Processo nº 511/2020
(Autos de Recurso Cível e Laboral)
Data do Acórdão: 17 de Setembro de 2020
ASSUNTO:
- Direito de retenção
- Penhora
- Indemnização pela ocupação indevida
SUMÁRIO:
- Tendo havido tradição da coisa no âmbito de um contrato de promessa de compra e venda de fracção autónoma o qual posteriormente vem a ser incumprido pelo promitente vendedor, reconhecendo-se ao promitente comprador o direito de retenção sobre aquela é legitimo o uso que este faz da mesma ali tendo instalada a sua habitação e da sua família;
- O titular do direito de retenção e que vem a ser nomeado fiel depositário da fracção autónoma quando penhorada só incorre na obrigação de indemnizar o terceiro adquirente da fracção autónoma onerada com o direito de retenção e posterior penhora após o levantamento desta, uma vez que só a partir deste momento é devida a entrega da coisa.
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Rui Pereira Ribeiro
Processo nº 511/2020
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 17 de Setembro de 2020
Recorrentes: A
Recorridos: B e C
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ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
A, com os demais sinais dos autos,
veio instaurar acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra,
B, e
C, ambos, também, com os demais sinais dos autos.
Foi proferida sentença julgando a acção parcialmente procedente nos seguintes termos:
- Condenar os Réus B e C a reconhecer a Autora A como dona e legítima proprietária da fracção autónoma sita na …, Edifício X X, 9º andar “I”;
- Condenar os mesmos Réus a entregar a referida da fracção autónoma à Autora;
- Condenar os Réus a pagar à Autora uma indemnização, cujo valor relegar para a liquidação, pela ocupação da fracção desde 13 de Junho de 2019 até à efectiva restituição da fracção autónoma à Autora.
- Absolver os Réu dos restantes pedidos formulados pela Autora.
- Absolver a Autora do pedido de litigância de má fé e dos restantes pedidos formulada pelos Réus;
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- As custas dos autos serão suportadas pela Autora e pelos Réus em proporção de 95/100 e 5/100, tendo em conta o decaimento de cada um e ainda o disposto do n° 2 do art° 565° do C.P.C., visto que a Autora só tem direito de ser restituída a fracção com a extinção definitiva do direito de retenção ocorrida apenas na pendência da presente acção.
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Fixa-se em 5 Uc o incidente de litigância de má fé a cargo dos Réus.
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Registe e Notifique.
Não se conformando com a sentença proferida veio a Autora interpor recurso apresentando as seguintes conclusões:
a) O presente recurso visa impugnar o julgamento da matéria de facto, no tocante às respostas dadas pelo Tribunal a quo aos quesitos 1º e 2º da Base Instrutória;
b) Bem como o julgamento da questão do momento a partir do qual é devida a indemnização pela ocupação indevida da fracção autónoma “I9” por parte dos RR; e ainda
c) A absolvição dos RR nos pedidos de condenação no pagamento à Autora: i) do valor necessário à reposição da fracção “I9” na sua configuração original; e ii) da-quantia de MOP1.000,00, a título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso no cumprimento da decisão que ordenasse a restituição da fracção reivindicada.
d) Para fundamentar as respostas negativas aos quesitos 1º e 2º da Base Instrutória o Tribunal a quo invocou o depoimento das testemunhas e os documentos de fls. 11 a 165, 201 a 277, 323 a 335 e 381 a 407 dos autos.
e) Sucede que não foram ouvidas quaisquer testemunhas contrariamente ao que consta da fundamentação do acórdão de fls. 416 a 418.
f) E o Tribunal a quo também não teve em conta que o valor do sinal em dobro devido pelo incumprimento do contrato de compra e venda da fracção autónoma “I9”, que o 1º Réu veio cobrar em juízo no requerimento executivo de fls. 142 a 146 apresentado em 30/06/2017 era precisamente o mesmo valor que lhe foi depositado em 9/09/2011 nos autos no CV3-11-0045-CPE e que ele recusou receber, sem para tanto ter fundamento.
g) Na verdade, o 1º Réu interpôs recurso da decisão de fls. 139 a 141v proferida nos autos de consignação de depósito nº CV3-11-0045-CPE depois de ter executado o valor do sinal em dobro devido pelo incumprimento do contrato de compra e venda da fracção autónoma “I9” do edifício X X (Alínea U) dos Factos Assentes.
h) E fê-lo somente para manter vivo o direito de retenção sobre a fracção “I9” e, por conseguinte, para ter um pretexto que lhe “permitisse” continuar a retê-la, como sua habitação ou residência normal (Alínea CC) dos Factos Assentes) e a recusar-se a desocupá-la até hoje (Alínea D) dos Factos Assentes).
i) Devia, pois, a resposta aos quesitos 1º e 2º ter sido afirmativa por assim o impor toda a prova produzida nos autos e, por conseguinte, o disposto nos artigos 556º, nº 2 (análise crítica das provas), 562º, nº 3 (exame crítico das provas) e 558º, nº 1, todos do CPC.
j) Trata-se de uma questão que, aliás, não resiste ao padrão de prova do processo civil, i.e., o da “preponderância-de prova” ou “balanço de probabilidades”.
k) O qual, no caso em 'apreço, consiste em saber o que é que é mais provável, segundo um critério de normalidade.
l) E no caso em apreço, segundo tal critério, o mais provável, considerando ainda a cronologia dos factos e os normativos legais aplicáveis, era considerar que:
m) O 1º Réu se recusou a receber o valor do sinal em dobro de que lhe foi depositado em 9/09/2011 nos autos no CV3-11-0045-CPE, por não ter querido, designadamente por achar, por sua conta e risco, que lhe era mais vantajoso tentar a sorte na acção CV1-12-0006-CAO; e
n) Os RR. recusaram o recebimento da indemnização para continuarem a ocupar gratuitamente a fracção “I9” enquanto estivesse pendente o recurso que para esse efeito foi interposto dos 2º 3º e 4º travessões do segmento decisório da sentença proferida no CV3-11-0045-CPE.
o) Na decisão recorrida entendeu-se que o momento a partir do qual o direito de retenção dos RR deveria ser considerado extinto era o trânsito em julgado do processo CV1-12-0006-CAO.
p) Erradamente, porque independentemente da data do trânsito do acórdão confirmatório de fls. 353 a 364, o direito de retenção do 1º Réu B sobre a fracção “I9” foi declarado extinto pela decisão proferida em 30/06/2017 no processo CV3-11-0045-CPE.
q) Isto por os efeitos da sentença se retrotraírem à data do depósito, como resulta da lei, máxime do artº 837º do Código Civil.
r) O momento da extinção do crédito do 1º Réu e, por conseguinte, do seu direito de retenção retrotraiu-se ao momento em que a prestação se considera feita ao credor, ou seja, a 09/09/2011 (Alínea H) dos Factos Assentes);
s) Isto por força da lei, máxime do disposto nos artigos 837º e 752º, nº 1, aplicáveis à situação “sub judice” por força dos artigos 725º, a) e 751º, todos do Código Civil.
t) E, o facto de ter sido atribuído efeito suspensivo ao recurso interposto da sentença proferida em 21/07/2017 no processo CV3-11-0045-CPE significa que apenas ficaram suspensos os efeitos dessa decisão, mas a sua eficácia à data da pronúncia manteve-se porque esta foi confirmada pelo TSI em 29/11/2018.
u) Confirmação, ademais, feita ao abrigo do disposto no artº 631º, nº 5, do CPC.
v) E este desfecho resulta do facto do 1º Ré, conforme resulta do especificado na Alínea H) dos Factos Assentes, ter optado, apesar do disposto nus artigos 837º e 752º, nº 1, do Código Civil, por não aceitar a prestação que lhe foi oferecida em 09/09/2011 pela “Sociedade de Fomento Predial D Limitada”.
w) Não podendo alegar em seu favor a ignorância da lei, até porque se encontrava patrocinado por advogado na acção de consignação em depósito.
x) Sendo-lhe imputável ao 1º Réu essa opção de acordo com o princípio do dispositivo e da auto-responsabilidade das partes pela sua estratégia processual.
y) Depois, porque os RR. não fizeram prova de que o direito de retenção do 1º Réu sobreviveu ao momento em que o promitente-vendedor se considera legalmente liberado da obrigação de restituição do sinal em dobro a que tal direito servia de garantia
z) Tal liberação ocorreu na data do depósito em 09/09/2011 por força do disposto no artº 837º e 752º, nº 1 do CC, ou, pelo menos, em 21/07/2017, que corresponde à data da prolação da sentença de fls. 139 a 141v pelo TJB no processo CV3-11-0045-CPE, depois confirmada em 29/11/2018 pelo TSI (cfr. Acórdão de fls. 353 a 364).
aa) Mesmo que, por absurdo, o direito de retenção não se tivesse extinto com a obrigação de que servia de garantia como resulta da lei, sempre a obrigação do pagamento de indemnização pelo incumprimento definitivo em 4/06/1999 do contrato-promessa de compra e venda da fracção autónoma “I9” se teria constituído na data da prolação do acórdão de fls. 76 a 115v proferido pelo TSI em 16/06/2016 nos autos CV1-12-0006-CAO.
bb) Isto por o recurso interposto desse acórdão do TSI proferido em 16/06/2016 ter subido ao TUI com efeito meramente devolutivo e sido julgado improcedente em tudo o que respeitou à ora Recorrente e à fracção autónoma “I9”.
