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Processo nº 593/2020


Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I

A, instaurou no Tribunal Judicial de Base acção de processo comum do trabalho, contra a B (doravante abreviadamente designada B), ambos devidamente identificados nos autos.

A acção veio a ser julgada parcialmente procedente pela seguinte sentença:
I – RELATÓRIO
  A, casado, de nacionalidade Nepalesa, residente em XX, no Nepal, portador do passaporte Nepalês n.o 08XXXX88 do Ministério dos Negócios Estrangeiros, emitido pelas autoridades competentes do Nepal,veio intentar a presente

  Acção de Processo Comum do Trabalho contra

  B, (adiante, B), com sede na Avenida de XX, XX, XX.º andar, Macau.
  Concluiu pedindo que seja julgada procedente por provada a presente acção e, em consequência ser a Ré condenada a pagar ao Autor:
  a) MOP$30.900,00, a título de subsídio de efectividade, acrescido de juros legais até integral e efectivo pagamento;
  b) MOP$14.720,00, a título de subsídio de alimentação, acrescido de juros legais até integral e efectivo pagamento;
  c) MOP$13.132,50, a título de trabalho prestado em dia de feriado obrigatório remunerado, acrescido de juros legais até integral e efectivo pagamento;
  d) MOP$23.175,00, a título de devolução das quantias de comparticipação no alojamento, acrescido de juros legais até integral e efectivo pagamento;
  e) MOP$14.710,00, pela prestação de 30 minutos que antecederam o início de cada turno, acrescido de juros legais até integral e efectivo pagamento;
  f) MOP$76.735,00, pela prestação de trabalho ao sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivo, acrescida de juros até efectivo e integral pagamento;
  g) acrescido de juros legais até integral e efectivo pagamento;
  h) Em custas e procuradoria condigna.
  Juntou os documentos constantes de fls. 16 a 29-A.
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  Realizada a tentativa de conciliação pelo MP, não chegou a acordo entre as partes.
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  A Ré contestou a acção com os fundamentos constantes de fls. 58 a 74 dos autos.
  Concluiu pedindo que sejam julgados improcedentes os pedidos do Autor.
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  Realiza-se a audiência de discussão e de julgamento com observação de todo o formalismo legal.
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II – PRESSSPOSTOS PROCESSUAIS
  O Tribunal é competente em razão da matéria, hierarquia e internacional.
  O processo é próprio.
  As partes gozam de personalidade e capacidade jurídicas e são legítimas.
  Não existem excepções, nulidades ou outras questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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III – FACTO
  Discutida a causa, resultam provados os seguintes factos:
­ O Autor foi recrutado pela C, Lda. para exercer funções de “guarda de segurança” para a D, ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços n.º 2/99, aprovado pelo Despacho n.º 01621/IMO/SACE/99, de 25/06/99. (Cfr. fls. 16 a 22, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido) (A)
­ Entre 27/06/2001 a 21/07/2003, o Autor esteve ao serviço da D, prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (B)
­ Por força do Despacho n.º 01949/IMO/SEF/2003, do Senhor Secretário para a Economia e Finanças da RAEM, de 17/07/2003, foi autorizada a transferência das autorizações concedidas para a contratação do Autor (e dos demais 280 trabalhadores não residentes) por parte da D para a Ré (B), com efeitos a partir de 21/07/2003. (Cfr. fls. 24 a 26, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido) (C)
­ De 01/06/2004 a 25/08/2007, o Autor exerceu as suas funções para a Ré (B), enquanto trabalhador não residente. (D)
­ Mantendo na Ré (B) a mesma categoria profissional, antiguidade e salário que detinha na 1.ª Ré (D). (E)
­ Resulta do ponto 3.4. do Contrato de Prestação de Serviços ao abrigo do qual o Autor foi autorizado a prestar trabalho para a Ré, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) “(…) um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço”. (F)
­ Resulta do ponto 3.1. do Contrato de Prestação de Serviços 2/99 ao abrigo do qual o Autor foi autorizado a prestar trabalho para a Ré, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) a quantia de “(…) $20.00 patacas diárias por pessoa, a título de subsídio de alimentação”. (G)
­ Aquando da contratação do Autor no Nepal, foi garantido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes de origem Nepalesa) alojamento gratuito em Macau. (H)
­ Entre 01 de Junho de 2004 e 25 de Agosto de 2007, a Ré (B) procedeu a uma dedução no valor de HK$750.00 sobre o salário mensal do Autor, a título de “comparticipação nos custos de alojamento”. (I)
­ A referida dedução no salário do Autor era operada de forma automática, e independentemente de o trabalhador (leia-se, do Autor) residir ou não na habitação que lhe era providenciada pela Ré e/ou pela agência de emprego. (J)
