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Processo n.º 915/2018
(Autos de recurso contencioso)

Data: 10/Setembro/2020

Recorrente:
- A

Entidade recorrida:
- Secretário para a Economia e Finanças

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
A, com sinais nos autos, notificado do despacho do Exm.º Secretário para a Economia e Finanças que lhe aplicou a pena disciplinar de suspensão de funções por um ano, dele não se conformando, interpôs o presente recurso contencioso de anulação de acto, formulando na petição de recurso as seguintes conclusões:
“一. 一般公共行政工作人員的紀律制度是一個具制裁性質的特別行政程序,因此在填補法律漏洞的過程中,如果在紀律程序法例內部已經無法找到類似情況,那麼便要求助於行政程序的規定和原則,在此之後才應該在不違背紀律程序的特殊性的前提上求助於刑事的規範和原則。在一般公共行政工作人員的紀律制度中,現行刑法(實體法)是可補充適用,但並不包括刑事訴訟法可補充適用。
二. 預審員 閣下認為錯誤適用刑事訴訟法從而再次展開第二次紀律程序,這是對有關法律的錯誤理解,因為本案情況不可以補充適用刑事訴訟法規定。由此,導致被上訴行為沾有《行政程序法典》第122條第2款f)項所規定的無效瑕疵。
三. 此外,《刑事訴訟法典》第431條第1款d)項規定並不適用於涉及“一事不兩審”的問題,因為面對相同事實作出兩次審判的情況,更為正確的解決方法是經《刑事訴訟法典》第4條補充適用《民事訴訟法典》第580條之規定。
四. 按照上述援引的中級法院司法見解,即使是在刑事訴訟程序中,違例者因同樣事實在另一案件中被判刑並不符合《刑事訴訟法典》第431條第1款a)、b)及c)項的要求,亦不屬於d)項所規定的事實或證據。
五. 而透過葡萄牙最高司法法院的多個判例亦排除了通過再審之訴作為解決問題的辦法,認為應補充適用《民事訴訟法》的相關規定來解決問題。
六. 在本案中,上訴人基於相同的事實而先後面臨兩次不同的紀律程序,前者作出的是歸檔決定,後者作出的行處罰決定,兩者之間明顯存在矛盾。
七. 按照澳門《民事訴訟法典》第580條之規定,無論是上訴人又或行政當局,均僅須遵守先前已進行的紀律程序於2009年11月5日所作出的歸檔決定。
八. 基於此,上訴人認為被上訴行為錯誤適用《刑事訴訟法典》第431條d)項以及《民事訴訟法典》第580條之法律規定,因而沾有《行政程序法典》第124條規定的可撤銷瑕疵。
九. 即使認為本紀律程序得適用《刑事訴訟法典》第431條第1款d)項之規定而進行再審,然而,除應有尊重外,上訴人亦認為參與本紀律程序的行政機關不具有聲請進行“再審”之正當性。
十. 《刑事訴訟法典》第431條及續後條文所規定的再審程序並不能透過審判者依職權作出審理或提起,而是必須應控、辯雙方的聲請而展開。
十一. 在本紀律程序中,既然作為“審判者”的勞工事務局局長 閣下在2009年的第一次紀律程序中對上訴人的紀律責任作出予以歸檔的裁定,那麼到了後來,即使其收到司法當局針對上訴人作出有罪判決的通知,亦不應該自己徑行決定命令再次展開紀律程序。否則,使違反了《刑事訴訟法典》第432條之規定。
十二. 基於命令展開第二次紀律程序的行政機關不具有依據《刑事訴訟法典》第432條之規定命令再次針對上訴人展開紀律程序的正當性,因此導致被上訴行為沾有《行政程序法典》第122條第2款b)項規定之無效瑕疵。
十三. 另一方面,根據上述援引的終審法院司法見解,第一審的紀律程序已經完成,即使出現新證據,也不可以提起第二次的紀律程序,這就現行法律制度的主流意見,也是澳門法院的立場。
十四. 第二次的紀律程序嚴重違反刑事主要原則,因而導致被上訴行為沾有《行政程序法典》第122條第2款f)項所規定的“絕對不依法定方式作出之行為”無效瑕疵。
十五. 倘若不認同上述,上訴人認為在法律原則上,初級法院的有罪判決與第二次紀律程序的審判材料基本上相用,而法院認定上訴人有罪的材料是證人證供,因此,並沒有出現所謂的新證據,並沒有適用刑事訴訟法第431條第1款d)項規定的前提。
十六. 故此,不能為此針對相同的違紀事實而提起第二次的紀律程序,這是違反一事不兩審的原則的,導致被上訴行為沾有《行政程序法典》第124條所規定的可撤銷瑕疵。
十七. ETAPM的紀律制度內有自身且一整套的時效規定,簡單來說,紀律程序進行中,則中止時效計算;紀律程序不存在或已完成,則追究責任的時效繼續計算。
十八. 刑事規定只是補充性適用於本個案的紀律程序。那麼,本司法上訴所針對的行政處罰在非補充的情況下,直接適用刑法典的整個時效規定,明顯是錯誤的,且對上訴人是完全不公平的。
十九. 根據ETAPM第289條規定和刑法典第110條第1款d)項規定,本個案上由違法行為停止之日開始計算,即2009年6月26日起開始計算追究違紀的時效,為期5年。
二十. 根據首次第04/ST/DSAL/2009號紀律程序進行日期共有52日,亦即停止計算追究時效的日子也是52日。故此,追究違紀責任的完成日期應由2014年6月25日順延52日,即2014年8月17日完成時效。
二十一. 按照ETAPM紀律制度內的規定,勞工事務局於2014年9月19日展開的第03-PD-2014號紀律程序,在展開那一天其針對的違紀行為的追究責任時效已過,應按照法律規定作歸檔處理。
二十二. 因此,上訴人於本案中的紀律責任已基於追訴時效的完全經過而消滅。
二十三. 經濟財政司辦公室顧問 閣下提交的報告改變了原有控訴書的處罰條文,上訴人從來亦沒有機會對最新的指控提出答辯,這屬於嚴重侵犯了上訴人的答辯權利,違反了保護答辯的原則。
二十四. 司法上訴所針對的行政處罰並沒有給予上訴人任何的答辦機會,違反了保護答辦的原則,是屬於無效且是不可補正的! 因而導致被上訴行為沾有《行政程序法典》第122條第2款d)項所規定的無效瑕疵。
二十五. 初級法院卷宗編號CR1-14-0254-PCS之判決書指出上訴人在本個案中沒有獲得實際利益,由此顯示上訴人的有關行為並不是基於私利而作出的。
二十六. 但是,被上訴行為卻認定上訴人本人違反了無私義務,所適用的前提明顯存在錯誤。
二十七. 這樣,控訴書在事實和適用法律方面存在錯誤而導致歸責的法律依據錯誤,因而也導致被上訴行為沾有《行政程序法典》第124條所規定的可撤銷瑕疵。
二十八. 有關行政處罰的加重情節適用ETAPM第283條第1款b)項規定是錯誤的,既沒有經過證明,也沒有明確指出具體情況,甚至和法院判決互相矛盾。
二十九. 基於有關的行政處罰的加重情節存在錯誤,且加重情節是構成行為處罰的其中一個重要元素,因此導致被上訴行為沾有《行政程序法典》第124條所規定的可撤銷瑕疵。
