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Processo nº 623/2020


Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I

A, instaurou no Tribunal Judicial de Base acção de processo comum do trabalho, contra a B (doravante abreviadamente designada B), ambos devidamente identificados nos autos.

A acção veio a ser julgada parcialmente procedente pela seguinte sentença:
I. RELATÓRIO
  A, casado, de nacionalidade nepalesa, residente habitualmente em Macau, na Rua de XX, Edifício XX, “XX”, titular do Passaporte do Nepal nº 0XXXXX16 de 20 de Janeiro de 2013, instaurou contra B (adiante, B), identificada melhor nos autos, a presente acção declarativa sob a forma de processo comum, emergente de contrato de trabalho, pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia total de MOP$231,589.00 acrescida de juros legais até integral e efectivo pagamento, assim discriminadas:
  - MOP$56,650.00 a título de subsídio de efectividade;
  - MOP$17,767.50 a título de trabalho prestado em dia de feriado obrigatório remunerado;
  - MOP$42,487.50 a título de devolução das quantias de comparticipação no alojamento;
  - MOP$18,379.00 pela prestação de, pelo menos, 30 minutos de trabalho para além do período normal diário por cada dia de trabalho efectivo;
  - MOP$96,305.00 a título do trabalho prestado, após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias.
  Tudo com os fundamentos que decorrem da sua petição inicial, que aqui damos por integralmente reproduzidos.
  A Ré contestou, pondo em crise, no essencial, a pretensão do Autor.
  Foi elaborado despacho saneador em que se afirmou a validade e regularidade da instância, e seleccionou-se a matéria de facto relevante para a decisão da causa.
  A audiência de julgamento decorreu com observância do formalismo legal, tendo o Tribunal, a final, respondido à matéria controvertida por despacho, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.
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  O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
  O processo é o próprio, não enferma de nulidades que o invalidem.
  As partes são dotadas de personalidade, de capacidade judiciária.
  Todas as partes são legítimas, têm interesse de agir e estão devidamente patrocinadas.
  Não existem outras excepções dilatórias, nulidades ou questões prévias que cumpra conhecer.
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Questões a decidir:
  - Se o contrato de prestação de serviços ao abrigo do qual a Ré foi autorizada a contratar o Autor, define os requisitos/condições mínimas da relação laboral estabelecida entre as partes e se permite sustentar ter o Autor direito aos montantes peticionados.
  - Se o Autor tem direito aos créditos laborais por si reclamados e, caso se entenda pela positiva, determinar se são correctos os montantes indemnizatórios por si peticionados.
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II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1. Entre 29/01/2005 e 31/07/2010, o Autor esteve ao serviço da B, prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (A)
2. O Autor foi recrutado pela C, Lda. para exercer funções de “guarda de segurança”, ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços n.º 2/2003, aprovado pelo Despacho n.º 01949/IMO/SEF/2003. (B)
3. O Autor sempre respeitou os períodos, os horários e os locais de trabalho fixados pela Ré. (C)
4. Até Julho de 2010, a Ré pagou ao Autor a quantia de HK$7,500.00, a título de salário de base mensal. (D)
5. Durante todo o período em que o Autor prestou trabalho, o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte da Ré. (E)
6. Desde o início da relação de trabalho até 31/12/2008, o Autor gozou de dias de férias anuais por cada ano civil e de dias de dispensa ao trabalho não remunerados, nomeadamente, entre 28/02/2006 a 23/03/2006, 06/02/2007 a 08/03/2007, 06/11/2007 a 04/12/2007 e, 03/01/2008 a 27/01/2008. (1.º)
7. Resulta do ponto 3.4. do Contrato de Prestação de Serviços ao abrigo do qual o Autor foi autorizado a prestar trabalho para a Ré, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) “(…) um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço”. (2.º)
8. Entre 29/01/2005 e 31/07/2010, a Ré (B) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade. (3.º)
9. Entre 29/01/2005 e 31/12/2008, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré (B) durante 20 dias de feriado obrigatório, correspondente aos seguintes. (4.º)
FERIADOS
ANOS

