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Processo nº 628/2020
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 10 de Setembro de 2020
Recorrente: A (Autor)
Recorrida: B, S.A. (Ré)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I - RELATÓRIO
  Por sentença de 31/03/2020, julgou-se a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou-se a Ré B, S.A. a pagar ao Autor A a quantia de MOP$247,012.42, acrescida de juros moratórios à taxa legal.
Dessa decisão vem recorrer o Autor, alegando, em sede de conclusões, os seguintes:
1. Versa o presente recurso sobre a douta Sentença na parte relativa à condenação da Ré (B) na atribuição de uma compensação devida ao Autor pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal e relativo ao período de 23/07/2004 a 31/12/2008, na medida em que a concreta fórmula de cálculo utilizada na Decisão Recorrida se mostra em manifesta oposição à que tem vindo a ser seguida pelo Tribunal de Segunda Instância;
2. De onde, salvo o devido respeito, está o Recorrente em crer que a douta Sentença enferma de um erro de aplicação de direito quanto à concreta forma de cálculo devido pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal e pelo trabalho prestado em dias de feriado obrigatório remunerado e, deste modo, em violação ao disposto no artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril;
Em concreto,
3. Entendeu o Tribunal a quo ser de sufragar o entendimento seguido pelo Tribunal de Última Instância e, em consequência, condenar a Ré a pagar ao Autor apenas ao correspondente ao valor de um salário em singelo no que respeita ao trabalho prestado em dia de descanso semanal durante todo o período da relação laboral, a liquidar em execução de sentença;
4. Porém, salvo melhor opinião, ao proceder à condenação da Ré apenas em singelo, o Tribunal a quo terá procedido a uma interpretação menos correcta do disposto na al. a) do n.º 6 do art. 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, pelo que a decisão deve ser julgada nula e substituída por outra que condene a Ré em conformidade com o disposto na referida Lei Laboral;
5. Com efeito, resulta do referido preceito que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser remunerado pelo dobro do salário normal, entendido enquanto duas vezes a retribuição normal por cada dia de trabalho prestado em dia de descanso semanal, para além do valor relativo ao próprio dia de trabalho prestado;
6. Trata-se, de resto, da interpretação que tem vindo a ser seguida de forma uniforme pelo Tribunal de Segunda Instância, onde se entende que a fórmula correcta para compensar o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser a seguinte: (salário diário X n.º de dias devidos e não gozados X 2);
7. De onde, provado que durante o período da relação laboral a Recorrida não garantiu ao Autor o gozo do descanso semanal no máximo ao 7.º dia após 6 dias consecutivos de trabalho, deve a mesma ser condenada a pagar ao Recorrente "o dobro da retribuição normal por cada um dos sétimos dias de trabalho prestado", isto é, deve a Ré (B) ser condenada a pagar a quantia de MOP$107.708,00 - e não apenas MOP$53.854,00 correspondente a um dia de salário em singelo - conforme resulta da douta Decisão recorrida, acrescida de juros até efectivo e integral pagamento o que desde já e para todos os legais efeitos se requer.