三十. 我們知道,私人與行政當局處於不對等的地位,那麼,行政當局在適用法律,尤其在對私人科處處罰時就必須嚴格遵守《行政程序法典》第4條所規定的“保護居民權益原則”以及第5條第2款所規定的“適度原則”。
三十一. 上訴人目前一年的薪酬大約有澳門幣840,000元。倘上訴人被科處停職一年的紀律處分,則將損失此筆薪酬。這項損失對比初級法院的判決所科處的澳門幣52,500元罰金,兩者相差大約是16倍之高。
三十二. 儘管上訴人過往由一位主管級的廳長,現已降職為一名高級技術員,且受到漫長的司法訴訟煎熬後作得到了法院作出應有的制裁。這樣,行政當局仍要作出超過法院16倍的罰款處罰,連同喪失一年服務時間計算,似乎有違上述兩項原則。
三十三. 在事發超過十年後的今天,上訴人已經得到了精神上和實際上的懲戒,我們認為,對其科處一年的停職處分無疑是過重的,超越了“保護居民權益原則”以及“適度原則”的界限,同時也超越了刑法處罰目的之一般預防和特別預防的原則!
三十四. 基於此,導致被上訴行為違反了《行政程序法典》第4條及第5條第2款之規定,應根據同一法典第124條之規定,予以撤銷。
綜上所述,請求尊敬的中級法院各位法官 閣下根據上述所援引及其他倘適用的相關法律規定,裁定本上訴理由成立,並作出決定如下:
1) 基於違反“一事不兩審”的法律原則及相關制度,宣告被上訴行為無效或命令將其撤銷。或
2) 基於紀律責任的追究時效已完成,宣告上訴人於本案中的紀律責任消滅,並命令將第03-PD/2014號紀律程序卷宗歸檔。
倘不認同上述,則請求:
3) 基於上訴人的答辯權被侵犯,宣告被上訴行為無效或命令將其撤銷。
4) 基於適用違反無私義務的事實事提錯誤,命令撤銷被上訴行為。
5) 基於作為構成處罰決定基礎的加重情節錯誤,命令撤銷被上訴行為。或
6) 基於違反保護居民權益原則及適度原則而導致被上訴的處罰決定過重,命令撤銷被上訴行為。”
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Regularmente citada, apresentou a entidade recorrida contestação, tendo formulado as seguintes conclusões:
“一. 刑事訴訟法例可類推適用於《通則》中所定的紀律程序。
二. 初級法院第CR1-14-0254-PCS號獨任庭普通刑事案之判決書,與「勞工局」第一次紀律程序卷宗第04/ST/DSAL/2009號比較,前者存在新的事實及證據: 即證人C問上訴人: 「呢排抄牌抄得好緊,可唔可以借你勞工局的車位來泊,方便一下」。上訴人回答: 「係喇,係喇」;以及證人B向上訴人報告: 「“XX”老細將架車泊咗响我哋勞工局的車位」,上訴人向B表示: 「唔好理,走喇,由得佢」。
三. 根據《刑事訴訟法》第431條第1款(d)項及《通則》第318條第2款的規定,「勞工局」局長有權命令對上訴人之違紀行為進行再審,被訴實體並沒有違反一事不兩審原則。
四. 因此,上訴人認為被訴行為錯誤引用不適用的刑事訴訟規則作為解釋「勞工局」對違紀事實作第二次審判的理據、違反一事不兩審原則,以及被訴實體及其他機關均不具有聲稱進行再審的正當性並不成立,被訴行為亦沒沾有《行政程序法典》第124條規定的違反法律的可撤銷瑕疵,以及第122條第2款f)項的無效瑕疵。
五. 上訴人於2009年6月25日完成該違紀行為,故按照《刑法典》第111條第2款a項規定,有關追訴時效由該日開始計算,經過法定5年的追訴時效,加上有關刑事案件待決狀態另加5年的1/2期間(即2年半),再加上《刑法典》第112條第2款規定的中止期間(最長為3年),即追訴時效合共應為10年半時間。
六. 因此,上訴人之違紀行為之追訴時效於2019年12月25日才完成,故不存在追訴時效已完成的問題。
七. 雖然有關紀律程序(卷宗第03-PD/2014號)的控訴書並沒有列出《通則》第314條第4款e)項的規定,但控訴書已詳細列出上訴人所作出的違紀事實及經初級法院已查證的事實,且在控訴書及處罰決定中對有關事實的認定並沒有實質性的改變。
八. 另外,在控訴書及處罰決定中所指的罪行亦存在同類的關係(即均為不當利用交託予上訴人之財產),同時,最為重要的是,在處罰決定中之法律定性已變更為比控訴書較輕的罪行(由撤職處分改為停職),而上訴人已在控訴書的程序中提交其書面陳述,充份行使了其辯護權利,因此,被訴實體並沒有因欠缺向上訴人聽證而導致處罰行為無效的情況。
九. 雖然初級法院第CR1-14-0254-PCS號獨任庭普通刑事案之判決書顯示上訴人未有從有關違法行為中獲得實際利益,但上訴人將「勞工局」交予其管理的車位給予C無償使用這一行為,已充份體現出上訴人沒有持公正無私及獨立之態度對待任何私人,以及沒有尊重巿民享有的平等對待權利,因此,上訴人之行為仍然違反《通則》第279條第3款規定的無私義務,被訴實體沒有存在適用違反無私義務的事實前提錯誤,被訴行為沒沾有《行政程序法典》第124條規定的可撤銷瑕疵。
十. 上訴人當時作為「勞工局」的廳長,其理應可以預期所作出的違法行為會為「勞工局」或特區政府帶來不利的影響,有關影響包括公眾對政府部門的信任、政府的公信力或形象、「勞工局」工作人員的士氣等等,這些亦屬於政府部門的利益,雖然有關利益並非具體、有形或實在的,但確實存在,因為,政府部門的公信力或形象的好壞會對巿民大眾對政府施行政策、措施的配合程度有影響,故此,上訴人的行為確實構成《通則》第283條第1款b)項規定紀律責任的加重情節。
十一. 雖然上訴人已因其刑事違法行為受到法律的制裁,但在《通則》第280條及第281條已有明確規定公職人員之行為若構成違反其擔任公職應有的義務者,則需承擔違紀責任。
十二. 同時,上訴人在作出有關行為時為「勞工局」的廳長級主管人員,其守法、守紀的意識應比一般的非主管人員為高,但相反,上訴人明知其行為屬法律所不容許(不論是刑法及公職法律制度),但仍要故意作出有關行為,且上訴人之違法行為確實符合《通則》第314條第4款e)項的規定,故按《通則》規定可被處以停職241至一年之處分,即被訴實體是有權將停職處分訂為一年。
十三. 在考慮上述處分時,被訴實體亦已對上訴人充分考慮了《通則》第282條a)項的減輕情節及283條第1款b)項的加重情節。因此,被訴實體沒有違反《行政程序法典》第4條、第5條第2款規定的保護居民權益原則及適度原則。
十四. 綜上所述,經濟財政司司長對上訴人之有關處分並不存在追訴時效已完成、違反一事不兩審原則、保護居民權益原則及適度原則、事實認定錯誤、沾有《行政程序法典》第4條、第5條第2款、第122條及第124條規定可撤銷或無效的瑕疵等情況,換言之,並不存在被上訴行為基於違反法律而須被撤銷或被宣告無效。
綜上所述,應駁回本司法上訴。”
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Corridos os vistos, cumpre decidir.
O Tribunal é o competente.
O processo é o próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, estão devidamente representadas e têm interesse processual.
