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Processo n.º 382/2020 Data do acórdão: 2020-9-24 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– revogação da suspensão da execução da pena
– art.o 54.o, n.o 1, alínea a), do Código Penal

S U M Á R I O
A suspensão da execução da pena de prisão pode ser revogada nos termos do art.o 54.o, n.o 1, alínea a), do Código Penal, em função das circunstâncias concretas do caso.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 382/2020
(Recurso em processo penal)
Recorrente (arguido): A





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA
REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o despacho judicial proferido a fl. 334 a 334v do ora subjacente Processo Comum Singular n.o CR2-18-0001-PCS do 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB) que lhe revogou, materialmente nos termos do art.o 54.o, n.o 1, alínea a), do Código Penal (CP), a suspensão da execução da sua pena única de um ano de prisão, veio o arguido condenado A, já melhor identificado nos presentes autos correspondentes, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para pedir a invalidação da decisão revogatória da suspensão da pena, alegando, para o efeito, e no seu essencial, que a situação dele não era tão grave, pelo que o Tribunal deveria ter ponderado primeiro em usar o art.o 53.o do CP, em vez da revogação da suspensão da pena (cfr. o teor da motivação de fls. 344 a 349).
Ao recurso, respondeu o Ministério Público (a fls. 353 a 354v), no sentido de improcedência da argumentação do recorrente.
Subido o recurso, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 385 a 386), pugnando pela manutenção do julgado.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Com pertinência à decisão, é de coligir dos autos os seguintes dados:
1. Por sentença proferida em 6 de Março de 2018 a fls. 223 a 228 do subjacente Processo Comum Singular n.o CR2-18-0001-PCS do TJB, transitado em julgado em 4 de Abril de 2018 (cfr. a cota lançada na respectiva fl. 238), o arguido A ora recorrente ficou condenado na pena de oito meses de prisão (por prática de um crime de ofensa simples à integridade física em 4 de Setembro de 2016, depois do cumprimento integral, em 29 de Julho de 2016, da pena única de dois meses de prisão, aplicada inicialmente no Processo n.o CR1-14-0100-PSM, por um crime de consumo ilícito de estupefaciente e de um crime de detenção indevida de utensilagem, com suspensão da execução, mas depois com suspensão revogada), e, em cúmulo jurídico com a pena de dois meses de prisão então aplicada (por um crime de consumo ilícito de estupefaciente) no Processo n.o CR1-16-0183-PCC e ainda com a pena de cinco meses de prisão então aplicada (por um crime de ofensa simples à integridade física) no Processo n.o CR3-16-0563-PCS, finalmente na pena única de um ano, suspensa na execução por três anos, com regime de prova, e com obrigação de colaborar activamente com o acompanhamento por parte do Departamento de Reinserção Social (DRI), nomeadamente com a participação em programa de tratamento periódico de sua toxicodependência.
2. Por despacho judicial de 8 de Abril de 2019 (cujo teor consta de fl. 283 a 283v), o M.mo Juiz titular do mesmo ora subjacente Processo n.o CR2-18-0001-PCS, em face da detecção de substância do género de ópio em urina do arguido, procedeu à advertência solene do arguido, nos termos do art.o 53.o, alínea a), do CP, advertindo-o no sentido de ele ter que prestar atenção ao seu hábito da vida quotidiana, ter que não praticar conduta violadora de regras, e ter que não violar a obrigação de não contactar substância estupefaciente.
3. Em 18 de Setembro de 2019, foi junto a fls. 303 a 305v dos mesmos subjacentes autos penais o relatório de avaliação periódica elaborado pelo DRS em 18 de Setembro de 2019, segundo o qual o arguido teve mau resultado no teste de urina de 25 de Junho de 2019 (devido à detecção da substância de cocaína) e faltou ao teste de urina de 9 de Agosto de 2019 (sem apresentação da prova do facto justificativo dessa falta), e precisou de ser internado para efeitos de tratamento da sua toxicodependência, internamento esse que foi recusado por ele.
4. Em 30 de Outubro de 2019, foi junta a fls. 321 a 322v dos mesmos autos a informação do regime de prova elaborada pelo DRS em 30 de Outubro de 2019, segundo o qual o arguido começou, em 10 de Setembro desse ano, a faltar a testes de urina por um mês e tal, sem contacto com o pessoal assistente social, encontrando-se em situação de desconhecimento do paradeiro.