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A Ré respondeu à motivação do recurso do Autor, nos termos constantes a fls. 153 a 157, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do mesmo.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II - FACTOS
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
- O Autor foi recrutado pela Sociedade D – Serviço de Apoio e Gestão Empresarial Cia, Lda. para exercer funções de “guarda de segurança” para a 1ª Ré (C), ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços n.º 6/2000, aprovado pelo Despacho n.º 02401/IMO/SEF/2000, de 30/11/2000. (Cfr. fls. 19 a 24, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido) (A)
- Entre 27/06/2001 a 21/07/2003, o Autor esteve ao serviço da C, prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (B)
- Por força do Despacho n.º 01949/IMO/SEF/2003, do Senhor Secretário para a Economia e Finanças da RAEM, de 17/07/2003, foi autorizada a transferência das autorizações concedidas para a contratação do Autor (e dos demais 280 trabalhadores não residentes) por parte da C para a Ré (B), com efeitos a partir de 21/07/2003. (Cfr. fls. 26 a 28, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido) (C)
- Entre 01/07/2004 e 31/07/2010 o Autor exerceu as suas funções para a Ré (B), enquanto trabalhador não residente. (D)
- Resulta do ponto 3.4. do Contrato de Prestação de Serviços ao abrigo do qual o Autor foi autorizado a prestar trabalho para a Ré, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) “(…) um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço”. (E)
- Resulta do ponto 3.1. do Contrato de Prestação de Serviços 1/99 ao abrigo do qual o Autor foi autorizado a prestar trabalho para a Ré, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) a quantia de “(…) $600 patacas mensais por pessoa, a título de subsídio de alimentação”. (F)
- Aquando da contratação do Autor no Nepal, foi garantido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes de origem Nepalesa) alojamento gratuito em Macau. (G)
- Durante toda a prestação de trabalho, o Autor sempre respeitou os períodos e horários de trabalho fixados pela Ré. (1º)
- Mais, era a Ré que fixava o local e o horário de trabalho do Autor de acordo com as suas exclusivas e concretas necessidades. (2º)
- Durante todo o período de trabalho, o Autor sempre prestou a sua actividade sob ordem e instrução da Ré. (3º)
- Durante todo o período em que o Autor prestou trabalho, o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte da Ré, sem prejuízo de 24 dias de férias anuais por cada ano civil e dispensas de trabalho não remuneradas, nomeadamente entre 01/10/2004 e 02/10/2004 (2 dias), entre 04/11/2004 e 27/11/2004 (24 dias), entre 03/11/2005 e 26/11/2005 (24 dias), entre 18/06/2006 e 19/06/2006 (2 dias), entre 21/06/2006 e 22/06/2006 (2 dias), entre 50/07/2006 e 06/07/2006 (2 dias), entre 21/07/2006 e 22/07/2006 (2 dias), entre 04/08/2006 e 26/08/2006 (23 dias), entre 27/09/2006 e 28/09/2006 (2 dias), entre 08/05/2007 e 03/06/2007 (27 dias), entre 22/10/2007 e 23/10/2007 (2 dias), entre 14/12/2007 e 29/12/2007 (16 dias), entre 06/05/2008 e 03/06/2008 (29 dias), entre 21/11/2008 e 22/11/2008 (2 dias), entre 04/07/2009 e 28/07/2009 (25 dias), entre 24/08/2009 e 25/08/2009 (2 dias) e entre 03/06/2010 e 26/06/2010 (24 dias), bem como um dia de descanso no oitavo dia após cada sete dias de trabalho consecutivos durante ao serviço da Ré. (4º, 6º e 8º)
- Entre 01/07/2004 e 31/12/2008, o Autor prestou trabalho a cada um dos sétimos dias, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho, sem prejuízo da resposta aos quesitos 4º, 6º e 8º. (5º e 23º)
- Durante todo o período da relação laboral, a Ré pagou ao Autor a quantia de HK$7.500,00, a título de salário de base mensal. (7º)
- Entre 01/07/2004 e 31/07/2010, a Ré (B) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade. (9º)
- Entre 01/07/2004 e 31/12/2006, a Ré (B) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação. (10º)
- Entre 01/07/2004 e 31/12/2008, o Autor prestou a sua actividade de segurança durante em 01 de Janeiro, Ano Novo Chinês (3 dias), 01 de Maio e 01 de Outubro, por forma a garantir o funcionamento contínuo e diário dos vários Casinos operados pela Ré (B), sem prejuízo da resposta aos quesitos 4º,6º e 8º. (11º)
- Entre 01/07/2004 e 31/12/2008, a Ré (B) nunca pagou ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado pelo Autor nos referidos dias de feriado obrigatórios. (12º)
- Entre 01/07/2004 e 31/07/2010, a Ré procedeu a uma dedução no valor de HK$750.00 sobre o salário mensal do Autor, a título de “comparticipação nos custos de alojamento”. (13º)
