Processo n.º 666/2020
(Autos de recurso em matéria laboral)
Relator: Fong Man Chong
Data: 24 de Setembro de 2020
ASSUNTOS:
- Impugnar decisão de facto em processo penal e critério de compensação do descanso semanal em matéria jurídico-laboral
SUMÁRIO:
I – No processo laboral, quando a Recorrente impugnar a decisão de facto e a produção de prova na primeira instância fosse gravada, ela deve cumprir o estipulado no artigo 599º do CPC, ex vi do disposto no artigo 1º do CPT, sob pena de ser rejeitada esta parte do recurso.
II - No âmbito do artigo 17º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, para além do pagamento do trabalho efectivamente prestado pelo Recorrente em dia de descanso semanal, se a entidade patronal não pagou ao seu trabalhador outro qualquer acréscimo salarial, em violação ao disposto no artigo 17º citado, este deve ser compensado a esse título com o montante devido a título do dobro do salário e não só de apenas mais um montante em singelo.
III – O artigo 17° do DL n.º 24/89/M, de 3 de Abril, dispõe que “todos os trabalhadores têm o direito a gozar, em cada sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas (...)”, sendo o período de descanso motivado por razões de ordem física e psicológica, o trabalhador não pode prestar mais do que seis dias de trabalho consecutivos, devendo o dia de descanso ter lugar, no máximo, no sétimo dia, e não no oitavo, nono ou noutro dia do mês, salvo acordo das partes em sentido contrário, no que toca ao momento de descanso a título de “compensação”, mas o critério para este efeito é sempre o período de sete dias como uma unidade.
O Relator,
________________
Fong Man Chong
Processo nº 666/2020
(Autos de recurso em matéria laboral)
Data : 24 de Setembro de 2020
Recorrentes : Recursos Finais
- A (Autor)
- B (1ª Ré)
Recurso Interlocutório
- B (1ª Ré)
Recorridos : - Os mesmos
- C (2ª Ré)
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Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I - RELATÓRIO
B, Recorrente, devidamente identificada nos autos, discordando do despacho proferido pelo Tribunal de primeira instância, datado de 17/09/2019, que julgou improcedente a excepção da prescrição de (certos) créditos laborais reclamados pelo Autor, operada pela transferência de um grupo de trabalhadores (280) da B para a C, dela veio, em 03/10/2019, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 235 a 243, tendo formulado as seguintes conclusões:
I. Vem o presente recurso interposto do douto Despacho proferido a fls. 225 a 230 dos autos.
II. A Ré B, ora Recorrente, não se conforma com o aludido Despacho, por entender que o mesmo incorre em erro na aplicação de Direito, pugnando pela revogação do mesmo por banda desse Venerando Tribunal de Segunda Instância da RAEM.
III. Em 01/04/2019, o Autor intentou contra a B e a C a presente acção de processo comum do trabalho, peticionando a condenação da 1ª Ré B no pagamento de uma indemnização global de MOP$220,161.25 e da 2ª Ré C no valor global de MOP$339.405,78 a título de créditos laborais emergentes das relações laborais do Autor com as Rés, alegando para tanto, entre outros factos, que o Autor prestou serviço à 1ª B entre 11 de Julho de 2000 a 21 de Julho de 2003 e prestou serviço à 2ª Ré C desde 22 de Julho de 2003 até 20 de Julho de 2018.
IV. Em sede de contestação, as Rés aduziram uma defesa por excepção, arguindo a prescrição dos créditos laborais reclamados pelo Autor emergentes da relação laboral com a 1ª Ré B, ora Recorrente, nos termos do disposto nos artigos 311, n.º 1, alínea c) e 315.º, n.º 1, ambos do Código Civil.
V. O Autor apresentou resposta, alegando, em suma, que os créditos reclamados pelo Autor não se encontram prescritos, tendo também respondido à matéria que as Rés em sede de contestação impugnaram por desconhecimento.
VI. O Meritíssimo Juiz, por douto Despacho de fls. 225 a 230 dos autos, não admitiu a parte da resposta apresentada pelo Autor que versou sobre a matéria de impugnação por desconhecimento alegada pelas Rés, dando por não escrito. Tendo, no entanto, concordado com o teor dos artigos 1º a 7º da resposta do Autor e decidiu julgar improcedente a excepção peremptória da prescrição.
VII. Verificou-se uma efectiva cessação - termo - do contrato de trabalho, isto é, a relação laboral entre Autor e 1ª Ré iniciou-se a 11 de Julho de 2000 e terminou a 21 de Julho de 2003, o que conduz à prescrição dos créditos laborais emergentes da relação laboral subjacente a esse contrato de trabalho, nos termos do disposto no artigo 27.º, n.º 3 do CPT, e artigos 302.º, 311.º, n.º 1, alínea c) e 315.º, n.º 1, todos do CC.
