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Processo nº 276/2020
(Autos de Recurso Cível e Laboral)

Data do Acórdão: 10 de Setembro de 2020

ASSUNTO:
- Documento com força executiva (título executivo) e portador do título cuja identidade é diferente da mencionada no respectivo título.
- Admissibilidade de provas da titularidade do crédito incorporado no título.

SUMÁRIO:
- Se o nome do credor existente nos títulos não é o do Exequente, e se este, detentor do título dado à execução, alega factos justificativos da titularidade do crédito incorporado no título (factos constitutivos da sucessão dos créditos exequendos), não pode a circunstância de não figurar no título como tal levar a indeferir-se liminarmente a execução com o fundamento de que o Exequente não goza de legitimidade activa, face ao disposto nos arts. 58º, 68º, 394º, nº 1, al. c), 677º, al. c), 695º, nº 1, todos do CPC -, devendo dar-se ao Exequente a possibilidade de demonstrar a aquisição do crédito alegado.

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Rui Pereira Ribeiro
















Processo nº 276/2020
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 10 de Setembro de 2020
Recorrente: A
Recorrido: B
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ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
  
I. RELATÓRIO

A, com os demais sinais dos autos,
Instaurou execução contra
  B, também, com os demais sinais dos autos,
  alegando ter celebrado um contrato com uma concessionário de jogo segundo o qual havia sido autorizado a conceder crédito para jogo na Sala VIP E, ao abrigo do qual o Executado contraiu um empréstimo em fichas de jogo no valor indicado, o qual não pagou, vem o Exequente pedir a cobrança coerciva do seu crédito.
  Por despacho de indeferimento liminar foi o requerimento executivo rejeitado com base na ilegitimidade activa do Exequente por não ser quem no título figurava como credor.
  Não se conformando com a decisão proferida veio o Exequente recorrer da mesma, apresentando as seguintes conclusões:
1. O presente recurso tem por objecto o despacho proferido pelo MM.º Juiz do 3.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base em 8 (sic) de Julho (sic) de 2019, a fls. 70 (sic) dos autos, que decidiu indeferir liminarmente o requerimento inicial da execução do Recorrente e rejeitar o processo de execução.
2. A decisão do Tribunal a quo entendeu que a acção executiva deve ser promovida pela pessoa que no título executivo figura como credor, sob pena de ilegitimidade activa para intentar a acção executiva, e do título executivo do presente processo consta expressamente que o credor é a “C Ld.”, mas, o presente processo de execução foi promovido pelo Recorrente que declara possuir a referida sociedade, pelo que, julgou que o Recorrente não tem legitimidade para intervir no processo de execução e em consequência decidiu indeferir liminarmente o requerimento executivo formulado pelo Recorrente.
3. Porém, a jurisprudência dominante de Macau entende que a legitimidade processual activa não é considerada condição substantiva da acção. Dito de outra maneira, a legitimidade não é encarada legitimidade-condição, ligada ao fundo ou mérito da causa, mas mero pressuposto processual. O que importa é olhar para a forma como se encontra configurada a causa de pedir, isto é, como a relação material controvertida é configurada, independentemente da titularidade da posição jurídica substantiva.
4. Quanto às disposições legais da legitimidade no processo de execução, para além de aplicar os artigos 68.º e s.s. do Código de Processo Civil que prevêem a “legitimidade em matéria de execuções”, tal Código não exclui a aplicação das “disposições legais” previstas nos artigos 58.º e s.s..
5. Assim sendo, o juízo da legitimidade processual se baseia na versão da relação material controvertida apresentada pelo exequente. Através dos factos alegados pelo Recorrente no requerimento inicial da execução, pode-se saber claramente que o Recorrente é o sujeito da relação material controvertida do presente processo, pelo que, o Recorrente tem legitimidade processual activa.
6. Da causa de pedir delimitada pelo Recorrente no requerimento inicial da execução resulta que desde a celebração do “contrato de concessão de crédito temporária” com a D em 17 de Maio de 2005, o Recorrente começou a explorar legalmente a Sala VIP “E”, e em 29 de Outubro de 2005, quando concedeu o empréstimo ao Recorrido e o Recorrido assinou ao Recorrente a “declaração de dívida” (isto é, o título executivo do presente processo), o Recorrente declarou expressamente ser operador efectivo da Sala VIP “E”. Daí, pode-se ver que é indubitavelmente que o Recorrente é o credor da relação jurídica no título executivo.
