打印全文
Processo n.º 519/2020
(Autos de recurso em matéria cível)

Relator: Fong Man Chong
Data: 23 de Julho de 2020

ASSUNTOS:

- Interpelação feita por fax
- Prejuízos excedentes em matéria do contrato de arrendamento

SUMÁRIO:

I - Face ao disposto no artigo 216º/2 do CCM, considera-se feita a respectiva interpelação, para denunciar o contrato de arrendamento e pedir a devolução do locado aquando do termo do contrato, através da notificação mandada por fax para o estabelecimento comercial de que um dos Réus explorava e que era administrador, uma vez que ficou provado que os Réus receberam tal fax.
II – Em relação à indemnização pelos prejuízos excedentes, uma vez verificados, a título de lucros cessantes, ela tem por fundamento o efectivo prejuízo causado, que pode já não se medir pelo valor da renda, não obstante ser o mesmo o respectivo facto gerador, mesmo que o montante dos danos causados às locadoras seja inferior ou equivalente ao quantitativo da renda, hipótese em que ao credor basta a indemnização contemplada pelo artigo 1027º/2 do CC.
III - A solução correcta só poderá ser conseguida mediante interpretação sistemática, lógica e teleológica da norma do artigo 1027º/3 do CCM. Não resta dúvida que, quer a sanção prevista no nº 2, quer no nº 3 do artigo citado, visa “forçar” o inquilino a devolver o locado ao senhorio com o mais cedo possível, sob pena de estar sujeito a sanções pesadas até que o locado seja devolvido a quem de direito.
IV - Por esta via, a leitura mais consentânea com a ratio legis da norma do artigo 1027º/3 do CCM é a de que a indemnização da mora entra em linha de consideração para efeitos da fixação da indemnização por prejuízo excedente, sob pena de duplamente se “sancionar” o inquilino!




O Relator,

________________
Fong Man Chong








Processo nº 519/2020
(Autos de recurso em matéria cível)

Data : 23 de Julho de 2020

Recorrentes : - A (A)
- B (B)

Recorrida : - Fomento Imobiliário C Limitada (C置業有限公司)

