Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau
Recurso civil
N.º 13 / 2008
Recorrentes: A
B
C
Recorridas: as mesmas
1. Relatório
A e B requereram o procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais contra a C, pedindo a suspensão da execução das deliberações da Assembleia Geral ordinária da requerida de 31 de Março de 2006, no respeitante às matérias concernentes ao número 2 da ordem de trabalhos. A providência foi negada pelo Tribunal Judicial de Base.
Inconformadas com a sentença, recorreram as requerentes para o Tribunal de Segunda Instância. Por sua vez, a requerida interpor recurso subordinado contra a omissão de pronúncia na sentença de primeira instância sobre a alegada litigância de má fé das requerentes. Por acórdão proferido no processo n.º 586/2006, foram os recursos julgados improcedentes.
Deste acórdão vêm agora ambas as partes recorrerem para o Tribunal de Última Instância.
As requerentes apresentaram as seguintes conclusões nas suas alegações de recurso:
“1. A fundamentação do douto acórdão recorrido não é suficientemente congruente e a decisão labora em cinco erros de julgamento.
2. Com base nas regras da experiência comum extrai-se dos factos provados, em esforço, que as “despesas” (nunca sequer contabilizadas) da recorrida nunca poderão ter qualquer comparação, por defeito, com o prejuízo que sofrerão as ora recorrentes decorrente da eventual cessação de recebimento da sua quota-parte nos lucros da C via D.
3. Assim, ao considerar que não possui elementos suficientes para ponderar os danos em jogo, o douto acórdão recorrido incorre num erro de julgamento.
4. A acção de anulação que constitui a acção principal da providência cautelar de suspensão que improcedeu, apesar de ter marcada a data de 14 de Maio de 2008 para a respectiva audiência de julgamento, está sujeita a eventuais vicissitudes processuais como o adiamento, interposição de recursos, etc., não se perspectivando uma sentença transitada em julgado a curto e médio prazo, mormente no caso vertente, onde se verifica que a Segunda Instância já se pronunciou unanimemente pela ilegalidade de deliberação.
5. Pelo menos uma das diversas vias pelas quais se verifica o requisito do dano apreciável já mereceu a concordância de um dos Meritíssimos Juizes que integrou o Colectivo do Distinto TSI que julgou o recurso: o de que do lado das ora recorrentes há uma certeza: a sociedade e, reflexamente, as recorrentes, passarão a receber anualmente uma menor porção dos dividendos provenientes das actividades do jogo exploradas pela D, ao passo que do lado da recorrida, há uma mera expectativa, exposta ao risco e à incerteza.
6. No fim do passado mês de Janeiro ocorreu um mini-crash um pouco por todas as Bolsas de Valores do mundo, especialmente da América e da Ásia e foi a não implementação da deliberação impugnada que salvou os accionistas da C de elevadíssimos prejuízos.
7. O próprio Administrador Delegado da C – e da D – veio a público confessar isto mesmo em diversos jornais, tendo agradecido publicamente à primeira recorrente e expressamente declarado que já não sabia se a listagem era positiva.
8. Os factos deram razão às recorrentes e ao mencionado voto de vencido do Meritíssimo Juiz do TSI.
9. E continuarão a dar: com efeito, todos os analistas económicos são unânimes em considerar que os mercados bolsistas continuarão em baixa no médio prazo por força da situação de crise Económica latente dos Estados Unidos da América. Existe, inclusivamente, uma forte probabilidade de a economia mundial entrar num período de recessão.
10. Uma vez efectuada a listagem o processo será praticamente irreversível e, atenta a ilegalidade pacificamente aceite da deliberação impugnada, a acção principal de anulação será supervenientemente inútil, pelo que, só mantendo o actual status quo da C através do provimento do presente recurso, se evitarão prejuízos decorrentes da listagem na bolsa aprovada pela deliberação ilegal ora impugnada.