2005
2006
2007
2008
1 DE JANEIRO
0
1
1
1
3 DIAS DE ANO
3
3
0
3
NOVO CHINÊS




1 DE MAIO
1
1
1
1
1 DE OUTUBRO
1
1
1
1
10. Durante o referido período de tempo, a Ré (B) nunca pagou ao Autor uma qualquer quantia adicional (leia-se, um qualquer acréscimo salarial) pelo trabalho prestado nos referidos dias de feriado obrigatórios. (5.º)
11. Entre 29/01/2005 e 31/04/2010, a Ré procedeu a uma dedução no valor de HK$750.00 sobre o salário mensal do Autor, a título de “comparticipação nos custos de alojamento”. (6.º)
12. A referida dedução no salário do Autor era operada de forma automática, e independentemente de o trabalhador (leia-se, do Autor) residir ou não na habitação que lhe era providenciada pela Ré e/ou pela agência de emprego. (7.º)
13. Entre 29/01/2005 e 31/12/2008, por ordem da Ré (B), o Autor estava obrigado a comparecer no seu local de trabalho, devidamente uniformizado, com, pelo menos, 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno, tendo aí permanecido às ordens e às instruções dos seus superiores hierárquicos. (8.º)
14. Durante o referido período de tempo, tinha lugar um briefing (leia-se, uma reunião) entre o Team Leader (leia-se, Chefe de turno) e os “guardas de segurança”, na qual eram inspecionados os uniformes de cada um dos guardas e distribuído o trabalho para o referido turno, mediante a indicação do seu concreto posto dentro do Casino. (9.º)
15. Entre 29/01/2005 a 31/12/2008 o Autor sempre compareceu ao serviço da Ré (B) com 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno. (10.º)
16. Em concreto, entre 29/01/2005 e 31/12/2008, o Autor prestou 1142 dias de trabalho efectivo. (11.º)
17. A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia pelo período de 30 minutos que antecedia o início de cada turno. (12.º)
18. Entre 29/01/2005 e 31/12/2008, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré (B) num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos, a que se seguia um período de vinte e quatro horas de descanso, em regra no oitavo dia, que antecedia a mudança de turno. (13.º)
19. Entre 29/01/2005 e 31/12/2008, o Autor prestou 165 dias de trabalho ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho. (14.º)
20. A Ré nunca atribuiu ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado no sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivo. (15.º)
21. A Ré pagou sempre ao Autor o salário correspondente ao trabalho prestado nos dias de descanso semanal em singelo, caso este tenha trabalhado em tal dia. (16.º)
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III. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
  Em face da matéria de facto que se mostra provada e do direito que lhe aplicável, cumpre dar resposta às questões a decidir que supra se deixaram enunciadas.
  A pretensão do Autor assenta no regime legal de contratação de trabalhadores não residentes regulado no Despacho n.º 12/GM/88 de 01 de Fevereiro, cujas condições mínimas de contratação estarão, segundo defende incorporadas no contrato de prestação de serviços que a Ré celebrou tal como exigido pela alínea c) do n.º 9 desse diploma legal e na qualificação jurídica deste contrato como sendo a favor de terceiro.
  Ficou provado que entre 29/01/2005 e 31/07/2010, o Autor esteve ao serviço da B, prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. O Autor foi recrutado pela C, Lda. para exercer funções de “guarda de segurança”, ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços n.º 2/2003, aprovado pelo Despacho n.º 01949/IMO/SEF/2003. O Autor sempre respeitou os períodos, os horários e os locais de trabalho fixados pela Ré. Por outro lado, até Julho de 2010, a Ré pagou ao Autor a quantia de HK$7,500.00, a título de salário de base mensal. Pelo que nesta acção importa analisar o regime legal a que está sujeita a contratação de trabalhadores não residentes, dado que não restarão dúvidas quanto à natureza jus laboral desta relação jurídica.
  Relativamente à questão jurídica fundamental, ao enquadramento da relação estabelecida entre as partes outorgantes do mencionado contrato de prestação de serviços e à sua repercussão na esférica jurídica do Autor, o Tribunal de Segunda Instância já firmou jurisprudência unânime no sentido de que estamos na presença de um contrato a favor de terceiro que tem como beneficiário ora Autor, citando-se como exemplo, o Acórdão datado de 25.07.2013, sob o Processo n.º 322/2013, cujo sumário parcial aqui nos permitimos reproduzir:
3. É de aplicar a uma dada relação de trabalho, para além do regulado no contrato celebrado directamente entre o empregador e o trabalhador, o regime legal mais favorável ao trabalhador e que decorre de um contrato celebrado entre o empregador e uma Sociedade prestadora de serviços, ao abrigo do qual o trabalhador foi contratado e ao abrigo do qual, enquanto não residente, foi autorizado a trabalhar em Macau, regime esse devidamente enquadrado por uma previsão normativa constante do Despacho 12/GM/88, de 1 de Fevereiro.
4. A Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais, Lei n.º 4/98/M, de 27 de Julho, publicada no BO de Macau n.º 30, I série, no artigo 9.° admite a contratação de trabalhadores não residentes quando se verifiquem determinados pressupostos, estatuindo que essa contratação fica dependente de uma autorização administrativa a conceder individualmente a cada unidade produtiva.
5. O Despacho 12/GM/88 cuida tão somente do procedimento administrativo conducente à obtenção de autorização para a contratação de trabalhadores não residentes e não do conteúdo concreto da relação laboral a estabelecer entre os trabalhadores não residentes e as respectivas entidades patronais.
6. O trabalhador só foi contratado porque a Administração autorizou a celebração daquele contrato, devidamente enquadrado por um outro contrato que devia ser celebrado com uma empresa fornecedora de mão-de-obra e onde seriam definidas as condições mínimas da contratação, como flui do artigo 9º, d), d.2) do aludido despacho 12/GM/88.
7. Estamos perante um contrato a favor de terceiro quando, por meio de um contrato, é atribuído um benefício a um terceiro, a ele estranho, que adquire um direito próprio a essa vantagem.
8. Esta noção está plasmada no artigo 437º do CC, aí se delimitando o objecto desse benefício que se pode traduzir numa prestação ou ainda numa remissão de dívidas, numa cedência de créditos ou na constituição, transmissão ou extinção de direitos reais.
9. Será o que acontece quando um dado empregador assume o compromisso perante outrem de celebrar um contrato com um trabalhador, terceiro em relação a esse primitivo contrato, vinculando-se a determinadas estipulações e condições laborais.
10. O facto de a empregadora ter assumido a obrigação de dar trabalho, tal não é incompatível com uma prestação de contratar, relevando aí a modalidade de uma prestação de facere.
  Assim sendo, sem necessidade de outras considerações, como parte beneficiária do contrato de prestação de serviços dado como assente o Autor tem direito a prevalecer-se do clausulado mínimo deles constantes para reclamar eventuais diferenças remuneratórias e complementos salariais a que tinha direito e que não lhe foram pagos.
  A previsão do artigo 23.º, nº7 da Lei 21/2009, de 27/10/2009, traduz uma clarificação a este respeito, tornando mais clara ainda a orientação legislativa, no sentido de, havendo divergência entre as condições de trabalho constantes do contrato e as apresentadas com o requerimento de autorização de contratação, prevalecer o regime mais favorável ao trabalhador.
  Debrucemo-nos, pois, sobre os pedidos do Autor.
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  Subsídio de efectividade
  Resulta do ponto 3.4. do Contrato de Prestação de Serviços ao abrigo do qual o Autor foi autorizado a prestar trabalho para a Ré, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) “(…) um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço”.
  Ficou provado que durante todo o período em que o Autor prestou trabalho, o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte da Ré. Contudo, entre 29/01/2005 e 31/07/2010, a Ré (B) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade.
  Em relação ao subsídio de efectividade, vista a sua natureza e fins - já não se manifestam as razoes que levam a considerar que a sua atribuição esteja excluída numa situação de não assiduidade justificada ao trabalho. Se o patrão autoriza uma falta seria forcado retirar ao trabalhador uma componente retributiva da sua prestação laboral, não devendo o trabalhador ser penalizado por uma falta em que obteve anuência para tal e pela qual o patrão também assumiu a sua responsabilidade.
  Nestes termos, o Autor tem direito a receber as quantias calculadas segundo a fórmula: número dos meses X o salário diário X 4 dias:

