas imperativas que imponham uma regulação diferente.
  De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 392.º do CC, “As partes podem fixar livremente, dentro dos limites da lei, o conteúdo positivo ou negativo da prestação.”.
  Segundo o consagrado no n.º 1 do artigo 399.º do CC, “Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste Código ou incluir nestes cláusulas que lhes aprouver.”.
  E o n.º 2 deste mesmo artigo dispõe que “As partes podem ainda reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, totalmente ou parcialmente regulados na lei.”.
  Deste modo, posto que a lei aplicável admite que as concessionárias e os promotores acordem e componham sistemas remuneratórios como lhes aprouver, desde que deles não resultem pagamentos aos promotores superiores ao limite fixado, e não havendo qualquer norma que imponha ou limite as obrigações a que os promotores se podem vincular, mais especificadamente, não havendo qualquer disposição que proíba a estes partilharem com as concessionárias uma percentagem dos prejuízos verificados nas salas VIP que aqueles operam a favor destas, a autora, ora recorrente, e a ré, aqui recorrida, no âmbito da liberdade contratual que a lei lhes confere, convencionaram no contrato de promoção o modelo da “Partilha de Ganhos e de Perdas”, por via do qual o promotor é remunerado com base numa determinada percentagem das receitas brutas das salas VIP e, em contrapartida, responde por uma percentagem dos prejuízos brutos verificados na mesma, conforme acima descrito.
  8.8. Assim, a decisão recorrida, também no que a este aspecto diz respeito, viola o princípio da autonomia privada e da liberdade contratual das partes, e traduz uma menos acertada interpretação das normas relativas às citadas da Lei do Jogo, Regulamento Administrativo n.º 6/2002, do Regulamento Administrativo n.º 27/2009 e Despacho do Secretário para a Economia e Finanças n.º 83/2009, pelo que se impõe a sua revogação.».
  Em recurso desta decisão veio o TUI por Acórdão de 26.06.2019 proferido no Processo nº 4/2015 a confirmá-la.
  Daqueles dois Acórdãos resulta a validade da cláusula contratual que permite para além da fixação da remuneração a participação nos prejuízos decorrentes do exercício da actividade, o que, se outras razões não houvesse seria também bastante para concluir que essa clausula por si não é indiciadora de que houve a transferência da exploração de jogos de fortuna e azar nos termos do nº 9 do artº 17º da Lei 16/2001.
  Por outro lado, caso a cláusula da fixação da remuneração excedesse o limite legalmente imposto, face ao disposto nos artº 285º e 286º do C.Civ., nada obstaria à redução da mesma – de retribuição devida ao promotor – ao limite legal, sendo aliás o que se infere da sanção cominada pelo legislador nos nº 1 e 2 do artº 32ºA que apenas sanciona o incumprimento do limite legal com multa e por analogia com a parte final do nº 3 do artº 27º, ambas as disposições legais do Regulamento Administrativo nº 6/2002.
  Aliás a não se entender assim, como se procederia para o efeito do artº 282º do CPC?
  Tendo o promotor desenvolvido a sua actividade e com sucesso e vindo “a posteriori” a detectar-se que a cláusula que fixava a retribuição deste excedia o limite legal a concluir-se “tout court” pela nulidade do contrato ou da cláusula que fosse apenas, o que haveria a restituir ao promotor, uma vez que a promoção em si é impossível devolver?
  Salvo melhor opinião entendemos que ainda que a cláusula exceda o limite legal, sem prejuízo da sanção fixada a consequência não deverá ir para além da nulidade do excesso por ser esse ser o único que é contrário à lei – nº 1 do artº 273º do C.Civ. -.
  Sobre esta matéria veja-se António Menezes Cordeiro em Tratado de Direito Civil, Vol II, Parte Geral, Capítulos dedicado à ineficácia do negócio jurídico e aproveitamento de negócio inválidos.
  Porém, no caso em apreço a forma de cálculo da retribuição fixada no contrato subjacente a estes autos e a que consta do Despacho do Secretário para a Economia e Finanças nº 83/2009 apontam formas de cálculo diferentes, pelo que, para se concluir que haveria excesso sempre haveria que carrear para os autos o valor total apostado (net rolling) para se poder concluir que 1,25% deste era inferior ao valor total pago ao promotor.
  Finalmente estando em causa que o contrato fixa a possibilidade da retribuição ser negativa, isto é, ter de ser o promotor a incorrer no pagamento de uma parte dos prejuízos que a sua promoção gerou, nada havendo na lei que o impeça, estando a situação no domínio da liberdade contratual das partes – artº 399º do C.Civ. -, tendo o promotor aceite as condições do contrato e como resulta dos autos tenha reconhecido inclusivamente a dívida objecto dos autos, seguindo os Acórdãos já citados cuja fundamentação por abundante e clara dispensa outra argumentação, entendemos que não enferma de vício algum a cláusula que fixa a responsabilidade do promotor pelo pagamento de parte dos prejuízos.
  Destarte, impõe-se revogar a decisão recorrida.
  