11. Pelo que, o Distinto TSI laborou num segundo erro de julgamento ao não decidir pela existência de perigo de verificação de dano apreciável para a sociedade recorrida e para todos os seus accionistas, em caso de não suspensão da deliberação unanimemente reputada de ilegal. Os factos e a confissão do Sr. Administrador Delegado apenas se encarregaram de confirmar a posteriori a verificação de um tal erro de julgamento.
12. Nos termos do n.º 1 do art.º 6.º dos estatutos da recorrida (C), o seu capital social encontra-se dividido em dois tipos de acções: as acções privilegiadas e as acções ordinárias.
13. Apenas os accionistas fundadores da sociedade recorrida são titulares de acções privilegiadas (n.° 2 do mesmo preceito estatutário).
14. Ora, tais acções integram um feixe de direitos especiais extensivos apenas aos seus titulares, quer no plano político ao atribuir o direito a um voto por cada grupo de 8 acções deste tipo (cfr. art.º 10.º dos estatutos), quer no plano económico, ao estabelecer-se uma percentagem de lucros a ser distribuída única e exclusivamente entre os titulares de acções privilegiadas (cfr. art.º 46.º, n.º 1 dos estatutos).
15. A primeira recorrente é titular de um elevado número de acções preferenciais ou privilegiadas do capital social da C, admitindo a recorrida que esse número é, pelo menos, de 198 acções.
16. Ora, de acordo com o Anexo I, “Passo 4”, de fls. 112 e segs. dos autos que constitui parte integrante da acta da Assembleia Geral (AG) de 31/03/2006, todas as acções da nova sociedade a ser listada na Bolsa de Hong Kong estarão em pé de igualdade, sem que exista qualquer sinal distintivo entre as mesmas (é o que significa a expressão “par value”) .
17. Assim, face ao modelo de reestruturação proposto, tem a primeira recorrente não apenas o justo receio mas a plena certeza de ir perder os direitos especiais inerentes às suas acções privilegiadas, com os inerentes prejuízos daí decorrentes.
18. No entanto, o douto acórdão recorrido demitiu-se de conhecer desta importante consequência. Trata-se de uma omissão que se não faz incorrer o douto acórdão recorrido na nulidade prevista na primeira parte da al. d) do art.º 571.º do Código de Processo Civil, encerra, com o devido respeito, um terceiro erro de julgamento.
19. Conforme resulta dos factos provados na douta sentença do TJB e é líquido no subido acórdão de que ora se recorre, que quando as recorrentes pediram para consultar o Livro de Registo de Acções da recorrida em finais de 2001, foram informadas de que este tinha – factos sem precedentes – desaparecido.
20. Conforme já foi doutamente decidido num outro processo, não se está perante uma operação de mera gestão da sociedade mas de uma operação que atinge os seus próprios fundamentos, a sua própria estrutura e de forma irreversível. Não há ponto de retorno!
21. Antes de se deliberar a reestruturação da sociedade recorrida, é fundamental apurar previamente quem são os seus accionistas efectivos e qual o número de acções de que cada um é titular.
22. O oposto consumará situações de prejuízo, irreversíveis para os verdadeiros accionistas como as recorrentes e para a própria sociedade, se mais tarde se verificar que foram erradamente atribuídas acções da nova sociedade (a listar na Bolsa de Valores) a não accionistas da C.
23. O desaparecimento do Livro constitui, sem dúvida, uma fortíssima razão para o justo receio de violação dos seus direitos, por parte daqueles cuja qualidade de accionista virá a ser definitivamente estabelecida por via da pendente acção de reforma do livro de registo de acções a que se faz referência no artigo 34 do requerimento de providência.
24. Ao Sr. Administrador Delegado apenas foi possibilitada a subscrição de 10% das acções da D, pelo seu valor nominal, por imposição do n.º 2 do art.º 19.º da Lei n.º 16/2001, de 24/09; a determinados particulares, igual bónus foi permitido sob condição de fidelização à D.