7. Contrariamente, o “C” é um grupo de jogo estabelecido pelo Recorrente na década de 90 do século passado, o “grupo de jogo” ou o “grupo” não tem qualquer personalidade jurídica, o Recorrente explorava em seu nome próprio a actividade da Sala VIP no casino em colaboração com a “F”, tendo aberto e explorado várias salas VIP no Casino do Hotel Lisboa, incluindo a “Sala VIP E” em causa, em vez de sociedade “C, Limitada” referida no despacho recorrido que já foi estabelecida na altura.
8. Porém, tanto na tradução do ponto 3 do requerimento inicial da execução como na tradução do título executivo envolvido no caso, a expressão “C” foi traduzida para “C, Limitada” e literalmente para “C Limitada”, pelo que, o Tribunal a quo entendeu que o Executado (doravante designado por “Recorrido”) contraiu a referida dívida junto da C, Limitada dotada de personalidade jurídica e em consequência reconheceu que só esta sociedade é a credora da dívida constante do referido título executivo. Assim sendo, o Recorrente não exclui que o despacho recorrido entendeu erradamente a relação entre o Recorrente e o “C” devido ao erro na tradução acima referido.
9. Porém, na data da dívida constante do título executivo, isto é, 17 de Dezembro de 2005, o Recorrente operava efectivamente em seu nome próprio a Sala VIP “E” situada no XX.º andar da XX do XX de Macau, em vez de possuir a Sala VIP “E” em nome de qualquer sociedade.
10. O mais importante é que o Recorrente estava habilitado a exercer a actividade de concessão de crédito prevista no artigo 3.º n.º 2 da Lei n.º 5/2004 mediante o “contrato de concessão de crédito temporária” celebrado com a D em 17 de Maio de 2005, pelo que, no presente caso, o empréstimo concedido pelo Recorrente ao Recorrido é legal, gerando a obrigação civil.
11. De facto, ao intentar o presente processo de execução, o Recorrente apresentou ainda o “contrato de concessão de crédito temporária” celebrado entre si e a D em 17 de Maio de 2005, no sentido de comprovar que esta autorizou o Recorrente a exercer, em nome de promotor de jogo e no seu interesse, a actividade de concessão de crédito para jogo ou para aposta em casino na Sala VIP “E”, pelo que, não é procedente o fundamento que o despacho recorrido teve por base ao entender que o Recorrente carece de documento para comprovar os factos por si invocados.
12. Mesmo que não se concorde com o entendimento acima referido, a jurisprudência de Macau também referiu que a acção executiva exige que o exequente só possa intentar a execução quando possui o título executivo legal, enquanto o executado pode opor-se à execução por embargos. Assim, sob o pressuposto de possuir a referida declaração de dívida assinada pelo embargante, deve incumbir ao embargante o ónus de indicar e provar que o conteúdo constante da referida declaração de dívida não corresponde à verdade, isto é, deve caber ao embargante o ónus de provar a inexistência da referida dívida. Assim sendo, o Recorrente entende que o Tribunal a quo deve citar o Recorrido para este deduzir tempestivamente os embargos para opor-se ao presente processo de execução quando entende que o Recorrente não é o credor da referida dívida ou não existe a referida dívida, pelo que, o presente processo não corresponde ao pressuposto do indeferimento liminar da petição inicial.
13. Pelos acima expostos, através da causa de pedir configurada pelo Recorrente e em conjugação com o Doc. 10 do requerimento inicial da execução, pode-se entender suficientemente que o Recorrente tem legitimidade para intentar o presente processo de execução, ou, pelo menos, não é manifesta a falta de legitimidade do Recorrente para intentar o referido processo de execução. Salvo o devido respeito, o Recorrente entende que a decisão do Tribunal a quo violou o artigo 58.º do Código de Processo Civil, enfermando do vício de aplicação errada do artigo 695.º n.º 1 em conjugação com o artigo 394.º n.º 1 alínea c) do Código de Processo Civil.
  Contra-alegando veio o Executado, ora Recorrido, apresentar as seguintes conclusões:
1. Nos pontos 1 a 5 da conclusão da petição do recurso, o Recorrente referiu ser sujeito da relação material controvertida da dívida, por isso, mesmo que o Recorrente efectivamente não seja titular de posição jurídica substantiva, ele ainda tem legitimidade para intentar a acção.
2. Salvo o devido respeito, o Recorrido não concorda com o entendimento do Recorrente mas concorda totalmente com a decisão do Tribunal a quo que indeferiu liminarmente a petição inicial.