Período
Meses
Salário diário X 4
Quantia indemnizatória
29/01/2005 a 31/07/2010
66 meses 3 dias
HKD$250.00 X 4
MOP$68,083.00
  Assim num total de MOP$68,083.00. Conforme o princípio dispositivo, deve a Ré pagar-lhe a quantia global no montante de MOP$56,650.00.
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  Compensação pelo trabalho prestado em dia de feriado obrigatório remunerado
  O Autor pretende ser indemnizado pelo trabalho prestado em dia de feriado obrigatório remunerado, no período decorrido desde o início da relação laboral até 31/12/2008.
  Ficou provado que entre 29/01/2005 e 31/12/2008 o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré (B) durante 20 dias de feriado obrigatório. Porém, durante o referido período de tempo, a Ré (B) nunca pagou ao Autor uma qualquer quantia adicional (leia-se, um qualquer acréscimo salarial) pelo trabalho prestado nos referidos dias de feriado obrigatórios.
  Segundo o artigo 19.º, n.ºs 2 e 3, nos feriados obrigatórios os trabalhadores, que tenham completado o período experimental, devem ser dispensados da prestação de trabalho, e os trabalhadores esses têm direito à retribuição correspondente aos feriados de 1 de Janeiro, Ano Novo Chinês (3 dias), 1 de Maio e, 1 de Outubro.
  O artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M de 3 de Abril dispõe, no seu n.º1, que se o trabalhador prestar trabalho nos dias de feriados obrigatórios remunerados na situação prevista na al. c) do mesmo, o trabalhador terá direito a auferir, para além da remuneração normal do dia de trabalho prestado, a um acréscimo salarial não inferior ao dobro da retribuição normal.
  Assim sendo, para cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado pelo trabalhador em feriados obrigatórios remunerados, mas somente a partir de 3 de Abril de 1989, vista a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 24/89/M, a fórmula há-de corresponder ao “acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal”, para além do próprio salário normal em singelo, caso tenha que trabalhar nesses feriados, a despeito da regra da dispensa obrigatória de prestação de trabalho. Somando o singelo, no fundo vai receber no total triplo da retribuição normal (salário singelo + acréscimo salarial ao dobro da retribuição normal).
  Há, todavia, que ponderar a circunstância de a Ré ter pago o valor em singelo, pelo que aos valores apurados se tem de deduzir o montante pago em singelo pela Ré, assim o Autor só terá direito a auferir mais o dobro da sua retribuição.1
  Vejamos, então, quais os valores que deveriam ter sido pagos a este trabalhador e não foram, partindo dos valores de retribuição diários que lhe eram devidos, segundo a fórmula (Salário diário) x (n.º de dias de feriado obrigatório não gozados) x 2:
Período
Salário diário X 2
N.º de dias de trabalho prestado em feriados obrigatórios remunerados
Quantia indemnizatória
29/01/2005 a 31/12/2008
HKD$250.00X2
20
MOP$10,300.00
  Assim, deve a Ré pagar ao Autor a quantia de MOP$10,300.00 a título de trabalho prestado em dia de feriado obrigatório remunerado.
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Devolução da comparticipação no alojamento
  Ficou provado que entre 29/01/2005 e 31/04/2010, a Ré procedeu a uma dedução no valor de HK$750.00 sobre o salário mensal do Autor, a título de “comparticipação nos custos de alojamento”. E a referida dedução no salário do Autor era operada de forma automática, e independentemente de o trabalhador (leia-se, do Autor) residir ou não na habitação que lhe era providenciada pela Ré e/ou pela agência de emprego.
  Dispunha o artigo 9.º do Despacho 12/GM/88, de 1 de Fevereiro que: O procedimento para a admissão de mão-de-obra não-residente observará os trâmites seguintes: (…) d.1. Garantia, directa ou indirecta, de alojamento condigno para os trabalhadores.
  Prevê-se na al. a) do artigo 9.º do DL n.º 24/89/M que é proibido ao empregador obrigar o trabalhador a adquirir ou a utilizar serviços fornecidos pelo empregador ou por pessoa por ele indicada.
  Com entrada em vigor da Lei n.º 7/2008 desde 1 de Janeiro de 2009, o seu artigo 10.º, al. 5) também prevê que é proibido ao empregador obrigar o trabalhador a adquirir bens ou a utilizar serviços fornecidos directamente por si ou por pessoa por si indicada.
  Por isso, tem o Autor direito a receber a devolução da comparticipação nos custos de alojamento:
Período
Meses
Devolução mensal
Quantia indemnizatória
29/01/2005 a 31/04/2010
63 meses 3 dias
HKD$750.00
MOP$48,744.75
  Assim num total de MOP$48,744.75. Conforme o princípio dispositivo, deve a Ré pagar-lhe a quantia global no montante de MOP$42,487.50.
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  Compensação de trabalho extraordinário de, pelo menos, 30 minutos que antecederam o início de cada turno
  Ficou provado que entre 29/01/2005 e 31/12/2008, por ordem da Ré (B), o Autor estava obrigado a comparecer no seu local de trabalho, devidamente uniformizado, com, pelo menos, 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno. O Autor sempre compareceu no início de cada turno com a antecedência de, pelo menos, 30 minutos, cumprindo as ordens e as instruções que lhe eram emanadas pelos seus superiores hierárquicos. Mas a Ré nunca atribuiu ao Autor uma qualquer quantia salarial pelo período de 30 minutos que antecediam o início de cada turno.
  Em concreto, entre 29/01/2005 e 31/12/2008, o Autor prestou 1142 dias de trabalho efectivo, tendo comparecido com 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno.
