ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
I – Relatório
O Tribunal de Segunda Instância (TSI), por Acórdão de 19 de Junho de 2008, concedeu parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido A, da decisão do Tribunal Colectivo do 1.º Juízo Criminal que o condenou na pena de 18 (dezoito) anos de prisão, pela prática de um crime de homicídio qualificado, previsto e punível pelo art. 129.º, n.os 1 e 2, alínea c) do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão pela prática de um crime de ofensa ao respeito devido aos mortos, previsto e punível pelo art. 283.º, n. º 1, alíneas a) e b) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão pela prática de um crime de uso indevido de arma proibida, previsto e punível pelo art. 262.º, n. º 1, do Código Penal com referência ao art. 1.º, alínea f) e art. 6.º, alínea b) do Decreto-Lei n.º 77/99/M e, em cúmulo jurídico, na pena única de 20 (vinte) anos de prisão.
O TSI absolveu o arguido da prática de um crime de uso indevido de arma proibida, previsto e punível pelo art. 262.º, n. º 1, do Código Penal com referência ao art. 1.º, alínea f) e art. 6.º, alínea b) do Decreto-Lei n.º 77/99/M e alterou a qualificação do crime de homicídio, entendendo tratar-se de homicídio (simples), previsto e punível pelo art. 128.º do Código Penal, e fixou a pena em 16 (dezasseis) anos de prisão.
Em consequência, o TSI fixou a pena única em 17 (dezassete) anos de prisão.
Inconformado, interpõe o arguido recurso para este Tribunal de Última Instância, formulando as seguintes conclusões:
(8) O Tribunal a quo não tem considerado as circunstâncias de que o recorrente prestou plena colaboração com órgão judiciário e judicial e Ministério Público, confessou de maneira integral e sem reservas os factos, tendo se mostrado responsável e arrependido pelo que tem actuado.
(9) Por isso, ao determinar a medida da pena, o Tribunal não tem ponderado de maneira suficiente se as circunstâncias se enquadram no estabelecido do art. 65° do Código Penal e se deve conceder a atenuação especial da pena ao arguido, pelo que o Tribunal de Segunda Instância incorreu em vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (art. 400°, n.° 2, al. a) do Código de Processo Penal).
(10) Além disso, ao corrigir a pena aplicada pelo Tribunal a quo, o Tribunal de Segunda Instância não corrigiu, de maneira adequada, o valor da indemnização pecuniária, pelo que, incorreu em vício referido no art. 400°, n.º 2, al. a) e al. b) do Código de Processo Penal.
Na resposta à motivação do recurso a Ex.ma Procuradora-Adjunta defendeu a negação de provimento ao recurso e que se não conhecesse da questão da indemnização, por ser nova, não tendo sido suscitada no recurso para o TSI.
No seu parecer, a Ex.ma Procuradora-Adjunta manteve a posição já assumida.
II – Os factos
As instâncias consideraram provados e não provados os seguintes factos:
O arguido A tinha vindo a contrair dívidas com a vítima B que se vinham arrastando há algum tempo, até que por fim, o arguido viu-se na necessidade de assinar contratos para vender o seu imóvel para garantia do pagamento dessas dívidas.
Em 20 de Março de 2007, pelas 13H52, o arguido A telefonou à vítima B para que este se dirigisse à sua residência, a fim de lhe pagar parte das dívidas.
A vítima B deslocou-se à casa do arguido na Rua..., edifício... , Macau, onde chegou, às 14H30, vinte e tal minutos depois de ter atendido o telefonema supra citado.
A vítima B chegou e entrou no apartamento do arguido onde ambos conversaram sobre a dívida.
Durante a conversa, o arguido apercebeu-se que a vítima tinha a intenção de ficar com o apartamento do arguido e a este respeito ambos entraram em discussão.
Durante a discussão, a vítima e o arguido agrediram-se um a outro, deixando assim ferimentos nos braços do arguido.
O arguido acabou por se deslocar à varanda, onde se encontrava uma bacia que continha um martelo e uma serra. O arguido voltou à sala com o martelo na mão, e com esse martelo desferiu um golpe forte na cabeça da vítima.