3. Conforme a doutrina geral, “O título executivo é a causa de pedir e a base da aquisição do direito. O título executivo é condição necessária (a acção executiva só pode ser promovida quando tem o título executivo) e condição suficiente (faz presumir a existência da obrigação mediante o título executivo) para, pelo menos, intentar a acção executiva”.
4. Porém, sintetizando o conteúdo da “declaração de dívida” constante do Doc. 14 do requerimento executivo apresentado pelo Recorrente ao Tribunal que serve de título executivo, só se revela a expressão “E” ou “C – E”, não se verificando o nome do Recorrente A.
5. Tal como referido pelo despacho recorrido, o credor que figura no referido título executivo é a “C Ld.”, pelo que, o juiz do Tribunal a quo entendeu que o Recorrente não tem legitimidade para intentar o presente processo de execução. Face a isso, o Recorrido concorda muito com o conteúdo do despacho proferido pelo juiz do Tribunal a quo.
6. Nos pontos 6 a 13 da conclusão da petição do recurso, o Recorrente referiu que desde a celebração do “contrato de concessão de crédito temporária” com a concessionária de jogo em 17 de Maio de 2005, o Recorrente começou a explorar legalmente a Sala VIP “E”, e o “C” é um grupo de jogo estabelecido pelo Recorrente na década de 90 do século passado, o “grupo de jogo” ou o “grupo” não tem qualquer personalidade jurídica e o Recorrente explorava em seu nome próprio a actividade da sala VIP no casino em colaboração com a “F”.
7. O Recorrente mais referiu que não exclui que o despacho recorrido entendeu erradamente a relação entre o Recorrente e o “C” devido ao erro na tradução.
8. Porém, como é sabido, para comprovar juridicamente a existência de uma sociedade e se tem legitimidade activa ou passiva, isto deve ser comprovado por certidão emitida pela Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis de Macau ou pela Direcção dos Serviços de Finanças de Macau.
9. O Recorrido duvida muito que o Recorrente alegou que o C é um “grupo de jogo” por ele estabelecido na década de 90 do século passado, quando se ouve o “grupo de jogo” ou “grupo”, a impressão é a de se tratar de uma sociedade com certa dimensão, muito menos o Recorrente alegou que o referido C é um grupo de jogo, porém, porque é que o Recorrente não procedeu ao seu registo na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis de Macau ou na Direcção dos Serviços de Finanças de Macau? Porque é que o Recorrente deixou que o C com certa dimensão por si estabelecido não tivesse personalidade jurídica?
10. É de salientar que, no caso em apreço, sintetizando os documentos apresentados pelo Recorrente ao Tribunal, parece que tais documentos não podem provar que o Recorrente A tem qualquer relação com o “C” ou o “Clube Ouro” ou o “E”.
11. Na conclusão da petição de recurso, o Recorrente salientou constantemente que ele celebrou o “contrato de concessão de crédito temporária” com a D em 17 de Maio de 2005, razão pela qual ele é o operador efectivo da Sala VIP “E”, e através do referido contrato, ele estava habilitado a exercer a actividade de concessão de crédito, pelo que, o empréstimo concedido pelo Recorrente ao Recorrido é legal, gerando a obrigação civil.
12. Quanto a isso, o Recorrido não pode dar a sua concordância e questiona fortemente que conforme a lógica do pensamento do Recorrente, se implica que qualquer sujeito que celebrou o “contrato de concessão de crédito temporária” com a concessionária de jogo pode declarar ser o operador efectivo da Sala VIP “E” e assim é o credor da relação de crédito? (O Recorrido opõe-se fortemente a isso e não pode dar a sua concordância)
13. Quanto à legitimidade em matéria de execuções, ao abrigo do artigo 68.º n.º 1 do Código de Processo Civil de Macau que prevê a determinação da legitimidade “a execução é promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que nele tenha a posição de devedor.”
14. Mais ainda, os documentos apresentados pelo Recorrente revelam que o Recorrente sabia perfeitamente que ele não é o titular do registo comercial da empresa “E” que figura como credora no título executivo ou o portador desta, pelo que, o Recorrente chegou a tentar comprovar que ele é o credor da dívida do presente processo mediante o “contrato de concessão de crédito temporária”, documento esse que não tem força probatória.
15. Pelos acima expostos, o Recorrente não é o credor que figura no título executivo, pelo que, ele não tem legitimidade activa para a acção executiva.
  