25. A deliberação impugnada vem violar as condições inerentes à permissão da sociedade, em 2001 (antes de se falar em listagem bolsista), para que 20% do capital social da D fosse adquirido pelo Sr. Administrador Delegado e por certos indivíduos não accionistas da C, pelo preço simbólico de 100 patacas por cada acção.
26. Este activo patrimonial pertence à C e tem uma dimensão diversa do activo consubstanciado nas acções da D, porque poderá ser negociado livremente na Bolsa de Valores de Hong Kong.
27. Os citados indivíduos adquiriram 20% do capital social da D por quarenta milhões de patacas, que serão “convertidos” em cerca de 15% do capital social da nova sociedade a listar na Bolsa de Valores.
28. De acordo com o depoimento de parte da recorrida constante da acta da audiência de julgamento em primeira instância, estima-se que um tal acervo, passará a corporizar um acréscimo patrimonial avaliado em cerca de onze biliões, duzentos e cinquenta milhões de dólares de Hong Kong, imediatamente em simultâneo com a cotação bolsista e independentemente da sua venda ou não.
29. A este acréscimo patrimonial colossal e injustificado derivado da operação financeira proposta e aprovada, corresponde-lhe a correlativa desvalorização patrimonial das acções da C, afectando, de igual modo, o activo patrimonial correspondente ao valor das acções das autoras na C.
30. A aprovação ora dada pela Assembleia Geral, na sua reunião atrás mencionada, constitui, pelos motivos supra expostos, clara violação de lei, por abuso do direito da maioria, entendimento não perfilhado pelo Distinto TSI, incorrendo, assim, salvo o devido respeito que é muito, num quinto erro de julgamento.”
Pedindo que seja julgado procedente o recurso, com a revogação do acórdão recorrido.
A requerida concluiu de seguinte forma nas suas alegações de recurso:
“1. O Tribunal recorrido reconheceu e declarou a omissão de pronúncia de que enfermou a sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Base no que diz respeito ao pedido de condenação da ora recorridas como litigantes de má fé;
2. Porém, não tomou conhecimento de qualquer dos factos que se acham provados nos autos, porque integralmente documentados, em que a ora recorrente fez assentar o pedido de condenação das ora recorridas como litigantes de má fé, limitando-se a frequentar os termos da resposta dada pelo Tribunal Judicial de Base à matéria de facto tal como esta havia sido prefigurada pelas partes nos respectivos articulados;
3. Ocorre, porém, que, os factos relevantes para a apreciação deste pedido ocorreram para além do termo da fase de articulados, no âmbito da audiência de julgamento, razão por que os mesmos se não acham formalmente reflectidos na fundamentação de facto da sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Base;
4. De resto, considerando o facto de que o Tribunal Judicial de Base houvesse sido totalmente omisso em pronúncia quanto ao pedido de condenação das ora recorridas como litigantes de má fé explica, ainda que não justifique legalmente, a omissão de qualquer referência aos factos relevantes para a apreciação do pedido de condenação das ora recorridas como litigantes de má fé: o Tribunal de Primeira Instância não considerou tais factos não provados ou irrelevantes; antes, diferentemente, negligenciou a respectiva consideração porque não apreciou o pedido de condenação das recorridas como litigantes de má fé;
5. A desconsideração desses mesmos factos pelo acórdão ora recorrido determina a respectiva nulidade parcial, nos termos do disposto na primeira parte da al. d) n.º 1 do art.º 571.º do Código de Processo Civil, suprível em via de recurso nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 651.º do mesmo Código;
6. Reitera-se a justificação substantiva para a condenação das ora recorridas como litigantes de má fé:
a) As ora recorridas formularam, ou mantiveram, o pedido de substituição de testemunha pelas mesmas originariamente arrolada como testemunha a apresentar com justificação que sabiam, ou não podiam deixar de saber sem negligência grave, não ser verdadeira ou não subsistir;