A força foi tão grande que o martelo se soltou da mão do arguido e caiu no chão, enquanto a vítima também caiu no chão.
De seguida e no meio de tal confusão, o arguido pegou a faca com a mão esquerda e deu facadas na vítima.
Tais golpes provocaram as seguintes lesões na vítima:
--três lesões no ombro direito cada um com 3 cm de comprimento;
--na zona interior do braço direito, contusões e equimoses com a dimensão de 4 cm por 0,50 cm;
--na omoplata direita contusões de dimensão de 3 cm por 0,50 cm;
--na zona do ombro direito, contusões de 5 cm por 0,50 cm;
--no braço direito, parte exterior, contusões e escoriações de 7 cm por 0,50 cm;
--na zona toráxica do lado direito junto a oitava vértebra dorsal, uma lesão com comprimento de 2 cm e profundidade de 0,50 cm.
--na zona toráxica do lado esquerdo, lesão profunda de 6 cm perfurando a caixa toráxica e o diafragma do lado esquerdo, atingindo a parte inferior esquerda do pulmão.
Para que a mulher e os filhos de nada soubessem, o arguido telefonou pelas 13H25 à esposa, dizendo-lhe que estava fazendo limpeza na casa e pedindo-lhe ir buscar os filhos na escola e levá-los para um outro lugar e não voltar à casa antes de receber seu telefonema.
Instantes depois, o arguido foi à varanda buscar sacos de plástico e com eles enrolou a cabeça da vítima.
O arguido foi de novo à varanda e dali tirou da bacia a serra de ferro. Voltando à sala, começou a mutilar a vítima com a serra e a faca.
O arguido fez tal com a intenção de destruir o corpo da vítima.
O arguido esquartejou a vítima da seguinte maneira:
--primeiro, cortou a cabeça enrolada com sacos de plástico;
--de seguida, cortou as mãos junto aos pulsos e colocou-as no saco onde já estava a cabeça;
--depois, cortou as pernas junto aos joelhos, e depois as coxas, colocando-as num outro saco de plástico;
--depois, embrulhou com 3 sacos de plástico o tronco do corpo com os braços.
Como estava cheio de sangue, o arguido limpou-se, mudou de roupa, para poder sair da casa e fazer desaparecer os sacos onde continham pedaços do corpo da vítima.
Então, o arguido pegou os dois sacos mais leves e saiu do apartamento, cerca das l6H56, apanhou o elevador, saiu do edifício, passando por uma travessa e deitou os dois sacos para o interior do contentor de lixo que estava perto do Café ....
A seguir, o arguido regressou ao apartamento e do mesmo modo pegou o outro saco e foi colocá-lo no mesmo contentor. Na volta para casa, o arguido comprou um carrinho de mão numa loja perto da casa.
Depois, o arguido voltou à casa, colocou o último saco no carrinho de mão e saiu do edifício. O arguido passou pela escola secundária..., pelo reservatório e por fim abandonou o saco com o tronco da vítima na traseira de uma casa de pedra, sita no cruzamento entre a Estrada do Reservatório e a Av. do Dr. Rodrigo Rodrigues, onde recolheu ervas secas e com as quais encobriu o saco.
Por último, o arguido voltou à casa, limpou-a, para retirar todos os vestígios de sangue. Depois colocou roupas com sangue, mobílias, bolsa da vítima, instrumentos da prática do crime, ou seja, a faca, o martelo e a serra em dois sacos de plástico e os deitou no contentor, onde tinha deitado os outros.
E, finalmente, telefonou para a mulher que já podia voltar para a casa.
Na manhã do dia seguinte, ou em 21 de Março de 2007, o arguido fugiu para o Interior da China, e foi interceptado, em 24 de Março de 2007, nos postos fronteiriços das Portas do Cerco quando na volta a Macau, e na posse dele foram apreendidos três contratos, HKD$10000, MOP$1000 e RMB$19501,50.
O arguido A agiu livre, voluntária e conscientemente.
O arguido fez tal com a intenção de tirar a vida da vítima B, por motivo fútil.
