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Processo nº 168/2020
Data do Acórdão: 30JUL2020


Assuntos:

Impugnação da matéria de facto
Livre apreciação de provas
Convicção do Tribunal
Princípio da imediação
Concessionárias de jogo de fortuna e azar
Promotores de jogo de fortuna e azar
Actividades conexas com a actividade de jogos de fortuna e azar
Responsabilidade solidária


SUMÁRIO

1. Se é verdade que, por força do princípio da livre apreciação das provas consagrado no artº 558º do CPC, como regra geral, o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, não é menos certo que a matéria de facto assente de primeira instância pode ser alterada nos termos e ao abrigo do disposto no artº 629º do CPC.

2. Apesar de a lei exigir sempre a objectivação e motivação da convicção íntima do Tribunal na fundamentação da decisão de facto, ao levar a cabo a sua actividade cognitiva para a descoberta da verdade material, consistente no conhecimento ou na apreensão de um acontecimento supostamente ocorrido no passado, o julgador não pode deixar de ser subjectivamente influenciado por elementos não explicáveis por palavras, nomeadamente quando concedem a credibilidade a uma testemunha e não a outra, pura e simplesmente por impressão recolhida através do contacto vivo e imediato com a atitude e a personalidade demonstrada pela testemunha, ou com a forma como reagiu quando inquirida na audiência de julgamento. Assim, desde que tenham sido observadas as regras quanto à valoração das provas e à força probatória das provas e que a decisão de facto se apresenta coerente em si ou se não mostre manifestamente contrária às regras da experiência de vida e à logica das coisas, a convicção do Tribunal a quo, colocado numa posição privilegiada por força do princípio da imediação, em princípio, não é sindicável.

3. O recurso ordinário existe para corrigir erro e repor a justiça posta em causa pela decisão errada. Para impugnar com êxito a matéria fáctica dada por assente na primeira instância, não basta ao recorrente invocar a sua discordância fundada na sua mera convicção pessoal formada no teor de um determinado meio de prova, ou identificar a divergência entre a sua convicção e a do Tribunal de que se recorre, é ainda preciso que o recorrente identifique o erro que, na sua óptica, foi cometido pelo Tribunal de cuja decisão se recorre.

4. Os julgadores de recurso, não sentados na sala de audiência para obter a percepção imediata das provas ai produzidas, naturalmente não podem estar em melhores condições do que os juízes de primeira instância que lidaram directamente com as provas produzidas na sua frente. Assim, o chamamento dos julgadores de recurso para a reapreciação e a revaloração das provas, já produzidas e/ou examinadas na 1ª instância, com vista à eventual alteração da matéria de facto fixada na 1ª instância, só se justifica e se legitima quando a decisão de primeira instância padecer de erros manifestamente detectáveis.

5. Para que possa abalar com êxito a convicção formada pelo Tribunal a quo com vista à revogação da decisão de facto e à sua ulterior modificação pelo Tribunal ad quem, é preciso que o recorrente identifique erro manifesto na valoração de provas e na fixação da matéria de facto, e não a simples divergência entre ele e o Tribunal no que diz respeito à valoração de provas ou à fixação da matéria fáctica. Integram em tais erros manifestos, inter alia, a violação de regras quanto à valoração de provas e à força probatória de provas, v. g. o não respeito à força vinculativa duma prova legal, e a contrariedade da convicção íntima do Tribunal a regras de experiência de vida e à lógica das coisas.

6. Sendo os depósitos de fichas ou dinheiro efectuados nas contas abertas pelos potenciais jogadores nas promotoras de jogo uma das actividades conexas com a actividade de jogos de fortuna e azar, as concessionárias não terão de assumir, em solidariedade com as suas promotoras de jogo, as eventuais responsabilidades decorrentes da aceitação desse tipo de depósitos, face ao disposto no artº 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2002.


O relator



Lai Kin Hong


Processo nº 168/2020


Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I

No âmbito dos autos da acção ordinária, registada sob o nº CV1-17-0103-CAO, do 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, foi proferida a seguinte sentença:

  A, do sexo feminino, maior, de nacionalidade chinesa, titular do BIRM nº XXX e residente em Macau XXX.
  Vem instaurar a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário, contra,
  B Entretenimento Sociedade Unipessoal Limitada, com o número de registo comercial XXX, com sede de pessoa colectiva em Macau, na XXX.
  e,
  C (Macau) S.A., com o número de registo comercial XXX, com sede de pessoa colectiva em Macau, na XXX.
  Alega a Autora ser cliente da sala VIP explorada pela 1ª Ré na qual abriu uma conta e na data indicada depositou HKD2.500.000,00 tendo recebido o respectivo talão de depósito, contudo em 10.09.12015 a Autora pediu para levantar aquele valor sendo que esta (a 1ª Ré) não devolveu a referida quantia.
  Mais alega que a 2ª Ré enquanto concessionária do jogo é responsável solidariamente com os promotores de jogo.
  Concluindo pede que, julgando provada toda a matéria de facto apresentada pela Autora se condene a 1ª Ré, B Entretenimento Sociedade Unipessoal Limitada e a 2ª Ré C (Macau) S.A. a assumir solidariamente a obrigação de pagar à Autora, A dois milhões e quinhentos mil dólares de Hong Kong (HKD2.500.000,00), equivalente a dois milhões quinhentas e setenta e cinco mil patacas (MOP2.575.000,00) e os juros de mora calculados à taxa legal anual a contar do dia de citação até integral pagamento.
  Citadas as Rés para querendo contestarem, vieram estas fazê-lo, defendendo-se por impugnação.
  Foi elaborado despacho saneador, sendo seleccionada a matéria de facto assente e a base instrutória.
  Procedeu-se a julgamento com observância do formalismo legal mantendo-se a validade da instância.
  
  A questão a decidir nestes autos consiste em saber se a 1ª Ré recebeu o depósito da Autora e caso esta venha a ser julgada procedente, apreciar a natureza jurídica do contrato celebrado entre a Autora e a 1ª Ré, da obrigação de restituir da 1ª Ré e da responsabilidade solidária das Rés.
  