­ Durante todo o período de trabalho, o Autor sempre prestou a sua actividade sob as ordens e instruções das Rés e ou dos seus directos responsáveis. (1º)
­ O Autor sempre respeitou os períodos, os horários e os locais de trabalho fixados pelas Rés. (2º)
­ Durante todo o período em que o Autor prestou trabalho, o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte da Ré, sem prejuízo de 24 dias de férias anuais por cada ano civil e dispensas de trabalho não remuneradas, nomeadamente entre 16/6/2004 e 17/6/2004 (2 dias), entre 1/7/2004 e 2/7/2004 (2 dias), entre 1/10/2004 e 2/10/2004 (2 dias), entre 5/5/2005 e 28/5/2005 (24 dias), entre 10/6/2006 e 21/7/2006 (42 dias), entre 1/8/2006 e 22/8/2006 (22 dias) e entre 3/4/2007 e 6/5/2007 (34dias), bem como um dia de descanso no oitavo dia após cada sete dias de trabalho consecutivos durante ao serviço da Ré. (3º, 5º, 7º e 19º)
­ Entre 01/06/2004 e 25/08/2007, o Autor prestou trabalho a cada um dos sétimos dias, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho, sem prejuízo da resposta ao quesito 3º, 5º, 7º e 19º. (4º e 21º)
­ Até Julho de 2010, as Rés pagaram ao Autor a quantia de HK$7.500,00, a título de salário de base mensal. (6º)
­ Entre 01/06/2004 a 25/08/2007, a Ré (B) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade. (8º)
­ Entre 01/06/2004 e 31/12/2006, a Ré (B) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação. (9º)
­ Entre 01/06/2004 e 25/08/2007, o Autor prestou a sua actividade de segurança durante em 1 de Janeiro, Ano Novo Chinês (3 dias), 1 de Maio e 1 de Outubro, por forma a garantir o funcionamento contínuo e diário dos vários Casinos operados pela Ré (B), sem prejuízo da resposta ao quesito 3º, 5º, 7º e 19º. (10º)
­ Durante o referido período de tempo, a Ré (B) nunca pagou ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado nos referidos dias de feriado obrigatórios. (11º)
­ Entre 01/06/2004 a 25/08/2007, por ordem da Ré (B), o Autor estava obrigado a comparecer no seu local de trabalho, devidamente uniformizado, com, pelo menos, 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno, tendo aí permanecido às ordens e às instruções dos seus superiores hierárquicos. (12º)
­ Durante o referido período de tempo, tinha lugar um briefing (leia-se, uma reunião) entre o Team Leader (leia-se, Chefe de turno) e os “guardas de segurança”, na qual eram inspecionados os uniformes de cada um dos guardas e distribuído o trabalho para o referido turno, mediante a indicação do seu concreto posto dentro do Casino. (13º)
­ Durante o briefing (leia-se, reunião) o Team Leader informava os guardas a respeito de alguma questão de segurança que pudesse ter acontecido no turno anterior, ou da necessidade de participação em qualquer evento especial. (14º)
­ Entre 01/06/2004 e 25/08/2007, o Autor prestou diária e efectivamente o trabalho, tendo comparecido com 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno, sem prejuízo da resposta ao quesito 3º, 5º, 7º e 19º. (15º)
­ Entre 01/06/2004 a 25/08/2007, a Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia (normal e/ou adicional) pelo período de tempo que antecedia o início de cada um dos turnos. (16º)
­ Entre 01/06/2004 a 25/08/2007, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré (B) num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos. (17º)
­ Após a prestação pelo Autor de trabalho durante sete dias de trabalho consecutivos, seguia-se um período de vinte e quatro horas de descanso, em regra no oitavo dia, que antecedia a mudança de turno. (18º)
­ Entre 01/06/2004 a 25/08/2007, a Ré (B) não fixou ao Autor um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, em cada período de sete dias. (20º)
­ A Ré (B) nunca pagou ao Autor qualquer quantia pelo trabalho prestado em cada um dos sétimos dias, após a prestação de seis dias de trabalho consecutivo. (22º)
­ A Ré pagou sempre ao Autor o salário correspondente aos dias de descanso semanal. (23º)
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IV – FUNDAMENTO DE DIREITO
  1. Cumpre analisar os factos e aplicar o Direito.
  Nos termos do art. 1079º, n 1º do Código Civil, “Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta.”
  Desse preceito resulta que são três elementos do contrato de trabalho: 1) prestação da actividade; 2) retribuição; e 3) subordinação jurídica.
  No contrato de trabalho, a uma parte (trabalhador) incumbe a prestação duma actividade quer intelectual quer manual, bem como a sua disponibilidade junto de outra parte (empregador), por forma a que esta possa obter o resultado pretendido com outros meios de produção.
  Em contrapartida, o trabalhador ganha retribuição como preço do trabalho prestado por ele, sendo essa retribuição paga normalmente em dinheiro.
  A subordinação jurídica é característica mais importante do contrato de trabalho, que se traduz numa relação de dependência do trabalhador face às ordens, directivas e instruções do empregador na prestação da actividade daquele.
