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Processo n.º 715/2019 Data do acórdão: 2020-9-10 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– crime de emprego
– art.o 16.o, n.o 1, da Lei n.o 6/2004
– contrato de trabalho por conta alheia
– subordinação jurídica
S U M Á R I O
1. Não se tratando da relação contratual de trabalho por conta alheia, não é aplicável a norma incriminadora do emprego, no art.o 16.o, n.o 1, da Lei n.o 6/2004.
2. É a subordinação jurídica (traduzida sobretudo no dever do trabalhador de acatar as ordens ou instruções do empregador) que distingue o contrato de trabalho por conta alheia do contrato de prestação de serviço.
3. No caso dos autos, como na factualidade dada por assente na sentença condenatória dos três crimes de emprego do arguido recorrente, não há qualquer facto concreto a referir à necessidade de qualquer um dos três indivíduos em causa de acatamento de ordens ou instruções de outrem na execução da respectiva actividade para a qual se encontravam contratados (aliás, na matéria fáctica então acusada ao arguido, também não há qualquer facto acusado a referir a essa necessidade de acatamento de ordens ou instruções de outrem), o que faz concluir que não se pode qualificar cabalmente a relação contratual desses indivíduos como uma relação de trabalho por conta alheia (por conta da sociedade comercial dos autos cujo sócio administrador e gerente é o arguido), há que passar a absolver o arguido dos ditos três crimes.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 715/2019
(Autos de recurso penal)
  Recorrente (arguido): A




ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com a sentença proferida a fls. 219 a 228 do Processo Comum Singular n.º CR2-19-0059-PCS do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB), que o condenou como autor material, na forma consumada, de três crimes de emprego, p. e p. pelo art.o 16.o, n.o 1, da Lei n.o 6/2004, na pena de cinco meses de prisão por cada, e, em cúmulo jurídico, finalmente na única de nove meses de prisão, suspensa na execução por um ano e seis meses, veio o arguido A, aí já melhor identificado, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), alegando, na motivação apresentada a fls. 239 a 269 dos presentes autos correspondentes, e na sua essência, que essa decisão condenatória penal padecia do vício de erro notório na apreciação da prova, aludido na alínea c) do n.o 2 do art.o 400.o do Código de Processo Penal, ao ter considerado, mas erroneamente, existente relação de trabalho entre a sociedade comercial B Limitada (cujo sócio administrador é o próprio recorrente) e as três testemunhas chamadas C, D e E, para além de enfermar do vício de contradição insanável da fundamentação, pedindo, pois, que passasse a ser absolvido dos três crimes de emprego por que vinha condenado na sentença recorrida.
Ao recurso, respondeu o Ministério Público a fls. 271 a 275v dos autos, no sentido de improcedência da argumentação do recorrente.
Subidos os autos, a Digna Procuradora-Adjunta, em sede de vista, emitiu parecer a fls. 283 a 284v, pugnando também pela improcedência do recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se que a sentença ora recorrida ficou proferida a fls. 219 a 228, cujo teor se dá por aqui integralmente reproduzido.
Dos autos, consta o teor, a fls. 60 a 64, 65 a 69 e 70 a 74, respectivamente, que se dá por aqui integralmente reproduzido, dos três contratos (referidos na fundamentação probatória da sentença recorrida) celebrados entre a sociedade comercial B Limitada e as três testemunhas dos autos chamadas D (para ser “Senior Design Manager), E (para “Consultancy in Architect”) e C (para ser “CAD Consultant – Responsible for CAD construction drawings for interior fit out work”).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesse enquadramento, apreciando:
Apesar de o arguido ter apontado à decisão recorrida os vícios de erro notório na apreciação da prova e de contradição insanável da fundamentação, o cerne do recurso prende-se com a abordagem de qual a natureza jurídica da contratação daquelas três testemunhas pela sociedade comercial em causa, isto porque se não se tratasse da relação contratual de trabalho por conta alheia, então já não seria aplicável a seguinte norma incriminadora do emprego, no art.o 16.o, n.o 1, da Lei n.o 6/2004: Quem constituir relação de trabalho com qualquer indivíduo que não seja titular de algum dos documentos exigidos por lei para ser admitido como trabalhador, independentemente da natureza e forma do contrato, ou do tipo de remuneração ou contrapartida, é punido com pena de prisão até 2 anos e, em caso de reincidência, com pena de prisão de 2 a 8 anos.
Pois bem, da análise do clausulado dos três contratos então celebrados entre a sociedade comercial atrás identificada (cujo sócio administrador é o arguido) e as três testemunhas dos autos chamadas D, E e C, não se retira qualquer referência à subordinação de qualquer deles, na execução da respectiva actividade (para a qual se encontravam contratados, a saber, respectivamente: “Senior Design Manager”, “Consultancy in Architect” e “CAD Consultant – Responsible for CAD construction drawings for interior fit out work”), às ordens ou instruções dessa sociedade contratante.
O facto de essas três testemunhas terem sido encontradas pelo pessoal policial investigador do caso dos autos a estarem utilizar computadores em mesas de trabalho dentro das instalações da sede daquela sociedade comercial para processamento de texto (cfr. a factualidade provada descrita no último parágrafo da página 5 e no primeiro parágrafo da página 6, ambas do texto da sentença recorrida, a fl. 221 a 221v) não significa necessariamente que na execução concreta da actividade acima referida por parte desses três indivíduos, eles os três fiquem subordinados às ordens ou instruções de outrem.
E a existência de horário de trabalho e o pagamento da remuneração também não são decisivos para caracterizar o contrato de trabalho por conta de ontrem, visto que é a subordinação jurídica (traduzida sobretudo no dever de acatar as ordens ou instruções do empregador) que distingue o contrato de trabalho por conta de outrem (a relevar para a acima transcrita norma incriminadora do emprego) do contrato de prestação de serviço.
Assim, como na factualidade dada por assente na sentença recorrida, não há qualquer facto concreto a referir à necessidade de qualquer um dos três indivíduos acima referidos de acatamento de ordens ou instruções de outrem na execução da respectiva actividade para a qual se encontravam contratados (aliás, na matéria fáctica então acusada ao arguido, também não há qualquer facto acusado a referir a essa necessidade de acatamento, por parte dos mesmos três indivíduos, de ordens ou instruções de outrem), o que faz concluir que não se pode qualificar cabalmente a relação contratual desses indivíduos como uma relação de trabalho por conta de outrem (por conta da sociedade comercial dos autos), há que passar a absolver o arguido (que então assinou os três contratos aludidos, na qualidade de “Managing Director” da sociedade comercial em causa) dos três crimes de emprego por que vinha condenado na sentença recorrida, sem mais indagação por prejudicada.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar provido o recurso, revogando a decisão condenatória recorrida, e passando a absolver o arguido A da acusada prática, em autoria material, na forma consumada, de três crimes de emprego, p. e p. pelo art.o 16.o, n.o 1, da Lei n.o 6/2004.
Sem custas.
Macau, 10 de Setembro de 2020.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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