5. Em 17 de Dezembro de 2019, o M.mo Juiz ouviu a própria pessoa do arguido (cfr. o teor do auto dessa diligência lavrado a fls. 333 e seguintes), o qual declarou o seguinte, na essência: sobre a questão de detecção de cocaína no seu teste de urina de 25 de Junho de 2019, ele apenas usou cocaína em festa de aniversário de pessoas amigas em 29 e 30 de Junho de 2019; discorda ele com a medida de tratamento da sua toxicodependência através do internamento, porque tem dívida em montante superior a um milhão, e o não pagamento da dívida irá arrastar os seus familiares; daí que pede ao Tribunal a concessão de uma última oportunidade; em Novembro de 2019, pediu ele empréstimo de dinheiro a seu(s) amigo(s) por causa de jogos, e já pediu a sua interdição voluntária de entrada nos casinos; está disposto a cumprir pena de prisão; tem por habilitações académicas o curso secundário complementar, é trabalhador eventual em controlo de luzes e montagem de palco, com remuneração de 75 patacas por hora, e tem um filho menor a seu cargo.
6. Depois dessa audição, o M.mo Juiz acabou por decidir em revogar, materialmente nos termos do art.o 54.o, n.o 1, alínea a), do CP, a suspensão da execução da pena de prisão do arguido, por entender, inclusivamente, que o consumo de cocaína pelo arguido após a advertência solene feita anteriormente sobre ele já demonstrou a violação patente da sua obrigação de tratamento da toxicodependência como condição da suspensão da execução da pena (cfr. o teor do despacho revogatório da pena suspena, ora constante de fl. 334 a 334v).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cabe notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver apenas as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Dos elementos processuais acima coligidos dos autos, sabe-se que o arguido ora recorrente já chegou a ser advertido solenemente pelo M.mo Juiz, da sua obrigação de não contactar substância estupefaciente, e mesmo assim, tomou cocaína (cfr. o resultado do teste de urina de 25 de Junho de 2019), e faltou ao teste de urina de 9 de Agosto de 2019 (sem apresentação da prova do facto justificativo dessa falta), e começou, em 10 de Setembro desse ano, a faltar a testes de urina por um mês e tal, sem contacto com o pessoal assistente social, para além de ter recusado a medida de tratamento da sua toxicodependência em regime de internamento.
Portanto, o contacto dele com a cocaína e as faltas dele a testes de urina por um mês e tal (sem contacto com o pessoal assistente social) evidenciaram o não cumprimento reiterado da sua obrigação de colaboração com o pessoal do DRS em matéria de tratamento da sua toxicodependência, incumprimento reiterado da obrigação de sujeição ao tratamento da toxicodependência essa que culminou na não aceitação da medida de tratamento em regime de internamento, o que já fez desaparecer, seguramente a base da esperança, subjacente à então decisão decretadora da suspensão da execução da pena nos presentes autos penais, de que ele pudesse cumprir a obrigação de sujeição ao tratamento da toxicodependência, como condição da suspensão da execução da pena.
É, pois, de revogar mesmo a suspensão da execução da pena de prisão do recorrente, nos termos permitidos pelo art.o 54.o, n.o 1, alínea a), do CP (que determina, nomeadamente, que a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no decurso dela, o condenado infringir repetidamente os deveres impostos, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas), e sem necessidade de ponderação sobre a hipótese de prorrogação do prazo da suspensão da pena, ou de imposição de outras condições de suspensão da pena, visto que ele já teve a experiência, no anterior Processo n.o CR1-14-0100-PSM, de ver revogada a pena suspensa de prisão depois da prorrogação judicial do período da suspensão da pena, e nesta vez ele próprio até declarou ao M.mo Juiz recorrido que estava disposto a cumprir a pena de prisão.
IV – DECISÃO
Nos termos expostos, acordam em julgar não provido o recurso.
Custas do recurso pelo recorrente, com três UC de taxa de justiça.
Macau, 24 de Setembro de 2020.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Chao Im Peng
(Segunda Juíza-Adjunta)



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