Por outro lado,
cc) Além do direito do recebimento do sinal em dobro, os únicos direitos que assistiam ao promitente-comprador nos contratos-promessa, com tradição, anteriores à entrada em vigor do actual Código Civil de Macau, eram o privilégio creditório e o direito à execução específica previstos nos artigos 2º e 3º da Lei nº 20/88/M, de 15 de Agosto.
dd) E pedido de execução específica do contrato-promessa de compra e venda da fracção autónoma “I9” foi julgado improcedente por sentença de fls. 52 a 74 proferida pelo Tribunal Judicial de Base em 27/04/2015, que transitou em julgado 10 dias após as partes dela terem sido notificadas, por ninguém, nesta parte, a ter impugnado nas suas alegações de recurso.
ee) Assim, a decisão de que só com trânsito em julgado do acórdão de fls. 128 a 138 proferido pelo TUI em 30/03/2017 se passou a saber quais as obrigações da “Sociedade de Fomento Predial D” resultantes do incumprimento do contrato-promessa de compra e venda da fracção autónoma “I9” viola o “trânsito em julgado” formado sobre o acórdão de fls. 128 a 138 do TUI na parte em que se decidiu que o incumprimento definitivo dos contratospromessa ocorreu aquando da venda das fracções a terceiros, ou seja, em 4 de Junho de 1999, quanto à fracção I9 e 5 de Dezembro de 2000, quanto à fracção H9.
ff) Tal como viola a “autoridade do caso julgado” formado na acção CV3-11-0045-CPE, na qual se julgou válido e eficaz o depósito realizado pela “Sociedade- de Fomento Predial D Limitada”; e
gg) A “autoridade do caso julgado formado sobre a decisão de fls. 382-383 proferida em 24/05/2019 na acção CV1-12-0006-CAO-C, quanto ao momento em que se extinguiu a obrigação de pagamento de indemnização pelo incumprimento do contrato promessa de compra e venda da fracção autónoma “I9”, e ainda
hh) A “autoridade do caso julgado” formado sobre a decisão de fls. 463-464 proferida em 25/10/2019 na acção CVl-12-0006-CAO-C, que resolveu a questão do momento em que se extinguiu a obrigação de pagamento de indemnização pelo incumprimento do contrato promessa de compra e venda da fracção autónoma “I9”, situando-o em 09/09/2011.
ii) Era assim proibido ao Tribunal a quo, ter voltado a apreciar o momento em que o depósito efectuado em 9/09/2011 pela “Sociedade de Fomento Predial D Limitada” se tomou válido e eficaz, por tal questão já ter ficado definitivamente resolvida no processo CV3-11-0045-CPE (por decisão de fls. 139 a 141v proferida em 27/07/2017) e no Apenso C do processo CV1-12-0006-CAO (por decisão de fls. 382-383, de 24/05/2019 e por decisão de fls. 463-464, de 25/10/2019).
jj) Também a questão de saber se os RR gozavam do direito de uso e fruição da fracção “I9” por causa da tradição, foi erradamente julgada.
kk) A mera detenção ou posse só se mantém para os fins referidos no artigo 749º do CC, enquanto o promitente comprador não for pago do seu crédito à indemnização.
ll) Nada justificava, pois, a infundada execução que moveu em 30/06/2017 contra a ora Autora a fls. 142 e ss., por causa do pagamento do valor sinal em dobro relativo ao contrato promessa de compra e venda da fracção 19 (por esse valor já lhe ter sido consignado em depósito em 9/09/2011), nem, por conseguinte, o infundado recurso que, na pendência da execução CV1-12-0006-CAO-C, interpôs da decisão proferida em 21/07/2017 (alínea T) dos Factos Assentes) nos autos no CV3-11-0045-CPE que julgou válida essa consignação.
mm) Há, pois, mora do credor desde 09/09/2011 no recebimento do valor do crédito de HKD500.000,00 (MOP515.750,00) nos termos e para os efeitos do 802º e ss. do Código Civil.
nn) Acresce que a retenção da fracção “I9” pelos RR. exorbitou os fins referidos no artº 749º do Código Civil, porquanto a retenção existe, somente, para garantir o crédito do promitente-comprador e não para lhe facultar o uso da coisa prometida.
oo) Os RR. nunca detiveram licitamente a fracção “I9” porque a usaram e usam gratuitamente, como residência da sua família, à custa da ora Recorrente.
pp) É ilícita a detenção que os RR. fazem e sempre fizeram da fracção “I9” a coberto do direito de retenção, na medida em que, ou o exercício de tal direito se extinguiu em 09/09/2011 por força do artigo 837º do Cód. Civil, ou em 21/07/2017 por força da decisão especificada na alínea T) dos Factos Assentes, ou o seu exercício se revela escandalosamente ilegítimo por exceder o fim social e económico a que se destina por força do artigo 326º do CC.
qq) A sentença recorrida padece ainda de erro de julgamento quando decide que os RR só deixaram de ter causa justificativa para a retenção da fracção autónoma “I9” em 24/05/2019, data em que foi ordenado o levantamento da penhora incidente sobre o imóvel.
rr) É que a execução sumária referida na alínea Z) dos Factos Assentes configura um censurável exemplo de abuso do direito de acção que não deve ser tolerado por clamorosamente ofensivo da justiça.
ss) Isto porque o 1º Réu não embolsou a quantia relativa ao sinal em dobro resultante do incumprimento do contrato-promessa de compra e venda da fracção “I9” objecto da execução sumária especificada na alínea U) dos factos Assentes, porque não a quis receber no processo CV3-11-0045-CPE!
tt) As regras da interpretação sinéptica impunham a não aceitação da possibilidade, como é feito na decisão recorrida, do fiel depositário se pode servir da coisa penhorada para lá viver gratuitamente, com a agravante de daquele ter ocultado em juízo que o valor da quantia exequenda já lhe havia sido oferecido.
uu) Nem é possível aceitar a injustiça dessa solução face ao disposto no disposto no nº 3 do artº 8º do CC.
vv) Além do mais, o entendimento do Tribunal a quo viola o disposto nos artigos 1113º, al. a) (Obrigações do depositário) e 1115º (Uso da-coisa e subdepósito) do CC, aplicáveis ao depositário judicial por força da remissão para os deveres gerais do depositário feita no artº 729º, nº 1 do CPC.
ww) O cargo de fiel depositário não confere ao seu titular as faculdades jurídicas, típicas do proprietário, de uso e fruir a coisa.
xx) É o que resulta do artigo 1115º do CC, segundo o qual: “o depositário não tem o direito de usar a coisa depositada nem de a dar em depósito a outrem, se o depositante o não tiver autorizado.
yy) O facto especificado na Alínea AA) dos Factos Assentes não legitima nem justifica a detenção para uso próprio e habitação que os RR. têm feito da fracção “I9” (Alínea CC) dos Factos Assentes).
zz) Pelo disposto nos artigos 837º e 752º, nº 1, aplicáveis à situação “sub judice” por força do artigo 725º, a) ex vi do artº 751º, todos do CC, o exercício que o 1º Réu fez na execução sumária CV1-12-0006-CAO-C do direito de acção executiva que a lei lhe conferia, foi manifestamente ilegítimo, gerando tal abuso mesmas consequências jurídicas que se produzem quando alguém pratica um acto que não tem direito de praticar.
aaa) E como o abuso de direito equivale à falta do direito, o 1º réu não tinha direito a executar em 2017 o crédito que já lhe havia sido consignado em depósito em 2011.
bbb) À mesma conclusão teria seguramente chegado o Tribunal a quo se tivesse conhecido da excepção do abuso de direito (por mora do credor) suscitada nos artigos 26º a 30º da Réplica.
ccc) Não o fez, pelo que houve omissão de pronúncia (alínea d), 1º período, do nº l do artigo 571º ex vi do artº artigo 563º, nº 2, ambos do CPC.