  Segundo os factos provados, ficou demonstrado que, o Autor esteve ao serviço da Ré para, sob as suas ordens, direcção, instruções e fiscalização e com o local e horário de trabalho fixados por ela, exercer funções de guarda de segurança, ganhando remuneração paga pela Ré como preço do trabalho seu.
  Nestes termos, dúvidas não restam em qualificar como relação laboral, a relação existente entre o Autor e a Ré.
  2. Nos termos do art. 1079º, n 2º do Código Civil, “o contrato de trabalho está sujeito a legislação especial.”
  Quanto à lei especial aplicável, encontram-se no ordenamento jurídico de Macau regimes diferentes consoante o caso de trabalhadores-residentes e o de não residentes.
  Sendo o Autor em causa trabalhador não-residente, aplica-se-lhe o respectivo regime. Como se sabe, a legislação especial relativa à relação laboral não residente é actualmente a Lei nº 21/2009, que entrou em vigor em 13 de Abril de 2010. Antes disso, aplica-se o Despacho n. 49/GM/88 e o n. 12/GM/88, consoante trabalhador especializado e não especializado. Conforme os factos provados nos autos, o Autor trabalhou, como mão-de-obra não especializada, junto da Ré antes da entrada em vigor a Lei nº 21/2009, devendo aplicar-lhe o Despacho n. 12/GM/88.
  Acompanhando o referido diploma, as entidades empregadoras celebraram contratos de prestação de serviços com terceiras entidades fornecedoras de mão-de-obra não residente para a importação dos trabalhadores não residentes, tal qual acontece no presente caso. Suscita-se um problema de saber que valor os mesmos contratos têm dizendo respeito à relação de trabalho entre o empregador e o trabalhador não residente e se e a que título se aplicam esses contratos à referida relação para definir os direitos e deveres entre um e outro.
  Em resposta a essas questões, a jurisprudência de Macau entende unanimamente, e bem, esses contratos ser qualificados como contratos a favor de terceiro, aplicáveis à relação de trabalho entre o empregador e o trabalhador não residente. (vide os Ac. do TSI n.os 557/2010, 322/2013, 372/2012, 780/2011, 655/2012, 396/2012, 432/2012, 180/2012, 441/2012, 132/2012, 376/2012, 267/2012, 131/2012, 91/2012, 282/2011, 781/2011, 746/2011, 779/2011, 491/2011, 597/2010, 297/2010, 597/2010, 757/2010, 777/2010, 573/2010, 662/2010, 69/2010, 838/2010, 779/2010, 837/2010, 780/2010, 876/2010, 774/2010 e 574/2010, e mais recentemente, 893/2016, 894/2016, 815/2016, 322/2016, 317/2016, 376/2016, 394/2016, 353/2016, 300/2016, 274/2016, 98/2016, 38/2016, 42/2016, 966/2015, 956/2015, 1009/2015, 1018/2015, 844/2015, 1010/2015, 879/2015, 878/2015, 610/2015, 609/2015, 715/2015, 534/2015, 573/2015, 624/2015, 481/2015, 574/2015, 487/2015, 486/2015, 399/2015, 395/2015, 401/2015, 400/2015, 204/2015, 168/2015, 193/2015, 195/2015, 712/2014, 749/2014, 634/2014, 681/2014, 441/2014, 697/2014, 742/2014, 662/2014, 714/2014, 653/2014, 627/2014, 483/2014, 609/2014, 583/2014, 338/2014, 384/2014, 622/2014, 345/2014, 168/2014, 128/2014, 291/2014, 308/2014, 171/2014, 189/2014, 240/2013, 627/2013, 775/2010, 680/2013, 169/2014, 704/2013, 111/2014, 420/2012, 118/2014, 90/2014, 138/2014, 374/2012, 415/2012, 414/2012, 824/2010, 557/2010 e 322/2013)
  Ao mesmo tempo, é também aplicável a lei de relações de trabalho de Macau então vigente, isto é, o DL nº 24/89/M, por analogia (vide os Ac do TSI n. 596/2010 e 805/2010).
  3. No presente caso, reclama o Autor os vários créditos laborais referentes a todo o período das relações de trabalho entre ele e a Ré. Porém, tendo-se declarado prescritos os mesmos relativos ao período até 02/07/2004, só ora apreciamos os referidos créditos posteriores a esse período.
  Quanto ao subsídio de efectividade, tendo em conta que o contrato de prestação de serviços em causa confere o salário de 4 dias enquanto tal subsídio, desde que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço, e que o Autor não deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte da Ré, tem ele direito de exigir à Ré pagar o MOP$38,110.00 (HKD$7,500.00 / 30 dias X 1.03 X 4 dias/mês X 37 meses), a título de subsídio de efectividade, relativamente ao número dos meses durante a relação de trabalho. Conforme o princípio dispositivo, é a Ré condenadas a pagar o MOP$30,900.00.
  Quanto ao subsídio de alimentação, segundo os factos provados, ao Autor foi conferido conforme o dito contrato de prestação de serviços um subsídio de alimentação com o valor de MOP$20.00 diário por pessoa. Tendo em conta a duração em que o Autor prestou serviço junto da Ré, descontando o número dos dias de férias anunais, dispensas de trabalho não remuneradas e dias de descanso em que não prestou trabalho efectivo, aquele tem direito de exigir à Ré pagar o MOP$14,400.00 (MOP$20.00 X 720 dias), relativamente ao número dos meses durante a relação de trabalho até 31/12/2006.
