Proc. nº 301/2020
(Autos de Recurso Jurisdicional Contencioso Administrativo)
Data: 23 de Julho de 2020
ASSUNTOS:
- Oposição à execução fiscal
- Finalidade do recurso jurisdicional
- Dador do aval da livrança
SUMÁRIO:
- Os recursos jurisdicionais são instrumentos processuais destinados a obter a reforma das sentenças recorridas e não meios de criar decisões sobre matéria nova. Ou seja, em recurso não é possível invocar questões que não tenham sido objecto da decisão escrutinada, a não ser que se trate de vício que seja de conhecimento oficioso.
- Sendo uma das dadoras do aval da livrança, a oponente é, nos termos das disposições no n.º 1 do art.1165,º ex vi do n.º3 do art.1210º, todos do Código Comercial, responsável da mesma maneira que a devedora originária por ela afiançada.
O Relator,
Ho Wai Neng
Proc. nº 301/2020
(Autos de Recurso Jurisdicional Contencioso Administrativo)
Data: 23 de Julho de 2020
Recorrente: A (Executada)
Entidade Recorrida: Fundo de Desenvolvimento Industrial e de Comercialização da Direcção dos Serviços de Economia (Entidade Exequente)
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – Relatório
Por sentença de 12/12/2019, o Tribunal Administrativo da RAEM julgou improcedente a oposição à execução fiscal apresentada pela Executada A.
Dessa decisão, vem a Executada, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1. O presente recurso vem interposto da douta Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo que julgou improcedente a Oposição à Execução Fiscal apresentada pela ora Recorrente e que esta considera que merece reparo quanto à solução jurídica preconizada pelos Meritíssimos Juízes do tribunal a quo.
2. O Tribunal a quo desde logo, não considerou os documentos juntos pela ora Recorrente, cuja análise deveria ter determinado a existência de mais dois factos.
3. Pelo que, no entender da ora Recorrente, e com o devido respeito, deverá ser corrigida a matéria dado como provada, com a inclusão dos seguintes factos:
1) A Executada A em 12/12/2014, perante o Cartório do Notário Privado X, outorgou um documento de Delegação de Poderes, através do qual delegou em B e C, para serem exercidos em conjunto ou separadamente, todos os poderes de administração e gerência que lhe são conferidos no pacto social da Sociedade, da qual era sócia administradora;
2) As Executadas A, B e C em 15/07/2015 outorgaram um acordo de responsabilidade e promessa de compra de quota, no qual a primeira promete vender às segundas a sua quota na Sociedade e estas assumem a responsabilidade por quaisquer perdas, danos, reclamações, pagamentos ou qualquer outro facto que ocorra em relação à actividade da dita Sociedade comercial, desde Janeiro de 2013.
4. Acresce que, na Oposição por si apresentada, a ora Recorrente esclareceu que negociou com as demais Executadas, B e C, a venda da quota única que esta detinha na Sociedade devedora originária, o que determinou que desde Janeiro de 2013, esta deixasse de exercer a gerência da mesma.
5. Em 12/12/2014 a ora Recorrente outorgou documento no qual formalizou a delegação de todos os seus poderes de administração e gerência da Sociedade nas supra identificadas Executadas.
6. Posteriormente, em 15/07/2015 outorgou com as Executadas B e C um acordo de responsabilidade e promessa de compra e venda, no qual estas últimas prometeram adquirir àquela a sua quota única na Sociedade, aqui devedora originária; e assumiram a responsabilidade por quaisquer perdas, danos, reclamações, pagamentos ou qualquer outro facto que ocorresse em relação à actividade da Sociedade desde Janeiro de 2013.
7. Pelo que as Executadas B e C, através dos referidos documentos assumiram a responsabilidade do pagamento do apoio financeiro deu origem aos presentes Autos, pelo que serão estas, para além da Sociedade, as responsáveis pelo pagamento da dívida exequenda.