  Da instrução e discussão da causa apurou-se que:
a) A 1ª Ré, B Entretenimento Sociedade Unipessoal Limitada foi estabelecida em 12 de Julho de 2006 em Macau e registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis em 22 de Agosto de 2006 sob o número de registo: XXX; (alínea a) dos factos assentes)
b) A 1ª Ré promove as actividades de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino; (alínea b) dos factos assentes)
c) A partir de 2005, a 1ª Ré tornou-se uma promotora de jogo com o número de XXX; (alínea c) dos factos assentes)
d) A 2ª Ré, C (Macau) S.A. foi criada em 17 de Outubro de 2001 e registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis no mesmo dia sob o número de registo: XXX; (alínea d) dos factos assentes)
e) A 2ª Ré explora os jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino; (alínea e) dos factos assentes)
f) Em 24 de Junho de 2002, a 2ª Ré celebrou com a RAEM o “Contrato de concessão para a exploração de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino na RAEM”; (alínea f) dos factos assentes)
g) Em 8 de Setembro de 2006, a 2ª Ré celebrou com a RAEM a “Primeira alteração ao contrato de concessão para a exploração de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino na Região Administrativa Especial de Macau”; (alínea g) dos factos assentes)
h) O contrato referido no item e) começou a produzir efeitos a partir de 27 de Junho de 2002; (alínea h) dos factos assentes)
i) A 1ª Ré foi autorizada pela 2ª Ré a realizar actividades de promotor de jogo e da concessão de créditos; (alínea i) dos factos assentes)
j) A 1ª Ré abriu a Sala B1 nas instalações da 2ª Ré; (alínea j) dos factos assentes)
k) A Autora A é cliente da Sala B1 explorada pela 1ª Ré; (resposta ao quesito nº 1 da base instrutória)
l) A Autora abriu uma conta de jogo nº 80050933A na Sala B1; (resposta ao quesito nº 2 da base instrutória)
m) A Autora abriu a referida conta de jogo na Sala B1 explorada pela 1ª Ré a fim de executar o trabalho de “bate-fichas”; (resposta ao quesito nº 3 da base instrutória)
n) Em 17 de Julho de 2015, a Autora pediu ao estabelecimento de relógios, jóias e ouro “D Chong Pio Chu Pou Kam Hong” (D鐘錶珠寶金行) o empréstimo de quinhentos mil dólares de Hong Kong (HKD500.000,00) em numerário; (resposta ao quesito nº 4 da base instrutória)
o) Em 21 de Julho de 2015, a Autora pediu ao estabelecimento de relógios, jóias e ouro “D Chong Pio Chu Pou Kam Hong” (D鐘錶珠寶金行) o empréstimo de trezentos mil dólares de Hong Kong (HKD300.000,00) em numerário; (resposta ao quesito nº 5 da base instrutória)
p) No mesmo dia, a Autora pediu novamente ao estabelecimento de relógios, jóias e ouro “D Chong Pio Chu Pou Kam Hong” (D鐘錶珠寶金行) o empréstimo de trezentos mil dólares de Hong Kong (HKD300.000,00) em numerário; (resposta ao quesito nº 6 da base instrutória)
q) Em 19 de Agosto de 2015, a Autora depositou dois milhões e quinhentos mil dólares de Hong Kong (HKD2.500.000,00) na Sala B1 explorada pela 1ª Ré; (resposta ao quesito nº 7 da base instrutória)
r) Depositada a referida quantia, a 1ª Ré emitiu à Autora um “recibo de depósito” nº 015006, cujo teor é: “certifica-se que (depositária) A; hora: 18:00; número de cliente: 80050933; deposita dois milhões e quinhentos mil dólares de Hong Kong (HKD2.500.000,00) em numerário”; (resposta ao quesito nº 8 da base instrutória)
s) O referido recibo de depósito foi assinado pelo tesoureiro e pela testemunha da Sala B1 para efeitos de confirmação e também assinado pela autora, ou seja, a depositária, de forma a provar que essa quantia foi depositada na conta de jogo aberta pela Autora na Sala B1; (resposta ao quesito nº 9 da base instrutória)
t) Assim, depois de a Autora ter depositado no dia 19 de Agosto de 2015 os referidos dois milhões e quinhentos mil dólares de Hong Kong (HKD2.500.000,00) na Sala B1, nunca mais efectuou o seu levantamento. (resposta ao quesito nº 10 da base instrutória).

  Cumpre assim apreciar e decidir.
  
  De acordo com o disposto no artº 1070º do C.Civ. «mútuo é o contrato pelo qual uma parte empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade».
  Segundo o artº 1111º do C.Civ. «depósito é o contrato pelo qual uma das partes entrega à outra uma coisa, móvel ou imóvel, para que a guarde e a restitua quando for exigida». «Diz-se irregular o depósito que tem por objecto coisas fungíveis» - cf. artº 1131º do C.Civ. -, aplicando-se ao depósito irregular as normas relativas ao contrato de mútuo.
  Por sua vez o Código Comercial sob o título de contratos bancários, nos artigos 840º e seguintes regula o depósito bancário como sendo o depósito de uma quantia em dinheiro num banco mediante a obrigação por banda deste de a restituir em moeda da mesma espécie.
  Ora, da factualidade apurada nas alíneas j) a q) o que resulta ter acontecido foi que mediante acordo celebrado entre a Autora e a 1ª Ré aquela entregou a esta o valor de HKD2.500.000,00.
  Resulta das regras da experiência ser prática corrente nas salas VIP os clientes constituírem contas que segundo o acordado tanto podem permitir ao cliente obter empréstimos em fichas de jogo até determinado valor, como também permitir ao cliente depositar as fichas que comprou ou ganhou nessa mesma conta até voltar a jogar ou decidir levantá-las.
  Embora esta actividade tenha semelhanças e ande próxima dos contratos bancários, quando feita através de fichas de jogo, ela não se confunde com a actividade bancária, tal como também acontece com os empréstimos a que alude a Lei nº 5/2004.
  Assim sendo, face à factualidade apurada impõe-se concluir que a situação sub judice se enquadra nos depósitos irregulares, estando sujeita ao regime do mútuo nos termos do artº 1132º do C.Civ..
  A Autora reclama a entrega da coisa depositada acrescida de juros a contar da citação.
  Quanto ao prazo da entrega segundo o nº 2 do artº 1075º do C.Civ. (aqui aplicado “ex vi” artº 1132º do C.Civ.) não se tendo fixado prazo pode qualquer das partes pôr termo ao contrato desde que o denuncie com a antecedência de trinta dias.
  Nestes autos não ficou provado que a Autora haja reclamado da 1ª Ré a devolução da quantia depositada, antes da instauração da acção, pelo que, se impõe concluir que a 1ª Ré apenas foi interpelada para entregar à Autora o valor do depósito quando citada para acção, dispondo de 30 dias após essa data para proceder à sua entrega.
  Não o tendo feito incorreu a 1ª Ré em incumprimento.
  De acordo com o disposto no artº 787º do C.Civ. o devedor que falte ao cumprimento da sua obrigação incorre na obrigação de indemnizar o que, no caso de obrigações pecuniárias (como é o caso dos autos) corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora – artº 795º do C.Civ. –.
  Sendo pedidos juros a contar da data da citação, uma vez que a 1ª Ré não havia sido interpelada para cumprir antes daquela data, aqueles apenas são devidos 30 dias decorridos após a citação, pois só aí a 1ª Ré entrou em incumprimento.
  Concluindo deve ser ordenada a restituição à Autora da quantia de HKD2.500.000,00 acrescida de juros legais a contar do 31º dia posterior à data da citação até efectivo e integral pagamento.
  
  Da responsabilidade solidária das Rés.
  