  Relativamente ao alojamento, o n. 9º do Despacho 12/GM/88 dispõe que, “9. O procedimento para a admissão de mão-de-obra não-residente observará os trâmites seguintes: d) O contrato será remetido ao Gabinete para os Assuntos de Trabalho, a quem compete verificar e informar se se encontram satisfeitos os requisitos mínimos exigíveis para o efeito, designadamente os seguintes: d.1. Garantia, directa ou indirecta, de alojamento condigno para os trabalhadores;…” Daí resulta que o trabalhador não residente é sempre garantido o seu direito a alojamento condigno durante o período em que presta trabalho em Macau. E ao empregador foi imposto, até o limite mínimo, o dever de fornecer o alojamento ou pelo menos os recursos mínimos para o alojamento favorável ao trabalhador não residente.
  Por outro lado, nos termos do art. 31º do DL nº 24/89/M, aplicável por analgoia, “1. O empregador não pode compensar o salário em dívida com créditos que tenha sobre o trabalhador, nem fazer quaisquer descontos ou deduções no montante do referido salário. 2. São permitidas, porém, as seguintes deduções ou descontos: a) Descontos a favor do Território, ordenados por lei, regulamento ou decisão judicial transitada em julgado; b) Indemnizações devidas pelo trabalhador à entidade patronal, quando se acharem liquidadas por decisão judicial transitada em julgado ou por motivo de não continuação da relação do trabalho, nos termos do artigo 48.º; c) Abonos ou adiantamentos feitos por conta da retribuição.”
  Assim, não é lícito nem legítimo que a Ré deduzia no salário do Autor qualquer valor a título de comparticipação nos custos de alojamento, e tanto mais que não o deve fazer no caso de o trabalhador não residir na habitação eventualmente fornecida pela Ré.
  Tendo em conta, segundo os factos provados, a duração da relação de trabalho em causa e os montantes descontados, é a Ré quem deve devolver ao Autor o MOP$28,582.50 (HKD$750.00 X 1.03 X 37 meses), a título de devolução dos salários ilicitamente descontados, relativamente ao número dos meses durante a relação de trabalho em que foram deduzidos mensalmente. Conforme o princípio dispositivo, é a Ré condenadas a pagar o MOP$23,175.00.
  No que diz respeito ao trabalho extraordinário, é sempre de relembrar que, quer conforme o contrato a favor de terceiro, quer nos termos do art. 10º do DL nº 24/89/M, a duração normal do trabalho é sempre de 8 horas diárias. E o trabalho que excede essa duração normal leva às compensações do acréscimo de trabalho cujo montante deve ser acordado entre o empregador e o trabalhador, mas nunca deve ser inferior ao do próprio salário fixado a este (cfr., a título de exemplo, os Ac. do Venerando TSI n. 737/2010 e 353/2010).
  Por outro lado, nos termos do art. 10º, n. 4º do DL nº 24/89/M, “4. Os períodos fixados no n.º 1 não incluem o tempo necessário à preparação para o início do trabalho e à conclusão de transacções, operações e serviços começados e não acabados, desde que no seu conjunto não ultrapassem a duração de trinta minutos diários.” Entende-se, e bem, que essa tolerância de 30 minutos para a preparação de trabalho só tem a natureza excepcional, mas não como regra para a prestação antecipada de trabalho antes do início do horário normal de trabalho (cfr., a título de exemplo, os Ac. do Venerando TSI n. 407/2017, 313/2017 e 167/2017).
  No presente caso, segundo os factos provados, o Autor trabalhava junto da Ré com o regime de turnos rotativos e ele sempre comparecia no lugar de trabalho no início de cada turno com antecedência de 30 minutos para a preparação do trabalho; e excepto os dias de férias anunais, dispensas de trabalho não remuneradas e dias de descanso efectivamente gozados, o Autor prestava sempre trabalho nos outros dias durante a relação de trabalho sem que desse qualquer falta ao trabalho. No entanto, a Ré nunca pagou ao Autor quaisquer compensações a título de trabalho extraordinário.
  Assim, tendo descontado o número dos dias de férias anunais, dispensas de trabalho não remuneradas e dias de descanso em que não prestou trabalho efectivo, o Autor tem direito de exigir à Ré pagar as compensações pelo trabalho extraordinário de 30 minutos diariamente durante a relação de trabalho com o montante de MOP$14,436.09 [HKD$7,500.00 / (30 dias X 8 horas) X 1.03 X 0.5 horas X 897 dias], atendendo ao número dos dias em que prestou trabalho efectivo, o que equivale aos resultados do número dos dias calendários durante a relação de trabalho menos o número dos dias descontados.
  Quanto às compensações pelos dias de descanso semanal reclamadas pelo Autor, alegou que a Ré não garantiu o gozo do descanso semanal no 7º dia após 6 dias de trabalho, mas somente o do 8º dia, que corresponde a trabalho prestado em dia de descanso e confere ao Autor o direito a receber o dobro da retribuição normal por cada um dos 7os dias de trabalho prestado.
  Por sua vez, entende a Ré que já garantiu o descanso semanal dos seus trabalhadores e que tem necessidade de fixar, por razões do funcionamento do casino nos termos do art. 18º do DL 24/89/M e do art. 42º, n. 2º da Lei 7/2008, os descansos semanais aos 8º, 9º ou outros dias do mês, bem como o art. 17º, n. 6º do DL 24/89/M não confere as compensações em dobro, mas sim um outro tanto ao lado do salário já pago em singelo.