Não existem questões prévias, excepções nem nulidades que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
Resulta provada dos elementos constantes dos autos, designadamente do processo administrativo, a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão do recurso:
O recorrente é técnico superior da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais.
Houve indícios de que o recorrente teria praticado infracção disciplinar em 2009.6.25.
Foi instaurado em 2009.9.15 processo disciplinar contra o recorrente, registado sob o n.º 02/04/ST/DSAL/2009.
O recorrente foi ouvido em declarações no dia 2009.10.20.
Feitas as diligências, foi determinado pelo então Director dos Serviços para os Assuntos Laborais, por despacho de 2009.11.5, o arquivamento do processo, por entender não haver provas suficientes que permitissem demonstrar que o recorrente teria praticado alguma infracção disciplinar. (cfr. relatório e despacho constante de fls. 36 a 42 dos autos)
Por despacho do Director dos Serviços para os Assuntos Laborais, de 2014.9.12, foi ordenada a instauração de novo processo disciplinar contra o recorrente, autuado sob o n.º 03-PD/2014, baseado nos mesmos factos a que se aludia no processo disciplinar registado sob o n.º 02/04/ST/DSAL/2009, tendo o instrutor dado início à instrução em 2014.9.19.
A entidade recorrida ordenou em 2014.9.23 a suspensão do procedimento disciplinar, nos termos do n.º 2 do artigo 328.º do ETAPM, até o trânsito em julgado da sentença que viesse a ser proferida pelo Tribunal Criminal, no âmbito de um processo-crime em que figurava o recorrente como arguido.
Por Acórdão do TSI, transitado em julgado em 2018.6.5, foi confirmada a decisão de Primeira Instância que condenou o recorrente numa pena de 210 dias de multa, pela prática de um crime previsto e punível pelo artigo 347.º do Código Penal.
Em consequência, foi ordenado o prosseguimento do processo disciplinar registado sob o n.º 03-PD-2014.
O instrutor do processo disciplinar veio propor que fosse aplicada ao recorrente a pena disciplinar de demissão.
Remetida a proposta ao Gabinete do Secretário, foi proposta a alteração da pena disciplinar, sugerindo que fosse aplicada ao recorrente a pena de suspensão de funções por um ano.
    Por despacho de 2018.9.7, a entidade recorrida concordou com a supra proposta.
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Aberta vista ao Ministério Público, foi emitido pelo Digno Procurador-Adjunto o seguinte douto parecer:
    “Na petição inicial, o recorrente solicitou a declaração da nulidade ou anulação do despacho exarado no Parecer n.º 192/VC-SEF/2018 pelo então Exmo. Sr. SEF (doc. de fls. 60 a 65 dos autos), ou a declaração da extinção da sua responsabilidade disciplinar e o consequente arquivamento.
    Fundamentando os pedidos, ele assacou a violação do princípio non bis in idem, a verificação da prescrição do procedimento disciplinar, a ofensa do direito de defesa, o erro nos pressupostos de facto respeitante à imputação da violação do dever de isenção, o erro atinente a circunstância agravante, e afinal a violação dos princípios da tutela dos direitos e interesses legalmente protegidos dos residentes e da proporcionalidade.