  A este respeito invoca a Autora a responsabilidade solidária das Rés com base no artº 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2002 uma vez que a 1ª Ré é um promotor de jogo que desenvolvia a sua actividade no casino da 2ª Ré.
  A Lei nº 16/2001 no seu artº 1º define o seu âmbito e objectivo, assim como no artº 2º, nº 1, 6) define o que se entende por promotor de jogo.
  A responsabilidade das concessionárias pela actividade desenvolvida nos casinos pelos promotores de jogo enunciada no artº 23º da Lei 16/2001 visa salvaguardar os objectivos consagrados no artº 1º da mesma lei.
  De entre as obrigações das concessionárias nos termos do artº 30º do Regulamento Administrativo 6/2002 consta informar factos que possam afectar a solvabilidade dos promotores de jogo e fiscalizar o cumprimento das obrigações legais, regulamentares e contratuais dos promotores de jogo, entre outras.
  Ou seja, de acordo com as alegadas disposições legais as concessionárias têm o poder dever de fiscalizar toda a actividade dos promotores de jogo que exercem a sua actividade nos seus casinos. Veja-se a propósito a alínea 6) do artº 22º da Lei 16/2001 que impõe às concessionárias a instalação nas salas de jogo do sistema electrónico de vigilância e controlo, o qual, como resulta das regras da experiência, permite inclusivamente visionar a entrega de dinheiro e fichas nas tesourarias das salas.
  Tal como já se referiu supra, subjacente a esta acção está um contrato de depósito realizado por um cidadão num promotor de jogo que funcionava junta da 2ª Ré.
  A actividade conexa com os jogos de fortuna e azar não se limita ao jogo propriamente dito, compra e troca de fichas, mas também, à concessão de crédito – a qual igualmente está condicionada a licença para o efeito – bem como a estes contratos de depósito de fichas.
  Não estando os concessionários nem os promotores de joga autorizados a exercer a actividade bancária, o crédito concedido e os depósitos recebidos apenas o podem ser em fichas de jogo, sendo certo que, no caso do depósito a materialização do mesmo se confunde um pouco entre a entrega do numerário e/ou o uso de numerário para comprar fichas de jogo que são imediatamente depositadas, o que se revela ser a prática corrente1.
  Contudo, compra, venda, empréstimo e recebimento em depósito de fichas de jogo, são por natureza actividades conexas com os jogos de fortuna e azar.
  Ora, se o cliente entrega uma quantia em numerário que é imediatamente trocada em fichas de jogo que são depositadas (ainda que não haja o acto material de entregar as fichas ao cliente e este devolver as fichas para serem depositadas) ou se o cliente entrega as fichas que tem na sua posse proveniente do resultado de apostas ou porque as comprou, na tesouraria da sala VIP para ai ficarem em depósito o que ocorre é que esta acção envolve fichas de jogo e está directamente relacionada com o jogo.
  Mais ainda nos termos da alínea 1) do nº 1 do artº 7º da 2/2006, alínea 2) do nº 1 do artº 3º do Regulamento Administrativo nº 7/2006 e artº 10º da Instrução nº 1/2006 da DICJ, no que concerne aos Relatórios de Operações de Valor Elevado, o que resulta é que todas as operações – compras de fichas, apostas, crédito e reembolso/depósitos de fichas – que num período de 24 horas excedam o valor de MOP500.000,00 têm obrigatoriamente que ser declaradas, situação pela qual o próprio concessionário é também responsável para além do promotor de jogo.
  Destarte, se nos termos da legislação aplicável, como vimos supra, o concessionário (ou subconcessionário) está obrigado a fiscalizar a actividade do promotor de jogo – alínea 5) do artº 30º do Regulamento Administrativo nº 6/2002 – e se são responsáveis pela actividade desenvolvida por estes – nº 3 do artº 23º da Lei nº 16/2001 -, não há como não se entender que estas operações de tesouraria, pagamentos, empréstimos, depósitos, para além das relacionadas com apostas, compra e troca de fichas, não caibam dentro do âmbito da responsabilidade solidária prevista no artº 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2002.
  Neste sentido se entendeu no Acórdão do Venerando tribunal de Segunda Instância de 11.10.2018 proferido no Processo 475/2018.
  Destarte, estando provada a alegada relação entre as Rés – concessionária/promotora de jogo – e sendo de entender face a todo o exposto que os depósitos de fichas realizados nas promotoras de jogo é uma actividade conexa com a actividade de jogos de fortuna e azar, face ao disposto no artº 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2002 é a 2ª Ré solidariamente com a 1ª Ré responsável pela devolução do depósito feito pela Autora na 1ª Ré.
  
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos julga-se a acção procedente porque provada e em consequência condenam-se as Rés solidariamente a devolver à Autora a quantia de MOP2.575.000,00 acrescida dos juros de mora à taxa dos juros legais a contar do 31º dia após a data da citação da 1ª Ré até efectivo e integral pagamento.
  
  Custas a cargo das Rés.
  
  Registe e Notifique.

Não se conformando com o decidido, vieram ambas as Rés recorrer da mesma para este Tribunal de Segunda Instância.