  Nos termos do art. 17º, n. 1º do DL 24/89/M, “1. Todos os trabalhadores têm o direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26.º”
  Nos termos do art. 18º do mesmo diploma, “Sempre que, em função da natureza do sector de actividade, se revele inviável a observância do n.º 1 do artigo anterior, deverá ser concedido aos trabalhadores um descanso consecutivo de quatro dias por cada conjunto de quatro semanas ou fracção, o qual não deverá ser inferior ao que resultaria de uma média semanal de 24 horas.”
  Das normas resulta que, na vigência do DL 24/89/M, a lei garantia o gozo do descanso semanal em 7º dia após 6 dias de trabalho como regra geral nas legislações laborais de Macau. No entanto, tendo em consideração a necessidade do funcionamento dalguns sectores de actividade, o legislador abriu uma excepção de que permitia razoavelmente o trabalho contínuo mais de 7 dias, no máximo 26 ou 27 dias mensais, e garantia o gozo dum descanso consecutivo de quatro dias no mês corrente.
  Repare-se que aqui se trata duma norma excepcional em que o legislador sublinhou o adjectivo “consecutivo” para o gozo de descanso semanal. Isto significa que esse modo do gozo de 4 dias de descanso semanal tem que ser contínuo, mas não separado, sob pena de violar a regra geral prevista no art. 17º, n. 1º do DL 24/89/M.
  Assim, não deixa de considerar o não gozo de descanso semanal em 7º dia ou em 4 dias consecutivas como facto violador do direito de repouso conferido ao Autor nos termos do art. 17º, n. 1º do DL 24/89/M, devendo considerar-se o 8º dia de descanso após 7 dias de trabalho apenas como descanso compensatório gozado pelo Autor nos termos do art. 17º, n. 4º do mesmo diploma.
  Quanto ao múltiplo das compensações pelos dias de descanso semanal não gozados, inclinemos, tal qual inclinámos nos outros casos paralelos, à posição de que o trabalhador recebe, ao lado de um dia do salário a título de compensação pelo dia de descanso compensatório não gozado, o dobro da retribuição normal, que compõe do salário normal, em singelo, correspondente ao trabalho nesses dias de descanso e dum outro tanto (vide os Ac. do TUI n.os 28/2007, 29/2007, 58/2007 e 40/2009).
  No caso vertente, tendo em conta que o Autor não reclamou as compensações pelos dias de descanso compensatório, somos de entender que, depois de ser descontados os dias de férias anuais e de dispensas de trabalho para o cálculo do número de dias de trabalho, o Autor tem direito de receber, ao lado do salário normal já recebido, um outro tanto a título de compensações pelos dias de descanso semanal não gozados, isto é, o Autor tem direito a receber o montante de MOP$37,595.00 [HKD$7,500.00 / 30 dias X 1.03 X (1025 dias / 7)], a título de compensação de descanso semanal.
  Além das compensações acima peticionadas, o Autor reclama também as referentes ao trabalho prestado nos dias de feriado obrigatório remunerado. Nos termos do art. 19º, n. 3º do DL nº 24/89/M, “3. Os trabalhadores … têm direito à retribuição correspondente aos feriados de 1 de Janeiro, Ano Novo Chinês (3 dias), 1 de Maio e, 1 de Outubro”. E nos termos do art. 20º do mesmo diploma, “1. O trabalho prestado pelos trabalhadores nos dias de feriado obrigatório, referidos no n.º 3 do artigo anterior, dá direito a um acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal e só pode ser executado:...”
  Assim, segundo os factos provados, tem o Autor direito de receber contra a Ré, a título de compensações pelo trabalho prestado nos dias de feriado obrigatório, a remuneração em singelo já paga, acrescida do dobro dessa remuneração, com o montante de MOP$8,240.00 (HKD$7,500.00 / 30 dias X 1.03 X 16 dias X 2), relativamente ao número dos dias de feriado obrigatório remunerado em que o Autor prestou trabalho.
  4. Sendo os créditos supra mencionados (MOP$128,746.09) ilíquidos, à quantia a eles referentes acrescerão, nos termos do art. 794º, n 4º do Código Civil que se conjuga com a jurisprudência fixada no Douto Acórdão do TUI, de 2 de Março de 2011, no processo n. 69/2010, juros a partir da data da decisão judicial que fixa o respectivo montante.
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V - DECISÃO
  Pelo exposto, julga-se a acção parcialmente procedente e em consequência condena-se, nos termos supra referidos, a Ré a pagar ao Autor a quantia de MOP$128,746.09 (MOP$30,900.00, a título de subsídio de efectividade; MOP$14,400.00, a título de subsídio de alimentação; MOP$23,175.00, a título de devolução das quantias de comparticipação no alojamento; MOP$14,436.09, pela prestação de 30 minutos de trabalho para além do período normal diário por cada dia de trabalho prestado; MOP$37,595.00, pela prestação de trabalho ao sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivo; e MOP$8,240.00, a título de trabalho prestado em dia de feriado obrigatório remunerado), acrescida dos juros de mora à taxa legal a contar da data da presente sentença até o efectivo e integral pagamento, absolvendo a Ré do restante pedido.
  As custas serão a cargo do Autor e da Ré na proporção do decaimento.
  Registe e notifique.
  
