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Processo nº 622/2020
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 30 de Julho de 2020
Recorrente: A
Recorrida: B, S.A.
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  A, com os demais sinais dos autos,
  vem instaurar acção declarativa em processo comum do trabalho contra
  B S.A.,
  Pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de MOP169,724.69 acrescida dos juros legais até integral e efectivo pagamento.
  Proferida sentença, foi a Ré condenada a pagar ao Autor a quantia global de MOP128,549.36 sendo:
  - MOP48,856.33 a título de subsídio de efectividade;
  - MOP6,695.00 a título de trabalho prestado em dia de feriado obrigatório remunerado;
  - MOP36,642.25 a título de devolução das quantias de comparticipação no alojamento;
  - MOP11,120.78 pela prestação de, pelo menos, 30 minutos de trabalho para além do período normal diário por cada dia de trabalho efectivo;
  - MOP25,235.00 a título do trabalho prestado, após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias (pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal).
  Às quantias supra mencionadas acrescerão juros moratórios à taxa legal a contar da data da sentença que procede à liquidação do quantum indemnizatório até integral e efectivo pagamento.
  Absolve-se no mais a Ré do pedido.
  Não se conformando com a decisão proferida na parte relativa à condenação da Ré no pagamento da compensação devida pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, uma vez que a forma de cálculo usada se distancia da que tem vindo a ser usada por este Tribunal de Segunda Instância, vem o Autor interpor recurso, formulando as seguintes conclusões e pedido:
1. Versa o presente recurso sobre a douta Sentença na parte relativa à condenação da Ré (B) na atribuição de uma compensação devida ao Autor pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, na medida em que a concreta fórmula de cálculo utilizada na Decisão Recorrida se mostra em manifesta oposição à que tem vindo a ser seguida pelo Tribunal de Segunda Instância.
2. De onde, salvo o devido respeito, está o Recorrente em crer que a douta Sentença enferma de um erro de aplicação de direito quanto à concreta forma de cálculo devido pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal e pelo trabalho prestado em dias de feriado obrigatório remunerado e, deste modo, em violação ao disposto no artigo 17º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril.
  Em concreto,
3. Entendeu o Tribunal a quo ser de sufragar o entendimento seguido pelo Tribunal de Última Instância e, em consequência, condenar a Ré a pagar ao Autor apenas ao correspondente ao valor de um salário em singelo no que respeita ao trabalho prestado em dia de descanso semanal durante todo o período da relação laboral, a liquidar em execução de sentença.
4. Porém, salvo melhor opinião, ao proceder à condenação da Ré apenas em singelo, o Tribunal a quo terá procedido a uma interpretação menos correcta do disposto na al. a) do n.º 6 do art. 17º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, pelo que a decisão deve ser julgada nula e substituída por outra que condene a Ré em conformidade com o disposto na referida Lei Laboral.
5. Com efeito, resulta do referido preceito que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser remunerado pelo dobro do salário normal, entendido enquanto duas vezes a retribuição normal por cada dia de trabalho prestado em dia de descanso semanal, para além do valor relativo ao próprio dia de trabalho prestado.