    Antes de mais, consignamos aqui que salvo respeito pela opinião diferente, inclinamos a colher que na mera hipótese de serem comprovadas, tanto a violação do princípio do non bis in idem como a ofensa do direito de defesa, invocadas na petição, não conduziram à nulidade do acto de imposição de pena disciplinar, mas apenas a anulabilidade, pese embora tal ofensa germine a nulidade processual insuprível (art. 298º do ETAPM e vide. Acórdão do TUI no Processos n.º 52/2006). E não se descortina in casu vício capaz de determinar a nulidade do despacho em causa.
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    1. Da arguição da violação do princípio non bis in idem
    De acordo com as brilhantes jurisprudências (exemplificando, cfr. Acórdãos do TUI nos Processos n.º 22/2006 e n.º 23/2011, e do TSI nos Processos n.º 185/2014 e n.º 772/2017), o princípio de non bis in idem ou princípio da proibição da dupla valoração significa que um facto ilícito não pode desencadear ao seu actor dois ou mais efeitos desfavoráveis que situem a mesmo nível.
    Dispõe imperativamente o n.º 1 do art. 288º do ETAPM: A sentença que condene um funcionário ou agente, por qualquer crime, logo que transitada em julgado, determinará também a instauração de procedimento disciplinar, com relação a todos os factos nela dados como provados e que não tenham sido objecto de anterior processo, instaurado nos termos do n.º 3 do artigo anterior, sem prejuízo do que dispõe o n.º 2 do artigo 328.º.
    Interessa ter presente que as decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades (art. 8º, n.º 2, da lei n.º 9/1999), e são nulos todos os actos que ofendam casos julgados (art. 122º, n.º 2, alínea h), do CPA).
    Ora bem, todos os comandos legais acima aludidos caucionam-nos a concluir que as decisões penais de condenação, logo que transitadas em julgado, vinculam a Administração que fica obrigada a instaurar ou prosseguir os devidos processos disciplinares, com relação a todos os factos que foram dados como provados por tribunal e não tenham sido objecto de anterior processo.
    No nosso prisma, as decisões administrativas de arquivamento de um processo disciplinar já instaurado por inexistência ou insuficiência da prova não se equiparam nem equivalem ao caso julgado absolutório, não obstam a que a Administração volte a reabrir o processo arquivado ou a instaurar novo processo, desde que se surja posteriormente caso julgado penal de condenação dotado da força vinculativa.
    Tudo isto convence-nos de que não infringe o princípio de non bis in idem nem o despacho em escrutínio, nem o despacho proferido pelo Sr. Director da DSAL em art.12/09/2014, que consiste em ordenar a instauração do processo disciplinar contra o recorrente (cfr. fls. 1 do P.A. (2/2)), por isso mesmo, é insubsistente a arguição do recorrente neste sentido.
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    2. Da invocada prescrição do procedimento disciplinar
    No vertente caso, e o Acórdão e a sentença, emanados respectivamente do Processo n.º 817/2014 do Venerando TSI e do n.º CR1-14-0254-PCS do douto TJB, formam caso julgado quanto à condenação do recorrente na prática, em autoria material e de forma consumada, dum crime de abuso de poder p.p. pelo art. 347º do Código Penal.
    Bem, a invocação (do recorrente) ora em apreço impõe indagar se já tiver perfeito o prazo da prescrição do procedimento disciplinar ao ser proferido o acto recorrido em 07/09/2018 (doc. de fls. 210 a 215 do P.A. (2/2)), que consiste em aplicar a pena disciplinar de suspensão por período dum ano ao recorrente.
    2.1. Embora a prescrição do procedimento disciplinar seja regida pela regra de três anos, estabelece imperativa e categoricamente o n.º 2 do art. 289º do ETAPM: Se o facto qualificado de infracção disciplinar for também considerado infracção penal e os prazos de prescrição do procedimento criminal forem superiores a 3 anos, aplicar-se-ão ao procedimento disciplinar os prazos estabelecidos na lei penal. Interessa averiguar esta remessa legal se reporta só aos prazos de prescrição normais ou ainda aos máximos consagrados respectivamente no n.º 1 do art. 110º e n.º 2 do art. 113º do Código Penal?
    Nos termos do preceito n.º 3 do art. 289º do ETAPM, a interrupção da prescrição do procedimento disciplinar deriva-se apenas dos actos instrutórios com efectiva incidência na marcha do processo, o n.º 2 do art. 328º deste Estatuto torna indubitável que o processo penal, só por si, não determina a suspensão do processo disciplinar.
    Interpretando estes dois comandos legais em coerência com n.º 1 do art. 287º do mesmo Estatuto, podemos extrair que o processo disciplinar é estanque das interrupções da prescrição de processo penal, quer isto dizer que tais interrupções são neutras para processo disciplinar, pelo que nos parece que os prazos contemplados no n.º 2 do art. 113º do Código Penal ficam fora do alcance do n.º 2 do art. 289º do ETAPM.
    Nestes termos e por força das disposições no art. 347º e na alínea d) do n.º 1 do art. 110º do Código Penal de Macau, é de cinco anos o prazo de prescrição procedimental aplicável ao presente caso. Então, resta saber se houver ou não verificado in casu a prescrição?
    2.2. Antes de mais, convém realçar que o sobredito caso julgado de condenação torna indiscutíveis os factos dados por provados, um desses factos consiste em “直至2009年6月25日,因廉政公署接獲投訴展開調查,C再沒有將MH-XX-XX汽車停泊在AJ車位”. Daí decorre necessariamente que a normal die a quo da contagem do referido prazo legal de cinco anos recaiu em 26/06/2009 que é o dia seguinte à última conduta ilícita cometida pelo recorrente (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º 185/2014).