*
   Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I - RELATÓRIO
    A (A) e B (B), Recorrentes, devidamente identificados nos autos, discordando da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, datada de 17/12/2019, pela qual os Réu foram condenados ao pagamento de uma indemnização no valor de MOP2,988,000.00 - que corresponde ao pedido de indemnização em dobro do valor estipulado no contrato de arrendamento pelo atraso na entrega do arrendado e ao pedido de indemnização pelos prejuízos excedentes - dela vieram, em 24/03/2020, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 336 a 347, tendo formulado as seguintes conclusões :
     A. Face à matéria de facto apurada e ao teor do n.º 1 do artigo 1027.º do CC, em teoria, estão preenchidos os requisitos materiais para que os Recorrentes possam ser condenados no pagamento à Recorrida de indemnização equivalente à renda estipulada no contrato (MOP10.800,00) referente ao período compreendido entre 30 de Maio de 2017 e 7 de Fevereiro de 2018 (ambos inclusive) - condenação que a Recorrida, porém, não peticionou;
     B. Nos termos do n.º 2 do artigo 1027.º do CC, quando o locatário é interpelado para entregar o locado ao senhorio, e não o faça, constitui-se em mora e a indemnização devida pela não entrega do locado é elevada ao dobro da renda estipulada no contrato;
     C. No caso dos autos, porém, a Recorrida não alega alguma vez ter interpelado os Recorrentes para entregar o locado, nem resulta de qualquer elemento probatório dos autos que tal interpelação tenha existido;
     D. Assim, por se não verificarem os requisitos materiais para o efeito, os Recorrentes não podem, sob pena de violação do n.º 2 do artigo 1027.º do CC, ser condenados no pagamento de indemnização correspondente ao dobro do valor estipulado no contrato de arrendamento;
     E. Por fim, afigura-se aos Recorrentes que, no caso dos autos, não é devida à Recorrida a indemnização dos prejuízos excedentes, prevista no n.º 3 do artigo 1027.° do CC, por dois motivos;
     F. Por um lado, porque se o senhorio não tem direito a ser indemnizado pelas rendas em dobro, não há-de ter direito a ser indemnizado por prejuízos excedentes - porque tal indemnização se justifica pela culpa do arrendatário, a qual, sem interpelação para entrega, não se verifica, continuando a ser aplicável apenas o n.º 1 do artigo 1027.° do CC;
     G. Por outro lado, porque a ocupação do imóvel dos autos pelos Recorrentes não é apta a, por si só, originar na esfera jurídica da Recorrida prejuízo indemnizável;
     H. A Recorrida não alegou, muito menos provou, a existência de interessados em arrendar o imóvel dos autos, nem pelo valor que lhe atribuiu na petição inicial, nem pelo valor de MOP360.000,00 que se apurou nos autos, nem por qualquer outro valor;
     I. Para que haja um dano real e efectivo, susceptível de ser indemnizado, é necessário alegar e provar a existência da proposta de arrendamento, os concretos termos e o que auferiria se não fosse a ocupação do locado, sendo insuficiente a mera prova do valor da renda do mercado dos prédios. Inexistindo tal alegação e prova, os danos alegados são mais hipotéticos do que reais;
     J. Face ao exposto, salvo o respeito devido por opinião diversa, não pode proceder o pedido de condenação dos Recorridos no pagamento de indemnização por danos excedentes. Ao decidir em sentido diverso, deferindo a aludida indemnização por prejuízos excedentes, a douta Sentença recorrida violou o n.º 3 do artigo 1027.°, pelo que deve ser revogada e substituída por outra, que a indefira.
*
    A Recorrida, Fomento Imobiliário C Limitada (C置業有限公司), veio, 08/05/2020, a apresentar as suas contra-alegações constantes de fls. 361 a 375, tendo formulado as seguintes conclusões:
     1. Vieram os Recorrentes A e B (1° e 2° Réus nos autos referenciados) interpor Recurso da douta Sentença do Tribunal a quo proferida a fls. 322, na parte que os condenou ao pagamento de uma indemnização no valor de MOP2.988.000,00 que corresponde, segundo as alegações, ao pedido de indemnização em dobro do valor estipulado no contrato de arrendamento pelo atraso na entrega do arrendado e ao pedido de indemnização pelos prejuízos excedentes.
     2. A Recorrida, vem responder àquelas Alegações nos termos e com os fundamentos seguintes:
     3. Adianta-se já que os Recorrentes com o presente recurso mais não fazem do que pôr em causa a livre convicção e decisão do Tribunal a quo,
     4. Assim como tentam influenciar o Tribunal ad quem com a junção de uma Sentença de outro Tribunal, bem sabendo que tal documento é processualmente inadmissível (cfr. Doc.1 das alegações de recurso).
     A) Da indemnização pela mora na entrega do locado
     5. O Tribunal a quo considerou que os Recorrentes foram interpelados para a entrega do locado e, nessa medida, concluiu que teria a Autora direito a receber uma indemnização de MOP$20.160,00 por cada mês desde 30.05.2017 até 07.02.2018, nos termos do previsto no n° 2 do artigo 1027° do CC.
     6. Os Recorrentes, pelo contrário, alegam que a Autora (aqui Recorrida) não tem direito à indemnização prevista no n° 2 do artigo 1027° do Código Civil (CC), por considerarem que não foram interpelados para a entrega do locado.
     7. Não corresponde à verdade o alegado pelos Recorrentes,
     8. porquanto resulta da prova produzida e dos elementos documentais dos Autos que os Recorrentes adoptaram como estratégia impedir a sua notificação/interpelação.
     De facto,
     9. Consta da Sentença de fls. 322 e ss, na alínea m) a q) dos factos apurados durante a Instrução da causa, que em 27.05.2016, a Autora endereçou aos RR uma carta manifestando a sua expressa vontade de não renovar o contrato de arrendamento declarando que o mesmo cessava em 31 de Maio de 2017 (cfr. Doc. 4 da P.I. de fls. 37-38 e Doc. 4-C1 e 4-C2 de fls.227-230).
     10. A referida carta constante de fls. 37-38, logo no seu primeiro parágrafo, informa os Recorrentes que eles ainda não foram levantar ao Tribunal a notificação judicial avulsa assim como os informa do Juízo e do número do processo.
     11. Os Recorrentes não levantaram, propositadamente, a notificação judicial avulsa junta aos Autos como Doc. 2 da P.I., a fls. 18-19.
     12. Da certidão negativa, consta que o Funcionário Judicial se deslocou pessoalmente várias vezes ao arrendado, deixou o seu contacto e pediu ao empregado dos Recorrentes para informar estes que deviam dirigir-se ao Tribunal para receberem a notificação (cfr. Doc. 2 da P.I., a fls.32).
     13. Na notificação judicial avulsa a Recorrida formulou a vontade expressa que o locado lhe fosse entregue na data da cessação do contrato.
     Ora,
     14. mesmo que o empregado dos Recorrentes não os tivesse informado que tinham de ir ao Tribunal para levantar a notificação judicial avulsa (o que é pouco verosímil), ainda assim, seria normal que os Recorrentes ao receberem a carta de fls. 37-38, tivessem ido ao Tribunal para tomar conhecimento do teor da notificação judicial avulsa.
     15. Atento o teor da notificação judicial avulsa, é inequívoco que a Recorrida exigiu a entrega do locado na data da cessação do contrato, assim como do teor daquela notificação e da carta de fls. 37-38 é inequívoca a vontade da Recorrida de não renovar o contrato de arrendamento.
     16. Acresce, que está expresso na p.i., na alínea c) do pedido, que a entrega do arrendado deve ser feita até 1 de Junho de 2017, imediatamente após a cessação do contrato de arrendamento.
     17. Portanto, não há falta de interpelação aos Recorrentes para entregarem o locado na data da cessação do contrato de arrendamento.
     18. Se os Recorrentes, por estratégia e conveniência, não se deixaram notificar e tudo fizeram para não se deixarem citar, tal comportamento dos Recorrentes deve ser tido como culposo, para todos os efeitos, nomeadamente para os efeitos conjugados do previsto no nº 2 do artigo 216° e do n° 2 do artigo 1027°, ambos do CC.
     19. Saliente-se, aliás, que a mora se define como o atraso ou retardamento no cumprimento da obrigação.
     20. enquanto a interpelação destina-se, tão-somente, a proteger o devedor de boa-fé, aquele devedor que desconhece, sem culpa, que está em atraso no cumprimento da obrigação.
     Pois bem,
     21. No caso concreto, os Recorrentes não levantaram a notificação judicial avulsa e os avisos de registo dos CTT porque não quiseram, e furtaram-se, propositadamente, à notificação judicial avulsa e à notificação extrajudicial.
     22. Tal propósito dos Recorrentes mostra-se, também, evidente, quando comparado com o comportamento dos comerciantes vizinhos que receberam a notificação judicial avulsa, como ressalta do mapa junto a fls. 231, e
     23. Tal propósito é, ainda, mais evidente, se comparado com o comportamento dos RR no processo CV3-17-0032-CPE (cfr. Doc. 1 junto com o presente Recurso), que são familiares dos Recorrentes, arrendatários da loja n° 8 da mesma rua, e que igualmente se furtaram à notificação judicial avulsa e extrajudicial.
     Mais,
     24. Os Recorrentes furtaram-se à própria citação da acção (cfr. fls. 62-85) até à entrega da chave do locado ao Tribunal, no dia 17 Maio de 2018.
     25. O Recorrente B só se deixou citar no mesmo dia em que foi entregue a chave ao Tribunal (cfr. fls.95 e 98), embora o seu irmão A tivesse sido citado em 31.10.2017 (cfr. fls. 77 e 78).
     Ora,
     26. apesar da matéria de facto dada como provada e das provas documentais dos Autos comprovativas de que os Recorrentes se furtaram à notificação judicial avulsa e à citação na data normal em que o teriam sido,
     27. a verdade, é que os Recorrentes Vieram, nesta sede recursiva, sustentar a necessidade de interpelação, para que pudessem ser condenados na indemnização em dobro prevista no n° 2 do artigo 1027º do CC, invocando a seu favor o Ac. deste TSI n° 458/2014.
     Porém,
     28. não atentaram os Recorrentes que o mesmo Juiz Relator defendeu, no Ac. do TSI n° 654/2013, que a interpelação deve ser considerada eficaz quando o destinatário não procedeu ao levantamento da notificação nem apresentou qualquer justificação para o seu não levantamento.
     Significa isto,
     29. conforme se fundamenta naquele Ac. do TSI n° 654/2013, que não é relevante que os Recorrentes venham alegar que não foram interpelados para entregarem o locado, pois o que é relevante é saber porque é que os Recorrentes não levantaram a notificação Judicial avulsa que procedeu à denúncia do contrato de arrendamento e os interpelou para a entrega do locado na data da cessação do dito contrato.
     De facto,
     30. o legislador, prevenindo comportamentos idênticos aos dos Recorrentes, estipulou no n° 2 do artigo 216° do CC que:
     “É também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida".
     Ora,
     31. Como vem demonstrado, os Recorrentes não levantaram a notificação judicial avulsa da denúncia do contrato que os interpelou nem a citação da presente acção que igualmente os interpela para entregarem o locado na data da cessação do contrato de arrendamento e não apresentaram qualquer justificação ou impossibilidade para o efeito.
     Por outro lado,
     32. Conforme bem decidiu este TSI no Ac. n° 218/2018, de 4 de Abril de 2019, tendo sido o Réu interpelado aquando da denúncia do contrato para restituir o imóvel no termo do contrato e se não o devolveu, o mesmo constituiu-se em mora a partir desta data, pois nada obriga a que tenha de haver interpelação efectuada depois do termo do contrato.
     Por conseguinte,