A 2ª Ré C (Macau) S.A. formulou as seguintes conclusões e pedidos:
1) O presente recurso tem por objecto o acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo sobre a matéria de facto, no que se refere às respostas dadas aos quesitos 7.º, 8.º, 9.º e 10.º da base instrutória e sobre a douta sentença que deu provimento ao pedido formulado pela Autora contra a ora Recorrente, ao pagamento do montante de HKD$2,500,000.00 (dois milhões de dólares de Hong Kong), equivalente a MOP$2,575,000.00 (dois milhões quinhentos e setenta e cinco mil patacas), acrescido de juros de mora a contar do 31.º dia posterior à data de citação.
2) A açcão que deu origem ao presente recurso, fundou-se num depósito alegadamente realizado a 19 de Agosto de 2015, no montante supra melhor mencionado.
3) De forma a provar que os quesitos 7.º, 8.º e 9.º da base instrutória deveriam ter sido dados como não provados, e o quesito 10.º da base instrutória dado como não provado ou provado "antes que" a Recorrente lançou mão dos seguintes meios que, a seu ver, impunham um julgamento diferente daquele que foi proferido pelo Tribunal Colectivo, i.e., prova documental, mormente, os documentos a fls. 154 e 155, em contraposição com a cópia de talão apresentado pela Autora em sede de audiência de julgamento, e a prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, pela testemunha E, testemunha da Recorrente em contraposição com as testemunhas da Autora, F, G e H.
4) Os quesitos 7.º, 8.º e 9.º da base instrutória foram quesitados da seguinte maneira: "7. Em 19 de Agosto de 2015, a Autora depositou um milhão e cem mil dólares de Hong Kong (HKD1.100.000,00) na sala B1 explorada pela 1.a Ré que ela pediu emprestado ao referido estabelecimento de relógios, jóias e ouro "D Chong Pio Chu Pou Kam Hong" juntamente com um milhão e quatrocentos mil dólares de Hong Kong (HKD1.400.000,00) que ela trazia consigo, perfazendo o total de dois milhões e quinhentos mil dólares de Hong Kong (HKD2.500.000,00)?"
8. "Depositada a referida quantia, a 1.ª Ré emitiu à Autora um "recibo de depósito" n.º 015006, cujo teor é: "certifica-se que (depositária) A; hora: 18:00; número de cliente: 80050933; deposita dois milhões e quinhentos mil dólares de Hong Kong (HKD2.500.000,00) em numerário?"
9. "O referido recibo de depósito foi assinado pelo tesoureiro e pela testemunha da sala B1 para efeitos de confirmação e também assinado pela autora, ou seja, a depositária, de forma a provar que essa quantia foi depositada na conta de jogo aberta pela Autora na sala B1?"
5) E o quesito 10.º da base instrutória 10. "Assim, depois de a Autora ter depositado no dia 19 de Agosto de 2015 os referidos dois milhões e quinhentos mil dólares de Hong Kong (HKD2.500.000,00) na sala B1, nunca mais efectuou o seu levantamento?"
6) Tendo sido a resposta dada aos quesitos da seguinte forma: "7. Provado que em 19 de Agosto de 2015, a Autora depositou dois milhões e quinhentos mil dólares de Hong Kong (HKD2.500.000,00) na sala B1 explorada pela 1.ª Ré."
8. Provado.
9. Provado.
10. Provado."
7) A convicção do tribunal baseou-se prova documental junta aos autos, mormente, documentos a fls. 154 e 155, públicas-formas dos talões de empréstimo junto da casa de penhores, a fls. 53 e 58 e o documento de recibo de depósito junto em sede de audiência de julgamento, assim como no depoimento das testemunhas da Autora.
8) Os documentos em que o tribunal a quo se apoiou não podem confirmar qualquer depósito, pois, nenhum dos documentos juntos têm o número de conta que aparece na cópia do talão de depósito apresentado pela Autora.
9) A ora Recorrente lançou mão da prova testemunhal e documental, mormente da testemunha E, depoimento que colide com o depoimento das testemunhas da Autora e do alegado recibo junto em sede de audiência de discussão e julgamento, em contraposição com os documentos juntos aos autos, a fls. 154 e 155, para demonstrar que os quesitos 7.º, 8.º e 9.º da base instrutória deveriam ter sido dados como não provados.
10) Do depoimento da testemunha da ora Recorrente, salientam-se as passagens relativas a procedimentos da tesouraria para levantamentos de depósitos: (i) Recorded 9 Jul 2019, Translator 1, 16.06.24, aos 46minutos e 20segundos em que afirma que o talão original é de cor azul; em contra instância, Recorded 9 Ju12019, Translator 1, 16.06.24, aos 49minutos e 43segundos, quando refere que essa é que era a regra [talão original era azul]; (iii) Recorded 9 Jul 2019, Translator 1, 16.06.24, aos 50minutos e l1segundos, quando confirma que a tesouraria não apõe carimbos nos talões de depósito; e (iv) Recorded 9 Jul 2019, Translator 1, 16.06.24, aos 50minutos e 44segundos, quando refere que as letras [montante] foram sempre impressas e não manuscritas, dizendo-o mais à frente, Recorded 9 Jul 2019, Translator 1, 16.06.24, aos 50minutos e 55segundos, que tal era exigido pela empresa.
11) Contrapondo, este depoimento ao das testemunhas da Autora, todas elas bate-fichas no activo ou reformadas, foi dito, unanimemente, que a cor do recibo da Recorrida era cor-de-rosa, conforme passagens, Recorded 9 Jul 2019, Translator 1, 15.07.09, aos 22minutos e 41segundos, Recorded 9 Jul 2019, Translator 1, 15.07.09, aos 23minutos e 51 segundos e Recorded 9 Jul 2019, Translator 1, 16.06.24, aos 07minutos e 28segundos, po F, G e H, respectivamente.
12) Ora, do documento junto aos autos e destes depoimentos, temos de um lado uma testemunha, ex-funcionária da Recorrente, com larga experiência profissional e três testemunhas, bate-fichas, se com interesse directo na causa, não se entende, mas o mais certo é que tenham algum interesse no desfecho destes autos.
13) O documento apresentado pela Recorrida em sede de audiência de julgamento é cor-de-rosa, e não azul, e a isto acresce que, de acordo com a prova constante dos autos, a fls. 154 e 155, o número de conta em nome da Recorrida é 99330 e a único registo que têm em nome da Recorrida é numa conta com número 80050933A.
14) Sucede que, o número de conta constante do recibo cor-de-rosa apresentado pela Autora é 80059330.
15) A prova documental a que nos referimos foi oferecida aos autos pela Autora, e havendo dúvidas sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova, deverá recair sobre quem contra quem aproveita o facto, nos termos do artigo 437.° do Código de Processo Civil.
16) Pelo que, ao dar como provados os quesitos 7.º 8.º e 9.º da base instrutória nos termos em que o fez, o acórdão de matéria de facto e sentença final, incorreram em erro de julgamento, por a decisão ter incorrido no vício de contradição, deficiência, falta de fundamentação tudo nos termos dos artigos 370.º e 386.ºo e ss do Código Civil e do n.º 5 do artigo 556.º do Código de Processo Civil. (sublinhado e negrito nosso)
17) Devendo assim, o acórdão proferido sobre a matéria de facto ser revogado por violação dos artigos 370.º e 386 e ss do Código Civil e do n.º 5 do artigo 566.º do Código de Processo Civil e, consequentemente, com base nos meios de_prova supra melhor mencionados, e os quesitos 7.º, 8.º e 9.º da base instrutória sejam dados como não provados, ou, subsidiariamente, caso não se entenda pela solução dada aos quesitos em questão, deverá ser anulada a sentença no que a estes quesitos concerne e ordenado um novo julgamento da matéria de facto.
18) Relativamente ao quesito 10.° da base instrutória, que deveria ter sido dado como não provado ou provado “antes que” no sentido de não depósito e impossibilidade de devolução por parte da Recorrente, lança-se mão da prova testmunhal, E e nos documentos a fls. 154 e 155 dos autos.
19) Como já aflorado no capítulo anterior, a testemunha da Recorrente, E, para além de ter indicado sem qualquer dificuldade de que cor eram os talões emitidos pela Recorrida, também soube apontar as deficiências de que tal documento padecia e que não era assim que a tesouraria da Recorrida procedia, depoimento cujas partes se consideram transcritas para todos os efeitos, por razões de economia processual.
20) Ora, se atentarmos tanto ao documento que alegadamente titula o depósito reclamado pela Recorrida, e contrapondo estes documentos com o documento que alegadamente titula o depósito reclamado pela Recorrida nos autos, junto em sede de audiência de julgamento, verifica-se como já abordado em sede de capítulo anterior que os números não são coincidentes.
21) No modesto entendimento da Recorrente, contra a apresentação de um talão que não o original, não poderia ter a Recorrente procedido a qualquer devolução de montante, como já referido.
22) Entendemos, pois, que face à matéria produzida nos autos e ao supra expendido, outra solução não restaria que dar uma resposta no sentido de provar que a ora Recorrente efectivamente não procedeu à devolução, mas porque tal montante não se encontrava deopsitado e porque só poderia devolver tal montante contra a apresentação do talão de depósito original.
23) Pelo que, ao dar como provado o quesito 10.º da base instrutória nos termos em que o fez, o acórdão de matéria de facto e sentença final, incorreram em erro de julgamento, por a decisão ter incorrido no vício de contradição, deficiência, falta de fundamentação tudo nos termos dos artigos 370.º e 386.º e ss do Código Civil e do n.º 5 do artigo 556.º do Código de Processo Civil.
24) Devendo, assim, ser revogado o acórdão proferido sobre a matéria de facto por violação dos artigos 370.º e 386 e ss do Código Civil e do n.º 5 do artigo 566.º do Código de Processo Civil e, consequentemente, com base nos meios de prova supra melhor mencionados, e o quesito 10.º da base instrutória seja dado como não provado ou provado "antes que", no sentido do não depósito dos montante e impossibilidade de devolução do montante em questão.
25) Ou, subsidiariamente, caso não se entenda pela solução dada aos quesitos em questão, deverá ser anulada a sentença no que a estes quesitos concerne e ordenado um novo julgamento da matéria de facto.
26) Com o devido respeito, mal andou o tribunal a quo, ao condenar a ora Recorrente, pois, a relação de depósito pressupõe que haja uma obrigação de entrega e uma obrigação de restituição, tudo nos termos do artigo 1111.º do Código Civil.
27) A ora Recorrente, não pode devolver aquilo que nunca esteve consigo, sob pena de estarmos perante uma situação de enriquecimento sem causa.
28) Neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11 de Fevereiro de 2010, reza o seguinte:" "- O enriquecimento sem causa constitui, no nosso ordenamento jurídico, uma fonte autónoma de obrigações e assenta na ideia de que pessoa alguma deve locupletar-se à custa alheia.
II - A obrigação de restituir/indemnizar fundada no instituto do enriquecimento sem causa pressupõe a verificação cumulativa dos quatro seguintes requisitos: a) a existência de um enriquecimento; b) que ele careça de causa justificativa; c) que o mesmo tenha sido obtido à custa do empobrecimento daquele que pede a restituição; d) que a lei não faculte ao empobrecido outro meio de ser restituído/indemnizado."
29) A ora Recorrente não se encontra numa situação de enriquecimento sem causa, por não preenchimento cumulativo dos quatro requisitos, i.e., não há um enriquecimento, sem razão atendível, à custa do empobrecimento de outrém, e quanto à questão de outro mecanismo da lei, facto é que não se pode indemnizar indemnizar/restituir algo que não está na sua esfera.
30) Como já referido, a ora Recorrente na prossecução da sua actividade comercial, promoção de jogos de fortuna e azar, tinha sempre que se nortear pelas suas regras internas, que são o que valem para qualquer procedimento de levantamento e depósito, e não regras arbitrárias.
31) Com isto queremos dizer, é virtualmente impossível, que a ora Recorrente possa devolver um montante contra a apresentação de um título que não é um título original.
32) Decaindo a obrigação de restituição, terá que decair a responsabilização da Recorrente, porque não estão reunidas as condições para que a ora Recorrente seja obrigada a restituir qualquer valor à Autora, ora Recorrida.
33) No que aos juros de mora concerne, semelhante raciocínio se impõe, i.e., por se entender que a obrigação de restituição não existe, não poderia a Recorrente ter sido condenada ao pagamento de juros a contar a partir da citação.
  Face ao exposto, requer, muito respeitosamente, finalmente a V. Exa. se digne dar provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-a por outra em que: (i) sejam alterados as resposta aos quesitos 7.º, 8.º e 9.º da base instrutória no sentido de serem dados como não provados; (ii) a resposta ao quesito 10.º da base instrutória no sentido de ser dado como não provado ou "provado antes" o montante de HKD$2,500,000.00 não poderia ser devolvido porque não foi depositado; (ii) subsidiariamente, seja anulado o julgamento de matéria de facto nos autos, ordenando-se a repetição dos mesmos; e que seja revogada a sentença recorrida, determinando a improcedência do pedido da condenação da Recorrente.