  O artigo 10.º, n.º4 do Decreto-Lei 24/89/M dispõe que os períodos fixados no n.º 1 não incluem o tempo necessário à preparação para o início do trabalho e à conclusão de transacções, operações e serviços começados e não acabados, desde que no seu conjunto não ultrapassem a duração de trinta minutos diários.
  Ou seja, se ultrapasse a duração de trinta minutos diários, verificando se a prestação de trabalho extraordinário, tem o trabalhador direito a receber um acréscimo de salário, nos termos do artigo 11.º, n.º2 do Decreto-Lei 24/89/M.
  Portanto, tendo em conta os dias de trabalho efectivo pelo Autor prestado, segundo a fórmula (Salário horário) x (n.º de dias de trabalho efectivo) /2, tem o Autor direito a receber a tal título:
Período
N.º de dias de trabalho efectivo
Salário horário
Quantia indemnizatória
29/01/2005 a 31/12/2008
1142
HKD$31.25
MOP$18,379.06
  Assim num total de MOP$18,379.06. Conforme o princípio dispositivo, deve a Ré pagar-lhe a quantia global no montante de MOP$18,379.00.
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  Compensação pelo trabalho prestado após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias (Compensação pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal)
  O Autor ainda pretende ser indemnizado pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal no período decorrido entre 29/01/2005 e 31/12/2008.
  Ficou provado que entre 29/01/2005 e 31/12/2008, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré (B) num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos, a que se seguia um período de vinte e quatro horas de descanso compensatório, em regra no oitavo dia, que antecedia a mudança de turno. No concreto, o Autor prestou 165 dias de trabalho efectivo junto da Ré no sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivo, mas a Ré nunca atribuiu ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado no sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivo.
  O artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M de 3 de Abril dispõe, no seu n.º1, que todos os trabalhadores têm o direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26.º.
  O artigo 18.º do mesmo Decreto-Lei prevê as excepções do referido artigo: sempre que, em função da natureza do sector de actividade, se revele inviável a observância do n.º 1 do artigo anterior, deverá ser concedido aos trabalhadores um descanso consecutivo de quatro dias por cada conjunto de quatro semanas ou fracção, o qual não deverá ser inferior ao que resultaria de uma média semanal de 24 horas.
  No caso em apreço, mesmo que considerando a natureza do sector de actividade (guarda de segurança), a Ré concedeu ao Autor um descanso consecutivo de vinte e quatro horas, após cada sete dias de trabalho consecutivos, obviamente não se verificando o disposto no artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M. Assim, tem que se considerar que o Autor prestou trabalho junto da Ré em dia de descanso semanal nos termos do artigo 17.º, n.º1 do mesmo Decreto-Lei.
  O n.º6 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 32/90/M de 9 de Julho, dispõe, pois, que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deve ser pago: a) aos trabalhadores que auferem salário mensal, pelo dobro da retribuição normal.
  Então, deve calcular os valores da indemnização a título de trabalho prestado em dia de descanso semanal, segundo a fórmula: (Salário diário) x (n.º de dias devidos e não gozados) x 2.
  Há, todavia, que ponderar a circunstância de a Ré ter pago o valor em singelo, pelo que aos valores apurados se tem de deduzir o montante pago em singelo pela Ré2, sob pena de estar o Autor a ser pago, não pelo dobro, mas pelo triplo do valor diário devido, o que a lei manifestamente não prevê3.
  Vejamos, então, quais os valores que deveriam ter sido pagos a este trabalhador e não foram, partindo dos valores de retribuição diários que lhe eram devidos, segundo a fórmula (Salário diário) x (n.º de dias devidos e não gozados):
Período
Salário diário
N.º de dias não gozados
Quantia indemnizatória
29/01/2005 a 31/12/2008
HKD$250.00
165
MOP$42,487.50
  Assim deve a Ré pagar ao Autor a quantia de MOP$42,487.50 pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal.
*
  Juros moratórios
  Às quantias supra mencionadas acrescerão juros a contar da data da decisão judicial que fixa o respectivo montante4, atento o que dispõe o artigo 794.º, n.º4 do CC, dado que por estarmos na presença de um crédito ilíquido, os juros moratórios, só se vencem a contar da data em que seja proferida a decisão que procede à liquidação do quantum indemnizatório.
*
IV. DECISÃO
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julga-se a acção parcialmente procedente e em consequência condena-se a Ré a pagar ao Autor, a título de créditos laborais, a quantia global de MOP$170,304.00 sendo:
  - MOP$56,650.00 a título de subsídio de efectividade;
  - MOP$10,300.00 a título de trabalho prestado em dia de feriado obrigatório remunerado;
  - MOP$42,487.50 a título de devolução das quantias de comparticipação no alojamento;
  - MOP$18,379.00 pela prestação de, pelo menos, 30 minutos de trabalho para além do período normal diário por cada dia de trabalho efectivo;
  - MOP$42,487.50 a título do trabalho prestado, após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias (pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal).
  Às quantias supra mencionadas acrescerão juros moratórios à taxa legal a contar da data da sentença que procede à liquidação do quantum indemnizatório até integral e efectivo pagamento.
  Absolve-se no mais a Ré do pedido.
  As custas serão a cargo da Ré e do Autor na proporção do respectivo decaimento.
  Registe e notifique.

