Processo n.º 188/2020 Data do acórdão: 2020-9-17 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– art.o 109.o, n.o 2, da Lei do Trânsito Rodoviário
– execução da sanção de inibição de condução anteriormente aplicada
– execução sucessiva das sanções de inibição de condução
– natureza da nova infracção
– art.o 473.o, n.o 2, do Código de Processo Penal
– audição prévia do arguido condenado
S U M Á R I O
1. Em face da norma expressa do art.o 109.o, n.o 2, da Lei do Trânsito Rodoviário (LTR) (que dita que “Se durante o período de suspensão se vier a verificar nova infracção que implique a inibição de condução, a sanção de inibição de condução a aplicar é executada sucessivamente com a suspensa”), não é de aplicar analogicamente a norma procedimental do art.o 473.o, n.o 2, do Código de Processo Penal.
2. Ou seja, uma vez preenchidos os pressupostos previstos na hipótese da norma do art.o 109.o, n.o 2, da LTR, há que observar a estatuição nela prevista, que manda a execução efectiva da sanção de inibição de condução anteriormente aplicada, sem necessidade, pois, da audição prévia do arguido condenado.
3. Essa norma obrigatória da LTR não exige que a nova infracção aí falada tenha que ter a mesma natureza da da infracção anterior de cuja condenação resultou a aplicação da anterior sanção de inibição de condução.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 188/2020
(Autos de recurso penal)
Arguido recorrente: A
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o despacho revogatório da suspensão, por um ano e seis meses, da execução da sanção de inibição de condução por cinco meses imposta na sentença de 18 de Setembro de 2018 do subjacente Processo Comum Singular n.º CR2-18-0200-PCS do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB), por causa da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física por negligência no exercício da condução, p. e p. pelo art.o 142.o, n.o 1, do Código Penal (CP) e pelo art.o 93.o, n.o 1, da Lei do Trânsito Rodoviário (LTR), veio o arguido condenado A, aí já melhor identificado, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para pedir a revogação dessa decisão revogatória da suspensão da execução da sanção, tendo alegado, para o efeito, e em síntese, o seguinte: o Tribunal recorrido não procedeu à audição prévia nos termos do art.o 473.o, n.o 2, do Código de Processo Penal (CPP); ele nunca pensou que a prática de contravenções pudesse implicar a revogação da suspensão da execução da sanção de inibição de condução imposta no presente processo penal por crime de ofensa à integridade física por negligência; e a execução efectiva dessa sanção iria acarretar grande impacto à subsistência económica dele e da sua família (cfr. com mais detalhes, o teor da motivação de recurso, apresentada a fls. 188 a 191 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu (a fls. 194 a 197) a Digna Delegada do Procurador, no sentido de improcedência do recurso.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 206 a 207), pugnando pela manutenção do julgado.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, fluem os seguintes elementos fácticos e processuais, pertinentes à solução do recurso:
– por sentença de 18 de Setembro de 2018, proferida a fls. 108 a 113v do subjacente Processo Comum Singular n.º CR2-18-0200-PCS do 2.o Juízo Criminal do TJB, já transitada em julgado em 8 de Outubro de 2018 (cfr. a nota lançada a fl. 119), o arguido ora recorrente ficou condenado, como autor material, na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física por negligência cometido no exercício da condução, p. e p. pelo art.o 142.o, n.o 1, do CP e pelo art.o 93.o, n.o 1, da LTR, em 105 dias de multa, à quantia diária de MOP70,00, no total, pois, de MOP7.350,00 patacas (convertível em 70 dias de prisão no caso de não pagamento da multa nem de substituição da multa por trabalho), e em cinco meses de inibição de condução, suspensa na execução por um ano e seis meses, sob condição de prestação de MOP2.000,00 patacas de contribuição a favor da Região Administrativa Especial de Macau, para além de ficar condenado a pagar MOP16.320,90 de indemnização ao ofendido, com juros legais (tendo tal contribuição pecuniária sido paga no dia 1 de Novembro de 2018 – cfr. o teor de fl. 135);
– ulteriormente, foi junta a fls. 152 a 155 dos mesmos autos a certidão da sentença de 29 de Maio de 2019 (com respectivo texto disponibilizado a partir de 3 de Junho de 2019), transitada em julgado em 24 de Junho de 2019, do Processo Contravencional n.o CR4-19-0114-PCT do 4.o Juízo Criminal do TJB, condenatória do mesmo arguido, pela prática, respectivamente em 15 e 16 de Fevereiro de 2019, de duas contravenções (igualmente por condução com excesso de velocidade), p. e p. pelos art.os 31.o, n.o 1, e 98.o, n.o 4, da LTR, na inibição efectiva de condução pelo período total de três meses (por ser de um mês e 15 dias de inibição de condução para cada uma dessas contravenções);