Acresce que,
ddd) Era proibido ao Tribunal a quo, voltar a apreciar, em 8/11/20l9, o momento em que se extinguiu a obrigação garantida pelo direito de retenção e, por conseguinte, o momento em que se começa a contar o período da indemnização por causa da falta de restituição da fracção autónoma em causa pelos Réus.
eee) Ao fazê-lo o Tribunal a quo violou “autoridade do caso julgado” formado sobre a decisão final de fls. 139 a 141v tomada no processo CV3-11-0045-CPE e nas decisões fls. 382-383 e de fls. 463-464 tomadas no Apenso C do processo CV1-12-0006-CAO.
fff) Os RR. não impugnaram o alegado nos artigos 30º a 33º da petição inicial, aceitando, por isso, que tinham a obrigação de restituir a fracção “I9” à Recorrente na sua configuração original tal como resultava da planta do projecto final de arquitectura e da estrutura das fracções “I9” e “H9”.
ggg) Assim face à confissão ficta resultante do artº 410º, nº 2 do CPC e das alíneas W) e X) dos Factos Assentes, nada obstava à procedência do pedido de condenação dos RR no pagamento de indemnização para a reposição da fracção autónoma “I9” na sua configuração original.
hhh) De resto, com a junção pelos RR. das duas fracções “I9” e “H9” numa só, afigura-se evidente que a fracção “I9” deixou de ser uma unidade independente, distinta e isolada da fracção contígua com a qual foi junta, perdendo por isso a sua natureza de fracção autónoma.
iii) Também não colhe o argumento expendido na decisão recorrida de que não se poderá condenar os RR no pagamento de qualquer indemnização por não se saber qual era configuração da fracção no momento da aquisição pela Recorrente.
jjj) Isto porque com a junção pelos RR. das duas fracções “I9” e “H9” numa só, afigura-se evidente que a fracção “I9” deixou de ser uma unidade independente, distinta e isolada da fracção contígua com a qual foi junta, perdendo por isso a sua natureza de fracção autónoma, tal como com ela se encontra definida nos artigos 1313º e 1315º do Cód. Civil.
kkk) O dano que a Recorrente quer ver reparado é, pois, o dano actual resultante da junção das fracções, o qual não é imprevisível nem desconhecido por já resultar provado das alíneas W) e X) dos Factos Assentes.
lll) Por outro lado, saber qual era configuração da fracção no momento da aquisição pela Recorrente era questão de que o Tribunal a quo não podia conhecer por não ter sido suscitada pelos RR. na contestação, como impunha o princípio da concentração da defesa na contestação ou da preclusão da defesa previsto no artigo 409º, nº 1 do CPC.
mmm) A fundamentação da decisão que recaiu sobre o pedido formulado na alínea (iii) é nula por excesso de pronúncia face ao disposto no artigo 571/1, alínea d), 2ª parte, do CPC ex vi do artigo 563/3 do mesmo diploma.
nnn) A decisão que julgou improcedente o pedido de fixação da sanção pecuniária compulsória só se justificaria se o Tribunal a quo tivesse julgado não haver o risco “de atraso culposo no cumprimento da decisão” previsto no artigo 333º, nº 1, do CC.
ooo) Sucede que, uma vez que o Tribunal a quo não considerou excluído o risco que a sanção pecuniária compulsória visava afastar ou prevenir e tendo ficado provada factualidade das alíneas D) e CC) dos Factos Assentes, se justificava a condenação dos RR. nos exactos termos em que foi pedida na alínea (vi) do petitório, uma vez que os RR. não impugnaram esse pedido, nem puseram em causa a razoabilidade do seu valor.
ppp) A condenação em sanção pecuniária compulsória não é um mero poder, mas um verdadeiro poder-dever do tribunal que deve ser exercido quando haja sido pedido (e foi) e se justifique (como justifica).
qqq) A decisão recorrida violou, nesta parte, o disposto nos números 1, 2 e 3 artigo 333º do CC, devendo por isso ser revogada.
Os Réus e agora Recorridos contra-alegaram apresentando a seguintes conclusões:
I. A decisão, transitada em julgado no dia 05.06.2017, proferida nos autos de Acção Declarativa Ordinária nº CV1-12-0006-CAO [instaurada em 26.01.2012], reconhece que os RR. (ora Recorridos) B e sua mulher C, iniciaram uma posse sobre a fracção “I9”, na sequência da tradição (entrega) que da mesma lhe foi feita pela “Sociedade de Fomento Predial D Limitada” - então titular do direito de concessão por arrendamento, incluindo a propriedade da construção, da referida fracção -, na sequência da celebração do contrato-promessa de compra e venda da fracção “I9” pela referida sociedade como promitente-vendedora após o recebimento da totalidade do preço acordado para a venda,
II. Na mesma decisão foi julgado que tendo a referida “Sociedade de Fomento Predial D Limitada” incumprido definitivamente o contrato-promessa de compra venda, se resolvia o contrato-promessa de compra e venda da fracção “I9” e se reconhecia ao Réu B o direito de retenção da mesma para garantia do seu crédito à indemnização que lhe era devida por tal sociedade pelo incumprimento desse contrato, em valor equivalente ao dobro ao sinal prestado, i.e. no valor de HKD500,000.00.
III. Por decisão de 27.04.2015 proferida nesses autos de Acção Declarativa Ordinária nº CV1-12-0006-CAO pelo Tribunal Judicial de Base, foram declarados improcedentes os pedidos reconvencionais, formulados pela 3ª R. A, a ora Recorrente, contra os Recorridos B e sua mulher, de restituição da-fracção “I9” (por haver sido reconhecido ao Recorrido direito de retenção sobre a mesma como garantia do seu crédito à indemnização pelo incumprimento devido pela Sociedade D) e de condenação ao pagamento de indemnização pela privação do uso e fruição da fracção “I9”, no valor de MOP767,040.00, e, ainda em MOP15,040.00 por cada mês que que permanecesse a ocupar a fracção a contar de Abril de 2012 e até à sua entrega.
IV. Inconformada a Recorrente apresentou recurso da decisão na parte relativa a essa improcedência, mas por acórdão de 16.06.2016 proferido nos autos de Recurso Civil e Laboral nº 909/2015 do Tribunal de Segunda Instância, foi confirmada a decisão,
V. Porque a decisão proferida nesses autos CV1-12-0006-CAO e transitada em julgado em 05.06.2017 não foi cumprida pela “Sociedade de Fomento Predial D Limitada”, o ora Recorrido iniciou em 30.06.2017 execução, que corre termos sob o nº CV1-12-0006-CAO-C, havendo nesses autos sido ordenada a penhora da mesma fracção (conforme registado pela inscrição nº ..., determinada pela Ap. 163 de 18.07.2017, na Conservatória do Registo Predial de Macau) e o R. B constituído seu depositário.
VI. Todos estes factos constam dos Factos Assentes e estão, assim, provados.
VII. Quando o juiz titular desse processo CV1-12-0006-CAO-C ordenou a penhora da quantia-depositada nos autos de Consignação em Depósito nº CV3-11-045-CPE que estavam suspensos a aguardar decisão dos autos de Acção Declarativa Ordinária nº CV1-12-0006-CAO, o juiz titular desse processo proferiu em 21.07.2017 a decisão que consta da al. T) dos Factos Assentes, considerando extinto o direito de retenção sobre a fracção “I9” por haver sido depositada pela devedora a “Sociedade D” a quantia de HKD500,000.00 em 09.09.2011, que equivalia à quantia de indemnização que havia sido condenada a pagar aos Recorridos, após a resolução do contrato-promessa de compra e venda, nos autos CV1-12-0006-CAO.