6. Trata-se, de resto, da interpretação que tem vindo a ser seguida de forma uniforme pelo Tribunal de Segunda Instância, onde se entende que a fórmula correcta para compensar o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser a seguinte: (salário diário X n.º de dias devidos e não gozados X 2).
7. De onde, provado que durante o período da relação laboral a Recorrida não garantiu ao Autor o gozo do descanso semanal no máximo ao 7º dia após 6 dias consecutivos de trabalho, deve a mesma ser condenada a pagar ao Recorrente “o dobro da retribuição normal por cada um dos sétimos dias de trabalho prestado”, isto é, deve a Ré (B) ser condenada a pagar a quantia de MOP$50.470,00 – e não apenas MOP$25.235,00 correspondente a um dia de salário em singelo – conforme resulta da douta Decisão recorrida, acrescida de juros até efectivo e integral pagamento o que desde já e para todos os legais efeitos se requer.
Nestes termos e nos de mais de Direito que V. Exas. encarregar-se-ão de suprir, deve a douta Sentença ser julgada nula e substituída por outra que atenda à fórmula de cálculo tal qual formulada pelo Autor na sua Petição Inicial e relativa ao trabalho prestado em cada um dos sétimos dias de trabalho consecutivo, enquanto dias de descanso semanal, assim se fazendo a já costumada JUSTIÇA!”
  Contra-alegando veio a Recorrida pugnar para que fosse negado provimento ao recurso, apresentando as seguintes conclusões:
I. Veio o Recorrente no Recurso a que ora se responde insurgir-se contra a decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Base na parte em que julgou parcialmente improcedente as quantias reclamadas pelo mesmo a título de trabalho prestado em dia de descanso semanal (isto é, pelo trabalho prestado após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias de trabalho), por entender que tal decisão enferma de erro de aplicação de Direito quanto à concreta forma de cálculo e, nessa medida, mostra-se em violação do preceituado no artigo 17º do Decreto-lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril.
II. A decisão recorrida fez uma correcta interpretação e aplicação do preceituado no sobredito artigo 17º do Decreto-lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril.
III. Estando em causa o pagamento do trabalho em dias de descanso semanal, pelo dobro da retribuição normal, tendo o Recorrente sido pago já em singelo, importa ter em conta esse salário já pago e pagar apenas o que falta (e não o dobro).
IV. A tese defendida pelo Recorrente nas suas doutas alegações subverte por completo a letra da lei e, a seguir-se tal tese, onde se lê que o trabalhador que aufira um salário mensal tem o direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal quando presta trabalho nos dias de descanso semanal, ler-se-ia que o pagamento em apreço deveria corresponder ao triplo da retribuição normal.
V. A Decisão em Recurso para além de encontrar total sustentação na letra da lei, encontra-a também na jurisprudência unânime do Tribunal de Última Instância de Macau, nos Acórdãos proferidos no âmbito dos processos n.º 40/2009, n.º 58/2007 e n.º 28/2007 e, bem assim, naquele que foi já entendimento unânime no Tribunal de Segunda Instância no Acórdão de 29/03/2001 no processo n.º 46/2001, para cuja fundamentação se remete.
VI. Se o trabalhador já recebeu a remuneração só terá de receber o “equivalente a 100% dessa mesma remuneração a acrescer ao salário já pago” (neste sentido vide “Manual de Formação de Direito do Trabalho em Macau”, Miguel Pacheco Arruda Quental, págs. 283 e 284).
VII. O Recorrente não tem razão no recurso que apresenta, devendo o mesmo ser considerado totalmente improcedente.
Assim, e nestes termos, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá o Recurso a que ora se responde ser julgado improcedente, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”