    Porém, acontece que em 20/10/2009 o então instrutor do processo disciplinar procedeu à audição do recorrente como arguido (vide. fls. 60 a 63 do P.A. (1/2)). Tas audição justifica, no nosso prisma, a aplicação ao vertente caso da sagaz tese no sentido de que “é manifesto que a primeira audição de arguido constitui um acto instrutório com efectiva incidência na marcha do processo, pois se trata do acto expressamente previsto no art. 329.º, n.º 3 do ETAPM como diligência necessária do processo disciplinar. Assim, o prazo de prescrição já interrompeu nesse dia nos termos do n.º 3 do art. 289.º do ETAPM.” (cfr. Acórdão do TUI no Processo n.º 30/2008)
    Daí resulta que em 20/10/2009 surgiu a interrupção da prescrição de prazo legal de cinco anos que se conta, de novo e por inteiro, desde o dia seguinte cujo dia ad quem recaiu em 21/10/2014, mesmo que sem atender a suspensão que durava desde o primeiro despacho de determinação da instauração do processo disciplinar até ao despacho de arquivamento do mesmo processo (vide. fls. 12 e 69 do P.A. (1/2)).
    Ora, não há dúvida de que o despacho proferido em 12/09/2014 pelo Director da DSAL que decidiu instaurar novamente processo disciplinar fica cronologicamente anterior ao sobredito dia 21/10/2014 (vide. fls.1 do P.A. (2/2)), portanto está dentro do prazo legal de cinco anos.
    Indisputável é que também não ultrapassou este prazo legal o despacho proferido em 23/09/2014 pelo então Secretário para a Economia de Finanças, despacho que se consubstancia em autorizar a proposta submetida pelo instrutor e, deste modo, ordenar a suspensão consignada no n.º 2 do art. 328º do ETAPM (cfr. doc. de fls. 80 a 82 do P.A. (2/2)).
    Importa assinalar que em 05/06/2018 transitou em julgado o aresto prolatado no Processo n.º 817/2014 desse Venerando TSI (cfr. doc. de fls. 115 a 127 do P.A. (2/2)), e em 07/09/2018 foi proferido o despacho in quaestio pelo então Secretário para a Economia de Finanças (cfr. doc. de fls.210 do P.A. (2/2)).
    Tudo isto torna patente e concludente que não se verifica in casu a arrogada prescrição do procedimento disciplinar, portanto é insubsistente a arguição da prescrição pelo recorrente.
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    3. Da assacada ofensa do direito de defesa
    Repare-se que exarado no Parecer n.º 192/VC-SEF/2018 (doc. de fls. 210 a 215 do P.A. (2/2)), o despacho em questão reza concisamente “同意顧問的分析意見及建議,對嫌疑人科處停職一年多處分,由勞工事務局通知嫌疑人”. De acordo com o n.º1 do art.115º do CPA, a expressa declaração de concordância implica que tal despacho absorve o referido Parecer na sua íntegra.
    O próprio Parecer n.º 192/VC-SEF/2018 revela inequivocamente que a ilustre assessora autora desse Parecer não tocou a qualificação relativa aos dois deveres cuja culposa violação tinha sido imputada ao recorrente pelo instrutor na Acusação, quais são de os de isenção e de lealdade. Com efeito, tal Parecer introduziu duas alterações na Acusação traduzidas, de um lado, em retirar a circunstância de “conluio” consignado na alínea d) do n.º 1 do art. 283º do ETAPM, de outro e sobretudo, em alterar a pena aplicável que passou da demissão indicada na Acusação para a suspensão por período de um ano.
    Bem, na Acusação o instrutor sugeriu a pena de demissão ao abrigo do disposto nas alíneas n) e o) do n.º 2 do art. 315º do ETAPM, e a ilustre assessora propôs a pena suspensão por período de um ano de acordo com o preceito na alínea e) do n.º 4 do art. 314º deste Estatuto. Daí decorre que o Parecer supra referido alterou efectivamente a base legal a que alude a Acusação, e assim operou uma alteração da qualificação jurídica.
    Sem prejuízo do elevado respeito pela opinião diferente, e em harmonia com a jurisprudência preconizada pelo Venerando TUI (cfr. Acórdão do TUI no Processo n.º 8/2001), a sobredita alteração da qualificação jurídica não se configura num minus relativamente à da acusação, e portanto exigiu a prévia comunicação da mesma alteração ao arguido/ora recorrente, sob pena de inquinar o processo de nulidade insuprível por falta de audiência do arguido, a que se refere o n.º 1 do art. 298º do ETAPM.
    Nesta linha de perspectiva, e considerando que antes do despacho em questão, aquela alteração da qualificação jurídica operada pela ilustre assessora no Parecer não foi comunicada ao arguido/recorrente, parece-nos que esse despacho enferma da nulidade insuprível prevista no n.º 1 do art. 298º do ETAPM e, assim, é anulável (cfr. Acórdão do TUI no Processo n.º 52/2006).
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    4. Da arguição do erro nos pressupostos de facto
    O recorrente arguiu que a imputação da violação do dever de isenção a ele padecia do erro nos pressupostos de facto, fundamentando que a sentença tirada no Processo n.º CR1-14-0254-PCS não deu por provado que ele tivesse obtido efectivo interesse (art.86º da petição).
    Prescreve o n.º 2 do art. 279º do ETAPM: O dever de isenção consiste em não retirar vantagens que não sejam devidas por lei, directas ou indirectas, pecuniárias ou outras, das funções que exercem, actuando com imparcialidade e independência em relação aos interesses e pressões particulares de qualquer índole, na perspectiva do respeito pela igualdade dos cidadãos.
    A segunda parte implica que o dever de isenção impede não só de retirar, directa ou indirectamente, ilícitas vantagens pecuniárias ou outras para o próprio trabalhador da Administração Pública, mas também obsta a retirá-las para terceiros.