VIII. O Recorrente, não se conformando com essa decisão, por entender que a mesma violava o caso julgado formado pela decisão proferida nos autos CVl-12-0006-CAO, recorreu, sendo que o processo de Consignação em Depósito nº CV3-11-0045-CPE, só teve decisão definitiva com trânsito em julgado em 25 de Fevereiro de 2019, já na pendência desta acção, como consta da sentença recorrida.
IX. O exercício legítimo do direito de recorrer de uma decisão pelo Recorrido não pode nunca configurar abuso de direito, para mais quando se lhe reconhece razão naquilo que nesse recurso alegou, só se apelando para um princípio de economia processual para se justificar a preservação da parte decisória de tal sentença, sendo que, os fundamentos de tal decisão, por conterem decisões importantes sobre questões de direito necessárias à justificação da decisão também formam caso julgado.
X. Todas as decisões tomadas no âmbito da Acção Declarativa Ordinária nº CV1-l2-0006-CAO formaram caso julgado entre a Recorrente e os Recorridos, e a sua obrigatoriedade impõe-se quer às partes desse processo, quer a qualquer juiz que venha a ser chamado a pronunciar-se sobre as mesmas relações jurídicas,
XI. Ou seja, não pode a Recorrente vir de novo renovar o seu pedido de indemnização pelo dano de privação do uso e fruição da fracção autónoma “I9”, com a mesma causa de pedir, ou seja, o facto de ser proprietária da fracção, contra os Réus e ora Recorridos B e sua mulher, que nessa acção figuraram como Autores e Reconvindos – sob pena de indevida interpretação e aplicação do art. 574º do CPC.
XII. A decisão de que os Recorridos tinham direito de retenção sobre a fracção autónoma “I9”, propriedade da Recorrente, para garantia de um crédito de indemnização, constituído na acção CV1-12-0006-CAO, no valor de HKD500,000.00, que lhe é devido pela “Sociedade D”, impunha-se e obrigava o juiz titular da acção de Consignação em Depósito CV3-11-0045-CPE, bem como qualquer outro juiz que, em instância de recurso, se pronunciasse sobre a relação, que só poderiam julgar o crédito, constituído muito posteriormente à instauração da acção de consignação em depósito, extinto pelo pagamento, a partir da data da prolacção da decisão, e nunca com efeitos retroactivos à data do depósito, como pretende a Recorrente, sob pena de incorrerem em “erro grosseiro” de julgamento, designamente, quando a excepção de caso julgado já havia sido invocada pelos Recorridos nessa acção de consignação em depósito.
XIII. A Recorrente, muito convenientemente, invoca o caso julgado formado pela decisão proferida nesses autos de Consignação em Depósito CV3-11-0045-CPE, de que sequer é parte, mas esquece o anteriormente formado entre ela e os ora Recorridos, na acção CV1-12-0006-CAO.
XIV. Mas, há ainda que relevar que, na data em que se declara extinto o direito de retenção, já o Recorrido B havia sido nomeado depositário da fracção “I9” que havia sido penhorada nos autos de execução CV1-12-0006-CAO-C e, que, portanto, o direito real de que a Recorrente é titular sobre a fracção “I9” já havia sido esvaziado dos poderes de gozo que o integram, os quais, passaram para o tribunal, que, em regra, os exerce através dum depositário.
XV. Quando a penhora incide sobre o objecto corpóreo de um direito real- ou seja, uma coisa -, a-transferência dos poderes de gozo importa uma transferência de posse, cessando a posse do executado ou terceiro e iniciando-se uma nova posse pelo tribunal.
XVI. Nomeado um depositário, este passa a exercer uma posse em nome alheio, ou seja, em nome do tribunal, sobre o bem penhorado, que lhe compete administrar, sendo que a tomada de posse quando tiver por objecto imóvel, se faz nos termos do art.723º, nº 3, do CPC.
XVII. A este empossamento formal, deve corresponder um empossamento material sobre a coisa penhorada, como se depreende do art. 725º do CPC, que estipula que quando o depositário encontrar dificuldades em tomar conta dos bens pode requerer que um funcionário do tribunal se desloque ao local da situação dos prédios, a fim de lhe fazer a entrega efectiva.
XVIII. Ora, quando a coisa penhorada é objecto de um direito de retenção (direito real de garantia de um crédito que só existe se o credor tiver essa posse) há que proteger o retentor que tenha o seu direito de retenção reconhecido em acção judicial e que, assim, de facto, está na posse material da coisa (pois o direito de retenção permite a posse da coisa, podendo o credor usar em relação à coisa retida das acções destinadas à defesa da sua posse, ainda que contra o próprio dono da coisa - art. 666º do C.C., “ex vi” art. 749º, nº 3, do mesmo C.C.
XIX. Havendo o Recorrido B sido constituído depositário da fracção “I9”, penhorada nos autos de execução CV1-12-0006-CAO, no dia 18.07.2017, conforme o termo de penhora que consta a fls. 39 desses autos, a posse que lhe foi transferida pelo tribunal, só pode ser dada por finda por decisão do juiz que ordenou a penhora que, para o efeito, tem que notificar do facto o depositário, para que este devolva a posse que exerce em nome do tribunal.
Foram colhidos os vistos.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
1. FACTOS
Na decisão recorrida foi dada por assente a seguinte matéria de facto:
Da Matéria de Facto Assente:
- A Autora é a proprietária da fracção designada por “I9” do prédio descrito sob o nº... na Conservatória do Registo Predial de Macau, por a ter adquirido por escritura pública de compra e venda de 18/12/2007, lavrada a fls. … do Livro de … do Notário Privado .... (alínea A) dos factos assentes)
- O competente registo foi lavrado na Conservatória do Registo Predial a favor da A, ora a Autora, conforme inscrição n.º.... (alínea B) dos factos assentes)
- A Autora tomou conhecimento que a referida fracção se encontrava ocupada pelos Réus, comunicou-lhes que deveriam abandoná-la, deixando-a livre e desocupada. (alínea C) dos factos assentes)
- Os Réus recusaram-se até hoje. (alínea D) dos factos assentes)
- A “Sociedade de Fomento Predial D, Limitada” (doravante abreviadamente designado por D), e o 1º Réu tinham celebrado dois contratos-promessa em 10/03/1999, em que aquela prometeu vender a este as fracções autónomas designadas por “I9” e “H9”, do Ed. X X. (alínea E) dos factos assentes)
- Em 15/03/2011, a D instaurou uma acção especial de consignação em depósito contra o ora 1º Réu para se se livrar da obrigação de celebrar o negócio definitivo de compra e venda das referidas fracções do Ed. X X (cfr. doc. de fls. 29 a 31). (alínea F) dos factos assentes)
- Na referida acção especial de consignação em depósito distribuída no Tribubnal Judicial de Base sob o n.ºCV3-11-0045-CPE, a D formulou os seguintes pedidos:
i) 批准聲請人於本地區政府庫房之負責實體存放澳門幣柒拾貳萬貳仟肆佰圓正 (MOP$722,400.00),並發出付款憑單,以用作支付因不履行該H9獨立單位之《承諾樓宇買賣合約》而產生之全部債務及賠償款項;
ii) 解除上述H9獨位單位之《承諾樓宇買賣合約》;
iii) 解除上述H9獨位單位之留置權;