     33. como os Recorrentes não levantaram a notificação judicial avulsa que os interpelava e não se deixaram citar nem levantaram os avisos postais da citação da P.I. que também os interpelava, e
     34. não apresentaram qualquer justificação nem provaram a sua falta de culpa para a sua não notificação/interpelação/citação, os Recorrentes constituíram-se em mora na data em que cessou o contrato de arrendamento, pois a mora está ligada à culpa.
     35. A situação dos presentes Autos é semelhante à relatada no Ac. do TSI n° 218/2018, em que a interpelação para a data da entrega do locado foi realizada aquando da denúncia do contrato, através da notificação judicial avulsa, que os Recorrentes não levantaram, porque não quiseram, mas que se tornou eficaz tendo em conta o disposto no n° 2 do artigo 216° do CC e o que foi sustentado e decidido no Ac. do TSI nº 654/2013.
     Em face do exposto,
     36. Considerando a matéria de facto dada como provada e os elementos documentais dos Autos, deve o Tribunal ad quem ter como eficaz a interpelação efectuada na denúncia do contrato de arrendamento, através da notificação judicial avulsa, para a entrega do locado na data da cessação do contrato, nos termos conjugados do previsto no n° 2 do artigo 1027º e n° 2 do artigo 216°, ambos do CC, e
     37. consequentemente, confirmar a decisão do Tribunal a quo que, tendo em conta a globalidade da prova produzida e os elementos dos Autos, formou a convicção de que os Recorrentes tinham perfeito conhecimento da data em que devia ser entregue o locado à Recorrida e por isso concluiu que teria a Autora direito a receber uma indemnização de MOP$20.160,00 por cada mês desde 30.05.2017 até 07.02.2018, nos termos do previsto no n° 2 do artigo 1027° do CC, conforme pedido na alínea c) da P.I.
     B) Da indemnização dos prejuízos excedentes
     38. Vieram alegar os Recorrentes que consideram não ser devida à Recorrida a indemnização dos prejuízos excedentes, prevista no n° 3 do artigo 1027º do CC.
     39. Mas, também aqui os Recorrentes não têm razão, como passa a demonstrar-se:
     40. Antes de mais diga-se que, salvo o devido respeito por interpretação em contrário, entende-se que o n° 2 e o n° 3 do artigo 1027° do CC não comportam uma duplicação de sanções ao inquilino.
     41. As indemnizações previstas no n° 2 e no n° 3 do artigo 1027° do CC são independentes quer quanto ao fim quer quanto ao critério base para a sua fixação.
     42. Quanto ao fim, a indemnização prevista no n° 2 do artigo 1027º do CC visa sancionar a ocupação do locado e a culpa do locatário no incumprimento da obrigação de restituição do locado.
     43. Portanto, o n° 2 do artigo 1027° sanciona uma dupla violação da lei por parte do locatário: i) a ocupação do locado, sem título; ii) a mora no incumprimento da obrigação de restituição do locado, mora que está ligada à culpa.
     44. Quanto ao critério base para a fixação da indemnização prevista no nº 2 do artigo 1027° do CC, ele atende ao valor da renda efectiva do locado, e o dobro da renda é devido à violação em dobro da lei.
     45. Quanto ao fim, a indemnização prevista no n° 3 do artigo 1027°, prende-se com os chamados prejuízos excedentes, se os houver,
     46. entendendo-se por prejuízos excedentes o aumento do valor da coisa, após a celebração do contrato de arrendamento, aumento esse que se verifica ao tempo do incumprimento da obrigação de restituição do locado.
     47. Ou seja, o n° 3 do artigo 1027º do CC ressalva um direito do locador, qual seja o de poder exigir uma indemnização pelos prejuízos excedentes sempre que exista e se prove o aumento do valor da coisa e o locador foi privado da disponibilidade da coisa.
     48. Quanto ao critério base para a fixação da indemnização prevista no n° 3 do artigo 1027° do CC, ele tem por base o aumento do valor do locado relativamente ao preço da renda, ao tempo do incumprimento da obrigação de restituição.
     Pois bem,
     49. para fazer prova dos seus prejuízos excedentes a Recorrida juntou aos Autos o relatório de avaliação de fls. 46-54 que demonstra o aumento do valor da renda mensal do locado para HK$420.000,00 (equivalente a MOP$432.600,00), em Abril de 2016.
     50. Os Recorrentes, a fim de contrariarem o valor daquela avaliação (levada ao Quesito 7º da Base Instrutória), pediram ao Tribunal a realização de uma vistoria e avaliação da Direcção dos Serviços de Finanças (DSF) no seu requerimento de prova (cfr. fls.176-177).
     51. Tendo os Recorrentes indicado como objecto da perícia a seguinte questão:
     “Qual o valor da renda do imóvel dos autos, à data de 10 de Julho de 2017?"
     52. Ou seja, o pedido de perícia e a formulação da questão objecto da mesma perícia pelos Recorrentes, é um reconhecimento, claro, de que ocorreu um aumento do valor da renda, relativamente ao valor da renda contratual.
     53. Nos termos da douta Sentença do Tribunal a quo, este Tribunal, após apreciação e ponderação entre a avaliação feita pelo perito da Recorrida e a avaliação feita pelos peritos da DSF, fixou o valor da renda mensal, à data do incumprimento da obrigação de restituição do locado, em MOP$360.000.
     54. Isto é, se a Recorrida tivesse a disponibilidade do locado para o poder arrendar à data da cessação do contrato de arrendamento, a Recorrida poderia ter celebrado um contrato de arrendamento no valor mensal de MOP$360.000.
     55. Os Recorrentes não restituíram o locado à Recorrida na data da cessação do contrato de arrendamento e, com tal conduta, provocaram prejuízos excedentes concretos e provados que, nos termos do previsto no n° 3 do artigo 1027° do CC atribuem ao Locador o direito de exigir uma indemnização por tais prejuízos.
     56. Para além de ter fixado o aumento do valor mensal da renda em MOP$360.000,00, o Tribunal a quo considerou, ainda, que os Recorrentes foram interpelados para a entrega do locado na data da cessação do contrato e, nessa medida, nos termos do previsto no n° 2 do artigo 1027° do CC., teria a Autora direito a receber uma indemnização de MOP$20.160,00 por cada mês desde 30.05.2017 até 07.02.2018,
     Mas,
     57. apesar disso, aquele douto Tribunal concluiu o seguinte:
     “verifica-se assim que o prejuízo do locador foi superior ao dobro da renda devida nos termos do n° 2 do preceito e o nexo de causalidade entre esse prejuízo e a não entrega do locado (art° 557º do C.Civil), decorrente da conduta dos Réus que não entregaram o locado como deviam, pelo que, deve a indemnização a fixar ser arbitrada de acordo com este valor e não com o valor da renda em dobro." (fls. 326v dos Autos)
     58. Se bem se entende a decisão do Tribunal a quo, este considerou que os Recorrentes foram interpelados e por isso nos termos do previsto no n° 2 do artigo 1027° do CC teria a Autora direito a receber uma indemnização de MOP$20.160,00 por cada mês desde 30.05.2017 até 07.02.2018,
     59. Assim como considerou verificados e provados os prejuízos excedentes previstos no n° 3 do artigo 1027º do CC, uma vez que deu como provado que o locador sofreu prejuízos superiores ao dobro da renda e
     60. deu como verificado o nexo de causalidade entre o prejuízo sofrido e a não entrega do locado à Recorrida.
     Todavia,
     61. entendeu o douto Tribunal a quo considerar ter a indemnização pelos prejuízos excedentes prevista no n° 3 do artigo 1027° do CC absorvido a indemnização em dobro prevista no n° 2 do referido artigo 1027° do CC.
     62. Estamos em crer que o Tribunal a quo decidiu no sentido do Ac. 646/2017 deste TSI que entendeu que “a indemnização da mora entra em linha de consideração para efeitos da fixação da indemnização por prejuízos excedente, sob pena de se duplamente "sancionar" o inquilino!"
     Mas,
     63. com todo o devido respeito, que é muito, a Recorrida entende que não resulta quer da letra quer do espírito do artigo 1027º do CC uma duplicação de sanções ao inquilino!
     Com efeito,
     64. a norma do n° 2 do artigo 1027° estabelece uma indemnização em dobro da renda, por o inquilino ter violado duplamente a lei: i) porque ocupou o locado, sem título e não cumpriu a obrigação de restituição do locado; ii) porque se constituiu em mora, na obrigação de restituição, e a mora está ligada à culpa.
     65. Já a norma do n° 3 do artigo 1027° atribui um direito ao locador que se exprime na possibilidade de este exigir uma indemnização quando, por causa da indisponibilidade da coisa não restituída, sofreu prejuízos excedentes.
     Ou seja,
     66. no nosso modesto entendimento, enquanto o locador exerce ou não o seu direito de poder exigir a indemnização prevista no n° 3 do artigo 1027° do CC,
     67. a indemnização prevista no n° 2 do artigo 1027º, terá de ser obrigatoriamente aplicada pelo Tribunal verificados que estejam os requisitos nela previstos.
     Aliás,
     68. no citado Ac. 646/2017, este Tribunal considerou “assente que a indemnização, nos termos do artigo 1027º/1 e 2 do CC, não exclui a responsabilidade civil por outros danos nos termos do disposto no n° 3 do mesmo artigo, desde que existam provas de tais prejuízos excedentes".
     Ora,
     69. de um tal entendimento, que perfilhamos, só pode concluir-se que a indemnização do n° 1 é cumulável com a indemnização do n° 3 do artigo 1027° do CC,
     70. do mesmo modo que a indemnização prevista no n° 2 é cumulável com a indemnização do n° 3 do artigo 1027° do CC.
     71. Consequentemente, a indemnização prevista no n° 3 do artigo 1027° não pode absorver a indemnização do n° 1 ou do n° 2 do artigo 1027° do CC.
     Pelo contrário,
     72. se ao valor da indemnização atribuída por força do n° 3 do artigo 1027° do CC for descontada ou reduzida a indemnização devida por força do n° 2 do mesmo artigo 1027°, o resultado de uma tal operação matemática será a não aplicação da "sanção" prevista no n° 2 do artigo 1027° do CC.
     73. O que acarreta, consequencialmente, um "perdão" ao locatário pela ocupação sem título e pelo incumprimento da obrigação de restituição, e um incentivo a comportamentos idênticos aos adoptados pelos Recorrentes.
     Mais,
     74. os Recorrentes estiveram dezenas de anos a usar o locado e a pagar uma renda baixíssima, em pleno centro da cidade, e
     75. a Recorrida teve o cuidado de denunciar o contrato com a antecedência de um ano, a fim de permitir que os Recorrentes providenciassem por um outro local.
     No entanto,
     76. os Recorrentes furtaram-se à notificação/interpelação para não entregarem o locado na data da cessação do contrato.
     77. No modesto entendimento da Recorrida, o Tribunal ad quem deve reponderar a interpretação até aqui adoptada, e decidir que, realmente, as indemnizações previstas no n° 1 e 2 do artigo 1027º do CC são cumuláveis com a indemnização prevista no n° 3 do mesmo artigo.
     78. Atente-se, por último, que o n° 3 do artigo 1027° do CC, foi introduzido no CC de Macau, em 1999, e por certo que o legislador, ao fazê-lo, não pretendeu sancionar duplamente o locatário.
     79. O legislador de Macau, ao consagrar o n° 3 do artigo 1027º do CC deve ter tido em conta, não só os prejuízos excedentes dos locadores, que já eram grandes, relativamente às rendas antigas, muito baixas e fixas,
     80. como procurou inibir o locatário de usar de artifícios para se furtar à interpelação da denúncia do contrato de arrendamento e de o compelir a entregar o locado, sob pena do o locador poder exigir-lhe esta indemnização (pelos prejuízos excedentes), além da indemnização prevista no n° 1 ou 2 do artigo 1027° do CC que deve ser aplicada pelo Tribunal, verificados que estejam os requisitos legais.
*
    Corridos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.