b) O mandato forense, enquanto mandato com representação, determina a imediata repercussão dos actos dos mandatários na esfera do mandante e baseia-se na presunção de que o mandante possa, sempre a todo o tempo, fornecer ao mandatário todos os elementos necessários para que o mesmo actue, em nome e representação daquele, em permanente cumprimento do dever de colaboração e do de actuação em boa fé (art.ºs 8.º e 9.º do Código de Processo Civil);
c) Atento o facto de que a testemunha cuja substituição foi requerida ser advogado das ora recorridas e, bem assim, o facto de que o mesmo haja sido arrolado como testemunha a apresentar, exclui que se possa presumir que as recorridas não tivesse conhecimento da sua efectiva disponibilidade ou, mais rigorosamente, da não verificação da circunstância que as mesmas haviam invocado para justificar o pedido da respectiva substituição;
d) A insistência em que a testemunha indicada em substituição fosse notificada – quando a mesma já se encontrava arrolada nos autos pela ora recorrente – determinou uma dilação do processo com danos para a ora recorrente, atento o efeito inibitório que para a mesma resultava da simples citação para providência nominada de suspensão de deliberações sociais.
e) Surge, por todo o exposto, justificada uma condenação em litigância de má fé por violação do dever de cooperação, actuação em patente má fé e entorpecimento da acção da Justiça.
Indicação das normas legais em cuja violação a douta sentença recorrida incorre, ou cuja interpretação se entende incorrecta: art.º 571.º, n.º 1, al. d) in principio; 629.º, 9.º, 385.º, 568.º, 386.º todos do Código de Processo Civil.”
Pedindo que seja julgado procedente o recurso e, em consequência, sejam as requerentes condenadas solidariamente no pagamento do valor de honorários dos mandatários da recorrente no valor de MOP$6.400,00 e de multa e indemnização a fixar em quantia certa segundo o prudente critério do tribunal.
Ambas as partes apresentaram respostas.
Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
2. Fundamentos
2.1 Factos provados
Foram considerados provados os seguintes factos pelas instâncias:
“1. A ora requerida é uma sociedade anónima, com o capital social de MOP$85,250,000.00.(art.º 1.º do Requerimento inicial)
2. A requerente A é sócia e accionista da requerida, conforme se comprova pela escritura pública de 31 de Dezembro de 1976: ser a requerente titular de 4.356 acções da C. (art.º 2.° do Requerimento inicial)
3. A mesma requerente exerceu as funções de Administradora da C no período de 1995 a 1998 e de 31/03/1998 a 31/03/2001. (art.º 3.º do Requerimento inicial)
4. A requerente A chegou a ser titular de 6.251 acções da C e, mais recentemente, em 23 de Abril de 2005, comprou a E 2 acções da C. (art.º 5.º do Requerimento inicial)
5. Em 19 de Maio de 2005, a A manifestou a intenção do doar uma das ditas acções à fundação de interesse social “F” e vender a outra à “G”. (art.º 6.º do Requerimento inicial)
6. Em 12 de Maio de 2005, A comprou 10 acções da C à sócia H. (art.º 8.º do Requerimento inicial)
7. Em 28 de Julho de 2005, A manifestou à C a intenção de vender 1 das 10 acções acima referidas à sociedade “I”. (art.º 9.º do Requerimento inicial)
8. Relativamente às 10 acções, encontra-se pendente uma acção de preferência proposta pela alegada sócia e accionista da C, a “J”, cujos termos correm pelo 3º Juízo Cível desse Distinto Tribunal sob o n.° CV3-05-0067-CAO. (art.º 10.º do Requerimento inicial)
9. Em 15 de Março de 1983, A endossou, à segunda requerente, “B”, 5043 acções da C. (art.º 11.° do Requerimento inicial)
10. Na mesma data, a C lavrou nos mencionados títulos representativos das acções o averbamento de “pertence”, havendo-se obrigado com a assinatura de dois dos seus administradores: K, Presidente do Conselho de Administração, e E, então, e ainda, Administrador Delegado. (art.º 12.°do Requerimento inicial)
11. Realizou-se no dia 31 de Março de 2006 a reunião ordinária da Assembleia Geral da C (art.º 17.º do Requerimento inicial)
12. A respectiva Ordem de Trabalhos (cfr. doc. 4) consistia em:
“(1) Discussão e deliberação sobre o balanço, a conta de ganhos e perdas, relatório do Conselho de Administração, aplicação de resultados e o parecer do Conselho Fiscal, relativos ao exercício de 2005.