Notificadas as partes da sentença, veio o Autor recorrer dela para esta segunda instância, concluindo e pedindo que:
1. Versa o presente recurso sobre a parte da douta Sentença na qual foi julgada parcialmente improcedente ao ora Recorrente as quantias pelo mesmo reclamadas a título de trabalho prestado em dia de descanso semanal e feriados obrigatórios, subsídio de efectividade e subsídio de alojamento;
2. Pelos fundamentos que adiante melhor se expõem, está o Recorrente em crer que a douta Sentença enferma de erro de aplicação de Direito e, neste sentido, se mostra em violação ao disposto nos artigos 17.º, 19.º e 20.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril e, bem assim, ao disposto no art. 42.º, n.º 3 do CPT, razão pela qual deve a mesma ser julgada nula e substituída por outra, o que desde já e para os legais efeitos se invoca e requer.
Em concreto,
3. Ao condenar a Recorrida (B) a pagar ao ora Recorrente apenas uma quantia em singelo pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal não gozado, o Tribunal a quo terá procedido a uma interpretação menos correcta do disposto na al. a) do n.º 6 do art. 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, na medida em que de acordo com o referido preceito se deve entender que o mesmo trabalho deve antes ser remunerado em dobro do salário normal, entendido enquanto duas vezes a retribuição normal por cada dia de trabalho prestado em dia de descanso semanal, acrescido de um outro dia de descanso compensatório, tal qual tem vindo a ser seguido pelo Tribunal de Segunda Instância;
4. Assim, resultando provado que até 31/12/2008, o Recorrente não gozou de dias de descanso semanal, deve a Recorrida (B) ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$84,975.00 a título do dobro do salário - e não só apenas de MOP$42,487.50 correspondente a um dia de salário em singelo conforme resulta da decisão ora posta em crise;
Acresce que,
5. Contrariamente ao decidido pelo douto Tribunal a quo, não parece correcto concluir que pela prestação de trabalho nos dias de feriados obrigatórios se deva proceder ao desconto do valor do salário em singelo já pago;
6. Pelo contrário, salvo melhor opinião, a fórmula correcta de remunerar o trabalho prestado em dia de feriado obrigatório nos termos do disposto no artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, será conceder ao Autor, ora Recorrente, um “acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal, para além naturalmente da retribuição a que tem direito” - o que equivale matematicamente ao triplo da retribuição normal - conforme tem vindo a ser entendido pelo douto Tribunal de Segunda Instância;
7. Assim, resultando provado que durante o período da relação laboral em apreciação o Recorrente prestou trabalho durante 14 dias de feriado obrigatório para a Recorrida (B), deve a mesma ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$15,450.00 - e não só de apenas Mop$10,300.00, a título do triplo do salário, acrescidas de juros até efectivo e integral pagamento o que desde já e para todos os legais efeitos se requer;
Sem prescindir,
8. Resultando da matéria provada que durante todo o período do contrato a Ré não pagou ao Autor qualquer quantia a título de “subsídio mensal de efectividade”, competia ao douto Tribunal de primeira instância ter condenado a Ré - ex oficio - em quantidade superior ao pedido, nos termos que resultam do disposto no artigo 42.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho e, neste sentido, ter condenado a Recorrida a pagar ao Recorrente a quantia de Mop$68,083.00 - e não apenas de Mop$56,650.00 conforme erroneamente formulado pelo Autor em sede de Petição Inicial - o que desde já e para os legais efeitos se invoca e requer;
Do mesmo modo,
9. Resultando da matéria de facto provada que “entre 29/01/2005 e 31/04/2010, a Ré procedeu a uma dedução no valor de HK$750.00 sobre o salário mensal do Autor, a título de “comparticipação nos custos de alojamento”, impunha-se ao Tribunal a quo a condenação da Ré na devolução da referida quantia durante o referido período de tempo - num total de Mop$48,744.75 - e não apenas de Mop$42,487.50 correspondente ao pedido erroneamente formulado pelo Autor em sede de Petição Inicial - nos termos que resultam do disposto no artigo 42.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho, o que uma vez mais se invoca e requer;
10. Trata-se, de resto, está o ora Recorrente em crer, de questão similar a outra já anteriormente apreciada pelo douto Tribunal de Segunda Instância - e respeitante à condenação da mesma Ré relativamente a um subsídio de alimentação - e nos termos do qual foi decidido que: “(...) não resta qualquer dúvida de que compete ao tribunal de primeira instância condenar ex oficio em quantidade superior ao pedido ou em objecto diferente do dele, sempre que isso resulte da aplicação à matéria de facto de preceitos inderrogáveis das leis ou regulamentos(artigo 42.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho)” (Cfr. entre outros, o Ac. do TSI n.º 374/2018, pág. 35, para cuja fundamentação melhor se remete).
Nestes termos e nos de mais de Direito que V. Exas. encarregar-se-ão de suprir, deve o presente Recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser a douta Sentença julgada nula e substituída por outra que condene a Recorrida nas quantias supra formuladas, assim se fazendo a sempre costumada JUSTIÇA!