Notificadas as partes da sentença, veio o Autor recorrer dela para esta segunda instância, concluindo e pedindo que:
1. Versa o presente recurso sobre a parte da douta Sentença na qual foi julgada parcialmente improcedente ao ora Recorrente as quantias pelo mesmo reclamadas a título de trabalho prestado em dia de descanso semanal e feriados obrigatórios, subsídio de efectividade e subsídio de alojamento;
2. Pelos fundamentos que adiante melhor se expõem, está o Recorrente em crer que a douta Sentença enferma de erro de aplicação de Direito e, neste sentido, se mostra em violação ao disposto nos artigos 17.º, 19.º e 20.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril e, bem assim, ao disposto no art. 42.º, n.º 3 do CPT, razão pela qual deve a mesma ser julgada nula e substituída por outra, o que desde já e para os legais efeitos se invoca e requer.
Em concreto,
3. Ao condenar a Recorrida (B) a pagar ao ora Recorrente apenas uma quantia em singelo pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal não gozado, o Tribunal a quo terá procedido a uma interpretação menos correcta do disposto na al. a) do n.º 6 do art. 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, na medida em que de acordo com o referido preceito se deve entender que o mesmo trabalho deve antes ser remunerado em dobro do salário normal, entendido enquanto duas vezes a retribuição normal por cada dia de trabalho prestado em dia de descanso semanal, acrescido de um outro dia de descanso compensatório, tal qual tem vindo a ser seguido pelo Tribunal de Segunda Instância;
4. resultando provado que durante o período da relação de trabalho, o Recorrente não gozou de 146 dias de descanso semanal (correspondente a 1025 dias de trabalho efective /7, deve a Recorrida (B) ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$75,190.00 a título do dobro do salário - e não só apenas de MOP$37,595.00 correspondente a um dia de salário em singelo conforme resulta da decisão ora posta em crise – acrescida de juros até efectivo e integral pagamento o que desde já e para todos os legais efeitos se requer.
Acresce que,
5. Contrariamente ao decidido pelo douto Tribunal a quo, não parece correcto concluir que pela prestação de trabalho nos dias de feriados obrigatórios se deva proceder ao desconto do valor do salário em singelo já pago;
6. Pelo contrário, salvo melhor opinião, a fórmula correcta de remunerar o trabalho prestado em dia de feriado obrigatório nos termos do disposto no artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, será conceder ao Autor, ora Recorrente, um “acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal, para além naturalmente da retribuição a que tem direito” - o que equivale matematicamente ao triplo da retribuição normal - conforme tem vindo a ser entendido pelo douto Tribunal de Segunda Instância;
7. Resultando provado que durante o período da relação laboral em apreciação o Recorrente prestou trabalho durante 16 dias de feriado obrigatório para a Recorrida (B), deve a mesma ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$12,360.00 - e não só de apenas Mop$8,240.00, a título do triplo do salário, acrescidas de juros até efectivo e integral pagamento o que desde já e para todos os legais efeitos se requer;
Sem prescindir,
8. Resultando da matéria provada que entre 01/06/2004 a 25/08/2007, a Ré não pagou ao Autor qualquer quantia a título de “subsídio mensal de efectividade”, competia ao douto Tribunal de primeira instância ter condenado a Ré - ex oficio - em quantidade superior ao pedido, nos termos que resultam do disposto no artigo 42.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho e, neste sentido, ter condenado a Recorrida a pagar ao Recorrente a quantia de Mop$38,110.00 - e não apenas de Mop$30,900.00 conforme erroneamente formulado pelo Autor em sede de Petição Inicial - o que desde já e para os legais efeitos se invoca e requer;
Do mesmo modo,
9. Resultando da matéria de facto provada que “entre 01/07/2004 e 25/08/2007, a Ré procedeu a uma dedução no valor de HK$750.00 sobre o salário mensal do Autor, a título de “comparticipação nos custos de alojamento”, impunha-se ao Tribunal a quo a condenação da Ré na devolução da referida quantia durante o referido período de tempo - num total de Mop$28,582.50 - e não apenas de Mop$23,175.50 correspondente ao pedido erroneamente formulado pelo Autor em sede de Petição Inicial - nos termos que resultam do disposto no artigo 42.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho, o que uma vez mais se invoca e requer;
10. Trata-se, de resto, está o ora Recorrente em crer, de questão similar a outra já anteriormente apreciada pelo douto Tribunal de Segunda Instância - e respeitante à condenação da mesma Ré relativamente a um subsídio de alimentação - e nos termos do qual foi decidido que: “(...) não resta qualquer dúvida de que compete ao tribunal de primeira instância condenar ex oficio em quantidade superior ao pedido ou em objecto diferente do dele, sempre que isso resulte da aplicação à matéria de facto de preceitos inderrogáveis das leis ou regulamentos(artigo 42.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho)” (Cfr. entre outros, o Ac. do TSI n.º 374/2018, pág. 35, para cuja fundamentação melhor se remete).
Nestes termos e nos de mais de Direito que V. Exas. encarregar-se-ão de suprir, deve o presente Recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser a douta Sentença julgada nula e substituída por outra que condene a Recorrida nas quantias supra formuladas, assim se fazendo a sempre costumada JUSTIÇA!