iv) 批准聲請人於本地區政府庫房之負責實體存放澳門幣伍拾壹萬伍仟柒佰伍拾圓正 (MOP$515,750.00),並發出付款憑單,以用作支付因不履行該I9獨立單位之《承諾樓宇買賣合約》而產生之全部債務及賠償款項;
v) 解除上述I9獨位單位之《承諾樓宇買賣合約》;
vi) 解除上述I9獨位單位之留置權;
vii) 此外,請求向債權人作出傳喚,以便其欲作出答辯時於30日內作出答辯;及
viii) 債權人作出答辯時,由債權人支付全部法院訴訟費用。(alínea G) dos factos assentes)
- Em 09/09/2011, a D depositou a indemnização no valor total de MOP$1.238.150,00 na entidade responsável para pagar o sinal em dobro de HKD$500.000,00 (MOP$515.750,00) resultante do não cumprimento do contrato-promessa de compra e venda relativo à fracção “I9” juntamente com o sinal em dobro de HKD$700.000,00 (MOP$722.400,00) resultante do não cumprimento do contrato-promessa de compra e venda relativo à fracção “H9”. (alínea H) dos factos assentes)
- Por causa do referido processo n.ºCV3-11-0045-CPE, os ora Réus B e C propuseram uma acção declarativa com processo comum na forma ordinária em 26/01/2012, contra:
* Sociedade de Fomento Predial D, Limitada;
* E;
* A, a ora Autora;
* F; e
* Companhia do Grupo G, Limitada. (alínea I) dos factos assentes)
- Na referida acção declarativa distribuída no Tribunal Judicial de Base sob o n.º CV1-12-0006-CAO, os ora Réus B e C, ali AA., formularam os seguintes pedidos:
1. Julgarem- se nulas e de nenhum efeito, por serem absolutamente simulados, as seguintes compras e vendas celebradas,
a. Por escritura de 04/06/1999, lavrado a fls. … do Livro de Notas para Escrituras Diversas nº… do Nº… do Notório Privado X, pela qual a 1ª R. declarou vender ao 2º R., a fracção autónoma “I9”, do prédio descrito sob o nº... na Conservatória do Registo Predial de Macau, pelo preço de MOP$862.640,00 (oitocentos e sessenta e duas mil seiscentas e quarenta patacas);
b. Por escritura de 18/12/2007, lavrado a fls. … do Livros de Notas para Escrituras Diversas nº… do Notório Privado ..., pela qual o 2º R. E, representado por seu procurador H, declarou vender à 3ª R., a fracção autónoma “I9”, do prédio descrito sob o nº... na Conservatória do Registo Predial de Macau, pelo preço de MOP$1.100.000,00 (um milhão e cem mil patacas);
c. Por escritura de 05/12/2000, lavrado a fls. 40 do Livro de Notas para Escrituras Diversas nº16 do Notório Privado António Passeira, pela qual a 1ª R. declarou vender ao 4º R., F, as fracções autónomas “A5”, “C5”, “E5”, “F5”, “G5”, “H5”, “J5”, “K5”, “L5”, “F8”, “L8”, “C9”, “D9”, “E9”, “F9”, “G9”, “H9”, “K9” e “H16”, todos do prédio descrito sob o nº... na Conservatória do Registo Predial de Macau, sendo o preço declarado aí indicado relativamente à fracção “H9” de MOP$651.200,00 (seiscentas e cinquenta e um mil e duzentas patacas), só na parte que incide sobre esta última fracção autónoma;
d. Por escritura de 28/02/2001, lavrado a fls. … do Livro de Notas para Escrituras Diversas nº… do Notório Privado X, pela qual o 4º R., F, representado por seu procurador H, declarou vender à 5ª R., “Companhia de Grupo G Limitada”, a fracção autónoma “I9”, do prédio descrito sob o nº... na Conservatória do Registo Predial de Macau, pelo preço de MOP$800.000,00 (oitocentas mil patacas);
2. Ordenar-se o cancelamento na Conservatória do Registo Predial de Macau dos registos de aquisição que têm por causa as referidas compras, simuladas, designadamente, os efectuados mediante as inscrição nº... (a favor do 2º R.), nº... (a favor do 3ª R.), nº... (a favor do 4º R.) na parte que incide sobre fracção autónoma “H9” do prédio descrito sob o nº..., e nº... (a favor da 5ª R.) e, bem assim, de todos e quaisquer registos que porventura hajam sido feitos, posteriormente e na sequência daqueles, sobre as fracções autónomas “H9” e “I9” do prédio descrito sob o nº...;
3. Emitir-se sentença constitutiva que, produzindo os efeitos da declaração negocial das partes, declare vendidas pela 1ª R. ao 1º A., pelos preços já totalmente pagos de HKD$350.000,00 (trezentos e cinquenta mil dólares de Hong Kong) e HKD$250.000,00 (duzentos e cinquenta mil dólares de Hong Kong), a propriedade das fracções autónomas designadas por “H9” e “I9”, ambas do prédios, nos …, inscrito na Matriz Predial do Concelho de Macau sob o artigo nº... e descrito sob o nº... na Conservatória do Registo Predial de Macau, com a constituição do regime de propriedade horizontal registado pela inscrição nº... do Livro …;
4. Condenar-se os 1º a 5º RR. no pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais de MOP$717.444,00 (setecentas e dezassete mil quarenta e quatro patacas [=MOP$417.444,00+MOP$300.000,00])
Subsidiariamente, para o caso de não se considerar provado e procedente o pedido de simulação absoluta das transmissões das fracções:
5. Declarar resolvidos os contratos-promessa de compra e venda celebrados em 10/03/1999 entre a 1ª Ré e o 1º A., pelos quais aquela prometeu vender a este, as fracções autónomas designadas por “H9” e “I9”, do Ed. X X, pelos preços de, respectivamente, HKD$350.000,00 (trezentos e cinquenta mil dólares de Hong Kong) e HKD$250.000,00 (duzentos e cinquenta mil dólares de Hong Kong), pagos na totalidade no momento da celebração e subscrição desses contratos;
6. Condenar a 1ª Ré ao pagamento de uma indemnização pela impossibilidade faltosa de cumprimento no valor de MOP$17.853.600,00 (dezassete milhões oitocentos e cinquenta e três mil e seiscentos patacas);
7. Sempre reconhecendo o direito de retenção do 1º A. no que respeita às fracções autónomas “H9” e “I9”, do prédio descrito sob o nº... na Conservatória do Registo Predial de Macau, para garantia dos seus direitos de crédito (cfr. doc. de fls. 34 a 43). (alínea J) dos factos assentes)
- A 3ª Ré A do processo n.ºCV1-12-0006-CAO, ora Autora, contestou e reconveio, pedindo que fosse declarada como proprietária da fracção “I9” e a condenação dos AA./Reconvindos a reconhecer-lhe o seu direito de propriedade, bem como a entregar-lhe a fracção em causa livre de pessoas e bens e ainda a pagar-lhe uma indemnização no valor de MOP$767.040,00, acrescida do valor de MOP$15.040,00 por cada mês que os Reconvindos permanecessem a ocupar a fracção até à sua entrega a contar de Abril de 2012. (alínea K) dos factos assentes)
- Entretanto no processo n.ºCV3-11-0045-CPE, o Tribunal considerou que a decisão do processo n.ºCV3-11-0045-CPE estava dependente da sorte dos autos de CV1-12-0006-CAO, pelo que suspendeu os autos CV3-11-0045-CPE até ao trânsito em julgado dos autos de CV1-12-0006-CAO. (alínea L) dos factos assentes)
- Na sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Base em 27/04/2015 no processo n.ºCV1-12-0006-CAO, o Tribunal Judicial de Base julgou a acção parcialmente procedente porque provada e em consequência:
* Condena-se a 1ª Ré Sociedade de Fomento Predial D Limitada, a pagar ao 1º Autor B a quantia de MOP$17.819.000,00 (equivalente a HKD$17.300.000,00);
* Reconhece-se o direito de retenção do 1º Autor B quanto às fracções “H9” e “I9” melhor identificado nos autos;
* Absolvem-se os Réus dos demais pedidos.