O arguido teve a intenção de subtrair, destruir ou ocultar o cadáver da vítima B, retirando-o da guarda do seu legítimo possuidor, violando o respeito aos mortos e o sentimento de reverência dos vivos para com os mortos.
O arguido conhecia as características e qualidades do martelo, da faca e serra que utilizou para matar e mutilar o corpo da vítima, bem sabendo que era proibido utilizá-las para tal fim.
O arguido tinha perfeito conhecimento que toda a sua conduta não era permitida e punida por lei.
Mais se provou:
Segundo o CRC, o arguido é primário.
O arguido alegou que antes da prisão preventiva, trabalhou como ..., auferia o vencimento mensal de MOP$10000, tendo ... filhos menores com a esposa. O arguido terminou o curso do ensino secundário geral.
Factos não provados:
Outros factos essenciais descritos na acusação que se revelam incompatíveis.
III - O Direito
1. As questões a resolver
O recorrente vem pedir, agora, a correcção da indemnização a que foi condenado, como consequência do abaixamento da pena.
Mas não suscitou a questão no recurso para o TSI e podia e devia tê-lo feito porque aí pediu já a redução da pena de prisão, como decorrência do pedido de qualificação do homicídio como simples e não qualificado. Por se tratar de questão nova, que não é de conhecimento oficioso, dela não conheceremos, visto que o recurso para o TUI tem por objecto a decisão do TSI, que não apreciou a questão, por não lhe ter sido colocada.
A questão a resolver é a de saber se a pena fixada pelo crime de homicídio é correcta.
2. Atenuação especial da pena e medida concreta da pena
Ao contrário do que alega o recorrente, não se entregou às autoridades policiais. Antes fugiu para o Interior da China no dia seguinte à prática dos crimes e só voltou a Macau três dias depois, tendo sido interceptado na fronteira das Portas do Cerco.
Também, ao contrário do que alega, não confessou os factos, o que se comprova na carta enviada recentemente a este Tribunal, onde insiste na tese da legítima defesa a ataque da vítima.
Manifestamente não se provaram quaisquer circunstâncias que, nos termos do art. 66.º do Código Penal, possam conduzir à atenuação especial da pena.
Dispõe o n.º 1 do art. 66.º do Código Penal, que “O tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena”.
Nas expressivas palavras de J. FIGUEIREDO DIAS1 “A diminuição da culpa ou das exigências da prevenção só poderá, por seu lado, considerar-se acentuada quando a imagem global do facto, resultante da actuação da(s) circunstância(s) atenuante(s), se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo. Por isso, tem plena razão a nossa jurisprudência – e a doutrina que a segue – quando insiste em que a atenuação especial só em casos extraordinários ou excepcionais pode ter lugar: para a generalidade dos casos, para os casos «normais», lá estão as molduras penais normais, com os seus limites máximos e mínimos próprios.”
O condicionalismo de facto que foi dado como provado, nem de perto, nem de longe, poderia levar à atenuação especial da pena.
Quanto à medida concreta da pena.
Tem este Tribunal entendido, como nos Acórdãos de 10 de Outubro de 2007 e de 23 de Janeiro de 2008, respectivamente, nos Processos n.º 38/2007 e 57/2007, que ao Tribunal de Última de Instância, como Tribunal especialmente vocacionado para controlar a boa aplicação do Direito, não cabe imiscuir-se na fixação da medida concreta da pena, desde que não tenham sido violadas vinculações legais – como por exemplo, a dos limites da penalidade – ou regras da experiência, nem a medida da pena encontrada se revele completamente desproporcionada.
Não se afigura ser este o caso.
Assim, entende-se manter a pena aplicada.
IV – Decisão
Face ao expendido, rejeitam o recurso.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 4 UC. Nos termos do art. 410.º n.º 4 do Código de Processo Penal, pagará 3 UC pela rejeição do recurso.
Fixam os honorários do defensor do arguido em duas mil patacas.
Macau, 19 de Setembro de 2008
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Sam Hou Fai – Chu Kin
A Magistrada do Ministério Público
presente na conferência: Song Man Lei
1 J. FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas - Editorial Notícias, 1993, p. 306 e 307.
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Processo n.º 29/2008