  Foram colhidos os vistos.
  
  Cumpre, assim, apreciar e decidir.
  
II. FUNDAMENTAÇÃO
  
  1. FACTOS
  
  A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
1. Entre 19/08/2006 e 20/07/2016, o Autor esteve ao serviço da Ré (B), prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (A)
2. O Autor foi recrutado pela Sociedade C – Serviço de Apoio e Gestão Empresarial Cia, Lda. – e, exerceu a sua prestação de trabalho ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços n.º 2/2003. (B)
3. O referido Contrato de Prestação de Serviços foi sucessivamente objecto de apreciação, fiscalização e aprovação por parte da Entidade Pública competente. (C)
4. Durante toda a prestação de trabalho, o Autor sempre respeitou os períodos e horários de trabalho fixados pela Ré. (D)
5. Durante o período que prestou trabalho, a Ré pagou ao Autor a quantia de HK$ 7,500.00, a título de salário de base mensal. (E)
6. Resulta do ponto 3.4. do Contrato de Prestação de Serviços ao abrigo do qual o Autor foi autorizado a prestar trabalho para a Ré, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) “(…) um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço”. (1.º)
7. Durante todo o período em que o Autor prestou trabalho, o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte da Ré. (2.º)
8. Entre 19/08/2006 e 31/07/2010, a Ré (B) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade. (3.º)
9. Entre 19/08/2006 e 31/12/2008, o Autor prestou a sua actividade de segurança durante os 6 dias de feriados obrigatórios (1 de Janeiro, Ano Novo Chinês (3 dias), 1 de Maio e 1 de Outubro) – no total de 13 dias, por forma a garantir o funcionamento contínuo e diário dos vários Casinos operados pela Ré (B). (4.º)
10. Durante o referido período de tempo, a Ré (B) nunca pagou ao Autor uma qualquer quantia adicional (leia-se, um qualquer acréscimo salarial) pelo trabalho prestado nos referidos dias de feriado obrigatórios. (5.º)
11. Entre 19/08/2006 e 31/07/2010, a Ré procedeu a uma dedução no valor de HK$750.00 sobre o salário mensal do Autor, a título de “comparticipação nos custos de alojamento”. (6.º)
12. A referida dedução no salário do Autor era operada de forma automática, e independentemente de o trabalhador (leia-se, do Autor) residir ou não na habitação que lhe era providenciada pela Ré e/ou pela agência de emprego. (7.º)
13. Entre 19/08/2006 e 31/12/2008, por ordem da Ré (B), o Autor estava obrigado a comparecer no seu local de trabalho, devidamente uniformizado, com, pelo menos, 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno, tendo aí permanecido às ordens e às instruções dos seus superiores hierárquicos. (8.º)
14. Durante o referido período de tempo, tinha lugar um briefing (leia-se, uma reunião) entre o Team Leader (leia-se, Chefe de turno) e os “guardas de segurança”, na qual eram inspecionados os uniformes de cada um dos guardas e distribuído o trabalho para o referido turno, mediante a indicação do seu concreto posto dentro do Casino. (9.º)
15. Durante o briefing (leia-se, reunião) o Team Leader informava os guardas a respeito de alguma questão de segurança que pudesse ter acontecido no turno anterior, ou da necessidade de participação em qualquer evento especial. (10.º)
16. Entre 19/08/2006 e 31/12/2008, o Autor prestou 691 dias de trabalho efectivo, tendo comparecido com 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno. (11.º)
17. Entre 19/08/2006 e 31/12/2008, a Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia (normal e/ou adicional) pelo período de tempo que antecedia o início de cada um dos turnos. (12.º)
18. Entre 19/08/2006 e 31/12/2008, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré (B) num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos, a que se seguia um período de vinte e quatro horas de descanso, em regra no oitavo dia, que antecedia a mudança de turno. (13.º)
19. O Autor gozou de 24 dias de férias por cada ano civil, concedidas e organizadas pela Ré. (14.º)
20. Entre 19/08/2006 e 31/12/2008, o Autor prestou 98 dias de trabalho ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho. (15.º)
21. A Ré nunca atribuiu ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado no sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivo. (16.º)
22. A Ré pagou sempre ao Autor o salário correspondente ao trabalho prestado nos dias de descanso semanal em singelo, caso este tenha trabalhado em tal dia. (17.º)