- A referida dedução no salário do Autor era operada de forma automática, e independentemente de o trabalhador (leia-se, do Autor) residir ou não na habitação que lhe era providenciada pelas Rés e/ou pela agência de emprego. (14º)
- Durante o período da relação de trabalho, por ordem da Ré, o Autor estava obrigado a comparecer no seu local de trabalho, devidamente uniformizado, com, pelo menos, 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno. (15º)
- Durante o referido período de tempo, tinha lugar um briefing (leia-se, uma reunião) entre o Team Leader (leia-se, Chefe de turno) e os “guardas de segurança”, na qual eram inspeccionados os uniformes de cada um dos guardas e distribuído o trabalho para o referido turno, mediante a indicação do seu concreto posto dentro do Casino. (16º)
- Entre 01/07/2004 e 31/12/2008, o Autor prestou diária e efectivamente o trabalho, tendo comparecido com 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno, sem prejuízo da resposta aos quesitos 4º, 6º e 8º. (17º)
- A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia pelo período de 30 minutos que antecedia o início de cada turno. (18º)
- A Ré (B) nunca conferiu ao Autor o gozo de um descanso adicional remunerado, proporcional ao período de trabalho prestado. (19º)
- Entre 01/07/2004 e 31/12/2008, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré (B) num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos. (20º)
- A que se seguia um período de vinte e quatro horas de descanso compensatório, em regra, no oitavo dia, que antecedia a mudança de turno. (21º)
- Entre 01/07/2004 e 31/12/2008 - descontados os períodos em que o Autor esteve ausente de Macau - a Ré (B) não fixou ao Autor um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, em cada período de sete dias de trabalho consecutivo prestado. (22º)
- Entre 01/07/2004 a 31/12/2008 a Ré (B) nunca pagou ao Autor qualquer quantia pelo trabalho prestado em cada um dos sétimos dias, após a prestação de seis dias de trabalho consecutivo. (24º)
- Entre 01/01/2009 a 31/07/2010 – descontados os períodos em que o Autor esteve ausente de Macau – a Ré (B) não fixou ao Autor um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas em cada semana (leia-se, em cada período de sete dias). (25º)
- Entre 01/01/2009 a 31/07/2010 a Ré (B) nunca pagou ao Autor uma qualquer quantia pelo trabalho prestado ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho em cada semana. (27º)
- A Ré pagou sempre ao Autor o salário correspondente ao trabalho prestado nos dias de descanso semanal. (29º)
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III – FUNDAMENTAÇÃO
O recurso do Autor não deixará de se julgar provido face à jurisprudência unânime deste TSI nos processos congéneres em que a Ré também é parte.
Assim, a fórmula para a compensação do descanso semanal é: dias não gozados X salário diário X 2, para além do salário-base já recebido.
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Tudo visto, resta decidir.
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IV – DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em conceder provimento ao recurso do Autor, em consequência, revogar a sentença na parte respectiva e condenar a Ré a pagar ao Autor, a título da compensação pelo não gozo dos dias de descanso semanal, a quantia de MOP$107,708.00, com juros de mora à taxa legal a partir da data do presente aresto (cfr. Ac. do TUI, de 02/03/2011, Proc. nº 69/2010).
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Custas pela Ré.
Notifique e D.N..
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RAEM, aos 10 de Setembro de 2020.
Ho Wai Neng
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
Tong Hio Fong
(Vencido quanto à fórmula adoptada na compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, por entender que, sendo o trabalho prestado nesses dias pago pelo “dobro da retribuição” (cfr. se refere na alínea a) do nº 6 do artigo 17º do DL nº 24/89/M), este “dobro” seria constituído por um dia de salário normal (ao qual o trabalhador teria sempre direito mesmo que não prestasse trabalho) mais um dia de acréscimo. Provado que o Autor já recebeu da Ré ora sua entidade patronal o salário diário em singelo, teria apenas mais um dia de salário pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal, sob pena de o Autor, salvo o devido respeito, incluindo o dia de descanso compensatório previsto no n.º 4 do artigo 17.º a que tem direito, estar a receber um acréscimo salarial correspondente ao “triplo” da retribuição normal.
Pelo que não merece, a meu ver, reparo a fórmula adoptada pelo Tribunal recorrido para cálculo da compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal.)



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