– por despacho judicial exarado em 4 de Dezembro de 2019 a fl. 166 dos presentes autos penais, foi determinada a notificação do arguido condenado e do seu Defensor para, em dez dias, opinar sobre a possibilidade de a sanção de inibição de condução passar a ser executada de modo efectivo, devido à condenação em inibição de condução naquele processo contravencional (cfr. também o processado dessas duas notificações feito a fls. 167 e 168v);
– em 26 de Dezembro de 2019, a própria pessoa do arguido apresentou uma exposição ao Tribunal, a pedir que lhe fosse dada a oportunidade de cumprir com cuidado redobrado o julgado do processo (cfr. o teor de fls. 172 a 173);
– a Digna Delegada do Procurador junto do TJB promoveu, em 14 de Janeiro de 2020, a fl. 181, a execução efectiva da sanção de inibição de condução então imposta ao arguido no presente processo penal;
– em 17 de Janeiro de 2020, a M.ma Juíza titular do presente processo penal em primeira instância acabou por revogar a suspensão da execução da sanção de inibição do arguido, determinando a execução efectiva dessa sanção (cfr. o despacho judicial de fls. 181v a 182).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, é de notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, vê-se que o recorrente suscitou primeiro a questão de falta da sua audição pelo Tribunal recorrido antes da tomada da decisão revogatória da suspensão da execução da sanção de inibição de condução então imposta a ele no presente processo penal, e sindicou depois do mérito dessa decisão judicial.
Sobre a primeira questão, entende o presente Tribunal de recurso que não é de aplicar analogicamente a norma procedimental do art.o 473.o, n.o 2, do CPP, porquanto é a norma expressa do art.o 109.o, n.o 2, da LTR que dita que “Se durante o período de suspensão se vier a verificar nova infracção que implique a inibição de condução, a sanção de inibição de condução a aplicar é executada sucessivamente com a suspensa”.
Daí que a execução efectiva da sanção de inibição de condução anteriormente aplicada é por decorrência necessária dessa norma do n.o 2 do art.o 109.o da LTR. Ou seja, uma vez preenchidos os pressupostos previstos na hipótese dessa norma, há que observar a estatuição nela prevista, sem necessidade, pois, da audição prévia do arguido condenado.
Improcede, pois, a primeira questão posta no recurso. E mesmo que assim não se entendesse, sempre se diria que no caso concreto, a M.ma Juíza titular do processo em primeira instância já mandou ouvir o arguido e o respectivo Defensor, antes da tomada da decisão ora recorrida, tendo o arguido apresentado uma exposição escrita para pedir ao Tribunal a concessão da oportunidade.
E agora do mérito da decisão judicial ora recorrida:
O recurso não deixa de naufragar também nesta parte, porquanto é acto vinculativo para o Tribunal a determinação da execução efectiva da sanção de inibição de condução, devido à condenação do mesmo arguido em inibição de condução por prática de nova infracção, sendo certo que a norma obrigatória do n.o 2 do art.o 109.o da LTR não exige que a nova infracção aí falada tenha que ter a mesma natureza da da infracção anterior de cuja condenação resultou a aplicação da anterior sanção de inibição de condução.
No caso, tendo o recorrente, durante o período da suspensão da execução da sanção de inibição de condução então imposta no presente processo penal, voltado a praticar duas infracções (duas contravenções) com consequente condenação dele em pena de inibição de condução, a nova sanção de inibição de condução (i.e., a inibição de condução pelo período total de três meses) por aquelas duas infracções contravencionais tem que ser executada sucessivamente com a sanção de inibição de condução por cinco meses então aplicada (e suspensa na execução) no presente processo penal, de maneira que o recorrente ficará, praticamente falando, inibido de condução pelo período total de oito meses (cinco meses mais três meses).
Improcede, pois, o recurso, sem mais indagação por desnecessária ou prejudicada.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas do recurso pelo arguido, com duas UC de taxa de justiça e duas mil e oitocentas patacas de honorários a favor do seu Ex.mo Defensor Oficioso.
Macau, 17 de Setembro de 2020.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Chao Im Peng
(Segunda Juíza-Adjunta)
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