Por sua vez a 1ª Ré B Entretenimento Sociedade Unipessoal Limitada apresentou as alegações, concluindo e pedindo:
(i) O Tribunal Judicial de Base condenou a B no pedido em sede de responsabilidade meramente contratual;
(ii) A Sentença Recorrida condenou ainda a Recorrente com base no artigo 29º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002 por entender que (a) este enuncia um princípio de responsabilidade das concessionárias de jogo perante terceiros por actos dos promotores de jogo; (b) o depósito em numerário efectuado pela Recorrida junto da B tinha conexão directa com o jogo; e (c) esse depósito se subsumia no segmento da previsão normativa do artigo 29.º que se refere à actividade desenvolvida nos casinos pelos promotores de jogo, não tendo a Sentença considerado preenchido qualquer outro segmento da previsão normativa;
(iii) O Regulamento Administrativo n.º 6/2002 é um regulamento complementar;
(iv) O seu artigo 29.º regulamenta o n.º 3 do artigo 23.º da Lei n.º 16/2001 e consequentemente só trata da responsabilidade das concessionárias perante o Governo, por actos praticados por promotores de jogo com os quais tem relação;
(v) A interpretação do referido artigo 29º professada pelo Tribunal a quo importa que as concessionárias respondam objectivamente perante terceiros por obrigações contratuais dos promotores de jogo, por estes contraídas no exercício da própria empresa, como se aquelas fossem suas fiadoras ope legis;
(vi) Isso representaria um risco extremo e injustificado, não explicado por qualquer circunstância especial da relação que se estabelece entre concessionárias e promotores;
(vii) Os promotores de jogo são entidades autónomas, actuam em concorrência virtual com as concessionárias e estão sujeitos a licenciamento, exames à escrita e auditorias do regulador, corporizado na DICJ;
(viii) Por conseguinte, o artigo 29.º não responsabiliza as concessionárias perante terceiros por obrigações contratuais dos promotores, contraídas no exercício da própria empresa;
(ix) Se o legislador tivesse querido instilar-Ihe esse sentido, tê-lo-ia expressado em termos inequívocos;
(x) A Sentença Recorrida violou e fez errada aplicação de lei substantiva ao interpretar o referido artigo 29° e aplicá-lo na condenação da Recorrente, nos moldes supra descritos;
(xi) O Tribunal a quo não fundamenta a condenação da Recorrente na norma contida na alínea 5) do artigo 30.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002, o que se afigura correcto porque a mesma só poderia ser aplicada com apoio em matéria de facto que não se provou por não ter sido quesitada;
(xii) Aliás, a especificação de um regime de solidariedade na condenação da Recorrente sempre afastaria necessariamente a possibilidade de esta se alicerçar na aludida alínea 5) do artigo 30°;
(xiii) Por cautela de patrocínio, na hipótese de se entender que a Sentença Recorrida se teria escorado também na omissão do dever de fiscalização consagrado nessa disposição legal, sempre se dirá que o Tribunal a quo teria então (a) violado lei substantiva por considerar que a quebra do dever imposto pela norma gera responsabilidade perante o público, e não apenas perante o regulador, e, (b) violado lei adjectiva, a saber, o artigo 562.º, nºs 2 e 3, do Código de Processo Civil, por se basear, como pressuposto da condenação, no incumprimento dum dever cuja subjacente factualidade - "fiscalizou ou não fiscalizou" - não integrou a discussão da matéria de facto porque não fazia parte da Base Instrutória.