    No caso sub judice, a sentença supra aludida deu como provado o facto de que “嫌犯在案發時身為勞工局職業培訓廳廳長,在職務上有權安排及使用望廈平民新邨停車場內勞工局借用的車位,但嫌犯卻濫用其職務上固有之權力,違反其職務上之固有義務,私下批准無權使用上述車位的C使用上述車位,嫌犯的行為令C獲得不正當利益。”
    Tal facto provado conduz, sem margem para dúvida, a que não se verifica in casu o arrogado erro nos pressupostos de factos.
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    5. Do erro do direito quanto à circunstância agravante
    Ora, tanto o instrutor como a assessora entenderam que existia in casu a circunstância agravante prevista na alínea b) do n.º 1 do art. 284º do ETAPM. E no art. 19º da Acusação, o Senhor instrutor apontou, claramente e com razão, que “此外,嫌疑人案發時身為勞工事務局職業培訓廳廳長,為他人獲得不正當之利益,實施了濫用職權的犯罪行為,這些行為嚴重損害其職務和行政當局的形象及聲譽”.
    Assim e não obstante a que ao graduar a pena aplicada, a MMª Juiz da 1ª instância referisse “行為亦無造成大眾公共利益重大受損”, parece-nos que é infundada a arguição do erro de direito em relação à supramencionada circunstância agravante.
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    6. Da invocação da violação de lei
    Bem, o recorrente assacou ainda que o acto recorrido colide com os princípios da tutela dos direitos e interesses legalmente protegidos dos residentes e da proporcionalidade, argumentando que não obtivera vantagem efectiva, não provocara grave lesão aos interesses públicos, era primário, a consequência e o dolo mostravam ordinários (art. 108º da petição).
    Sem prejuízo do merecido respeito pela opinião diferente, a devida ponderação do dolo do recorrente e da natureza do crime cometido por ele leva-nos a colher que não faz sentido a arguição da violação do princípio da tutela dos direitos e interesses legalmente protegidos dos residentes.
    De acordo com as jurisprudências pacíficas no que diga respeito à fixação da pena disciplinar, inclinamos a opinar que não se divisa in caso erro grosseiro, total desrazoabilidade ou intolerável injustiça no exercício do poder discricionário ao graduar a pena disciplinar na suspensão por período de um ano, portanto, o despacho atacado no recurso contencioso em apreço não infringe o princípio da proporcionalidade.
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    Por todo o expendido acima, propendemos pela parcial procedência do presente recurso contencioso.”
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    Foram suscitadas neste recurso várias questões, e comecemos pela alegada violação do princípio ne bis in idem.
    Alegada violação do princípio ne bis in idem
    De facto, no âmbito da responsabilidade penal, ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime (cfr. artigo 6.º do Código Penal).
    Manda o artigo 277.º do ETAPM que são aplicadas supletivamente ao regime disciplinar as normas de Direito Penal em vigor, com as devidas adaptações, sendo verdade que o princípio ne bis in idem constitui um dos princípios basilares do Direito e Processo Penal.
    Embora aquele preceito se refira expressamente à perseguição criminal, a doutrina e a jurisprudência têm vindo a entender que aquele princípio é aplicável também à perseguição de infracções de matriz disciplinar.
    No caso vertente, foi instaurado em 2009.9.15 processo disciplinar contra o recorrente, mas por despacho proferido pelo Director dos Serviços para os Assuntos Laborais em 2009.11.5, foi decidido o seu arquivamento, por entender não haver provas suficientes de que o recorrente cometeu alguma infracção disciplinar.
    Passados cerca de 5 anos, o Director dos Serviços para os Assuntos Laborais ordenou, em 2014.9.12, a instauração de novo processo disciplinar contra o recorrente, baseado nos mesmos factos a que se aludia no processo disciplinar anteriormente instaurado contra o recorrente e que já foi arquivado.
    Quid iuris?
    Ora bem, não obstante o processo disciplinar foi arquivado por falta de prova, mas nada impede que se instaure novo processo quando se verificar novos elementos de prova que indiciem a prática de infracção disciplinar por algum trabalhador da função pública.
    É que resulta do disposto no artigo 288.º do ETAPM:
    “1. A sentença que condene um funcionário ou agente, por qualquer crime, logo que transitada em julgado, determinará também a instauração de procedimento disciplinar, com relação a todos os factos nele dados como provados e que não tenham sido objecto de anterior processo, instaurado nos termos do n.º 3 do artigo anterior, sem prejuízo do que dispõe o n.º 2 do artigo 328.º
2. O processo disciplinar instaurado com base em decisão penal, ou o que então deva prosseguir os seus termos, será obrigatoriamente instruído com certidão da sentença proferida, após o trânsito em julgado.”
    Em boa verdade, a lei manda instaurar processo disciplinar quando se verificar condenação de algum funcionário ou agente por qualquer crime, e a situação é semelhante àquela que está prevista no artigo 261.º do Código de Processo Penal, no sentido de que “o inquérito só pode ser reaberto se surgirem novos elementos de prova que invalidem os fundamentos invocados pelo Ministério Público no despacho de arquivamento”.
    No fundo, o artigo 288.º do ETAPM permite que a Administração instaure novo processo disciplinar, mesmo que o anterior já tenha sido arquivado. A nosso ver, só não haveria lugar a instauração de novo processo disciplinar se a questão em causa já tivesse sido objecto de apreciação por alguma decisão judicial, o que não é o caso.
    Isto posto, improcedem as razões invocadas pelo recorrente quanto a esta parte.
*
    Suposta prescrição do procedimento disciplinar
    O recorrente vem suscitar a prescrição do procedimento disciplinar.
    Vejamos.
    De acordo com os elementos constantes dos autos, assente está que os factos foram cometidos em 2009.6.25.
    O prazo de prescrição é de 3 anos a contar da data em que a falta foi cometida, aplicando-se o prazo de prescrição estabelecido na lei penal se os factos imputados também constituírem infracção penal.
    No caso vertente, atentas as disposições legais previstas nos artigos 347.º e 110.º, alínea d), ambos do Código Penal, bem assim o artigo 289.º, n.º 2 do ETAPM, o prazo de prescrição passa a ser de 5 anos, terminando, em princípio, o prazo de prescrição em 2014.6.25.