8. Tanto assim é, que a ora Recorrente nunca foi, sequer, interpelada para o pagamento da dívida em causa, não tinha conhecimento da sua existência e a reversão contra si ocorreu qause dois anos após a reversão contra as restantes Executadas e únicas responsáveis subsidiárias pelo pagamento daquele empréstimo.
9. Efectivamente, desde Janeiro de 2013 que a ora Recorrente se afastou por completo da gerência e da Sociedade devedora.
10. Acresce ainda que a dívida exequenda reporta-se a um apoio financeiro adquirido pela Sociedade, cujo reembolso seria realizado em prestações.
11. Embora o artigo 770.º do CC, a falta de realização de uma das prestações importa o vencimento de todas, o artigo 771.º do CC determina que a perda do benefício do prazo não se estende aos co-obrigados do devedor, nem a terceiro que a favor do crédito tenha constituído qualquer garantia.
12. Logo, porque a ora Recorrente era fiadora, e não devedora, a perda do benefício do prazo de pagamento em prestações apenas lhe seria oponível se esta tivesse sido notificada, por um lado, do incumprimento por parte da devedora principal e, posteriormente, para o pagamento do montante em dívida e de um prazo para pagamento do mesmo.
13. No entanto, e conforme consta da douta Sentença, ora recorrida, apenas a sociedade X SOCIEDADE UNIPESSOAL LIMITADA, enquanto empresário beneficiário do apoio financeiro, foi interpelada para a restituição da dívida no valor de MOP600,000.00, como consequência do cancelamento do apoio financeiro, no prazo de 30 dias a partir da notificação.
14. Pelo que a perda do benefício do prazo não pode ser aplicada à ora Recorrente, dado que esta nunca foi interpelada para pagar, e, em consequência, não lhe pode ser exigido o pagamento da totalidade da dívida.
15. Razões pelas quais deverão os doutos Autos Executivos ser arquivados quanto à Executada, ora Recorrente.
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A Entidade Exequente respondeu à motivação do recurso da Recorrente nos termos constantes a fls. 57 a 58 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso.
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O Mº Pº emitiu o parecer no mesmo sentido.
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Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
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II – Factos
Foi assente a seguinte factualidade pelo Tribunal a quo:
1) A Executada A é uma das fiadoras que consta da livrança subscrita pela sociedade X SOCIEDADE UNIPESSOAL LIMITADA, para garantia do cumprimento da dívida emergente do apoio financeiro concedido a favor desta, no valor de MOP600,000.00 (conforme consta de fls. 204 a 210v do P.A. vol. 1).
2) Em 12/04/2017, foi lavrada pelo FUNDO DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL E DE COMERCIALIZAÇÃO DA DIRECÇÃO DOS SERVIÇOS DE ECONOMIA, a certidão n.º 71/2017 para a cobrança coerciva da dívida pela falta da restituição, no prazo marcado, da quantia de apoio financeiro (conforme consta de fls. 3 do processo de execução fiscal).
3) Em 18/05/2017, foi autuado o processo executivo contra a Executada X SOCIEDADE UNIPESSOAL LIMITADA.
4) Em 07/11/2017, foi determinada a reversão contra as fiadoras C e B (conforme consta de fls. 9 do processo de execução fiscal).
5) Em 08/05/2019, foi determinada a reversão contra a fiadora A (conforme consta de fls. 24 do processo de execução fiscal).
6) Em 04/10/2019, foi a Executada A citada para pagar a quantia exequenda no valor de MOP600,000.00, a que acresce selo, juros e receitas do cofre (conforme consta de fls. 34 do processo de execução fiscal).
7) Em 14/10/2019, a Executada A deduziu a oposição perante Tribunal Administrativo.
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III – Fundamentação
O Mº Pº emitiu o seguinte parecer:
“…
Nas alegações do recurso jurisdicional em apreço, a oponente pediu a revogação da sentença em escrutínio e a sua substituição pelo Acórdão que ordene a extinção da execução movida contra si, arrogando no fundo a ilegitimidade e não perda do benefício do pagamento em prestações.