Ao recurso respondeu a Ré pugnando pela improcedência.

Admitido no Tribunal a quo, o recurso foi feito subir a este Tribunal de recurso.

Liminarmente admitido o recurso e colhidos os vistos, cumpre conhecer.
II

Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

Inexistindo questão de conhecimento oficioso e face às conclusões dos recursos, as questões que constituem o objecto da nossa apreciação consiste em saber, quais são os multiplicadores para o cálculo do trabalho prestado nos dias de descanso semanal e de feriado obrigatório e qual é a correcta interpretação da norma do artº 42º/3 do CPT.

Então vejamos.

1. Dos multiplicadores para o cálculo do trabalho prestado nos dias de descanso semanal e de feriado obrigatório

O Autor pede na acção a condenação da Ré a pagar-lhe, inter alia, a compensação do trabalho prestado nos dias de descanso semanal e feriados obrigatórios e a compensação do subsídio de efectividade não pago, assim como a devolução das quantias indevida e ilegalmente descontadas dos seus vencimentos a título de despesas do alojamento.

O Tribunal a quo deu-lhe razão e acabou por reconhecer ao Autor esses direitos.


Mas o Autor questiona o multiplicador (X 1) para o cálculo do trabalho prestado nos dias de descanso semanal e o multiplicador (X 2) para o cálculo do trabalho prestado nos dias de feriados obrigatórios, adoptados pelo Tribunal a quo, defendendo que deve ser adoptado o multiplicador (X 2) e (X3), respectivamente.

Tem razão o Autor.

Pois no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, a lei regula as condições do trabalho prestado em dias de descanso semanal e as diferentes formas de compensações desse trabalho consoante as variadas circunstâncias que o justificam.

Diz o artº 17º deste diploma que:

1. Todos os trabalhadores têm direito a gozar, em cada período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26º.
2. O período de descanso semanal de cada trabalhador será fixado pelo empregador, com devida antecedência, de acordo com as exigências do funcionamento da empresa.
3. Os trabalhadores só poderão ser chamados a prestar trabalho nos respectivos períodos de descanso semanal:
a) Quando os empregadores estejam em eminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior;
b) Quando os empregadores tenham de fazer face a acréscimos de trabalho não previsíveis ou não atendíveis pela admissão de outros trabalhadores;
c) Quando a prestação de trabalho seja indispensável e insubstituível para garantir a continuidade do funcionamento da empresa.

4. Nos casos de prestação de trabalho em período de descanso semanal, o trabalhador tem direito a um outro dia de descanso compensatório a gozar dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho e que será imediatamente fixado.
5. A observância do direito consagrado no nº 1 não prejudica a faculdade de o trabalhador prestar serviço voluntário em dias de descanso semanal, não podendo, no entanto, a isso ser obrigado.
6. O trabalho prestado nos termos do número anterior dá ao trabalhador o direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.

Em face dos factos que ficaram provados nos presentes autos, não se mostrando que o trabalho em dias de descanso semanal foi prestado em qualquer das situações previstas no nº 3 e na falta de outros elementos fácticos, a compensação deve processar-se nos termos consagrados no nº 6, isto é, o trabalhador tem direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.

Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso semanal, a fórmula é:

2 X o salário diário médio X número de dias de prestação de trabalho em descanso semanal, fora das situações previstas no artº 17º/3, nem para tal constrangido pela entidade patronal.

E em relação ao trabalho prestado em dias de feriado obrigatório, o trabalho em feriados obrigatórios e a forma das suas compensações encontram-se regulados no artº 20º do Decreto-Lei nº 24/89/M que prescreve:

1. O trabalho prestado pelos trabalhadores nos dias de feriado obrigatório, referidos no nº 3 do artigo anterior, dá direito a um acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal e só pode ser executado:
a) Quando os empregadores estejam na eminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior;
b) Quando os empregadores tenham de fazer face a um acréscimo de trabalho não previsível;
c) Quando a prestação de trabalho seja indispensável para garantia a continuidade do funcionamento da empresa, nos casos em que, de acordo com os usos e costumes, esse funcionamento deva ocorrer nos dias de feriados.
2. Nos casos de prestação de trabalho em dia feriado obrigatório não remunerado, ao abrigo da alínea b) do nº 1, o trabalhador que tenha concluído o período experimental tem direito a um acréscimo de salário nunca inferior a 50% do salário normal, a fixar por acordo entre as partes.