  2. DO DIREITO
  
  Sendo o objecto do recurso apenas a parte da decisão relativa ao cálculo da remuneração devida pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, mostra-se oportuno reproduzir aqui o que naquela a respeito se referiu.
  Compensação pelo trabalho prestado após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias (Compensação pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal)
  O Autor ainda pretende ser indemnizado pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal no período decorrido entre 19/08/2006 e 31/12/2008.
  Ficou provado que entre 19/08/2006 e 31/12/2008, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré (B) num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos, a que se seguia um período de vinte e quatro horas de descanso compensatório, em regra no oitavo dia, que antecedia a mudança de turno. No concreto, o Autor prestou 98 dias de trabalho efectivo junto da Ré no sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivo, mas a Ré nunca atribuiu ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado no sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivo.
  O artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M de 3 de Abril dispõe, no seu n.º1, que todos os trabalhadores têm o direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26.º.
  O artigo 18.º do mesmo Decreto-Lei prevê as excepções do referido artigo: sempre que, em função da natureza do sector de actividade, se revele inviável a observância do n.º 1 do artigo anterior, deverá ser concedido aos trabalhadores um descanso consecutivo de quatro dias por cada conjunto de quatro semanas ou fracção, o qual não deverá ser inferior ao que resultaria de uma média semanal de 24 horas.
  No caso em apreço, mesmo que considerando a natureza do sector de actividade (guarda de segurança), a Ré concedeu ao Autor um descanso consecutivo de vinte e quatro horas, após cada sete dias de trabalho consecutivos, obviamente não se verificando o disposto no artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M. Assim, tem que se considerar que o Autor prestou trabalho junto da Ré em dia de descanso semanal nos termos do artigo 17.º, n.º1 do mesmo Decreto-Lei.
  O n.º6 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 32/90/M de 9 de Julho, dispõe, pois, que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deve ser pago: a) aos trabalhadores que auferem salário mensal, pelo dobro da retribuição normal.
  Então, deve calcular os valores da indemnização a título de trabalho prestado em dia de descanso semanal, segundo a fórmula: (Salário diário) x (n.º de dias devidos e não gozados) x 2.
  Há, todavia, que ponderar a circunstância de a Ré ter pago o valor em singelo, pelo que aos valores apurados se tem de deduzir o montante pago em singelo pela Ré1, sob pena de estar o Autor a ser pago, não pelo dobro, mas pelo triplo do valor diário devido, o que a lei manifestamente não prevê2.
  Vejamos, então, quais os valores que deveriam ter sido pagos a este trabalhador e não foram, partindo dos valores de retribuição diários que lhe eram devidos, segundo a fórmula (Salário diário) x (n.º de dias devidos e não gozados):
Período
Salário diário
N.º de dias não gozados
Quantia indemnizatória
19/08/2006 a 31/12/2008
HKD$250.00
98
MOP$25,235.00
  Assim deve a Ré pagar ao Autor a quantia de MOP$25,235.00 pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal.
*
  Na parte sob recurso a sentença recorrida seguiu o entendimento de que o trabalho prestado em dia de descanso semanal era remunerado pelo dobro, considerando que a aplicação do factor de multiplicação 2 inclui a remuneração normal devida por esse dia, pelo que, tendo o Autor/Recorrente sido pago por esse dia e tendo trabalhado em dia de descanso semanal, havia apenas que receber mais o valor correspondente a um dia de trabalho.
  Contudo, não tem sido esse o entendimento sufragado por este Tribunal de Segunda Instância.
  Consagra o artº 17º do Decreto-Lei nº 24/89/M, na redacção introduzida pelo nº 32/90/M o seguinte:
«Artigo 17º
(Descanso semanal)
  1. Todos os trabalhadores têm o direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26º
  2. O período de descanso semanal de cada trabalhador será fixado pelo empregador, com devida antecedência, de acordo com as exigências do funcionamento da empresa.
  3. Os trabalhadores só poderão ser chamados a prestar trabalho nos respectivos períodos de descanso semanal:
  a) Quando os empregadores estejam na eminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior;
  b) Quando os empregadores tenham de fazer face a acréscimos de trabalho não previsíveis ou não atendíveis pela admissão de outros trabalhadores;
  c) Quando a prestação de trabalho seja indispensável e insubstituível para garantir a continuidade do funcionamento da empresa.
  4. Nos casos de prestação de trabalho em período de descanso semanal, o trabalhador tem direito a um outro dia de descanso compensatório a gozar dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho e que será imediatamente fixado.
  5. A observância do direito consagrado no nº 1 não prejudica a faculdade de o trabalhador prestar serviço voluntário em dia de descanso semanal, não podendo, no entanto, a isso ser obrigado.
  6. O trabalho prestado em dia de descanso semanal deve ser pago:
  a) Aos trabalhadores que auferem salário mensal, pelo dobro da retribuição normal;
  b) Aos trabalhadores que auferem salário determinado em função do resultado efectivamente produzido ou do período de trabalho efectivamente prestado, pelo montante acordado com os empregadores, com observância dos limites estabelecidos nos usos e costumes.».