    Entretanto, prevê-se no n.º 3 do artigo 289.º do ETAPM que, verificando-se a prática de qualquer acto instrutório com efectiva incidência na marcha do processo, a prescrição conta-se desde o dia em que tiver sido praticado o último acto, ou seja, neste caso há lugar a interrupção do prazo prescricional.
    Mais, logo que seja instaurado processo disciplinar, há lugar a suspensão do prazo prescricional, ao abrigo do n.º 4 da mesma disposição legal.
    No caso dos autos, apesar de os factos serem cometidos em 2009.6.25, e sendo o prazo de prescrição de 5 anos, mas como houve instauração do processo em 2009.9.15, o prazo prescricional ficou suspenso até que fosse proferido o despacho de arquivamento.
    Por outro lado, tendo em conta que no primeiro processo disciplinar instaurado contra o recorrente, este foi ouvido em declarações no dia 2009.10.20, daí que a partir dessa data se verificou interrupção do prazo de prescrição, de acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 289.º do ETAPM, devendo a prescrição contar-se de novo desde aquela data.
    Atento o facto de que o segundo processo disciplinar foi instaurado em 2014.9.19, dúvidas de maior não restam de que nessa altura ainda não decorreram os 5 anos desde a última interrupção verificada em 2009.10.20.
    E importa ainda realçar que por despacho de 2014.9.23, foi ordenada a suspensão do procedimento disciplinar nos termos consentidos pelo n.º 2 do artigo 328.º do ETAPM, só tendo a decisão penal transitado em julgado no dia 2018.6.5, pelo que aquando da prática do acto recorrido pela entidade recorrida, em 2018.9.7, ainda não se verifica prescrito o procedimento disciplinar.
    Apenas mais uma asserção.
    Em boa verdade, decidiu-se no Acórdão deste TSI, no âmbito do Processo n.º 28/2019, o seguinte:
“1 – Se é certo que o Direito Penal obedece ao princípio da intervenção mínima e é um“direito agressivo”porque toca à liberdade das pessoas, de modo geral, toca aos direitos fundamentais dos cidadão, em que se o legislador fixa o limite máximo do prazo de prescrição do procedimento sancionatório, por que razão é que no direito de processo disciplinar não contém instituto semelhante? Entendemos que o artigo 113.º do CPM se aplica subsidiariamente à matéria de processo disciplinar, por força do disposto no artigo 277.º do ETAPM.
2 – Num hipótese extrema ― defender-se a inexistência do limite máximo do prazo de prescrição do procedimento disciplinar ― pode conduzir ao resultado de que não haja prescrição do prazo do procedimento administrativo, porque a Administração Pública poderia, quando o prazo de prescrição está quase esgotar-se, praticar um acto instrutório para suspender o prazo, com o que exercerá uma“pressão permanente”sobre o infractor do ilícito disciplinar! Pensamos que numa sociedade de Direito, tal não é permitido nem tolerável.”
    Ora bem, na medida em que o n.º 3 do artigo 113.º do Código Penal é aplicável ao procedimento disciplinar, há-de saber até quando que o mesmo vai prescrever.
    Dispõe o n.º 3 do artigo 113.º do Código Penal que “a prescrição do procedimento penal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade…”
    No caso presente, provado está que o recorrente cometeu a infracção disciplinar em 2009.6.25; sendo o prazo de prescrição de 5 anos, acrescido de metade (2 anos e meio) e ressalvado o tempo máximo de suspensão (3 anos) previsto no n.º 2 do artigo 112.º do Código Penal, verifica-se que o procedimento já prescreveu em 2019.12.25.
    Não obstante, como está em causa no presente recurso contencioso o acto praticado pela entidade recorrida em 2018.9.7, isso significa que nessa altura o procedimento disciplinar ainda não se encontrava prescrito, improcedendo, assim, o vício apontado.
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    Ofensa do conteúdo essencial de direito fundamental (direito de defesa)
    Assaca ainda o recorrente ao acto recorrido nulidade do acto com fundamento na ofensa do conteúdo essencial de direito fundamental, quanto ao seu direito de defesa.
    Quanto a esta parte, julgamos assistir razão ao recorrente, e damos aqui por reproduzida a opinião do Ilustre Procurador-Adjunto quanto a essa questão, com a qual concordamos, nos termos seguintes:
    “Repare-se que exarado no Parecer n.º 192/VC-SEF/2018 (doc. de fls. 210 a 215 do P.A. (2/2)), o despacho em questão reza concisamente “同意顧問的分析意見及建議,對嫌疑人科處停職一年多處分,由勞工事務局通知嫌疑人”. De acordo com o n.º 1 do art. 115º do CPA, a expressa declaração de concordância implica que tal despacho absorve o referido Parecer na sua íntegra.
    O próprio Parecer n.º 192/VC-SEF/2018 revela inequivocamente que a ilustre assessora autora desse Parecer não tocou a qualificação relativa aos dois deveres cuja culposa violação tinha sido imputada ao recorrente pelo instrutor na Acusação, quais são de os de isenção e de lealdade. Com efeito, tal Parecer introduziu duas alterações na Acusação traduzidas, de um lado, em retirar a circunstância de “conluio” consignado na alínea d) do n.º 1 do art. 283º do ETAPM, de outro e sobretudo, em alterar a pena aplicável que passou da demissão indicada na Acusação para a suspensão por período de um ano.
    Bem, na Acusação o instrutor sugeriu a pena de demissão ao abrigo do disposto nas alíneas n) e o) do n.º 2 do art. 315º do ETAPM, e a ilustre assessora propôs a pena suspensão por período de um ano de acordo com o preceito na alínea e) do n.º 4 do art. 314º deste Estatuto. Daí decorre que o Parecer supra referido alterou efectivamente a base legal a que alude a Acusação, e assim operou uma alteração da qualificação jurídica.