(2) Discussão e aprovação do modelo de reestruturação do grupo de empresas participadas pela Sociedade, bem como a constituição duma subsidiária da C em Hong Kong para deter directamente as acções da D, a fim de esta nova subsidiária ser admitida na bolsa de valores de Hong Kong, tudo sem prejuízo das necessárias autorizações por parte do Governo da Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China, bem como discussão e aprovação de mandato a atribuir ao Conselho de Administração para a execução de quaisquer actos conexos com estas matérias.” (art.º 18.º do Requerimento inicial)
13. Provado o que consta da Acta de fls. 40-45, aqui se dá reproduzida integralmente. (art.ºs 19.º a 23.º do Requerimento inicial)
14. Por carta de 22 de Março de 2006, a “B”, representada por A, indicou o Sr. L, para a representar na referida reunião da Assembleia Geral. (art.º 24.º do Requerimento inicial)
15. Porém, o Presidente da Assembleia Geral enviou carta datada de 27 de Março de 2006, dirigida a requerente A, cujo teor consta de fls. 56 e que aqui se dá integralmente reproduzida. (art.º 25.º do Requerimento inicial)
16. Antes do início da reunião, o Sr. L, foi impedido de entrar na Sala onde a mesma decorreu, facto que consta da respectiva acta (cfr. doc. 4), cujos termos se transcrevem:
“O Senhor Presidente foi também informado pelo Secretário sobre o pedido de participação nesta assembleia do senhor L que comparecia com uma carta de representação emitida por uma sociedade denominada B e assinada por A em nome da B Tal participação foi recusada pelo Senhor Presidente, atendendo ao facto de que esta sociedade B não se encontrar registada como accionista e a sociedade se encontrar impedida, nos termos da sentença judicial proferida nos autos de providência cautelar número CPV-001-02-3 do Tribunal Judicial de Base da RAE de Macau, de proceder ao registo das acções a favor daquela sociedade, sendo que a subscritora da carta se encontra, pelo mesmo título impedida de transmitir, onerar ou dispor das suas acções, sendo que são essas aquelas em que a referida B pretende fundar o seu direito de participação e votação na assembleia (...)”. (art.º 28.º do Requerimento inicial)
17. Está em curso o respectivo processo de Reforma Judicial, cujos termos correm pelo 1º Juízo do Tribunal Judicial de Base com o n.º CV1-02-0008-CPE. (art.º 34.º do Requerimento inicial)
18. A D tem como principais accionistas a M e o Dr. E, detendo respectivamente 80% e 10% do respectivo capital social. (art.º 50.° do Requerimento inicial)
19. A D foi criada tendo por base e fundamento a deliberação tomada pelo Conselho de Administração da C, de 28 de Novembro de 2001 cujo teor consta de fls. 59 a 64, que se dá aqui integralmente reproduzido. (art.º 51.° do Requerimento inicial)
20. Conselho de Administração de C deliberam em 31 de Outubro de 2001, nos termos que consta da respectiva acta de fls. 65 a 71, cujo teor se dá aqui integralmente reproduzido. (art.º 57.° do Requerimento inicial)
21. Na Assembleia Geral da C deliberaram em 5 de Novembro de 2001, nos termos que consta de fls. 1050 a 1054, cujo teor se dá aqui integralmente reproduzido. (art.ºs 58.° e 59.° do Requerimento inicial)
22. A D, se apresentou ao concurso e obteve a concessão, atribuída pelo Governo da RAEM, para a exploração de jogos de fortuna ou azar. (art.º 60.° do Requerimento inicial)