Aos recursos respondeu a Autora pugnando pela improcedência de ambos os recursos.
II

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

1. Recurso da Ré B Entretenimento Sociedade Unipessoal Limitada

Constatando-se nas conclusões tecidas na minuta do recurso interposto pela 1ª Ré B Entretenimento Sociedade Unipessoal Limitada, que esta pretende ver não provada a matéria dos quesitos 7º a 10º da base instrutória, que foi parcialmente julgada provada pelo Tribunal a quo.

Versando a parte da matéria de facto impugnada sobre o depósito pela Autora do montante de HKD$2.500.000,00 e o não levantamento do tal depósito, o eventual êxito da impugnação abalará necessariamente a base fáctica em que se alicerçou a sentença recorrida.

Assim, é de nos debruçarmos primeiro sobre a impugnação da matéria de facto.

Ora, se é verdade que, por força do princípio da livre apreciação das provas consagrado no artº 558º do CPC, como regra geral, o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, não é menos certo que a matéria de facto assente de primeira instância pode ser alterada nos termos e ao abrigo do disposto no artº 629º do CPC.

Diz o artº 629º/1-a) do CPC que a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância, se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artº 599º, a decisão com base neles proferida.

Reza, por sua vez, o artº 599º, para o qual remete o artº 629º/1-a), todos do CPC, que:
1. Quando impugne a decisão de facto, cabe ao recorrente especificar, sob pena de rejeição do recurso:
a) Quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar as passagens da gravação em que se funda.
3. Na hipótese prevista no número anterior, e sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe à parte contrária indicar, na contra-alegação que apresente, as passagens da gravação que infirmem as conclusões do recorrente.
4. O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 590.º
A recorrente identificou a matéria que considera incorrectamente julgada provada.

Os meios probatórios que, na óptica da recorrente, impunham decisão diversa são documentos juntos aos autos e os depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas na audiência de julgamento.

No caso dos autos, houve gravação dos depoimentos.

Foi transcrito o teor dos depoimentos que a recorrente entendeu mal valorados pelo Tribunal a quo.

Todavia, não obstante a verificação dos pressupostos formais da reapreciação da decisão de facto, por razões que passemos a expor infra, este Tribunal de recurso não é permitido pela lei processual a proceder à reapreciação das tais provas nos termos requeridos.

Como se sabe, na matéria da valoração das provas, documental e testemunhal, vigora o princípio da livre apreciação da prova, à luz do qual o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.

O Colectivo da 1ª instância fundamentou a sua convicção nos termos seguintes:
  A convicção do tribunal resultou da apreciação crítica da prova documental junta aos autos nomeadamente os documentos de fls. 154 e 155 de onde resulta que a Autora era titular da conta indicada na sala da 1ª Ré com o que se respondeu aos itens 1º e 2º, os documentos de fls. 53 a 58 – públicas-formas dos talões dos empréstimos junto da casa de penhores – com o que se respondeu afirmativamente aos itens 4º a 6º e o documento junto em audiência de julgamento – recibo do depósito realizado na sala explorada pela 1ª Ré – com o que se respondeu afirmativamente aos itens 7º, 8º e 9º.
  A resposta dada ao item 3º e 10º resultou do depoimento das três primeiras testemunhas ouvidas em audiência, as quais também exercem ou exerceram a profissão de “bate fichas” trabalhando, por vezes, entre si, em conjunto, e que no que se refere ao depósito a que se reportam os autos, as três testemunhas ouvidas acompanharam a Autora no dia 19 de Agosto de 2015 à sala da B para fazer o depósito, uma vez que, no dia a seguir era suposto chegar um cliente que os quatro costumam acompanhar, e que costuma jogar durante bastante horas e fazer apostas na ordem das dezenas ou centenas de milhares de HKD o que gera proveitos em sede de comissões que recebem pela troca de fichas. Como esse cliente não veio o valor depositado ficou na sala VIP da 1ª Ré não tendo sido levantado até aos acontecimentos de Setembro de 2015 a partir de quando a 1ª Ré não mais pagou o respectivo valor e posteriormente participou à PJ.
  
Apesar de a lei exigir sempre a objectivação e motivação da convicção íntima do Tribunal na fundamentação da decisão de facto, ao levar a cabo a sua actividade cognitiva para a descoberta da verdade material, consistente no conhecimento ou na apreensão de um acontecimento supostamente ocorrido no passado, o julgador não pode deixar de ser subjectivamente influenciado por elementos não explicáveis por palavras, nomeadamente quando concedem a credibilidade a uma testemunha e não a outra, pura e simplesmente por impressão recolhida através do contacto vivo e imediato com a atitude e a personalidade demonstrada pela testemunha, ou com a forma como reagiu quando inquirida na audiência de julgamento.

Assim, desde que tenham sido observadas as regras quanto à valoração das provas e à força probatória das provas e que a decisão de facto se apresenta coerente em si ou se não mostre manifestamente contrária às regras da experiência de vida e à logica das coisas, a convicção do Tribunal a quo, colocado numa posição privilegiada por força do princípio da imediação, em princípio, não é sindicável.

Segundo o ensinamento de Amâncio Ferreira, a admissibilidade dos meios de impugnação, incluindo o recurso ordinário, funda-se na falibilidade humana e na possibilidade de erro por parte dos juízes.

O recurso ordinário visa atacar a decisão judicial por ser errada ou injusta.

A decisão é errada ou por padecer de error in procedendo, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento, ou de error in iudicando, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e à aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado.

A decisão é injusta quando resulta duma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos. – in Manual dos Recursos em Processo Civil, 6ª ed. pág. 69 e s.s.

Ou seja, o recurso ordinário existe para corrigir erro e repor a justiça posta em causa pela decisão errada.

Na esteira dessa doutrina autorizada sobre a função do recurso ordinário no processo civil, para impugnar com êxito a matéria fáctica dada por assente na primeira instância, não basta ao recorrente invocar a sua discordância fundada na sua mera convicção pessoal formada no teor de um determinado meio de prova, ou identificar a divergência entre a sua convicção e a do Tribunal de que se recorre, é ainda preciso que o recorrente identifique o erro que, na sua óptica, foi cometido pelo Tribunal de cuja decisão se recorre.

Os julgadores de recurso, não sentados na sala de audiência para obter a percepção imediata das provas ai produzidas, naturalmente não podem estar em melhores condições do que os juízes de primeira instância que lidaram directamente com as provas produzidas na sua frente.