* * *
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
    Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
    O processo é o próprio e não há nulidades.
    As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
    Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
* * *
  III – FACTOS ASSENTES:
    A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
     a) A Autora é a actual proprietária do prédio sito na Travessa ......, ..., em Macau, descrito na CRP sob o n° *****, aí inscrito a seu favor sob o nº *****G, e inscrito na matriz predial sob o n° *****; (alínea A) dos factos assentes)
     b) A Autora adquiriu o domínio útil desse prédio em 21.11.2003 à Santa Casa da Misericórdia de Macau, através de escritura pública de compra e venda outorgada e lavrada a fls. 44 do livro 171-A, do Cartório do Notário Privado ZZZ; (alínea B) dos factos assentes)
     c) O domínio útil da Autora sobre os ditos prédios encontra-se registado na CRP, a seu favor, pela inscrição nº *****G, de 25.10.2004; (alínea C) dos factos assentes)
     d) O domínio útil desses prédios, bem como de vários outros, encontra-se actualmente hipotecado como garantia de duas facilidades bancárias que foram concedidas à Autora pelo Banco Tai Fung SA; (alínea D) dos factos assentes)
     e) Por contrato celebrado 30.05.1994 o prédio foi dado de arrendamento aos Réus, pela anterior proprietária, a Santa Casa da Misericórdia, por escritura pública do Notário Privado XXX (liv. 4, fls. 109); (alínea E) dos factos assentes)
     f) O imóvel destina-se a fins comerciais, e mais especificamente para a “venda de, géneros alimentares, vestuário e utensílios para uso infantil”; (alínea F) dos factos assentes)
     g) A renda mensal desse contrato era de sete mil patacas (MOP7.000,00), actualizada em vinte por cento de dois em dois anos; (alínea G) dos factos assentes)
     h) Nos termos do contrato, a última renda foi actualizada para MOP10.080,00; (alínea H) dos factos assentes)
     i) Em 23.05.2016, os Réus enviaram à Autora uma carta assinada, através do fax com o número 288*****, no qual os Réus pediam que fosse indicado o número da conta bancária da Autora para nela depositarem a renda, como se mostra pelo documento junto que se dá inteiramente por reproduzido; (alínea I) dos factos assentes)
     j) Em 17.05.2018 o 1º Réu requereu aos autos que lhe seja admitido o depósito da chave à ordem da Autora; (alínea J) dos factos assentes)
     k) Em 12.06.2018 a referida chave foi devolvida ao ilustre mandatário da Autora Dr. YYY através de funcionário de justiça; (alínea K) dos factos assentes)
     l) A última renda paga pelos Réus à Autora foi em Janeiro de 2018; (resposta ao quesito nº 1 da base instrutória)
     m) Em 27.05.2016 a Autora endereçou aos Réus uma carta para o número de fax 288***** através da qual notificou os Réus da sua expressa vontade de não renovar o contrato de arrendamento do prédio sito no nº ... da Travessa ......, declarando que o contrato de arrendamento cessava no termo do seu prazo (ou seja, em 31 de Maio de 2017); (resposta ao quesito nº 2 da base instrutória)
     n) O número de fax 288***** está registado em nome do 2º Réu B e é usado pelo Supermercado D/E; (resposta ao quesito nº 3 da base instrutória)
     o) O supermercado D/E é um estabelecimento comercial que faz parte do grupo empresarial F Group; (resposta ao quesito nº 4 da base instrutória)
     p) Os Réus são sócios e administradores de empresas que se identificam como fazendo parte do grupo empresarial F Group; (resposta ao quesito nº 5 da base instrutória)
     q) Os Réus receberam o fax mandado pela Autora; (resposta ao quesito nº 6 da base instrutória)
     r) A renda mensal do concreto imóvel identificado nos autos está actualmente estimada em MOP360.000,00; (resposta ao quesito nº 7 da base instrutória)
     s) Em 07.02.2018 os Réus deslocaram-se à sede da Autora, sita na Rua de ......, nº ..., Edifício Associação ......, ...º andar “...”, Macau, para lhe entregar a chave do imóvel; (resposta ao quesito nº 8 da base instrutória)
     t) A Autora recusou de a receber. (resposta ao quesito nº 9 da base instrutória)

