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Processo n.º 142/2020 Data do acórdão: 2020-9-3 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– erro notório na apreciação da prova
– art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal
S U M Á R I O
No caso dos autos, não se vislumbrando que seja manifestamente desrazoável o resultado do julgamento da matéria de facto feito pelo tribunal recorrido, é de respeitar o julgado desse tribunal, não podendo ter havido, pois, erro notório na apreciação da prova como vício aludido na alínea c) do n.o 2 do art.o 400.o do Código de Processo Penal.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 142/2020
Recorrente (arguido): A






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com a sentença proferida a fls. 139 a 143 do Processo Comum Singular n.o CR2-19-0280-PCS do 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, que o condenou como autor material de um crime de fuga à responsabilidade, p. e p. sobretudo pelo art.o 89.o da Lei do Trânsito Rodoviário, em quatro meses de prisão (suspensa na execução por dois anos), com inibição de condução por quatro meses (suspensa na execução por um ano, sob condição de prestação de cinco mil patacas de contribuição a favor da Região Administrativa Especial de Macau, e de apresentação de documento comprovativo, nos termos exigidos nessa sentença, da necessidade de condução do veículo automóvel do seu trabalho), veio o arguido A recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), assacando, na motivação apresentada a fls. 150 a 155 dos presentes autos correspondentes, àquela decisão condenatória o vício de erro notório na apreciação da prova aludido na alínea c) do n.o 2 do art.o 400.o do Código de Processo Penal (CPP), para rogar a absolvição dele daquele crime (por causa da alegada inverificação da intenção dele na prática do mesmo delito).
Ao recurso, respondeu a Digna Delegada do Procurador a fls. 157 a 160 dos presentes autos, no sentido de improcedência do recurso.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta, em sede de vista, parecer a fls. 169 a 170 dos autos, opinando pela manutenção da decisão recorrida.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cabe decidir do recurso.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se que a sentença ora recorrida ficou proferida a fls. 139 a 143, cuja fundamentação fáctica e probatória se dá por aqui integralmente reproduzida.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesse enquadramento, vê-se que o arguido ora recorrente imputou à decisão condenatória recorrida o vício de erro notório na apreciação da prova, defendendo ele que não tinha agido com intenção de praticar o crime de fuga à responsabilidade e que por isso devia passar a ser absolvido desse crime.
Sobre esse esgrimido vício de erro notório na apreciação da prova, é de relembrar, desde já, os seguintes preciosos ensinamentos veiculados no MANUAL DE PROCESSO CIVIL (2.ª Edição, Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1985, páginas 470 a 472), de autoria de ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA:
– < […]
Há, todavia, algumas excepções ao princípio da livre apreciação da prova, que constituem como que justificados resíduos do sistema da prova legal.
[…]
Mas convém desde já conhecer os diferentes graus de convicção do julgador criados pelos meios de prova e precisar o seu alcance prático.
Quando qualquer meio de prova, não dotado de força probatória especial atribuída por lei, crie no espírito do julgador a convicção da existência de um facto, diz-se que foi feita prova bastante – ou que há prova suficiente – desse facto.
Se, porém, a esse meio de prova um outro sobrevier que crie no espírito do julgador a dúvida sobre a existência do facto, a prova deste facto desapareceu, como que se desfez. Nesse sentido se afirma que a prova bastante cede perante simples contraprova, ou seja, em face do elemento probatório que, sem convencer o julgador do facto oposto (da inexistência do facto), cria no seu espírito a dúvida séria sobre a existência do facto.
Assim, se a parte onerada com a prova de um facto conseguir, através de testemunhas, de peritos ou de qualquer outro meio de prova, persuadir o julgador da existência do facto, ela preencheu o ónus que sobre si recaía. Porém, se a parte contrária (ou o próprio tribunal) trouxer ao processo qualquer outro elemento probatório de sinal oposto, que deixe o juiz na dúvida sobre a existência do facto, dir-se-á que ele fez contraprova; e mais se não exigirá para destruir a prova bastante realizada pelo onerado, para neutralizá-la […]>>.
No caso concreto dos autos, após vistos, em global e de modo crítico, os elementos probabórios referidos na fundamentação probatória da decisão recorrida, não se vislumbra que seja manifestamente desrazoável o resultado do julgamento da matéria de facto feito pelo Tribunal recorrido, pelo que é de respeitar o julgado desse Tribunal sentenciador, o qual, aliás, já explicou congruente e convincentemente, no terceiro parágrafo da página 5 do texto da sentença, a fl. 141, as razões por que entendeu que o arguido tinha agido com a postura de pretender fugir à responsabilidade.
Havendo, pois, que louvar a decisão recorrida nos termos permitidos pelo art.o 631.o, n.o 5, do Código de Processo Civil, ex vi do art.o 4.o do CPP, naufraga o recurso, sem mais abordagem por desnecessária ou prejudicada.
IV – DECISÃO
Em sintonia com o exposto, acordam em julgar não provido o recurso.
Custas do recurso pelo arguido, com duas UC de taxa de justiça, e duas mil patacas de honorários a favor do seu Ex.mo Defensor Oficioso.
Macau, 3 de Setembro de 2020.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Chao Im Peng
(Segunda Juíza-Adjunta)



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