Processo n.º 650/2020 Data do acórdão: 2020-7-23 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– detenção indevida de utensílio
– detenção de dispositivo de vidro para consumo de droga
– tráfico ilícito de estupefaciente
– detenção de arma proibida
– medida da pena
– confissão parcial dos factos
S U M Á R I O
1. Como o dispositivo de vidro detido pelo arguido recorrente para consumo de droga não foi objecto de uso corrente na vida quotidiana das pessoas, deve ser mantida a condenação dele pela prática de um crime de detenção indevida de utensílio.
2. A confissão parcial dos factos não releva muito para a redução da pena do recorrente, atentas as prementes necessidades da prevenção geral dos crimes de tráfico ilícito de estupefacientes e de detenção da arma proibida por que vinha inclusivamente condenado em primeira instância.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 650/2020
(Autos de recurso penal)
Recorrente (1.o arguido): B
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por acórdão proferido a fls. 439 a 454v do Processo Comum Colectivo n.° CR4-19-0424-PCC do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, o 1.o arguido B ficou condenado:
– como autor material, na forma consumada, de um crime de tráfico ilícito de estupefacientes, p. e p. pelo art.o 8.o, n.o 1, da Lei n.o 17/2009, de 10 de Agosto (na redacção dada pela Lei n.o 10/2016, de 28 de Dezembro), em conjugação com o art.o 22.o da Lei n.o 6/2004, de 2 de Agosto, na pena de sete anos de prisão;
– como autor material, na forma consumada, de um crime de detenção indevida de utensílio, p. e p. pelo art.o 15.o da Lei n.o 17/2009 (na redacção dada pela Lei n.o 10/2016), em conjugação com o art.o 22.o da Lei n.o 6/2004, na pena de quatro meses de prisão;
– e como autor material, na forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. sobretudo pelo art.o 262.o, n.o 1, do Código Penal (CP), em conjugação com o art.o 22.o da Lei n.o 6/2004, na pena de dois anos e seis meses de prisão;
– e, em cúmulo jurídico dessas três penas todas, finalmente na pena única de oito anos de prisão.
Inconformado, veio ele recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para pedir, na motivação apresentada a fls. 467 a 473 dos presentes autos correspondentes, a absolvição do seu crime de detenção indevida de utensílio, na esteira da posição jurídica veiculada nos acórdãos dos Processos n.os 258/2011, 175/2014, 596/2014 e 669/2015 do TSI, e, fosse como fosse, a redução da pena, para ele passar a ser punido em pena inferior a oito anos de prisão.
Ao recurso respondeu o Ministério Público a fls. 476 a 479v dos autos, no sentido de improcedência do recurso.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 497 a 499, pugnando também pela manutenção do julgado.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
– o acórdão ora recorrido consta de fls. 439 a 454v, cuja fundamentação fáctica e jurídica se dá por aqui integralmente reproduzida;
– segundo a fundamentação probatória desse acórdão, o 1.o arguido ora recorrente confessou parcialmente os factos;
– os utensílios detidos por ele foram os mencionados na alínea 14 do facto provado 3, a saber: uma garrafa plástica com um tubo de ingestão e um dispositivo de vidro inseridos na tampa da garrafa;
– estes utensílios foram fotografados pela Polícia (cfr. a respectiva fotografia a que alude a segunda parte da fl. 28 dos autos).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
O 1.o arguido ora recorrente começou por pedir a sua absolvição do crime de detenção indevida de utensílio. Entretanto, de entre os objectos mencionados na alínea 14 do facto provado 3, o dispositivo de vidro aí referido e com fotografia a que alude a segunda parte da fl. 28 dos autos deve ser considerado como utensílio especificadamente destinado ao consumo de droga, pois, atenta a sua fisionomia, não é objecto de uso corrente na vida quotidiana das pessoas. Daí que deve ser mantida a condenação do recorrente pela prática de um crime de detenção indevida de utensílio (por causa da comprovada detenção desse dispositivo de vidro), sendo descabida a tese dele de concurso aparente entre o crime de consumo ilícito de estupefaciente e o crime de detenção indevida de utensílio, já que, independentemente de qual a posição do presente Tribunal sobre esta questão, ele não foi condenado no crime de consumo no aresto recorrido.
Quanto à pretendida redução da pena: desde já, a confissão parcial dos factos não releva muito para a medida da pena do recorrente, atentas as prementes necessidades da prevenção geral dos crimes de tráfico ilícito de estupefacientes e de detenção da arma proibida. E ponderadas todas as circunstâncias fácticas já apuradas em primeira instância e como tal descritas no texto do acórdão recorrido com pertinência à medida da pena aos padrões dos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o, n.os 1 e 2, do CP e do art.o 22.o da Lei n.o 6/2004, dentro das três molduras penais correspondentemente aplicáveis aos três delitos penais do recorrente, um imigrante clandestino em Macau na altura da prática desses crimes, as três penas parcelares achadas no acórdão já não podem admitir mais redução. E vista, em global, a factualidade provada em primeira instância, na qual se reflecte a personalidade do recorrente, a pena única de oito anos de prisão fixada em sede do art.o 71.o, n.os 1 e 2, do CP no aresto recorrido já é benévola a ele.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar não provido o recurso do 1.o arguido.
Custas do recurso a cargo desse recorrente, com três UC de taxa de justiça, e duas mil e oitocentas patacas de honorários a favor do seu Ex.mo Defensor Oficioso.
Macau, 23 de Julho de 2020.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Chao Im Peng
(Segunda Juíza-Adjunta)
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