Ao recurso respondeu a Ré pugnando pela improcedência.

Admitido no Tribunal a quo, o recurso foi feito subir a este Tribunal de recurso.

Liminarmente admitido o recurso e colhidos os vistos, cumpre conhecer.
II

Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

Inexistindo questão de conhecimento oficioso e face às conclusões dos recursos, as questões que constituem o objecto da nossa apreciação consiste em saber, quais são os multiplicadores para o cálculo do trabalho prestado nos dias de descanso semanal e de feriado obrigatório e qual é a correcta interpretação da norma do artº 42º/3 do CPT.

Então vejamos.

1. Dos multiplicadores para o cálculo do trabalho prestado nos dias de descanso semanal e de feriado obrigatório

O Autor pede na acção a condenação da Ré a pagar-lhe, inter alia, a compensação do trabalho prestado nos dias de descanso semanal e feriados obrigatórios e a compensação do subsídio de efectividade não pago, assim como a devolução das quantias indevida e ilegalmente descontadas dos seus vencimentos a título de despesas do alojamento.

O Tribunal a quo deu-lhe razão e acabou por reconhecer ao Autor esses direitos.


Mas o Autor questiona o multiplicador (X 1) para o cálculo do trabalho prestado nos dias de descanso semanal e o multiplicador (X 2) para o cálculo do trabalho prestado nos dias de feriados obrigatórios, adoptados pelo Tribunal a quo, defendendo que deve ser adoptado o multiplicador (X 2) e (X3), respectivamente.

Tem razão o Autor.

Pois no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, a lei regula as condições do trabalho prestado em dias de descanso semanal e as diferentes formas de compensações desse trabalho consoante as variadas circunstâncias que o justificam.