Assim, o chamamento dos julgadores de recurso para a reapreciação e a revaloração das provas, já produzidas e/ou examinadas na 1ª instância, com vista à eventual alteração da matéria de facto fixada na 1ª instância só se justifica e se legitima quando a decisão de primeira instância padecer de erros manifestamente detectáveis.

Portanto, para que possa abalar com êxito a convicção formada pelo Tribunal a quo com vista à revogação da decisão de facto e à sua ulterior modificação pelo Tribunal ad quem, é preciso que o recorrente identifique erro manifesto na valoração de provas e na fixação da matéria de facto, e não a simples divergência entre ele e o Tribunal no que diz respeito à valoração de provas ou à fixação da matéria fáctica.

Integram em tais erros manifestos, inter alia, a violação de regras quanto à valoração de provas e à força probatória de provas, v. g. o não respeito à força vinculativa duma prova legal, e a contrariedade da convicção íntima do Tribunal a regras de experiência de vida e à lógica das coisas.

In casu, nada disso foi alegado em relação à valoração dos depoimentos testemunhais.

Ao passo que, em relação ao exames de documentos, a recorrente insinuou que houve erro na valoração dos documentos a fls. 154 e 155, tendo dito que:

13) O documento apresentado pela Recorrida em sede de audiência de julgamento é cor-de-rosa, e não azul, e a isto acresce que, de acordo com a prova constante dos autos, a fls. 154 e 155, o número de conta em nome da Recorrida é 99330 e a único registo que têm em nome da Recorrida é numa conta com número 80050933A.
14) Sucede que, o número de conta constante do recibo cor-de-rosa apresentado pela Autora é 80059330.
15) A prova documental a que nos referimos foi oferecida aos autos pela Autora, e havendo dúvidas sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova, deverá recair sobre quem contra quem aproveita o facto, nos termos do artigo 437.° do Código de Processo Civil.

Todavia, é falsa a alegada discrepância!

Pois tanto o original do recibo de depósito a fls. 200, junto pela Autora na audiência de julgamento, como a pública-forma do mesmo recibo a fls. 60, apresentada pela Autora com a p.i., contém o número de conta da Autora que é 80050933, que correspondente exactamente ao número mencionado no documento a fls. 155, trazido aos autos pela ora recorrente B!

Tirando a tal alegada discrepância que afinal inexiste, o que fez a recorrente não é mais do que valorar, ela própria, as provas em causa, e formar a sua convicção, diversa da formada pelo Colectivo a quo, sem que tenha sido apontado o erro manifesto na apreciação da prova.

Nestas circunstâncias, nada temos para legitimar este Tribunal de recurso para sindicar a decisão de facto de primeira instância.

Improcede in totum a impugnação da matéria de facto.

O que prejudica o conhecimento do pedido de revogação da sentença de direito, fundado no pretendido êxito da impugnação da matéria de facto, formulado pela Ré B na sua petição de recurso.

Arrumado o recurso da Ré B, passemos à apreciação do recurso interposto pela 2ª Ré C (Macau) S.A..

2. Recurso da Ré C (Macau) S.A.

A Ré C reagiu contra a sentença recorrida, essencialmente na parte que a condenou solidariamente com a 1ª Ré B.

O Tribunal a quo fundamentou a condenação solidária da Ré C nos termos seguintes:

  Da responsabilidade solidária das Rés.
  
  A este respeito invoca a Autora a responsabilidade solidária das Rés com base no artº 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2002 uma vez que a 1ª Ré é um promotor de jogo que desenvolvia a sua actividade no casino da 2ª Ré.
  A Lei nº 16/2001 no seu artº 1º define o seu âmbito e objectivo, assim como no artº 2º, nº 1, 6) define o que se entende por promotor de jogo.
  A responsabilidade das concessionárias pela actividade desenvolvida nos casinos pelos promotores de jogo enunciada no artº 23º da Lei 16/2001 visa salvaguardar os objectivos consagrados no artº 1º da mesma lei.
  De entre as obrigações das concessionárias nos termos do artº 30º do Regulamento Administrativo 6/2002 consta informar factos que possam afectar a solvabilidade dos promotores de jogo e fiscalizar o cumprimento das obrigações legais, regulamentares e contratuais dos promotores de jogo, entre outras.
  Ou seja, de acordo com as alegadas disposições legais as concessionárias têm o poder dever de fiscalizar toda a actividade dos promotores de jogo que exercem a sua actividade nos seus casinos. Veja-se a propósito a alínea 6) do artº 22º da Lei 16/2001 que impõe às concessionárias a instalação nas salas de jogo do sistema electrónico de vigilância e controlo, o qual, como resulta das regras da experiência, permite inclusivamente visionar a entrega de dinheiro e fichas nas tesourarias das salas.
  Tal como já se referiu supra, subjacente a esta acção está um contrato de depósito realizado por um cidadão num promotor de jogo que funcionava junta da 2ª Ré.
  A actividade conexa com os jogos de fortuna e azar não se limita ao jogo propriamente dito, compra e troca de fichas, mas também, à concessão de crédito – a qual igualmente está condicionada a licença para o efeito – bem como a estes contratos de depósito de fichas.
  Não estando os concessionários nem os promotores de joga autorizados a exercer a actividade bancária, o crédito concedido e os depósitos recebidos apenas o podem ser em fichas de jogo, sendo certo que, no caso do depósito a materialização do mesmo se confunde um pouco entre a entrega do numerário e/ou o uso de numerário para comprar fichas de jogo que são imediatamente depositadas, o que se revela ser a prática corrente2.
  Contudo, compra, venda, empréstimo e recebimento em depósito de fichas de jogo, são por natureza actividades conexas com os jogos de fortuna e azar.
  Ora, se o cliente entrega uma quantia em numerário que é imediatamente trocada em fichas de jogo que são depositadas (ainda que não haja o acto material de entregar as fichas ao cliente e este devolver as fichas para serem depositadas) ou se o cliente entrega as fichas que tem na sua posse proveniente do resultado de apostas ou porque as comprou, na tesouraria da sala VIP para ai ficarem em depósito o que ocorre é que esta acção envolve fichas de jogo e está directamente relacionada com o jogo.
  Mais ainda nos termos da alínea 1) do nº 1 do artº 7º da 2/2006, alínea 2) do nº 1 do artº 3º do Regulamento Administrativo nº 7/2006 e artº 10º da Instrução nº 1/2006 da DICJ, no que concerne aos Relatórios de Operações de Valor Elevado, o que resulta é que todas as operações – compras de fichas, apostas, crédito e reembolso/depósitos de fichas – que num período de 24 horas excedam o valor de MOP500.000,00 têm obrigatoriamente que ser declaradas, situação pela qual o próprio concessionário é também responsável para além do promotor de jogo.
  Destarte, se nos termos da legislação aplicável, como vimos supra, o concessionário (ou subconcessionário) está obrigado a fiscalizar a actividade do promotor de jogo – alínea 5) do artº 30º do Regulamento Administrativo nº 6/2002 – e se são responsáveis pela actividade desenvolvida por estes – nº 3 do artº 23º da Lei nº 16/2001 -, não há como não se entender que estas operações de tesouraria, pagamentos, empréstimos, depósitos, para além das relacionadas com apostas, compra e troca de fichas, não caibam dentro do âmbito da responsabilidade solidária prevista no artº 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2002.
  Neste sentido se entendeu no Acórdão do Venerando tribunal de Segunda Instância de 11.10.2018 proferido no Processo 475/2018.
  Destarte, estando provada a alegada relação entre as Rés – concessionária/promotora de jogo – e sendo de entender face a todo o exposto que os depósitos de fichas realizados nas promotoras de jogo é uma actividade conexa com a actividade de jogos de fortuna e azar, face ao disposto no artº 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2002 é a 2ª Ré solidariamente com a 1ª Ré responsável pela devolução do depósito feito pela Autora na 1ª Ré.
  