  A questão que se coloca consiste em saber se quando a lei fala em “dobro da retribuição normal” está a pensar apenas em o trabalho ser pago pela retribuição normal que seria devida pelo dia de descanso acrescida do equivalente à remuneração devida por mais um dia, ou se se pretende dizer que o “trabalho” prestado em dia de descanso semanal é pago com a retribuição equivalente ao dobro do que aquilo que seria devido por um dia de trabalho normal, sem prejuízo do trabalhador continuar a ter direito a receber o valor que já era devido por esse dia em que devia ter descansado.
  Tem vindo a ser entendimento deste tribunal que a remuneração devida é igual ao dobro da remuneração normal., sem descontar o valor que é pago ao trabalhador por esse dia ainda que não trabalhasse.
  A respeito de descanso semanal referem José Bento da Silva e Miguel Quental, em Manual de Formação de Direito do Trabalho em Macau, 2006, que: «As razões que justificam a existência de um dia de descanso prendem-se com motivos de ordem física e psíquica (recuperar do desgaste provocado por uma semana de trabalho), de ordem familiar (aproveitar esse dia para conviver com a própria família) e também por razões de ordem social e cultural (esse período permite o convívio com amigos, a participação em manifestações de carácter público, ou para que o trabalhador possa tratar de assuntos do seu próprio interesse junto, por ex. de repartições públicas, etc.).
  A fixação do período de descanso semanal, nos termos do nº 2 do art. 17º, cabe ao empregador, e deve ser realizado (fixado) “com devida antecedência de acordo com as exigências de funcionamento da empresa”. Assim, e embora seja a entidade patronal quem tem o poder para determinar o dia de descanso semanal dos seus trabalhadores, tal fixação está, no entanto, subordinada às exigências de funcionamento da empresa, O que se compreende, atendendo a que no Território o normal é as empresas funcionarem todos os dias, inexistindo um dia de paralisação da actividade, logo torna-se necessário escalonar os dias de descanso semanal dos trabalhadores por forma a que a empresa se possa manter em funcionamento todos os dias da semana.
  Como se referiu, a lei determina que o descanso semanal deve ser fixado com a “devida antecedência”: quer isto dizer que a entidade patronal deve avisar o trabalhador do seu dia de descanso com a antecedência suficiente, para que este possa organizar a sua vida de modo a poder usufruir efectivamente de todos os benefícios relacionados com o dia de descanso.».
  O trabalho prestado em dia de descanso semanal reveste carácter excepcional, ainda que seja voluntariamente prestado, sendo as normas respectivas de carácter imperativo.
  O trabalhador tem sempre o direito a receber a remuneração correspondente ao dia de descanso nos termos do artº 26º nº 1 do Decreto-Lei 24/89/M.
  Destarte, tem este tribunal vindo a entender que quando na al. a) do nº 6 do artº 17º do indicado diploma legal se diz que “o trabalho prestado em dia de descanso semanal deve ser pago (…) pelo dobro” se está a consagrar o valor remuneratório do trabalho efectivamente prestado e indisponibilidade de gozar o dia de descanso semanal, independentemente e para além da remuneração desse dia à qual o trabalhador, como já se referiu, sempre teria direito.
  Em igual sentido se disse no Acórdão deste tribunal de 27.02.2020 proferido no processo 1247/2019: «Não faria, aliás, sentido que fosse de outra maneira. Na verdade, se o trabalhador, mesmo sem prestar serviço nesse dia de descanso (v.g., domingo), sempre auferiria o correspondente valor (a entidade patronal não lho poderia descontar, visto que o salário é mensal), não faria sentido que, indo trabalhar nesse dia, apenas passasse a receber em singelo o trabalho efectivamente prestado. Seria injusto que apenas se pagasse ao trabalhador esse dia de serviço, que deveria ser de folga e descanso. Que vantagem teria então o trabalhador por prestar serviço a um domingo, se, além do que receberia mesmo sem trabalhar, apenas lhe fosse pago o valor do trabalho efectivamente prestado nesse dia de folga como se tratasse de um dia normal de trabalho?!
  Por isso é que o legislador previu que o trabalho efectivamente prestado nesses dias pelo trabalhador, além do valor que já lhes seria devido em qualquer caso, fosse compensado em dobro pelo valor da retribuição normal diária. Quando a lei fala em dobro refere-se, obviamente, à forma de remunerar esse serviço efectivamente prestado nesses dias de descanso, sem prejuízo, como é bom de ver, do valor da remuneração a que sempre teria direito correspondente a cada um desses dias de descanso e que já recebeu.
  Significa isto, assim, que a 1ª instância não poderia ter descontado o valor em singelo já recebido pelo Recorrente.
  Trata-se, da interpretação que tem vindo a ser seguida de forma quase uniforme por este TSI, onde se entende que a fórmula correcta para compensar o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser a seguinte: salário diário X nº de dias devidos e não gozados X 2.».
  Assim sendo, sem necessidade de outras considerações e sendo esta a Jurisprudência consagrada de forma unânime nos Acórdãos proferidos por este tribunal, impõe-se decidir em conformidade, revogando a decisão recorrida nesta parte e substituindo-a por outra que respeite a indicada forma de cálculo da remuneração devida pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal.
  Da factualidade apurada resulta que o salário mensal do Autor era de HKD7.500,00 (5) e este prestou trabalho em 98 dias de descanso semanal (20), pelo que, lhe é devida a remuneração igual a HKD49.000,00 (HKD7.500,00:30x2x98), equivalente a MOP50.470,003.
  