Quanto à reconvenção julgando-se a mesma parcialmente procedente por parcialmente provada decide-se:
* Reconhecer a 3ª Ré titular do direito à concessão por arrendamento e propriedade de construção da fracção autónoma designada pela letra “I9” melhor identificada nos autos e em consequência condena-se o 1º Autor a reconhecer àquele como titular do indicado direito;
* Julga-se improcedente o pedido de restituição da fracção autónoma designada pela letra “I9”, bem como o pedido de condenação do 1º Autor no pagamento de indemnização, indo este absolvido dos mesmos. (alínea M) dos factos assentes)
- A parte decisória constante da referida sentença que reconheceu a ora Autora como titular do direito à concessão por arrendamento e propriedade de construção da fracção autónoma designada pela letra “I9” melhor identificada nos autos e em consequência condenou o B a reconhecê-la como titular desse direito já transitou em julgado por nenhuma das partes nela vencidas a terem impugnado nas suas alegações de recurso. (alínea N) dos factos assentes)
- O 1º Autor (ora 1º Réu), a 1ª Ré e a 3ª Ré (ora Autora) do processo n.ºCV1-12-0006-CAO interpuseram recursos da sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Base em 27/04/2015. (alínea O) dos factos assentes)
- Interposto recurso da sentença do processo n.ºCV1-12-0006-CAO pela “Sociedade de Fomento Predial D, Limitada” e “Companhia do Grupo G, Limitada”, o Tribunal de Segunda Instância, por Acórdão de 16 de Junho de 2016, decidiu, além do mais:
* Revogar parcialmente a sentença recorrida;
* Condenar a Sociedade de Fomento Predial D Limitada a pagar a 1º Autor B (ora Réus) a quantia equivalente ao sinal em dobro, relativamente à fracção “I9” e ao valor de fracção “H9”, no momento em que ela foi vendida ao 4º R., com dedução do preço convencionado, e devendo ser restituído o sinal e quantias entregues pelo promitente-comprador, valor a apurar em liquidação de execução de sentença, se o valor desse dano objectivamente determinado for superior ao valor do sinal em dobro, sendo este o valor devido se o valor da valorização/desvalorização for inferior;
* Manter o reconhecimento do direito de retenção do 1º Autor B quanto às referidas fracções “H9” e “I9” (doc. 10). (alínea P) dos factos assentes)
- Recorrem o B e C para o Tribunal de Última Instância, pedindo, tal como decidiu a sentença de 1ª instância, a condenação da 1ª Ré Sociedade de Fomento Predial D Limitada a pagar a 1º Autor B a quantia de MOP$17.819.000,00, equivalente a HKD$17.300.000,00. (alínea Q) dos factos assentes)
- Através do acórdão n.º5/2017 proferido em 30/05/2017 pelo Tribunal de Última Instância, concedem parcial provimento ao recurso:
* Confirmam o acórdão recorrido na parte em que condenou a 1ª Ré, Sociedade de Fomento Predial D Limitada, a pagar ao 1º Autor, B, a quantia equivalente ao sinal em dobro relativamente à fracção I9;
* Revogam o acórdão recorrido na parte atinente à fracção H9, condenando a 1ª Ré, Sociedade de Fomento Predial D, Limitada, a pagar ao 1º Autor, B, a quantia de HKD$10.000.000,00 (dez milhões de dólares de Hong Kong). (alínea R) dos factos assentes)
- O acórdão n.º5/2017 proferido em 30/05/2017 pelo Tribunal de Última Instância transitou em julgado em 5 de Junho de 2017. (alínea S) dos factos assentes)
- Em 21/07/2017, na acção da consignação de depósito n.ºCV3-11-0045-CPE, relativo à fracção “I9”, o Tribunal Judicial de Base decidiu:
* 裁定聲請人就“I9”單位的存放屬有效;
* 宣告聲請人因違反“I9”單位的預約買賣合同產生的賠償義務消滅;
* 宣告被聲請人因違反“I9”單位的預約買賣合同而可能享有的留置權消滅。(alínea T) dos factos assentes)
- Em 30/06/2017, o B executou a decisão que condenou a ora Autora “Sociedade de Fomento Predial D, Limitada” a pagar-lhe o sinal em dobro resultante do não cumprimento do contrato-promessa de compra e venda relativo à fracção “I9”. (alínea U) dos factos assentes)
- B havia interposto recurso da decisão proferida na CV3-11-0045-CPE que julgou extinto o direito de retenção. (alínea V) dos factos assentes)
- Segundo as plantas do projecto final de arquitectura e de estrutura das fracções “I9” e “H9”, tratam-se de duas fracções autónomas independentes, distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do condomínio. (alínea W) dos factos assentes)
- Os Réus juntaram as duas fracções numa só. (alínea X) dos factos assentes)
- A fracção “I9” tem o seu valor locativo (de mercado) adiante discriminado por ano:
* MOP$7.000,00 por mês no ano 2011;
* MOP$7.700,00 por mês no ano 2012;
* MOP$9.200,00 por mês no ano 2013;
* MOP$10.000,00 por mês no ano 2014;
* MOP$12.100,00 por mês no ano 2015;
* MOP$10.900,00 por mês no ano 2016; e
* MOP$12.000,00 por mês no ano 2017. (alínea Y) dos factos assentes)
- À data da propositura desta acção, a referida fracção se encontrava penhorada nos autos de Execução Sumária CV1-12-0006-CAO-C, pois a penhora sobre a fracção foi registada pela inscrição n.º..., determinada pela Ap. 163 de 18/07/2017. (alínea Z) dos factos assentes)
- Havendo sido constituído como depositário da fracção penhorada “I9” nesses autos de execução o R. B, o que determina que a fracção lhe havia sido entregue em depósito pelo tribunal. (alínea AA) dos factos assentes)
- Os RR. com a instauração da presente acção determinaram que os RR. se constituíssem na obrigação de pagar à sua mandatária a título de honorários de advogado a quantia de MOP$50.000,00. (alínea BB) dos factos assentes)
- Os RR. não se limitam a reter a fracção no exercício do direito de retenção que a lei lhe confere para garantia do pagamento do que lhe é devido pela 1ª Ré, antes a continuando a fruir, fazendo dela a sua habitação ou residência normal. (alínea CC) dos factos assentes)
2. DO DIREITO
Nas conclusões de recurso a) a c) a Recorrente limita o âmbito do recurso ao seguinte:
1. Resposta dada à matéria dos itens 1º e 2º da Base Instrutória;
2. Momento a partir do qual é devida a indemnização pela ocupação indevida da fracção autónoma “I9” por parte dos Réus;
3. Valor necessário à reposição da fracção “I9” na sua configuração original;
4. Sanção pecuniária compulsória.
Vejamos então.
1. Resposta dada à matéria dos itens 1º e 2º da Base Instrutória
No que concerne a este argumento invoca a Recorrente nas conclusões d) e e) que a convicção do tribunal resultou do depoimento das testemunhas as quais não foram ouvidas, no que, não lhe assiste razão, uma vez que, como resulta do Acórdão a fls. 417 e do despacho de fls. 419 a referência à audição de testemunhas foi eliminada por se tratar de manifesto lapso.
Nas conclusões constantes de f) a n) a argumentação que se usa é a da discordância com a decisão do tribunal a quo quanto à resposta dada àqueles dois itens da base instrutória.
Ora, tal como tem vindo a ser entendimento deste tribunal a impugnação da matéria de facto não pode assentar num entendimento ou numa interpretação diferente da realidade, tendo que se basear na especificação concreta dos meios probatórios que serviram à fundamentação e, ou aqueles que haveriam de ter sido usados, e que impunham uma conclusão diferente.
Tal como se refere no sumário do Acórdão deste tribunal de 09.05.2019 proferido no processo nº 240/2019 «II - para que a decisão da 1ª instância seja alterada, haverá que averiguar se algo de “anormal”, se passou na formação dessa apontada “convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção do julgador de 1ª instância, retratada nas respostas que se deram aos factos, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, ou com outros factos que deu como assentes.».
Ora, no caso em apreço das conclusões de recurso não resulta para além da discordância qualquer erro na argumentação do tribunal quanto à convicção sobre a resposta dada à matéria da base instrutória, e os argumentos constantes da fundamentação da resposta dada à base instrutória mostram-se de acordo com a situação de facto que respeita à situação dos autos e de acordo com o direito, nada havendo em face dos vários processos que foram instaurados que permitisse outra solução que não aquela.
Pelo que, nada havendo a apontar à decisão do tribunal “a quo” quanto à resposta dada à base instrutória, nesta parte apenas pode improceder o recurso.
2. Momento a partir do qual é devida a indemnização pela ocupação indevida da fracção autónoma “I9” por parte dos Réus
Sobre esta matéria versam as conclusões de recurso o) a eee).
Vejamos então.
Como resulta dos autos em 15.03.2011 o promitente vendedor da fracção autónoma a que se reportam os autos veio requerer a consignação em depósito do sinal em dobro para se desonerar da obrigação de cumprir a obrigação decorrente do contrato de promessa de compra e venda.
Esse processo que correu termos sob o nº CV3-11-0045-CPE foi suspenso até que fosse proferida decisão no processo que correu termos sob o nº CV1-12-0006-CAO.