  Sendo de revogar a decisão recorrida, de acordo com o disposto no nº 2 do artº 630º do CPC cabe apreciar do pedido formulado pelo Autor uma vez que o processo contém os elementos necessários para o efeito.
  Na sentença sob recurso havia já sido apreciada a questão de quais os valores que seriam devidos pela Recorrida/Ré tendo sido proferida decisão quanto aos valores devidos pela Ré referentes a despesas de alojamento e transporte, quanto aos juros devidos e absolvendo a Ré da quantia pedida de HKD2.493,00.
  Sobre o segmento que se entendeu não ser a Ré devedora diz-se na decisão recorrida:
  «Relativamente aos restantes pedidos, está apurado que, nos meses de Março, Maio e Junho de 2015, a sala de jogo promovida pela Ré teve, respectivamente, prejuízos de exercício nos valores de HKD$520.000,00, HK$2.212.000,00 e HKD$116.455,00, enquanto que no mês de Abril de 2015, a sala teve ganhos no valor de HK$1.083.000,00. Está igualmente provado que o contrato prevê que a Ré devia suportar 55% dos eventuais prejuízos da sala de jogo, a título de comissões negativas, e teria direito a uma comissão calculada com base na mesma percentagem se a sala de jogo tivesse ganho no seu exercício.
  Mais está provado que a Ré estava obrigada a atingir os objectivos quanto ao volume de fichas adquiridas em virtude da promoção feita e quanto ao ganho que a sala de jogo conseguiria obter, os quais, com a alteração feita em 26 de Dezembro de 2013, ficaram fixados em HK$200.000.000,00 por mesa (ou)2 HK$5.000.000,00 por mesa, respectivamente, sob pena de se sujeitar a uma penalização no valor de HK$500.000,00 por mesa, sendo que, aquando da cessação do contrato de promoção, havia 3 mesas na sala de jogo sub judice. Contudo, nos meses em questão, além, de em Março, Maio e Junho de 2015, ter sido registado os prejuízos acima referidos, o volume de venda das fichas era: zero em Março, Abril e Junho, e HK$24.930.000,00 em Maio, todos do ano de 2015.
*
  Ora, desses factos conclui-se que a Ré tinha que restituir à Autora HK$27.574,38 por ter despendido mais do que lhe era atribuído a título de despesas com alojamento e transporte de clientes.
  No que se refere aos ganhos/perdas verificados na sala de jogo durante o mesmo período, feitas as contas a Ré teria direito a receber a quantia de HK$971.000,25 {[(HKD$520.000,00 + HK$2.212.000,00 + HKD$116.455,00) x 55%] – [HK$1.083.000,00 x 55%]}.
  Quanto à penalização por não terem sido atingidos os objectivos e o contrato de promoção de jogo celebrado entre as partes ter terminado a pedido da Ré no dia 13 de Junho de 2015, a Ré teria que pagar a quantia de HK$5.150.000,00 (HK$500.000,00 x 3 mesas x 3 meses e 13 dias).».
  A apreciação supra transcrita resulta da factualidade apurada.
  Dali resultava ter a Autora/Recorrente a receber da Ré/Recorrida HKD6.121.000,25.
  A Autora pede HKD6.151.067,38, aos quais há que deduzir pos HKD2.493,00 não provado e quanto ao quais não reagiu no recurso e os HKD27.574,38 já arbitrados e que também transitaram em julgado, ficando assim um saldo do pedido por julgar de HKD6.121.000,00 que corresponde ao apuramento supra (desprezando os 25 avos que não foram pedidos).
  Procedendo-se à conversão pela taxa de 1,03 corresponde o valor em dívida a MOP6.304.630,00.
  Relativamente aos juros, taxa e desde quando são devidos também já foi proferida decisão que não foi impugnada.
  Destarte, sendo de revogar a decisão recorrida na parte em que entendeu que a Ré não era responsável pelo pagamento dos valores pedidos a título de participação nos prejuízos e penalização, deve agora a acção ser julgada procedente, arbitrando-se a indemnização pedida e ainda não objecto de decisão.
  
III. DECISÃO

  Nestes termos e pelos fundamentos expostos acorda-se em concedendo provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida na parte em que absolveu a Ré do pagamento dos valores pedidos a título de prejuízos e penalização e em consequência condenar a Ré a pagar à Autora o valor de MOP6.304.630,00 a que acrescem os juros nos termos já antes fixados na sentença sob recurso.
  
  Custas a cargo da Recorrida.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 30 de Julho de 2020
  
  Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
  Lai Kin Hong
  Fong Man Chong
1 Veja-se a propósito o referido Acórdão deste Tribunal de 10.07.2014 proferido no processo nº 7/2014.

2 Correcção nossa por manifesto erro de escrita, quando se usou “e”.
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267/2020 CÍVEL 41