23. Provado o que consta da resposta dada aos artigos 18.º a 23.º do Requerimento Inicial. (art.º 61.° do Requerimento inicial)
24. Como facilmente se compreende, os lucros da C provêm fundamentalmente da actividade desenvolvida pela D através da exploração dos diversos casinos que lhe são licenciados pelo Governo de Macau. (art.º 76.° do Requerimento inicial)
25. Por conta dos dividendos provenientes do exercício de 2004, a requerente A recebeu $66,325,109.50. (art.º 83.° do Requerimento inicial)
26. Lucro da C nesse exercício foi de, pelo menos, $2,957,236,274.76. (art.º 84.° do Requerimento inicial)
27. Pelo exercício de 2005, o lucro líquido da C é de MOP$3,541,954,066.00. (art.º 85.º do Requerimento inicial)
28. A interrupção dos projectos e estudos que, com o auxílio de consultores externos têm vindo a ser elaborados desde momento anterior ao da reunião dos sócios de 31 de Março último, comportaria despesas. (art.º 225.º da Oposição)”
No acórdão recorrido foram considerados ainda os seguintes factos:
“Efectivamente, no dia 25 de Setembro de 2006, a Assembleia Geral da requerida sociedade tomou uma deliberação social no sentido essencial de:
‘C
Agenda de Trabalhos para a AGE a convocar para o dia 25.9.06
Ponto Único: Discussão e deliberação sobre proposta do Conselho de Administração relativa à admissão de uma nova subsidiária à cotação na Bolsa de Valores de Hong Kong.
......’”
2.2 Requisito da providência cautelar: dano apreciável
As requerentes entendem que a fundamentação do acórdão recorrido sobre o dano não é suficientemente congruente, incorreu no erro de julgamento ao considerar não ser possível pronunciar sobre qual dano, as despesas de reestruturação e a eventual cessação de recebimento da quota-parte nos lucros da C via D, fosse superior.
Para as requerentes existem danos apreciáveis com a listagem da nova sociedade na Bolsa de Valores de Hong Kong, que só podem ser evitados com a manutenção do status quo da C.
Sobre os requisitos da providência cautelar de suspensão de deliberações sociais, dispõe o art.º 341.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC):
“1. Se alguma associação ou sociedade, civil ou comercial, tomar deliberações contrárias à lei, aos estatutos ou ao acto constitutivo, qualquer associado ou sócio pode requerer, no prazo de 10 dias se não for outro o fixado em disposição especial, que a execução dessas deliberações seja suspensa, justificando a qualidade de associado ou sócio e mostrando que essa execução pode causar dano apreciável.”
No presente recurso, está em discussão se existe dano apreciável para as requerentes com a execução da deliberação da C de 31 de Março de 2006 sobre o modelo global de reestruturação do grupo de empresas participadas pela C, nomeadamente a D, e a constituição de uma nova empresa, subsidiária da C para deter directamente as acções da D, a fim de esta nova empresa ser admitida na Bolsa de Valores de Hong Kong.
Dos factos n.°s 24 a 28 referidos no acórdão recorrido para fundamentar a decisão sobre o requisito em causa resulta apenas que os lucros da C provêm fundamentalmente da actividade desenvolvida pela D através da exploração dos diversos casinos, a requerente A recebeu mais de sessenta e seis milhões de dólares de Hong Kong no exercício do ano 2004 e a interrupção dos projectos e estudos sobre a reestruturação da sociedade comportaria despesas.