Independentemente dos efeitos do recurso o que apenas contende com a possibilidade, ou não, de execução imediata da decisão recorrida, a decisão proferida no processo CV1-12-0006-CAO só transitou em julgado em 05.06.2017 com a decisão do TUI na qual se reconheceu aos aqui Réus o direito a receber a indemnização igual ao valor do sinal em dobro e o direito de retenção da fracção, sendo julgado improcedente o pedido de indemnização formulado contra o Autor pela aqui agora Autora.
Tal como consta da matéria de facto «A parte decisória constante da referida sentença que reconheceu a ora Autora como titular do direito à concessão por arrendamento e propriedade de construção da fracção autónoma designada pela letra “I9” melhor identificada nos autos e em consequência condenou o B a reconhecê-la como titular desse direito já transitou em julgado por nenhuma das partes nela vencidas a terem impugnado nas suas alegações de recurso. (alínea N) dos factos assentes)».
Ou seja, em tudo o mais veio a ser interposto recurso daquela decisão, só havendo decisão definitiva com o Acórdão do TUI.
Pelo que, tal como consta da matéria de facto o pedido da «A 3ª Ré A do processo n.ºCV1-12-0006-CAO, ora Autora, contestou e reconveio, pedindo que fosse declarada como proprietária da fracção “I9” e a condenação dos AA./Reconvindos a reconhecer-lhe o seu direito de propriedade, bem como a entregar-lhe a fracção em causa livre de pessoas e bens e ainda a pagar-lhe uma indemnização no valor de MOP$767.040,00, acrescida do valor de MOP$15.040,00 por cada mês que os Reconvindos permanecessem a ocupar a fracção até à sua entrega a contar de Abril de 2012. (alínea K) dos factos assentes)» já foi decidido e transitou em julgado com efeitos até à data do Acórdão do TUI, isto é, até 05.06.2017, tal como – e muito bem – se refere nas X e XI conclusões de resposta do Recorrido.
Destarte, sempre estaria a questão resolvida por força do caso julgado, a não ser que após a data daquela decisão outras causas houvessem surgido que justificassem novo pedido.
Porém e se tal não fosse já o bastante vejamos ainda.
Após ter sido proferida aquela decisão (do TUI) no processo CV3-11-0045-CPE foi decidido que:
«- Julgar válida a consignação em depósito, por parte da requerente, relativa à fracção “I9”;
- Declarar a extinção da obrigação de indemnização resultante do incumprimento do contrato-promessa de compra e venda da fracção “I9”;
- Declarar a extinção do direito de retenção de que o requerido eventualmente goza pelo incumprimento do contrato-promessa de compra e venda da fracção “I9”.».
Esgrime-se a Recorrente de que a indemnização se tem de ter por paga em 09.09.2011 quando a D depositou o valor da indemnização devida por força do artº 837º do C.Civ., porém, não lhe assiste razão.
Não cabe aqui apurar da bondade das decisões proferidas no processo de consignação em depósito, mas as decisões ali proferidas vão além da consignação em depósito pura e simples pelo que há que separar o que respeita a esta e o que com ela não se relaciona.
Tal como se refere no Acórdão deste Tribunal proferido em sede de recurso da decisão de 1ª Instância na Consignação em Depósito, quando esta foi requerida ainda não o podia ser.
Apenas de acordo com o disposto no artº 566º do CPC se considerou que face aos factos supervenientes, após o transito em julgado da decisão do TUI, passou aquela acção – a Consignação em depósito - a ser possível, tendo-se com base nesse argumento, concluído pela inutilidade do recurso quanto à admissibilidade do processo.
Ora a decisão judicial tem ser interpretada no seu todo, pelo que, não cabendo agora dela apreciar não se pode aceitar que face ao disposto no artº 837º do C.Civ. produzisse efeitos quando a decisão que diz ser admissível refere expressamente que tal só é possível após a decisão do TUI.
Logo por força da decisão deste TSI nunca a consignação em depósito poderia produzir efeitos antes do trânsito em julgado daquela decisão do TUI o que só aconteceu em 05.06.2017.
Mas nas conclusões de recurso também se gera alguma confusão quanto aos efeitos da consignação em depósito.
A consignação em depósito visou apenas o depósito da indemnização.
É certo que no caso em apreço o pagamento da indemnização ao credor, aqui Recorridos, extingue o direito de retenção sobre a fracção a que se reportam os autos.
Agora, não se pode considerar a indemnização paga antes de estar reconhecido o direito a ela e a obrigação de a prestar e essa questão só se consolida na ordem jurídica com o trânsito em julgado da decisão do TUI, uma vez que só ai é que, definitivamente se reconhece o direito de retenção dos aqui Recorridos e o direito a receberem a indemnização, pelo que, só após a constituição do direito à indemnização é que o devedor se poderia desobrigar da sua obrigação, uma vez, que, como resulta de todas as decisões judiciais a que os autos aludem, até então não era certo o direito nem o valor da indemnização.
Quanto muito os efeitos previstos no artº 837º do C.Civ. quanto ao cumprimento da obrigação indemnização poderiam produzir-se para efeitos de contagem de juros quanto ao pagamento da indemnização – pese embora não seja questão objecto destes autos – mas nunca quanto à extinção do direito de retenção, seja porque o processo – consignação em depósito - nada tem a ver com este direito (o de retenção), mas com a obrigação do promitente vendedor de cumprir a promessa, seja porque o direito (de retenção) só muito mais tarde é que vem a ser reconhecido.
Como resulta do próprio artº 837º do C.Civ. no processo de consignação em depósito há que julgar apenas validamente prestado o depósito.
Só após se ter julgado validamente prestado o depósito é que se julgou extinta a obrigação de indemnizar e o direito de retenção, o que, já não cabe no comando do artº 837º do C.Civ..
É no momento que cessa o direito de retenção que o credor, por estar pago da indemnização tem de proceder à devolução da coisa.
Essa decisão data de 21.07.2017, momento em que se outra causa não houvesse para justificar não o fazer, deveria o credor ter entregue a coisa.
Momento este, que por sua vez, também, surge para além do caso julgado (da decisão no processo CV1-12-0006-CAO) já formado quando à indemnização pedida pela agora aqui Autora.
Nas suas conclusões de recurso invoca ainda a Recorrente que o direito de retenção visa apenas garantir o cumprimento do crédito do promitente comprador não lhe permitindo usar a coisa prometida ali fazendo a sua residência e da sua família.
Por serem de todos conhecidas, não vale a pena estar aqui a discorrer sobre as razões que estão na génese da atribuição do direito de retenção ao promitente comprador que recebeu a coisa quando se trata de imóvel – artº 745º e 820º do C.Civ. -, uma vez que, tendo havido a entrega da coisa essa entrega visa fazer dela (do imóvel) o uso a que se destina, salvaguardando-se muitas das vezes o direito à habitação do promitente comprador por ser esse o que está na génese da aquisição.
Pelo que, é irrelevante estar aqui a argumentar qual o uso que os Recorridos deram à fracção autónoma a que respeitam os autos, sendo certo que nada sustenta a argumentação de que tendo o direito de retenção da mesma nela não pudessem ter instalada a sua residência e da sua família, ou até dá-la em arrendamento ou outro fim desde que dentro do destino da mesma, considerando que a receberam e lhes foi entregue por quem ao tempo era o dono da mesma e no âmbito/cumprimento de um contrato de promessa de compra e venda – e não por força do direito de retenção - que posteriormente veio a ser violado pela outra parte, situação que originou o direito de retenção, sendo certo que, esse mesmo direito existe porque a entrega/tradição da coisa já havia sido feita antes para lhe dar o uso a cujos fins se destinava.
Improcedendo assim toda a argumentação nesse sentido.
A questão que cabe agora apreciar tem a ver com a conclusão qq) e seguintes, e consiste em decidir da justiça de decisão sob recurso quando conclui que esse uso da fracção autónoma a que se reportam os autos foi legítimo até à data em que foi levantada a penhora, ou se pelo contrário, haveria de se dar por findo quando se extingue o direito de retenção.
O que está em causa não é penalizar os aqui Réus por estarem a usar a fracção a que se reportam os autos para a sua habitação, sentido no qual parecem conduzir as conclusões de recurso da recorrente.