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos julga-se a acção procedente porque provada e em consequência condenam-se as Rés solidariamente a devolver à Autora a quantia de MOP2.575.000,00 acrescida dos juros de mora à taxa dos juros legais a contar do 31º dia após a data da citação da 1ª Ré até efectivo e integral pagamento.
  
  Custas a cargo das Rés.
  
  Registe e Notifique.

Em síntese, o Tribunal a quo entende que os depósitos de fichas ou dinheiro efectuados nas contas abertas pelos potenciais jogadores nas promotoras de jogo integram nas actividades conexas com a actividade de jogos de fortuna e azar, o que face ao disposto no artº 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2002 implica a responsabilização solidária da concessionária com a sua promotora de jogo.

Aliás esse entendimento do Tribunal a quo segue a posição já defendida pela jurisprudência deste TSI, em vários processos versando sobre as questões jurídicas idênticas – cf. nomeadamente os Acórdãos do TSI nos proc. nºs 749/2019, 790/2019, 1005/2019 e 78/2020.

Não vemos motivos para não seguir nos presentes autos onde foi tratada a questão jurídica idêntica.

Assim, não se nos afigura outra solução melhor do que a de louvar aqui a decisão recorrida e, nos termos autorizados pelo artº 631º/5 do CPC, remeter para os doutos fundamentos invocados na decisão recorrida, julgando improcedente o recurso da 2ª Ré C e confirmando a decisão recorrida.

Concluindo e resumindo:

7. Se é verdade que, por força do princípio da livre apreciação das provas consagrado no artº 558º do CPC, como regra geral, o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, não é menos certo que a matéria de facto assente de primeira instância pode ser alterada nos termos e ao abrigo do disposto no artº 629º do CPC.

8. Apesar de a lei exigir sempre a objectivação e motivação da convicção íntima do Tribunal na fundamentação da decisão de facto, ao levar a cabo a sua actividade cognitiva para a descoberta da verdade material, consistente no conhecimento ou na apreensão de um acontecimento supostamente ocorrido no passado, o julgador não pode deixar de ser subjectivamente influenciado por elementos não explicáveis por palavras, nomeadamente quando concedem a credibilidade a uma testemunha e não a outra, pura e simplesmente por impressão recolhida através do contacto vivo e imediato com a atitude e a personalidade demonstrada pela testemunha, ou com a forma como reagiu quando inquirida na audiência de julgamento. Assim, desde que tenham sido observadas as regras quanto à valoração das provas e à força probatória das provas e que a decisão de facto se apresenta coerente em si ou se não mostre manifestamente contrária às regras da experiência de vida e à logica das coisas, a convicção do Tribunal a quo, colocado numa posição privilegiada por força do princípio da imediação, em princípio, não é sindicável.

9. O recurso ordinário existe para corrigir erro e repor a justiça posta em causa pela decisão errada. Para impugnar com êxito a matéria fáctica dada por assente na primeira instância, não basta ao recorrente invocar a sua discordância fundada na sua mera convicção pessoal formada no teor de um determinado meio de prova, ou identificar a divergência entre a sua convicção e a do Tribunal de que se recorre, é ainda preciso que o recorrente identifique o erro que, na sua óptica, foi cometido pelo Tribunal de cuja decisão se recorre.

10. Os julgadores de recurso, não sentados na sala de audiência para obter a percepção imediata das provas ai produzidas, naturalmente não podem estar em melhores condições do que os juízes de primeira instância que lidaram directamente com as provas produzidas na sua frente. Assim, o chamamento dos julgadores de recurso para a reapreciação e a revaloração das provas, já produzidas e/ou examinadas na 1ª instância, com vista à eventual alteração da matéria de facto fixada na 1ª instância, só se justifica e se legitima quando a decisão de primeira instância padecer de erros manifestamente detectáveis.

11. Para que possa abalar com êxito a convicção formada pelo Tribunal a quo com vista à revogação da decisão de facto e à sua ulterior modificação pelo Tribunal ad quem, é preciso que o recorrente identifique erro manifesto na valoração de provas e na fixação da matéria de facto, e não a simples divergência entre ele e o Tribunal no que diz respeito à valoração de provas ou à fixação da matéria fáctica. Integram em tais erros manifestos, inter alia, a violação de regras quanto à valoração de provas e à força probatória de provas, v. g. o não respeito à força vinculativa duma prova legal, e a contrariedade da convicção íntima do Tribunal a regras de experiência de vida e à lógica das coisas.

12. Sendo os depósitos de fichas ou dinheiro efectuados nas contas abertas pelos potenciais jogadores nas promotoras de jogo uma das actividades conexas com a actividade de jogos de fortuna e azar, as concessionárias não terão de assumir, em solidariedade com as suas promotoras de jogo, as eventuais responsabilidades decorrentes da aceitação desse tipo de depósitos, face ao disposto no artº 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2002.


Resta decidir.
III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam julgar improcedentes ambos os recursos, mantendo na íntegra a sentença recorrida.

Custas pelas recorrentes.

Registe e notifique.

RAEM, 30JUL2020

Lai Kin Hong
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
1 A não ser assim e se os depósitos fossem/forem feitos em numerário então teríamos as salas de jogo a realizar operações bancárias o que salvo melhor opinião não pode ser permitido. No mesmo sentido veja-se comunicação da DCIJ de 21.09.2015 publicada no sítio da internet da respectiva Direcção: “A DICJ esclarece, uma vez mais, que, nos termos do "Regime jurídico do sistema financeiro" só as instituições de crédito previamente autorizadas podem receber depósitos do público e que a recepção ilegal destes depósitos constitui actividade criminosa.”
2 A não ser assim e se os depósitos fossem/forem feitos em numerário então teríamos as salas de jogo a realizar operações bancárias o que salvo melhor opinião não pode ser permitido. No mesmo sentido veja-se comunicação da DCIJ de 21.09.2015 publicada no sítio da internet da respectiva Direcção: “A DICJ esclarece, uma vez mais, que, nos termos do "Regime jurídico do sistema financeiro" só as instituições de crédito previamente autorizadas podem receber depósitos do público e que a recepção ilegal destes depósitos constitui actividade criminosa.”
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Ac. 168/2020-35