* * *
IV – FUNDAMENTAÇÃO
    Como o recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, importa ver o que o Tribunal a quo decidiu. Este afirmou na sua douta decisão:
     
     Fomento Imobiliário C, Limitada, sociedade com sede em Macau na Rua de ......, nº ..., Edifício Associação ......, ...º andar ...,
     vem instaurar a presente acção especial de despejo contra,
     A e B, ambos casados, naturais de Macau e residentes em Macau na Travessa ......, nº ....
     Alega a Autora ser a titular do domínio útil sobre o prédio a que se reportam os autos o qual em 30.05.1994 havia sido dado em arrendamento aos Réus nos termos e condições aí referidos, sendo que, na data indicada a Autora enviou aos Réus uma carta na qual informava que o contrato cessava no termo do prazo, não tendo, contudo, os Réus entregue o prédio à Autora na data indicada. A ocupação do prédio pelos Réus impede a Autora de o dar em arrendamento a preços mais competitivos o que lhe causa o prejuízo correspondente.
     Concluindo pede que, a acção seja considerada procedente, por provada e, consequentemente, os Réus serem condenados a:
     a) Reconhecerem que o contrato de arrendamento celebrado em 30 de Maio de 1994 referente ao prédio sito na Travessa ......, ..., em Macau, descrito na CRP sob o nº *****, aí inscrito a seu favor sob o nº *****G, e inscrito na matriz predial sob o nº *****, caducou em 31 de Maio de 2017, nos termos da alínea a), nº 1, do artigo 1022º do CC;
     b) Entregarem à Autora o referido prédio, livre de pessoas e bens, e no estado previsto na alínea j) dos artigos 983º e 1025º do CC;
     c) Pagarem à Autora uma indemnização equivalente ao valor em dobro das rendas estipuladas pelas partes, até à efectiva entrega do imóvel à Autora, desde 1 de Junho de 2017 e até à efectiva entrega do imóvel, desocupado de pessoas e bens, nos termos do artº 1027º, nº 2 do CC;
     d) Pagarem ainda à Autora uma indemnização pelos prejuízos excedentes, no montante de HKD420.000,00 (equivalente a MOP432.600,00) por cada trinta dias de calendário, a contar de 1 de Junho de 2017 até à efectiva entrega do imóvel à Autora, livre e desocupado de pessoas e bens, nos termos do artº 1027º, nº 3, do CC.
     Citados os Réus para querendo contestarem, estes aceitando que a Autora é a dona do prédio e de que o tomaram de arrendamento, defendem-se quanto ao mais por impugnação e que procederam por iniciativa própria à restituição do imóvel.
     Concluindo, pedem os Réus que seja julgado procedente o pedido sobre a caducidade do contrato de arrendamento; seja declarado inutilidade superveniente de lide quanto à entrega do imóvel arrendado, visto que foi depositada a chave do imóvel nos autos, à ordem da Autora, em 17 de Maio de 2018; seja julgado improcedente o pedido de indemnização, pelo atraso na restituição do imóvel, no valor equivalente ao dobro das rendas convencionadas, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 1027º do CC; e seja julgado improcedente o pedido de indemnização, pelos prejuízos excedentes, no valor de MOP432.600,00 por cada trinta dias, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 1027º do CC.
     Foi proferido despacho saneador, sendo seleccionada a matéria de facto assente e a base instrutória.
     Procedeu-se a julgamento com observância do formalismo legal mantendo-se a validade da instância.
     Sendo esta uma acção de despejo, considerando que o imóvel foi entretanto entregue à Autora a questão a decidir consiste em apreciar da caducidade/revogação do contrato na data indicada e do direito à indemnização pelo valor das rendas em dobro desde a data da resolução do contrato até à efectiva entrega do imóvel e da indemnização pelo dano excedente.
     