De acordo com a deliberação da requerida objecto da pretendida suspensão, a reestruturação da sociedade visa a responder a necessidade de disposição de soluções expeditas e vantajosas de acesso a novas formas de financiamento que lhe permitam fazer face às novas exigências de investimento, traduzindo na reestruturação da estrutura accionista da D, colocando a mesma D sob o domínio de uma nova sociedade (N) a admitir à Bolsa de Valores de Hong Kong, tornando esta como uma nova sociedade Holding da D.
Face a estes factos provados nos autos, realmente não se vê como a deliberação em causa possa provocar dano apreciável para as requerentes, pelo menos indiciariamente.
A cotação de uma sociedade em bolsa de valores é uma forma largamente utilizada para captação de fundos, de modo a dotar rapidamente a sociedade de meios financeiros avultados que seriam dificilmente conseguidos por outros meios, como através de financiamento bancário. É natural que a sociedade admitida em bolsa de valores estará sujeita à flutuação do mercado bolsista, mas a cotação é, em princípio, o forte fomento das actividades comerciais da sociedade.
Por isso, o facto de a cotação em Bolsa de Valores de Hong Kong da sociedade requerida em si não traduz no imediato prejuízo para os seus accionistas, neles inclui as requerentes. E os factos provados no presente procedimento cautelar também não demonstraram nenhum prejuízo para estas.
Para as requerentes, existem ainda três classes de prejuízos cuja falta de pronúncia faz incorrer o tribunal recorrido em erro de julgamento:
- A perda irrecuperável para as requerentes e outros accionistas da requerida de direitos especiais inerentes às suas acções privilegiadas, com os inerentes prejuízos daí decorrentes.
- A falta de verificação da qualidade de sócios dos presentes na assembleia geral em questão representará prejuízo irreversível para os verdadeiros accionistas se mais tarde se verificar que foram erradamente atribuídas acções da nova sociedade a não accionistas.
- O abuso do direito de maioria consubstanciado na violação de lei de que padece a deliberação social em causa.
Segundo o anexo I à acta da assembleia geral da requerida em que foi tomada a deliberação em discussão e em que o anexo foi aprovado, os accionistas da D subscrevem as novas acções na N e tais accionistas transferem as suas acções na D para a N. A C transfere todas as suas acções na N para os accionistas da C, na proporção das suas participações na C, ou ainda a C transfere todas as suas acções na D para os accionistas da C, condicionada à sua subscrição nas acções da N, ou de acordo com o método considerado o mais apropriado e subsequentemente aprovado pelos accionistas da C.
Ora, os processos alternativos para a reestruturação dos accionistas da D são concebidos para proceder à cotação de uma nova sociedade na Bolsa de Valores de Hong Kong e que parecem ter a preocupação de manter a primitiva proporção das participações dos accionistas da C na D na nova sociedade de holding a ser criada.
A cotação em bolsa de valores de uma sociedade implica necessariamente a redução da percentagem de participações dos primitivos accionistas por ser posta em mercado bolsista certa porção de acções da sociedade para ser subscritas pelo público na oferta pública de subscrição (IPO). No entanto, esta diminuição de percentagem de acções não corresponde necessariamente a diminuição de dividendos a receber pelos primitivos accionistas, pois com a listagem em bolsa de valores da sociedade, esta passa a ter maior potencialidade de obter mais lucros por este reforço de meios financeiros, que pode atingir milhares de milhões dólares de Hong Kong no presente caso, e tal reflectirá directamente no valor de dividendos dos accionistas.
Também não é menos verdade que o mercado bolsista pode sofrer flutuação ou baixa que afectará a situação financeira da sociedade cotada. Mas tal situação de conjuntura não invalida a potencialidade e expectativa do melhoramento dos resultados e do aumento de lucros da sociedade.