Note-se, que tal como resulta de todas as situações proferidas e juntas aos autos, na situação sub judice os aqui Réus não são os “vilões da história” mas aqueles que tendo prometido comprar a fracção autónoma objecto destes autos, pago integralmente o preço e recebido a tradição da coisa, viram depois a mesma, ser vendida a terceiros quando já nela habitavam há vários anos, tendo esta situação sido objecto de dois processos judiciais e a decisão da extinção do direito de retenção só ter transitado em julgado em 25.02.2019.
O que cabe apreciar é o direito da Recorrente de ser indemnizada pela privação do uso da fracção autónoma penhorada.
Como se refere na sentença recorrida «Ora, como fracção autónoma encontra-se penhorada à ordem daquele processo, a Autora, ainda na qualidade de proprietário, só pode obter a sua restituição mediante meios de impugnação contra à penhora na sede própria, p.ex, embargos de terceiro no âmbito do processo de execução.
Por outra banda, na qualidade de depositário, o 1° Réu poderá recusar a entrega a fracção a quem quer que seja sem decisão judicial do Tribunal à ordem do qual é penhorada a fracção.
Como não tem a Autora o direito de ser restituída a fracção que tinha sido entregue legalmente ao 1° Réu, não tendo aquele o direito à indemnização por a não restituição da fracção não é ilegal e ilegítima.
No entanto, a penhora já foi levantada por despacho transitado em julgado em 13 de Junho de 2019. (cfr. fls. 381 a 383)
Com o levantamento da penhora, os Réus deixaram de ter qualquer título que os legitimam a reter a fracção, devendo a mesma ser entregada ao seu legítimo proprietário, ora Autora, cuja qualidade já foi reconhecida por decisão judicial.».
Seja, porque nela habitasse, seja porque era o fiel depositário da fracção autónoma, esta (a fracção autónoma) estava entregue ao Réu e não podia ser entregue à Autora.
Pelo que, até que foi levantada a penhora não sofreu a Autora qualquer prejuízo causado pelo Réu por não poder dispor da fracção autónoma, uma vez que, face ao direito de retenção e à posterior penhora, não o podia fazer.
Por outro lado há que não esquecer, novamente, a razão que está na génese do direito de retenção do Réu com base no qual pode executar a fracção autónoma sobre a qual aquele impende com vista a obter o pagamento do seu crédito – razão última pela qual aquele direito é concedido -.
Logo, pelas mesmas razões já acima expostas, nada obsta que ainda que já se esteja em fase de penhora sobre o bem, enquanto não houver pagamento/entrega da indemnização o titular do direito de retenção e exequente continuem na detenção/uso da coisa como até ali vinha fazendo, não havendo razão alguma para que altere o uso que lhe dava desde que houve tradição da mesma.
Pelo que, mais uma vez, bem se decidiu na decisão sob recurso em contabilizar apenas a data em que a penhora é levantada como o momento a partir do qual a ocupação da fracção autónoma pelos Réus passou a ser violadora do direito da Autora.
Ao assim se decidir e ao contrário do que consta nas conclusões de recurso ddd) e eee) o Tribunal não viola a autoridade do caso julgado uma vez que no processo de consignação em depósito apenas se declare extinta a obrigação de indemnizar e o subsequente direito de retenção que garantia aquela porque o depósito do dinheiro para o efeito já estava feito no processo, mas não resulta daí que haja sido paga e o direito do credor só fica satisfeito quando recebe o pagamento.
Assim improcedem também as conclusões de recurso qq) a eee).
Como já se referiu supra, violação do caso julgado haveria se houvesse alguma decisão a arbitrar a indemnização pedida pela Autora a contar de data anterior à decisão do TUI no processo CV1-12-0006-CAO, isto é, antes de 05.06.2017.
3. Valor necessário à reposição da fracção “I9” na sua configuração original
Sobre esta questão versam as alegações de recurso fff) a mmm).
Sobre esta matéria na decisão recorrida decidiu-se que:
«Indemnização do valor da reposição
Peticiona a Autora a condenação dos Réus no pagamento do valor necessário à reposição da fracção “I9” na sua configuração original.
Não nos entendemos que houve, no caso em apreço, fundamentos justificativos da sua fixação por seguintes razões:
Primeiro, não podemos antever o estado em que a fracção será restituída à Autora, é imprevisível a existência ou não dos danos alegados pela Autora.
Segundo, nunca foram alegados pela Autora factos como era a configuração original.
Repara-se que, efectivamente, segundo as plantas do projecto final e arquitectura e de estrutura, as fracções “I9” e “H9” são duas fracções independentes, distinta e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do condomínio. Porém, a Autora adquiriu a fracção em causa com a Sociedade D somente em 2007, por razão lógica, a configuração original devia referir-se a esse momento e não ao tempo antes. Mas, de acordo com os factos provados na sentença do CV1-12-0006-CAO, a Autora não acedeu nem viu a fracção por ela comprada, então, qual é a configuração original que pretendeu dizer? Mais não se esquece que, à altura da aquisição pela Autora em 2007, a mesma fracção já foi prometida vender e entregue ao 1° Réu e que este e a sua família já estava nela a residir, e muito provavelmente, as duas fracções já se encontravam juntas.
Assim, quer por não se saber qual foi a configuração da fracção no momento da aquisição pela Autora quer por imprevisibilidade da existência de danos, não se poderá condenar os Réus no pagamento de qualquer indemnização.».
Nas conclusões de recurso sustenta a Recorrente que o dano é actual e existente face à matéria das alíneas w) e X) dos factos assentes.
Porém o que resulta das alíneas w) e X) é que as fracções “I9” e “H9” são autónomas e independentes e que os Réus as juntaram numa só.
No entanto nada se provou quanto à forma como foram juntas.
Abriu-se uma porta? Retirou-se uma parede?
Quando se diz que se juntam as duas fracções numa só, depreende-se que foi criada uma forma de passar de uma fracção para a outra, mas daí a saber-se como, nada se diz.
Quanto ao direito a ser indemnizada por banda da Recorrente é também necessário que quando a fracção for entregue essa situação ainda subsista.
Ao contrário do que se alega em sede de recurso o facto de para se aferir o valor dos danos ser necessário saber qual era a situação a repor, também, não enferma de qualquer excesso de pronúncia, uma vez que, como resulta do artº 556º e seguintes do C.Civ., havendo que repor a situação em que o lesado se encontrava, é essencial a prova da mesma, isto é, qual era a situação anterior, o que é que há que repor.
Assim, bem andou a decisão recorrida ao concluir pela improcedência deste pedido.
4. Sanção pecuniária compulsória.
Nas conclusões de recurso entende a Recorrente que a factualidade das alíneas D) e CC) dos factos assentes justificam a aplicação da sanção pecuniária compulsória.
Discordamos, tal como se fez na decisão sob recurso.
Aquela matéria e o uso que até então tem vindo a ser feito pelos Réus da fracção autónoma a que se reportam os autos está justificado até quando a penhora foi levantada.
Tal como se refere na decisão sob recurso a sanção pecuniária compulsória “só será cominada quando o tribunal a considere justificada” – cf. redacção do nº 3 do artº 333º do C.Civ. -.
O tribunal “a quo” entendeu que não havia justificação para a aplicação daquele, e nada resulta dos autos em sentido contrário.
Reitera-se aqui o que a determinado passo já se disse supra, os Réus e Recorridos não são os vilões que usaram de engenho para tentar fazer sua coisa alheia, mas aqueles que tendo cumprido com o pagamento integral do preço num contrato de promessa com tradição da coisa a viram ser vendida a terceiros, os quais posteriormente venderam a coisa objecto do litígio à aqui Autora que a comprou sem cuidar da situação jurídica em que se encontrava, de quem lá vivia e porquê.
Assim sendo e em face de todo o exposto bem andou o tribunal a quo na Douta decisão sob recurso, a qual se impõe confirmar integralmente, improcedendo todas as conclusões de recurso.
III. DECISÃO
Termos em que pelos fundamentos expostos nega-se provimento ao recurso mantendo a decisão recorrida.
Custas a cargo da Recorrente.
Registe e Notifique.
RAEM, 17 de Setembro de 2020
Rui Pereira Ribeiro
Lai Kin Hong
Fong Man Chong
511/2020 CÍVEL 1