     Da instrução e discussão da causa apurou-se que:
     (…)
     
     Cumpre assim apreciar e decidir.
     
     Nos termos do artº 969º do C.Civ. diz-se locação o «contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar a outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição.».
     Destarte face à matéria de facto assente dúvidas não subsistem que pela antecessora da Autora enquanto titular do domínio útil sobre o prédio a que se reportam os autos e os Réus foi celebrado um contrato de arrendamento relativamente ao mesmo.
     Conforme resulta das alíneas m) a q) da factualidade assente a Autora notificou por escrito os Réus, os quais receberam a essa notificação, de que o contrato caducava no termo do prazo.
     Destarte, tendo a denúncia sido feita em tempo, de acordo com o disposto na al. a) do nº 1 do artº 1022º, conjugado com os artº 1038º e 1039º, todos do C.Civ., impõe-se concluir que o contrato de arrendamento caducou em 29.05.2017 (último dia anterior àquele em que se operaria a renovação).
     Contudo, na data em que o contrato caducava os Réus não entregaram o locado à Autora o que só se propuseram fazer voluntariamente em Fevereiro de 2018.
     Nos termos do nº 1, 2 e 3 do artº 1027º do C.Civ. aplicável ao arrendamento por força do disposto no nº 1 do artº 1029º do C.Civ. o locatário é obrigado a restituir a coisa logo que finde o contrato, sendo em caso de mora obrigado a pagar uma indemnização igual ao dobro do valor da renda devida, salvo o direito do locador à indemnização dos prejuízos excedentes se os houver nos termos do nº 3 do artº 1027º do C.Civ..
     Sendo o valor da renda ao tempo da denúncia igual a MOP10.080,00 de acordo com a indicada disposição legal teria a Autora direito a receber uma indemnização igual a MOP20.160,00 por cada mês desde 30.05.2017 até 07.02.2018, data em que se apresentaram os Réus para entregar a chave do locado à Autora.
     A este respeito vem a Autora pedir que seja fixada uma indemnização igual a MOP432.000,00 por cada mês em que se demore a entrega do locado desde a data em que haveria de ter sido entregue o locado e até à efectiva entrega.
     Da factualidade apurada – cf. al. r) – resulta demonstrado que o locado poderia ter sido arrendado pelo valor mensal de MOP360.000,00.
     Face ao disposto no nº 3 do artº 1027º do C.Civ. verifica-se assim que o prejuízo do locador foi superior ao dobro da renda devida nos termos do nº 2 do preceito e o nexo de causalidade entre esse prejuízo e a não entrega do locado (artº 557º do C.Civ.), decorrente da conduta dos Réus que não entregaram o locado como deviam, pelo que, deve a indemnização a fixar ser arbitrada de acordo com estes valores e não com o valor da renda em dobro.
     Indemnização essa que nesta data se computa em MOP2.988.000,00 (correspondente a oito meses e nove dias contados desde 30.05.2017 inclusive até 07.02.2018 inclusive. (MOP360.000,00x8)+(MOP360.000:30x9)=MOP2.988.000,00).
     
     Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julga-se a acção parcialmente procedente porque parcialmente provada e em consequência, declarando-se que o contrato de arrendamento caducou em 29.05.2017, condenam-se os Réus a pagar à Autora a indemnização igual MOP2.988.000,00.
     Custas a cargo dos Réus e Autora na proporção do decaimento.
     Registe e Notifique.
     Macau, 17 de Dezembro de 2019
    Quid Juris?
    Neste recurso os Recorrentes vieram a suscitar essencialmente as seguintes 2 questões:
    - Não foi feita interpelação pela Autora/Recorrida para pedir a devolução do locado;
    - Não foi feita prova do prejuízo excedente e como tal não se pode accionar o artigo 1027º/3 do CCM.
*
    Comecemos pela primeira questão levantada.
    Neste domínio, ficaram provados os seguintes factos:
m) -Em 27.05.2016 a Autora endereçou aos Réus uma carta para o número de fax 288***** através da qual notificou os Réus da sua expressa vontade de não renovar o contrato de arrendamento do prédio sito no nº ... da Travessa ......, declarando que o contrato de arrendamento cessava no termo do seu prazo (ou seja, em 31 de Maio de 2017); (resposta ao quesito nº 2 da base instrutória)
n)- O número de fax 288***** está registado em nome do 2º Réu B e é usado pelo Supermercado D/E; (resposta ao quesito nº 3 da base instrutória)
0)- O supermercado D/E é um estabelecimento comercial que faz parte do grupo empresarial F Group; (resposta ao quesito nº 4 da base instrutória)
p) - Os Réus são sócios e administradores de empresas que se identificam como fazendo parte do grupo empresarial F Group; (resposta ao quesito nº 5 da base instrutória)
q) - Os Réus receberam o fax mandado pela Autora; (resposta ao quesito nº 6 da base instrutória)

    Conforme o teor de fls. 17 e seguintes dos autos (31/03/2016), foi requerida a competente notificação judicial avulsa. Só que os Recorrentes não levantaram esta notificação judicial avulsa, nem os avisos de registo dos CTT, porque não quiseram.
    Nesta matéria, o legislador estipula no artigo 216°/2 do CCM:
     “É também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida".
    
    No acórdão proferido por este TSI no âmbito do processo n° 654/2013 afirmou-se:
     “… Que a interpelação deve ser considerada eficaz quando o destinatário não procedeu ao levantamento da notificação nem apresentou qualquer justificação para o seu não levantamento.”
    Nesta óptica, sem necessidade de mais considerações, é de concluir que a notificação da cessação do contrato chegou ao poder da esfera dos Réus, pois, foram estes que adoptaram uma posição passiva para não tomar conhecimento do teor dessa mesma notificação. Ou seja, não quiseram saber a vontade da Requerente/Autora.
    Nesta matéria, no acórdão proferido do processo n° 218/2018, de 4 de Abril de 2019, consagrou-se a seguinte doutrina: “Tendo sido o Réu interpelado aquando da denúncia do contrato para restituir o imóvel no termo do contrato e se não o devolveu, o mesmo constituiu-se em mora a partir desta data, pois nada obriga a que tenha de haver interpelação efectuada depois do termo do contrato.”
    Pelo que, julga-se improcedente o recurso nesta parte inerposto pelos Recorrentes/Réus.
*
    Relativamente à 2ª questão, cremos que a sentença recorrida explicou com argumentos bem claros o seu raciocínio, afirmando-se do seguinte modo:
    “( …)
     Conforme resulta das alíneas m) a q) da factualidade assente a Autora notificou por escrito os Réus, os quais receberam a essa notificação, de que o contrato caducava no termo do prazo.
     Destarte, tendo a denúncia sido feita em tempo, de acordo com o disposto na al. a) do nº 1 do artº 1022º, conjugado com os artº 1038º e 1039º, todos do C.Civ., impõe-se concluir que o contrato de arrendamento caducou em 29.05.2017 (último dia anterior àquele em que se operaria a renovação).
     Contudo, na data em que o contrato caducava os Réus não entregaram o locado à Autora o que só se propuseram fazer voluntariamente em Fevereiro de 2018.
     Nos termos do nº 1, 2 e 3 do artº 1027º do C.Civ. aplicável ao arrendamento por força do disposto no nº 1 do artº 1029º do C.Civ. o locatário é obrigado a restituir a coisa logo que finde o contrato, sendo em caso de mora obrigado a pagar uma indemnização igual ao dobro do valor da renda devida, salvo o direito do locador à indemnização dos prejuízos excedentes se os houver nos termos do nº 3 do artº 1027º do C.Civ..
     Sendo o valor da renda ao tempo da denúncia igual a MOP10.080,00 de acordo com a indicada disposição legal teria a Autora direito a receber uma indemnização igual a MOP20.160,00 por cada mês desde 30.05.2017 até 07.02.2018, data em que se apresentaram os Réus para entregar a chave do locado à Autora.
     A este respeito vem a Autora pedir que seja fixada uma indemnização igual a MOP432.000,00 por cada mês em que se demore a entrega do locado desde a data em que haveria de ter sido entregue o locado e até à efectiva entrega.
     Da factualidade apurada – cf. al. r) – resulta demonstrado que o locado poderia ter sido arrendado pelo valor mensal de MOP360.000,00.
     Face ao disposto no nº 3 do artº 1027º do C.Civ. verifica-se assim que o prejuízo do locador foi superior ao dobro da renda devida nos termos do nº 2 do preceito e o nexo de causalidade entre esse prejuízo e a não entrega do locado (artº 557º do C.Civ.), decorrente da conduta dos Réus que não entregaram o locado como deviam, pelo que, deve a indemnização a fixar ser arbitrada de acordo com estes valores e não com o valor da renda em dobro.
     Indemnização essa que nesta data se computa em MOP2.988.000,00 (correspondente a oito meses e nove dias contados desde 30.05.2017 inclusive até 07.02.2018 inclusive. (MOP360.000,00x8)+(MOP360.000:30x9)=MOP2.988.000,00).
     
     Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julga-se a acção parcialmente procedente porque parcialmente provada e em consequência, declarando-se que o contrato de arrendamento caducou em 29.05.2017, condenam-se os Réus a pagar à Autora a indemnização igual MOP2.988.000,00. (…)”.
    Subscrevemos inteiramente este ponto de vista do Tribunal recorrido, aliás, tal como defendemos no processo nº 646/2017, de 26/07/2018, em que produzimos os seguintes argumentos sintéticos:
    I - A Ré deve pagar a quantia equivalente ao dobro da renda que se praticava, como justa indemnização específica pela não restituição do imóvel, embora de natureza contratual, por continuar a usar a coisa, em prejuízo das locadoras, correspondente à renda que estava a ser praticada e que se traduz no valor de uso do imóvel.
    II – Em relação à indemnização pelos prejuízos excedentes, uma vez verificados, a título de lucros cessantes, ela tem por fundamento o efectivo prejuízo causado, que pode já não se medir pelo valor da renda, não obstante ser o mesmo o respectivo facto gerador, mesmo que o montante dos danos causados às locadoras seja inferior ou equivalente ao quantitativo da renda, hipótese em que ao credor basta a indemnização contemplada pelo artigo 1027º/2 do CC.
    III - A solução correcta só poderá ser conseguida mediante interpretação sistemática, lógica e teleológica da norma do artigo 1027º/3 do CCM. Não resta dúvida que, quer a sanção prevista no nº 2, quer no nº 3 do artigo citado, visa “forçar” o inquilino a devolver o locado ao senhorio com o mais cedo possível, sob pena de estar sujeito a sanções pesadas até que o locado seja devolvido a quem de direito.
    IV - Por esta via, a leitura mais consentânea com a ratio legis da norma do artigo 1027º/3 do CCM é a de que a indemnização da mora entra em linha de consideração para efeitos da fixação da indemnização por prejuízo excedente, sob pena de se duplamente “sancionar” o inquilino!
    
    Matatis mudantis, tais argumentos valem perfeitamente para o caso em apreciação, pelo que, é da nossa conclusão que o Tribunal a quo fez uma análise ponderada dos factos e uma aplicação correcta das normas jurídicas aplicáveis, tendo proferido uma decisão conscienciosa e legalmente fundamentada, motivo pelo qual, ao abrigo do disposto no artigo 631º/5 do CPC, é de manter esta parte da decisão recorrida.
*
    Síntese conclusiva:
    I - Face ao disposto no artigo 216º/2 do CCM, considera-se feita a respectiva interpelação, para denunciar o contrato de arrendamento e pedir a devolução do locado aquando do termo do contrato, através da notificação mandada por fax para o estabelecimento comercial de que um dos Réus explorava e que era administrador, uma vez que ficou provado que os Réus receberam tal fax.
    II – Em relação à indemnização pelos prejuízos excedentes, uma vez verificados, a título de lucros cessantes, ela tem por fundamento o efectivo prejuízo causado, que pode já não se medir pelo valor da renda, não obstante ser o mesmo o respectivo facto gerador, mesmo que o montante dos danos causados às locadoras seja inferior ou equivalente ao quantitativo da renda, hipótese em que ao credor basta a indemnização contemplada pelo artigo 1027º/2 do CC.
    III - A solução correcta só poderá ser conseguida mediante interpretação sistemática, lógica e teleológica da norma do artigo 1027º/3 do CCM. Não resta dúvida que, quer a sanção prevista no nº 2, quer no nº 3 do artigo citado, visa “forçar” o inquilino a devolver o locado ao senhorio com o mais cedo possível, sob pena de estar sujeito a sanções pesadas até que o locado seja devolvido a quem de direito.
    IV - Por esta via, a leitura mais consentânea com a ratio legis da norma do artigo 1027º/3 do CCM é a de que a indemnização da mora entra em linha de consideração para efeitos da fixação da indemnização por prejuízo excedente, sob pena de duplamente se “sancionar” o inquilino!
*
    Tudo visto e analisado, resta decidir.
* * *
V ‒ DECISÃO
    Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em negar provimento ao presente recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
*
    Custas pelos Recorrentes.
*
    Registe e Notifique.
*
RAEM, 23 de Julho de 2020.

(Relator)
Fong Man Chong

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Ho Wai Neng

(Segundo Juiz-Adjunto) Tong Hio Fong












2020-519- arrendamento-devolução-atrasada-dano 23