  Foram colhidos os vistos legais.
  
  Cumpre assim apreciar e decidir.
  
II. FUNDAMENTAÇÃO
  
1. Dos Factos
  
  Do título executivo com base no qual foi instaurada a execução consta:
  «Recibo de crédito E vv – 02 06XX8
Data: 17/12/2005
  2h36
  O Sr./A Sr.ª B pediu ao C Limitada – E um crédito de:
  HKD: cinco milhões de dólares de Hong Kong (HK$5.000.000,00)
  N.B.:
  Trata-se de um crédito provisório, podendo ser reembolsado a qualquer altura.
  (Ass.) vide original.
  
  Testemunha: (Ass.) vide original. Creditado: (Ass.) vide original
  (Macau, XX, XX.º andar)»
  
2. Do Direito
  
  É o seguinte o teor do despacho objecto deste recurso:
  «É dado consabido que a execução tem sempre por base um título, sendo com base nele que se determina o respectivo fim e limites.
  Quer isto significar que é pelo seu conteúdo ou contexto intrínseco que se há-de determinar a espécie de prestação e da execução que lhe corresponde, o quantum dela e se fixará a legitimidade activa e passiva para a acção executiva.
  Nos termos do artº 68º nº 1 do C.P.C. a execução é promovida pela pessoa que no título figure como credor, sob pena de ilegitimidade processual activa.
  No caso vertente foi dado à execução um título que identifica como credor a sociedade C Lda. Não obstante executou-se quem surge a executar é um cidadão singular, alegadamente titular daquela sociedade A – cfr. artº 3º da p.i.
  Por ser assim, é o exequente parte ilegítima, donde o indeferimento liminar do requerimento inicial.
  Pelo exposto rejeito a execução – artº 695º nº1, 1ª parte, a contrário sensu, do CPC.
  Custas pelo exequente.»
  