Diz o artº 17º deste diploma que:

1. Todos os trabalhadores têm direito a gozar, em cada período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26º.
2. O período de descanso semanal de cada trabalhador será fixado pelo empregador, com devida antecedência, de acordo com as exigências do funcionamento da empresa.
3. Os trabalhadores só poderão ser chamados a prestar trabalho nos respectivos períodos de descanso semanal:
a) Quando os empregadores estejam em eminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior;
b) Quando os empregadores tenham de fazer face a acréscimos de trabalho não previsíveis ou não atendíveis pela admissão de outros trabalhadores;
c) Quando a prestação de trabalho seja indispensável e insubstituível para garantir a continuidade do funcionamento da empresa.

4. Nos casos de prestação de trabalho em período de descanso semanal, o trabalhador tem direito a um outro dia de descanso compensatório a gozar dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho e que será imediatamente fixado.
5. A observância do direito consagrado no nº 1 não prejudica a faculdade de o trabalhador prestar serviço voluntário em dias de descanso semanal, não podendo, no entanto, a isso ser obrigado.
6. O trabalho prestado nos termos do número anterior dá ao trabalhador o direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.

Em face dos factos que ficaram provados nos presentes autos, não se mostrando que o trabalho em dias de descanso semanal foi prestado em qualquer das situações previstas no nº 3 e na falta de outros elementos fácticos, a compensação deve processar-se nos termos consagrados no nº 6, isto é, o trabalhador tem direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.

Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso semanal, a fórmula é:

2 X o salário diário médio X número de dias de prestação de trabalho em descanso semanal, fora das situações previstas no artº 17º/3, nem para tal constrangido pela entidade patronal.

E em relação ao trabalho prestado em dias de feriado obrigatório, o trabalho em feriados obrigatórios e a forma das suas compensações encontram-se regulados no artº 20º do Decreto-Lei nº 24/89/M que prescreve:

1. O trabalho prestado pelos trabalhadores nos dias de feriado obrigatório, referidos no nº 3 do artigo anterior, dá direito a um acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal e só pode ser executado:
a) Quando os empregadores estejam na eminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior;
b) Quando os empregadores tenham de fazer face a um acréscimo de trabalho não previsível;
c) Quando a prestação de trabalho seja indispensável para garantia a continuidade do funcionamento da empresa, nos casos em que, de acordo com os usos e costumes, esse funcionamento deva ocorrer nos dias de feriados.
2. Nos casos de prestação de trabalho em dia feriado obrigatório não remunerado, ao abrigo da alínea b) do nº 1, o trabalhador que tenha concluído o período experimental tem direito a um acréscimo de salário nunca inferior a 50% do salário normal, a fixar por acordo entre as partes.

Nos termos do disposto no artº 19º/3, os trabalhadores têm direito à retribuição nos seis dias de feriado obrigatório (1 de Janeiro, os primeiros 3 dias do Ano Novo Chinês, 1 de Maio e 1 de Outubro).

Perante a materialidade fáctica assente, o trabalho prestado pelo trabalhador em dias de feriados obrigatório integra-se justamente na circunstância prevista no artº 20º/1-c), pois o trabalhador estava afectado aos casinos explorados pela entidade patronal, que como vimos supra, se obrigava legalmente a manter os seus casinos em funcionamento contínuo.

Assim, ao abrigo do disposto no artº20º/1, o trabalhador tem direito a um acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal.

A propósito da interpretação da expressão “acréscimo salarial”, ensina o Dr. Augusto Teixeira Garcia que “......A prestação de trabalho nestes dias dá o direito aos trabalhadores de receberem um acréscimo de retribuição nunca inferior ao dobro da retribuição normal (artº 20º, nº1). Assim, se um trabalhador aufere como remuneração diária a quantia de MOP$100, por trabalho prestado num dia feriado obrigatório e remunerado ele terá o direito de auferir MOP$300, ou seja, MOP$100 que corresponde ao dia de trabalho mais MOP$200, correspondente ao acréscimo salarial por trabalho prestado em dia feriado.” – vide, op. cit., Capítulo V, ponto 9.2.

Cremos que essa é única interpretação correcta da expressão “acréscimo salarial”.

Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo da quantia a pagar o trabalho prestado em dias de feriado obrigatório remunerado, a fórmula é:

3 X o salário diário médio X número de dias de prestação de trabalho em feriado obrigatório remunerado, nas situações previstas no artº 20º/1-c).

Procede esta parte do recurso interposto pelo Autor.

Como, por um lado, a sentença recorrida adoptou o multiplicador X 1 para o cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso semana e o multiplicador X 2 para o cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de feriado obrigatório, em vez de os multiplicadores X 2 e X 3, respectivamente, que defendemos, e por outro lado não foram impugnados pela Ré quer o número dos dias de descanso semanal e de feriado obrigatório, em que trabalhou e quer o quantitativo diário do salário, é de alterar a sentença recorrida e passar a aplicar os multiplicadores X 2 e X 3 para o cálculo dos quantitativos da compensação pelo trabalho prestado nos descansos semanais e de feriado obrigatório, respectivamente.

