Processo n.º 177/2020 Data do acórdão: 2020-9-10 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– suspensão da execução da pena de prisão
– prorrogação do prazo da suspensão
– art.o 53.o do Código Penal
S U M Á R I O
O prazo inicial da suspensão da execução da pena de prisão é prorrogável nos termos do art.o 53.o do Código Penal, em função das circunstâncias do caso concreto.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 177/2020
(Recurso em processo penal)
Recorrente (arguido): A
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA
REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o despacho judicial proferido a fls. 387v a 388v do ora subjacente Processo Comum Colectivo actualmente n.o CR5-17-0212-PCC do 5.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB) que lhe revogou, nos aí citados termos do art.o 54.o, n.o 1, alínea b), do Código Penal (CP), a suspensão, por dois anos, da execução da sua pena de um ano e nove meses de prisão, então imposta por prática, em autoria material, de um crime consumado de burla em valor elevado, p. e p. pelo art.o 211.o, n.os 1 e 3, do CP, veio o arguido condenado A, já melhor identificado nos presentes autos correspondentes, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para pedir, na sua motivação apresentada a fls. 406 a 411 dos autos, a manutenção da suspensão da execução da pena, com imposição da advertência solene e exigência da garantia do cumprimento da obrigação, ou até eventual prorrogação do prazo da suspensão, alegando, para o efeito, que na dita decisão revogatória da suspensão da pena, não se considerou, inclusivamente, que estava em causa um novo crime praticado em tentativa, de furto de apenas um fruto com valor venal de MOP150,00.
Ao recurso, respondeu o Digno Delegado do Procurador a fls. 414 a 415 dos autos, no sentido de manutenção da decisão recorrida.
Subido o recurso, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 425 a 426, pugnando pela improcedência do recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Com pertinência à decisão, é de coligir dos autos os seguintes dados:
– Por acórdão proferido em 29 de Novembro de 2018 a fls. 312 a 320v do ora subjacente Processo Comum Colectivo actualmente n.o CR5-17-0212-PCC do 5.o Juízo Criminal do TJB, com trânsito em julgado em 9 de Janeiro de 2019 (cfr. a certidão desse trânsito exarada a fl. 326 dos presentes autos correspondentes), o arguido ora recorrente A ficou condenado, por prática, em autoria material, de um crime consumado de burla em valor elevado, p. e p. pelo art.o 211.o, n.os 1 e 3, do CP, na pena de um ano e nove meses de prisão, suspensa na execução por dois anos, com obrigação de pagar, durante o prazo dessa suspensão, a quantia indemnizatória de MOP52.500,00 ao ofendido B;
– Posteriormente, a fls. 356 e seguintes dos autos, foi junta a certidão da sentença de 19 de Julho de 2019 (transitada em julgado em 9 de Setembro de 2019) do Processo Comum Singular n.o CR5-19-0157-PCS do 5.o Juízo Criminal do TJB, condenatória do mesmo arguido, pela prática, em 30 de Março de 2019, em autoria material, na forma tentada, de um crime de furto (de um fruto de valor venal de MOP150,00) do art.o 197.o, n.o 1, do CP, na pena de três meses de prisão, suspensa na execução por dois anos;
– Em face disso, e sob promoção do Ministério Público, a M.ma Juíza actualmente titular do presente processo em primeira instância acabou por conseguir ouvir a própria pessoa do arguido em 27 de Novembro de 2019, para efeitos do art.o 476.o, n.o 3, do Código de Processo Penal (cfr. o auto dessa diligência, lavrado a fls. 387 e seguintes), em sede do que o arguido declarou que foi por gostar muito de comer e por ter hábito de jogos que praticou o acto de furto e agora com remorso, e que prometia pagar a indemnização o mais rápido possível ao ofendido;
– Afinal, no fim da mesma diligência, a M.ma Juíza acabou por revogar a suspensão da execução da pena do arguido, citando o disposto na alínea b) do n.o 1 do art.o 54.o do CP (cfr. o teor do despacho revogatório da suspensão da pena, constante de fls. 387v a 388v).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cabe notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver apenas as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
No caso dos autos, é de decidir se o despacho revogatório da suspensão da execução da pena de prisão do arguido recorrente viola o art.o 54.o, n.o 1, alínea b), do CP.
No caso dos autos, é certo que o arguido voltou a praticar, em 30 de Março de 2019, um crime doloso a menos de três meses de tempo após o trânsito em julgado, em 9 de Janeiro de 2019, da decisão condenatória do crime de burla em valor elevado por que vinha condenado (com suspensão da execução, por dois anos, da pena de prisão) no presente processo penal, mas também não é menos certo que aquele crime novo foi apenas de furto de um fruto de valor venal diminuto de MOP150,00, e cometido em forma de tentativa, pelo que o grau da ilicitude dos factos desse furto é relativamente baixo. Por outro lado, nos termos da suspensão da pena então fixados ao arguido no presente processo, ele deve pagar integralmente indemnização ao ofendido B durante o prazo da suspensão de dois anos, contado de 9 de Janeiro de 2019, prazo esse que ainda não terminou.
Assim sendo, tendo o arguido prometido pagar o mais pressa possível a indemnização devida ao ofendido, crê-se que, à luz do art.o 53.o do CP, se possa prorrogar, por um ano, o prazo inicial de dois anos da suspensão da pena dele, sob condição de ele ter que honrar a sua promessa de pagar o mais pressa possível a indemnização devida ao ofendido, até antes de 9 de Janeiro de 2021, com advertência de que o não pagamento integral e efectivo da indemnização devida ao ofendido (com juros legais) até antes dessa data implicará a possível revogação da suspensão da pena.
IV – DECISÃO
Nos termos expostos, acordam em conceder provimento ao recurso, prorrogando, por conseguinte, por um ano, o prazo inicial, de dois anos, da suspensão da execução da pena de um ano e nove meses de prisão do arguido recorrente A, sob condição de ele ter que honrar a sua promessa de pagar o mais pressa possível a indemnização devida ao ofendido, até antes de 9 de Janeiro de 2021, sendo ele advertido de que o não pagamento integral e efectivo da indemnização (com juros legais) até antes dessa data implicará a possível revogação da suspensão da execução da pena.
Sem custas.
Fixam em mil e oitocentas patacas os honorários do Ex.mo Defensor Oficioso do arguido, a suportar pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Comunique a presente decisão ao ofendido B.
Macau, 10 de Setembro de 2020.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Chao Im Peng
(Segunda Juíza-Adjunta)
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