  Sobre questão idêntica à destes autos e relativamente ao mesmo exequente foram já proferidas várias decisões por este Tribunal, nomeadamente nos processos 1242/2019 e 435/2020 com Acórdãos de 27.02.2020 e 09.07.2020, respectivamente.
  No último destes Acórdãos se decidiu que:
  «Está em discussão um documento apresentado pelo Exequente em que este não figura como credor, o qual serve de base da execução. Questiona-se, poderá instaurar directamente a execução o portador/Exequente deste documento?
  A propósito do título executivo refere Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, vol. 1, 2ª ed., Coimbra Editora, pág. 88:
  “O título executivo constitui pressuposto de carácter formal da acção executiva, destinado a conferir à pretensão substantiva um grau de certeza reputado suficiente para consentir a subsequente agressão patrimonial aos bens do devedor. Constitui, assim, a base da execução, por ele se determinando o tipo de acção e o seu objecto (nº 1), assim como a legitimidade activa e passiva para a acção (art. 55º-1).
  O objecto da execução tem de corresponder ao objecto da situação jurídica acertada no título, o que requer a prévia interpretação deste. (…)
  É também pelo título que se determina o quantum da prestação. (…)”.
  Ora, nesta matéria, a evolução legislativa vai num sentido mais permissivo, autorizando que, em certas condições, mesmo que o credor não figure no documento/título como credor, pode com base nele propor acção executiva, desde que alegue os factos de sucessão de crédito ou obrigações. É justamente o que o artigo 68º (nº 3) (Determinação da legitimidade) do CPC estipula e autoriza:
  1. A execução é promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que nele tenha a posição de devedor.
  2. Se o título for ao portador, é a execução promovida pelo portador do título.
  3. Tendo havido sucessão no direito ou na obrigação, têm legitimidade os sucessores das pessoas que no título figuram como credor ou devedor da obrigação exequenda, mencionando-se no próprio requerimento inicial da execução os factos constitutivos da sucessão.
  4. A execução por dívida provida de garantia real sobre bens de terceiro pode seguir directamente contra este, se o exequente pretender fazer valer a garantia, sem prejuízo de poder desde logo ser também demandado o devedor.
  5. Quando a execução tenha sido movida apenas contra o terceiro e se reconheça a insuficiência dos bens onerados com a garantia real, pode o exequente requerer, no mesmo processo, o prosseguimento da acção executiva contra o devedor, que é citado para completa satisfação do crédito exequendo.
  6. Estando os bens onerados do devedor na posse de terceiro, pode este ser desde logo demandado juntamente com o devedor.
  O nº 3 corresponde exactamente ao artigo 56º/1 do CPC de Portugal.
  No caso em apreciação, o que o Exequente/Recorrente veio a fazer mediante alegações extensivas constantes do seu requerimento inicial é justamente tentar justificar a titularidade do crédito exequendo. Ou seja, foram alegadas relações subjacentes à titularidade do crédito que pretende executar mediante a respectiva acção em causa.
  Acresce ainda uma particularidade neste caso: está em causa um documento o documento particular, elaborado com base no Regulamento Administrativo nº 6/2002, de 1 de Abril (alterado pelo Regulamento Administrativo nº 27/2009, de 10 de Agosto) (que regula a actividade de promoção de jogos de fortuna ou azar em casino) por pessoa devidamente licenciada, em que uma pessoa reconhece ser devedora a outra (ambas identificadas) de determinada obrigação pecuniária, nos termos do artigo 677º, al. c), do CPC.
  Aliás, num caso semelhante, decidido por este TSI, foi seguida também uma posição permissiva ao nível da interpretação do artigo 68º do CPC (Proce. Nº 787/2014, de 12/03/2015):
  I. É título executivo o documento particular em que uma pessoa reconhece ser devedora a outra (ambas identificadas) de determinada obrigação pecuniária, nos termos do art. 677º, al. c), do CPC.
  II. Se o nome do credor existente nos títulos é apresentado de forma simplificada como sendo C, e se a exequente, detentora dos títulos dados à execução, inclui essa identidade no seu nome, não pode essa simples circunstância específica de identidade levar ao indeferimento liminar - com o fundamento de que tal nome é muito comum na população chinesa e que, assim, ela não goza de legitimidade activa, face ao disposto nos arts. 58º, 68º, 394º, nº1, al. c), 677º, al. c), 695º, nº1, todos do CPC - devendo dar-se à executada a possibilidade de suscitar a ilegitimidade, dizendo, por exemplo, que não a reconhece como sua credora, que não a conhece sequer pessoalmente, que nunca lhe pediu dinheiro emprestado, etc., etc.