Sobre o alegado prejuízo irreversível para os verdadeiros accionistas provocado por falta de verificação da qualidade de sócios dos presentes na assembleia geral em causa, cumpre referir que esta falta releva agora mais no plano de requisito de legalidade da deliberação social que não constitui objecto do presente recurso. Até na apreciação do anterior recurso, o Tribunal de Segunda Instância já pronunciou pela verificação de ilegalidade da deliberação em questão por outro fundamento.
No presente recurso estamos a apreciar se existe o requisito de dano apreciável para as requerentes por execução da deliberação social em impugnação. E a reestruturação dos accionistas da D só pode produzir efeitos para os verdadeiros accionistas e é nesta acto que relevará a formalidade de verificação desta qualidade.
Finalmente, em relação ao alegado abuso do direito de maioria, não se verifica nos autos factos que indiciam que a deliberação foi tomada contra os bons costumes, em benefícios e prejuízos injustificados para uns e outros accionistas.
Na realidade, segundo o teor do anexo I acima mencionado, a alteração da estrutura de accionistas da D será concretizada com a criação de tipos A e B de acções ordinárias.
As acções do tipo A corresponderão a 90% do capital social mas com 100% dos proveitos económicos da D a ser subscritas por todos os accionistas existentes proporcionalmente à sua participação por troca de todas as acções existentes da D.
As acções do tipo B corresponderão a 10% do capital social a ser subscritas pelo administrador delegado por imposição legal, sem direito a dividendos. As acções deste tipo serão subscritas exclusivamente por qualquer futuro administrador delegado e liquidadas quando for revista a lei do jogo.
São os accionistas da D portadores de acções do tipo A que irão subscrever as novas acções na N.
Daí não se verifica os alegados prejuízos das requerentes por benefício injustificado para o administrador delegado.
Improcede o recurso das requerentes.
2.3 Litigância de má fé
O recurso interposto pela requerida tem por objecto a parte do acórdão do Tribunal de Segunda Instância em que julgou improcedente o pedido de condenar as requerentes por litigância de má fé e consequentemente negou provimento ao seu recurso subordinado.
Tal pedido de condenação das requerentes como litigantes de má fé foi feito no início da inquirição de testemunhas na primeira instância (fls. 1041 e 1042).
O Tribunal de Segunda Instância entendeu que na sentença de primeira instância não foi apreciado o pedido e considerou-a, nesta parte, nula por omissão de pronúncia. Seguidamente, o Tribunal de Segunda Instância conheceu do pedido e julgou-o improcedente.
Por se tratar de primeira pronúncia do tribunal sobre o pedido em causa, tal decisão do Tribunal de Segunda Instância é recorrível nos termos do art.º 583.º, n.º 1 do CPC.
A requerida discordou da decisão de improcedência do Tribunal de Segunda Instância por entender que este não atendeu o conteúdo das actas de audiência de primeira instância.
A requerida pediu a condenação das requerentes como litigantes de má fé por estas terem apresentado justificação falsa de impossibilidade de comparência de uma testemunha na diligência de inquirição de testemunhas a realizar dois dias depois.
A justificação dada pelas requerentes foi a ausência da testemunha para estrangeiro no dia inicialmente marcado para a sua inquirição.
Mas a requerida veio alegar, dias depois, na primeira sessão de inquirição, que tal testemunha esteve durante todo o dia de primeira marcação em Hong Kong a atender normalmente o seu telefone no seu escritório.
No entanto, as instâncias não deram como provado este facto.
E mesmo que fosse considerado provado o facto alegado pela requerida, mas sem outros elementos que permitam conhecer melhor o contorno da situação, não é seguro concluir que as requeridas, com dolo ou negligência grave, omitiram gravemente o dever de cooperação com o tribunal, segundo o art.º 385.º, n.º 2, al. c) do CPC.
Assim, improcede o recurso interposto pela requerida.
3. Decisão
Face ao exposto, acordam em julgar improcedentes os recursos.
Custas pelas recorrentes.
Aos 30 de Julho de 2008.
Os juízes:Chu Kin
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai
Processo n.° 13 / 2008 1