Assim sendo, merece o Autor, a título da compensação pelo trabalho prestado nos dias de descanso semanal, o valor de MOP$84.975,00, correspondente ao dobro de MOP$42.487,50, quantia fixada na sentença recorrida, e a título da compensação pelo trabalho prestado nos dias de feriado obrigatório, o valor de MOP$15.472,50, (HKD$250 X 1.0315 X 20 dias X 3 = MOP$15.472,50).

Como a título da compensação pelo trabalho prestado nos dias de feriado obrigatório o Autor só pediu a quantia de MOP$15.450,00, o quantitativo da compensação deve ser reduzido para este valor peticionado.

2. Da interpretação da norma do artº 42º/3 do CPT

O Autor imputa à sentença a violação do disposto no artº 42º/3 do CPT.

Para efeito, defende que, não obstante peticionado menos do que devido, o Tribunal a quo deveria ter condenado à Ré a pagar-lhe a quantia resultante da matéria de facto provada, face ao disposto no artº 42º/3 do CPT, à luz do qual o tribunal deve condenar em quantidade superior ao pedido ou em objecto diferente do dele, sempre que isso resulte da aplicação à matéria de facto de preceitos inderrogáveis das leis ou regulamentos.

Sobre a mesma questão, este TSI já chegou a pronunciar-se contra a tese ora defendida pelo recorrente – Ac. do TSI datado de 19OUT2017, no proc. nº 720/2017.

Ai foi afirmado que a condenação está limitada pelo pedido, mesmo em sede laboral, a partir do momento em que se mostra extinta a relação laboral, e o que está em causa é uma compensação por trabalho não remunerado, assumindo, assim uma natureza “indemnizatória” e disponível.

Não vimos razões para não manter este entendimento que nos é correcto e correspondente à mens legislatoris subjacente à regra extra vel ultra petitum consagrada no artº 42º/3 do CPT, pois a extinção definitiva da relação laboral entre o trabalhador e a entidade patronal fez logo cessar a chamada subordinação jurídica e a dependência económica de direito e de facto do trabalhador da entidade patronal, que só existem na vigência da relação laboral.

Improcede assim esta parte de recurso.

III

Pelo exposto, acordam em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo Autor, passando atribuir ao Autor, a título da compensação pelo trabalho prestado nos dias de descanso semanal e de feriado obrigatório, os valores de MOP$84.975,00 e de MOP$15.450,00, respectivamente, mantendo na íntegra a restante parte da sentença recorrida, na parte não impugnada ou impugnada sem êxito.

Custas pelo Autor recorrente e pela Ré recorrida B, na proporção de 1/4 e 3/4.

RAEM, 24SET2020
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Lai Kin Hong
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Fong Man Chong
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Ho Wai Neng

1 Cf., neste preciso sentido, Acórdão do TUI de 21 de Setembro de 2008, onde, avaliando uma situação semelhante envolvendo a aqui Ré nos presentes autos, afirma: « ... Quer isto dizer que a lei atribui uma remuneração nunca inferior ao dobro da normal, que acresce a esta, pelo que bem decidiu o Acórdão recorrido ter o trabalhador direito ao triplo da retribuição diária, já que não se provou terem as partes acordado uma remuneração superior para tal trabalho. Mas, como o autor já foi pago em singelo, terá, agora, direito ao dobro da retribuição.»
2 Cf., neste preciso sentido, Acórdão do TUI de 27 de Fevereiro de 2008, onde, avaliando uma situação semelhante envolvendo a aqui Ré nos presentes autos, afirma: « ... tem razão a Ré ao dizer que o autor já recebeu o salário normal correspondente ao trabalho nesses dias de descanso, pelo que, agora, só tem direito a outro tanto, e não ao dobro, como se decidiu no Acórdão recorrido, que não explica, aliás, porque não levou em conta o salário já pago. E que está em causa o pagamento do trabalho em dia de descanso semanal, pelo dobro da retribuição normal, mas o autor foi pago já em singelo.» Temos conhecimento do sentido adoptado a este respeito pelo Tribunal de Segunda Instância, nomeadamente, no Acórdão tirado nos autos de Processo 138/2011, com o qual, no entanto, sempre salvaguardando o seu douto entendimento, não concordamos.
3 Cremos, sempre salvaguardando opinião contrária, que a previsão constante do art. 43.°, n.º 2, 1) da Lei n.º 7/2008, de 18/8/2008, traduz uma clarificação muito relevante a este respeito, tornando mais clara ainda a orientação legislativa, no sentido de compensar o trabalhador pela prestação do trabalho em dia que seria de descanso com um dia (e não dois) de remuneração de base; não seria muito compreensível, num território que se aproxima paulatinamente de novos padrões normativos, que, nesta matéria, sinalizasse um retrocesso tão drástico relativamente ao diploma anterior.
4 Com pertinência também para este caso, a jurisprudência do Acórdão do Tribunal de Última Instância no processo n.º 69/2010 de 02/03/2011.
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Ac.623/2020-1