  Aí pronunciou-se da seguinte forma:
  “(…) 3 – Em todo o caso, o despacho sob censura também pode encobrir ou validar a ideia de que o que está em jogo é a ilegitimidade do credor/exequente por não haver necessariamente coincidência entre a identidade do exequente e a do credor referido em cada um dos títulos.
  Todavia, se esse tiver sido o pensamento subjacente no despacho ora criticado, então nem por via dessa justificação se acolheria a decisão tomada.
  É que ao aceitar que o apelido “C” é tão lato e comum que pode abranger muitas pessoas com C no nome, então está o próprio despacho a admitir que a exequente possa ser uma delas. Ou seja, a fundamentação utilizada no despacho, em vez de ser excludente do nome da executada, também pode ser inclusiva, no sentido de a poder abranger.
  Ora, basta que esta possibilidade esteja em cima da mesa, para não ser aceitável que o tribunal exclua, à partida, a legitimidade à exequente para a instauração da execução. (sublinhado nosso)
  É que, como bem se sabe, a legitimidade activa não é considerada condição substantiva da acção. Dito de outra maneira, a legitimidade não é encarada legitimidade-condição, ligada ao fundo ou mérito da causa, mas mero pressuposto processual. O que importa é olhar para a forma como se encontra configurada a causa de pedir, isto é, como a relação material controvertida é configurada, independentemente da titularidade da posição jurídica substantiva. (sublinhado nosso)
  E isso, se já resulta da noção de legitimidade plasmada no art. 58º do CPC, não está posto em causa na determinação da legitimidade prevista no art. 68º, especificamente dedicado à legitimidade activa e passiva na execução.
  Portanto, se o nome inscrito nos títulos cobre o nome da exequente e se esta deles é possuidora - tanto assim que os deu à presente execução – então não se vê razão para o tribunal negar desde logo legitimidade activa àquela, em vez de dar a voz e a palavra à executada para pessoalmente se defender dizendo, por exemplo, que, na realidade, não a reconhece como sua credora, que não a conhece sequer pessoalmente ou que nunca lhe pediu dinheiro emprestado, etc., etc. (coisa que, inclusive, podia ter feito na resposta ao recurso, mas que não foi capaz de fazer, preferindo abrigar-se à sombra de uma questão de ordem formal, dando até a impressão de com isso se querer eximir de uma aparente responsabilidade).
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  4 - Serve isto para dizer que, qualquer que seja a perspectiva por que se encare a fundamentação ínsita na decisão recorrida, o tribunal não aplicou correctamente o disposto nos arts. 58º, 68º, 394º, nº1, al. c), 677º, al. c), 695º, nº1, todos do CPC. (…)”.
  Mutatis mudantis, o raciocínio vale perfeitamente para o caso em apreciação. Logo, o despacho posto em crise não pode manter-se, o que tem por efeito o prosseguimento normal do processo, o Tribunal de 1ª instância não pode julgar procedentes os embargos com simples argumento da aparente “ilegitimidade” do Exequente/Embargado – pois, foi este único argumento invocado pelo Tribunal recorrido para julgar procedentes os embargos deduzidos pelo Executado/Embargante -, o mesmo se diga em relação ao processo principal (executivo), e deve proceder à análise de argumentos demonstrativos da sucessão ou transmissão da dívida para o Exequente, a não ser que alguma outra causa a tal obste.».
  Aderindo à Jurisprudência consagrada no citado Acórdão somos a entender de igual modo, e no sentido de que, a matéria alegada no artigo 3º e 12º a 18º do requerimento inicial da execução, exige maior indagação quanto à eventual sucessão/transmissão do direito de que o credor exequente se arroga ser titular, sem prejuízo de, e se assim se entender recorrer ao convite ao aperfeiçoamento nos termos do artº 397º do CPC.
  
III. DECISÃO
  
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, concedendo provimento ao recurso revoga-se o despacho recorrido o qual deve ser substituído por outro no sentido do prosseguimento dos autos se outras causas não obstarem a tal.
  
  Custas a final pela parte vencida.
  
  Registe e Notifique.
  RAEM, 10 de Setembro de 2020
  
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Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
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Lai Kin Hong
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Fong Man Chong


276/2020 CÍVEL 1