III. DECISÃO
  
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos decide-se em conceder provimento ao recurso interposto pelo Autor, revogando a sentença recorrida na parte respeitante à compensação pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, condenando a Ré por essa razão a pagar ao Autor o montante de MOP50.470,00 acrescida dos juros moratórios fixados nos termos daquela decisão a qual em tudo o mais se mantém.
  
  Custas pela Ré/Recorrida.
  
  Registe e Notifique.
  RAEM, 30 de Julho de 2020
   Rui Pereira Ribeiro
   Lai Kin Hong
   Tong Hio Fong
(Vencido quanto à fórmula adoptada na compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, por entender que, sendo o trabalho prestado nesses dias pago pelo “dobro da retribuição” (cfr. se refere na alínea a) do nº 6 do artigo 17º do DL nº 24/89/M), este “dobro” seria constituído por um dia de salário normal (ao qual o trabalhador teria sempre direito mesmo que não prestasse trabalho) mais um dia de acréscimo. Provado que o Autor já recebeu da Ré ora sua entidade patronal o salário diário em singelo, teria apenas mais um dia de salário pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal, sob pena de o Autor, salvo o devido respeito, incluindo o dia de descanso compensatório previsto no n.º 4 do artigo 17.º a que tem direito, estar a receber um acréscimo salarial correspondente ao “triplo” da retribuição normal.
Pelo que não merece, a meu ver, reparo a fórmula adoptada pelo Tribunal recorrido para cálculo da compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal.)
   

1 Cf., neste preciso sentido, Acórdão do TUI de 27 de Fevereiro de 2008, onde, avaliando uma situação semelhante envolvendo a aqui Ré nos presentes autos, afirma: « ... tem razão a Ré ao dizer que o autor já recebeu o salário normal correspondente ao trabalho nesses dias de descanso, pelo que, agora, só tem direito a outro tanto, e não ao dobro, como se decidiu no Acórdão recorrido, que não explica, aliás, porque não levou em conta o salário já pago. E que está em causa o pagamento do trabalho em dia de descanso semanal, pelo dobro da retribuição normal, mas o autor foi pago já em singelo.» Temos conhecimento do sentido adoptado a este respeito pelo Tribunal de Segunda Instância, nomeadamente, no Acórdão tirado nos autos de Processo 138/2011, com o qual, no entanto, sempre salvaguardando o seu douto entendimento, não concordamos.
2 Cremos, sempre salvaguardando opinião contrária, que a previsão constante do art. 43.°, n.º 2, 1) da Lei n.º 7/2008, de 18/8/2008, traduz uma clarificação muito relevante a este respeito, tornando mais clara ainda a orientação legislativa, no sentido de compensar o trabalhador pela prestação do trabalho em dia que seria de descanso com um dia (e não dois) de remuneração de base; não seria muito compreensível, num território que se aproxima paulatinamente de novos padrões normativos, que, nesta matéria, sinalizasse um retrocesso tão drástico relativamente ao diploma anterior.
3 Pela aplicação do factor 1,03.
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622/2020 CÍVEL 1