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Como título executivo, a Certidão n.º71/2017 demonstra indubitavelmente que a devedora e executada originária é a “X SOCIEDADE UNIPESSOAL LIMITADA” que, tendo sido beneficiário, não cumpriu pontualmente o dever de reembolso previsto no art.5º do Regulamento Administrativo n.º9/2003 na redacção introduzida pelos Regs. Adms. n.º14/2006, n.º2/2009 e n.º15/2017.
Repare-se que ao requerer o apoio criado pelo Regulamento Administrativo n.º9/2003, a oponente de nome “A” era a única sócia e única administradora da sobredita beneficiária que é uma sociedade unipessoal (doc. de fls.194 do volume I do P.A.). Sendo assim e dado que se constatou já a impossibilidade de cobrar a dívida exequenda dessa sociedade como devedora originária, recai na oponente a responsabilidade pessoal e solidária (art.297º do Código das Execuções Fiscais).
De outra banda, importa assinalar que “A (BR …),C(BR …)及B(BR …),現聲明,為X SOCIEDADE獲得工商業發展基金批給的援助款項提供擔保,並為此對上述本票的出票人提供票據保證,以承擔履行該本票所載債務的全部責任。” (doc. de fls.208 a 210 do volume I do P.A.)
Sendo uma das dadoras do aval da livrança, a oponente “A” é, nos termos das disposições nos n.º3 do art.1210º ex vi n.º1 do art.1165º do Código Comercial, responsável da mesma maneira que a devedora originária – a sobredita “X SOCIEDADE UNIPESSOAL LIMITADA”.
Tudo isto torna irrefutável que a oponente “A” é responsável solidário pelo pagamento da dívida exequenda e, nesta medida, parte legítima do processo de execução, por isso, a douta sentença que afirmou a legitimidade da oponente é sã e inatacável.
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Ora, é bom de ver que o benefício do pagamento em prestações foi arrogado pela primeira vez em sede do recurso jurisdicional. Pois, a dita oponente nunca invocou tal argumento no seu Requerimento de oposição à execução fiscal destinada a cobrar coercivamente q dívida exequenda.
Afirma que os recursos jurisdicionais para o TUI não visam criar decisões sobre matérias novas, pelo que se a questão não foi suscitada no recurso contencioso, não se pode da mesma conhecer, a menos que se trate de matéria de conhecimento oficioso.” (cfr. Acórdão no Processo n.º32/2018)
A nossa leitura leva-nos a colher tranquilamente que se encontra consolidada a jurisprudência que inculca (cfr. Acórdãos do TSI nos Processos n.º175/2013, n.º416/2016 e n.º656/2016): Os recursos jurisdicionais são instrumentos processuais destinados a obter a reforma das sentenças recorridas e não meios de criar decisões sobre matéria nova. Ou seja, em recurso não é possível invocar questões que não tenham sido objecto da decisão escrutinada, a não ser que se trate de vício que seja de conhecimento oficioso.
De acordo com estas brilhantes orientações jurisprudenciais, não podemos deixar de concluir que o argumento da oponente/recorrente de ela conservar ainda o benefício do pagamento em prestações da dívida exequenda é incuravelmente extemporânea e inoperante.
Seja como for, não há margem para dívida de que o argumento de ela nunca ter sido interpelada para o pagamento a dívida exequenda não só é desacreditável, mas também eticamente censurável, na medida em que a oponente/recorrente é única sócia e administradora da “X SOCIEDADE UNIPESSOAL LIMITADA”.
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Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso.…”.
Trata-se duma posição com a qual concordamos na sua íntegra.
Assim e em nome do princípio da economia, fazemos, com a devida vénia, como nossa posição para julgar improcedente do presente recurso contencioso.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao presente recurso jurisdicional, confirmando a sentença recorrida.
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Custas pela Executada, com taxa de justiça de 8UC.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 23 de Julho de 2020.
Ho Wai Neng
Tong Hio Fong
Rui Ribeiro
Mai Man Ieng
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301/2020