Nos termos do disposto no artº 19º/3, os trabalhadores têm direito à retribuição nos seis dias de feriado obrigatório (1 de Janeiro, os primeiros 3 dias do Ano Novo Chinês, 1 de Maio e 1 de Outubro).

Perante a materialidade fáctica assente, o trabalho prestado pelo trabalhador em dias de feriados obrigatório integra-se justamente na circunstância prevista no artº 20º/1-c), pois o trabalhador estava afectado aos casinos explorados pela entidade patronal, que como vimos supra, se obrigava legalmente a manter os seus casinos em funcionamento contínuo.

Assim, ao abrigo do disposto no artº20º/1, o trabalhador tem direito a um acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal.

A propósito da interpretação da expressão “acréscimo salarial”, ensina o Dr. Augusto Teixeira Garcia que “......A prestação de trabalho nestes dias dá o direito aos trabalhadores de receberem um acréscimo de retribuição nunca inferior ao dobro da retribuição normal (artº 20º, nº1). Assim, se um trabalhador aufere como remuneração diária a quantia de MOP$100, por trabalho prestado num dia feriado obrigatório e remunerado ele terá o direito de auferir MOP$300, ou seja, MOP$100 que corresponde ao dia de trabalho mais MOP$200, correspondente ao acréscimo salarial por trabalho prestado em dia feriado.” – vide, op. cit., Capítulo V, ponto 9.2.

Cremos que essa é única interpretação correcta da expressão “acréscimo salarial”.

Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo da quantia a pagar o trabalho prestado em dias de feriado obrigatório remunerado, a fórmula é:

3 X o salário diário médio X número de dias de prestação de trabalho em feriado obrigatório remunerado, nas situações previstas no artº 20º/1-c).

Procede esta parte do recurso interposto pelo Autor.

Como, por um lado, a sentença recorrida adoptou o multiplicador X 1 para o cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso semana e o multiplicador X 2 para o cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de feriado obrigatório, em vez de os multiplicadores X 2 e X 3, respectivamente, que defendemos, e por outro lado não foram impugnados pela Ré quer o número dos dias de descanso semanal e de feriado obrigatório, em que trabalhou e quer o quantitativo diário do salário, é de alterar a sentença recorrida e passar a aplicar os multiplicadores X 2 e X 3 para o cálculo dos quantitativos da compensação pelo trabalho prestado nos descansos semanais e de feriado obrigatório, respectivamente.

Assim sendo, merece o Autor, a título da compensação pelo trabalho prestado nos dias de descanso semanal, o valor de MOP$75.190,00, correspondente ao dobro de MOP$37.595,00, quantia fixada na sentença recorrida, e a título da compensação pelo trabalho prestado nos dias de feriado obrigatório, o valor de MOP$12.378,00, (HKD$7.500/30dias X 1.0315 X 16 dias X 3 = MOP$12.378,00).

Como a título da compensação pelo trabalho prestado nos dias de feriado obrigatório o Autor só pediu a quantia de MOP$12.360,00, o quantitativo da compensação deve ser reduzido para este valor peticionado.

2. Da interpretação da norma do artº 42º/3 do CPT

O Autor imputa à sentença a violação do disposto no artº 42º/3 do CPT.

Para efeito, defende que, não obstante peticionado menos do que devido, o Tribunal a quo deveria ter condenado à Ré a pagar-lhe a quantia resultante da matéria de facto provada, face ao disposto no artº 42º/3 do CPT, à luz do qual o tribunal deve condenar em quantidade superior ao pedido ou em objecto diferente do dele, sempre que isso resulte da aplicação à matéria de facto de preceitos inderrogáveis das leis ou regulamentos.

Sobre a mesma questão, este TSI já chegou a pronunciar-se contra a tese ora defendida pelo recorrente – Ac. do TSI datado de 19OUT2017, no proc. nº 720/2017.

Ai foi afirmado que a condenação está limitada pelo pedido, mesmo em sede laboral, a partir do momento em que se mostra extinta a relação laboral, e o que está em causa é uma compensação por trabalho não remunerado, assumindo, assim uma natureza “indemnizatória” e disponível.

Não vimos razões para não manter este entendimento que nos é correcto e correspondente à mens legislatoris subjacente à regra extra vel ultra petitum consagrada no artº 42º/3 do CPT, pois a extinção definitiva da relação laboral entre o trabalhador e a entidade patronal fez logo cessar a chamada subordinação jurídica e a dependência económica de direito e de facto do trabalhador da entidade patronal, que só existem na vigência da relação laboral.

Improcede assim esta parte de recurso.

III

Pelo exposto, acordam em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo Autor, passando atribuir ao Autor, a título da compensação pelo trabalho prestado nos dias de descanso semanal e de feriado obrigatório, os valores de MOP$75.190,00 e de MOP$12.360,00, respectivamente, mantendo na íntegra a restante parte da sentença recorrida, na parte não impugnada ou impugnada sem êxito.

Custas pelo Autor recorrente e pela Ré recorrida B, na proporção de 1/4 e 3/4.

RAEM, 24SET2020
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Lai Kin Hong
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Fong Man Chong
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Ho Wai Neng

Ac.593/2020-1