    Sem prejuízo do elevado respeito pela opinião diferente, e em harmonia com a jurisprudência preconizada pelo Venerando TUI (cfr. Acórdão do TUI no Processo n.º 8/2001), a sobredita alteração da qualificação jurídica não se configura num minus relativamente à da acusação, e portanto exigiu a prévia comunicação da mesma alteração ao arguido/ora recorrente, sob pena de inquinar o processo de nulidade insuprível por falta de audiência do arguido, a que se refere o n.º 1 do art. 298º do ETAPM.
    Nesta linha de perspectiva, e considerando que antes do despacho em questão, aquela alteração da qualificação jurídica operada pela ilustre assessora no Parecer não foi comunicada ao arguido/recorrente, parece-nos que esse despacho enferma da nulidade insuprível prevista no n.º 1 do art. 298º do ETAPM e, assim, é anulável (cfr. Acórdão do TUI no Processo n.º 52/2006).”
    Isto posto, julgamos procedente esta parte do recurso, devendo o acto recorrido ser anulado.
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    Alegado erro nos pressupostos de facto
    O recorrente alega ainda que, segundo a matéria de facto dada como provada na sentença condenatória, não se vislumbra que ele tivesse obtido qualquer interesse efectivo, daí que, no entender, não houve violação do dever de isenção.
    Quanto a esta parte, damos aqui por reproduzido o teor do parecer do Ministério Público, com o qual também concordamos, na respectiva parte abaixo transcrita:
    “O recorrente arguiu que a imputação da violação do dever de isenção a ele padecia do erro nos pressupostos de facto, fundamentando que a sentença tirada no Processo n.º CR1-14-0254-PCS não deu por provado que ele tivesse obtido efectivo interesse (art. 86º da petição).
    Prescreve o n.º 2 do art. 279º do ETAPM: O dever de isenção consiste em não retirar vantagens que não sejam devidas por lei, directas ou indirectas, pecuniárias ou outras, das funções que exercem, actuando com imparcialidade e independência em relação aos interesses e pressões particulares de qualquer índole, na perspectiva do respeito pela igualdade dos cidadãos.
    A segunda parte implica que o dever de isenção impede não só de retirar, directa ou indirectamente, ilícitas vantagens pecuniárias ou outras para o próprio trabalhador da Administração Pública, mas também obsta a retirá-las para terceiros.
    No caso sub judice, a sentença supra aludida deu como provado o facto de que “嫌犯在案發時身為勞工局職業培訓廳廳長,在職務上有權安排及使用望廈平民新邨停車場內勞工局借用的車位,但嫌犯卻濫用其職務上固有之權力,違反其職務上之固有義務,私下批准無權使用上述車位的C使用上述車位,嫌犯的行為令C獲得不正當利益。”
    Tal facto provado conduz, sem margem para dúvida, a que não se verifica in casu o arrogado erro nos pressupostos de factos.”
    Nesta conformidade, julgamos improcedente o recurso nesta parte.
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    Alegada falta de verificação de circunstância agravante da responsabilidade disciplinar
    Assaca ainda o recorrente ao acto recorrido vício de violação de lei, por não se verificar, na sua perspectiva, a circunstância agravante prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 283.º do ETAPM.
    De acordo com a alínea b) do n.º 1 do artigo 283.º do ETAPM, a produção efectiva de resultados prejudiciais ao serviço público ou ao interesse geral, nos casos em que o funcionário ou agente pudesse ou devesse prever essa consequência como efeito necessário da sua conduta constitui uma circunstância agravante da responsabilidade disciplinar.
    Diz o recorrente que provado não está na sentença condenatória nem na acusação formulada em processo disciplinar que foram causados prejuízos relevantes para o serviço público nem para o interesse geral, assacando, assim, ao acto recorrido, vício de violação de lei por erro de direito.
    A nosso ver, julgamos não assistir razão ao recorrente.
    Se atentarmos naquilo que foi escrito na sentença condenatória, verifica-se que o Juiz apenas afirmou que a conduta do recorrente não causou grandes prejuízos ao interesse público.
    Mas não ter causado grandes prejuízos não significa que não causou prejuízos, são duas situações diferentes.
    Segundo a matéria dada como provada no âmbito do processo disciplinar, verifica-se que o recorrente autorizou pessoa terceira a estacionar veículo particular no lugar de estacionamento da RAEM.
    A nosso ver, não parece que a conduta do recorrente tivesse causado grandes prejuízos ao interesse público, mas ao ter autorizado pessoa terceira a usar o parque de estacionamento, estava a conceder-lhe um benefício ilegítimo em detrimento do interesse público, na medida em que ao Serviço estava vedado o uso do mesmo.
    Sendo assim, preenchida está a circunstância agravante prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 283.º do ETAPM, improcede o recurso quanto a esta parte.
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    Suposta violação do princípio da tutela dos direitos e interesses legalmente protegidos dos residentes e do princípio da proporcionalidade
    Finalmente, assaca o recorrente ao acto recorrido violação dos princípios da tutela dos direitos e interesses legalmente protegidos dos residentes e da proporcionalidade, alegando que a pena disciplinar da suspensão de funções por um ano é demasiada severa, por que ele não obteve vantagem efectiva nem provocou grave lesão ao interesse público, é primário e apenas revela média intensidade do dolo.
Seguramente, os Tribunais da RAEM têm reiterada e pacificamente decidido que a violação dos princípios gerais da actividade administrativa só releva no âmbito do exercício de poderes discricionários, sendo apenas sindicável pelo Tribunal em caso de erro grosseiro ou utilização de critério manifestamente inadequado, o que não é o caso. Sendo assim, improcede esta parte do recurso.
Por tudo quanto acima deixou exposto, o Tribunal julga parcialmente procedentes as razões aduzidas pelo recorrente.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, o Colectivo de Juízes deste TSI acorda em julgar procedente o recurso contencioso interposto pelo recorrente A, anulando o acto administrativo impugnado.
Sem custas.
Registe e notifique.
***
RAEM, 10 de Setembro de 2020
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Fong Man Chong
Mai Man Ieng



Recurso Contencioso 915/2018 Página 35