VIII. A 1ª Ré, ora Recorrente e a 2ª Ré, são pessoas jurídicas distintas, como são distintas as relações laborais estabelecidas entre aquelas e o Autor, ora Recorrido.
IX. O Autor formula pedidos distintos contra cada uma das Rés, exercendo direitos autónomos e independentes.
X. O Autor não manteve com a 2ª Ré a relação de trabalho que tinha com a 1ª Ré, isto é, não trabalhava sob a égide de uma só relação de trabalho.
XI. Consta expressamente do Despacho n.º 01949/SEF/2003, proferido pelo Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças: "Cancelo, nos termos do n.º 10 do mesmo Despacho, as autorizações anteriormente concedidas ao CASINO D - B para a contratação de 280 (duzentos e oitenta) trabalhadores não residentes, bem como os respectivos contratos de prestação de serviços".
XII. Por força do Despacho n.º 01949/SEF/2003 foi autorizada a transferência das autorizações anteriormente concedidas à 1ª Ré B, para a contratação dos 280 trabalhadores não residentes, como ainda foram as mesmas canceladas, impondo-se a celebração, por banda da nova entidade patronal, qual seja a 2ª Ré C, de novos contratos de prestação de serviços, ex novo.
XIII. No presente caso verificou-se o efectivo termo da relação laboral entre Autor e 1ª Ré B, ora Recorrente.
XIV. A decisão constante do douto Despacho proferido a fls. 225 a 230 dos autos, isto é, a decisão que julgou Improcedente a excepção peremptória da prescrição invocada pelas Rés, deverá ser revogada, por violação do disposto nos artigos 311, n.º 1, alínea c) e 315.º, n.º 1, ambos do CC e em consequência, deverão ser declarados prescritos todos os créditos emergentes da relação laboral entre o Autor e a ora Recorrente B.
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A, com os sinais identificativos nos autos, ofereceu a resposta constante de fls. 245 a 250, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. Insurge-se a Recorrente quanto ao conteúdo do douto Despacho Saneador, por entenderem que o mesmo viola o disposto nos arts. 311.°, n.º 1, al. c) e art. 315.°, n.º 1 do Código Civil, sem qualquer razão;
2. Com efeito, contrariamente ao que alega a Recorrente, não se verificou uma "efectiva cessação" do contrato de trabalho entre o Autor e a 1.ª Ré em 21 de Julho de 2003, nem tal resulta de as Rés serem "pessoas jurídicas distintas";
3. Com efeito, desde 2001 o Recorrido (leia-se, o Autor) mantém de forma contínua e ininterrupta uma mesma relação laboral com as duas Rés;
4. Tal é assim por força do Despacho n.º 01949/SEF/2003, do Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças da RAEM, de 21 de Julho de 2003, nos termos do qual foi autorizada a "transferência das autorizações para a contratação" de 280 trabalhadores não residentes (onde se encontra incluído o Autor) da 1.ª Ré (B) para a 2.ª Ré (C), de forma a que os mesmos "pudessem passar a exercer funções na C", "permanecendo no seu posto de trabalho". (Cfr. Doc. 3 junto com a Petição Inicial);
5. De resto, como é facto público, uma das "condições" para que tivesse sido adjudicada a concessão de exploração de jogos de fortuna ou azar à 2.ª Ré (C) residiu no facto de esta se ter comprometido em "manter ao seu serviço" todos os trabalhadores da 1.ª Ré (B), tal qual efectivamente se verificou;
6. De onde, conforme já anteriormente decidido pelo douto TSI "(...) o Despacho n.º 01949/SEF/2003 está, no fundo, a autorizar a substituição da B pela C nas relações de trabalho para com os 280 trabalhadores" (Cfr. Proc. n.º 886/2018-19, para cuja fundamentação melhor se remete);
7. Pelo exposto, por força do Despacho n.º 01949/SEF/2003 do Senhor Secretário para a Economia e Finanças da RAEM a 2.ª Ré (C) "herdou" os trabalhadores não residentes da 1.ª Ré (B), sucedendo nos seus direitos e respectivos deveres, em caso algum se verifica um qualquer vício no douto despacho recorrido, razão pelo qual deve o mesmo manter-se na integra, o que desde já e para devidos e legais efeitos se alega e requer.
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A, Recorrente, devidamente identificado nos autos, discordando da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, datada de 30/03/2020, dela veio, em 07/04/2020, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 297 a 302, tendo formulado as seguintes conclusões:
1) Versa o presente recurso sobre a douta Sentença na parte relativa à condenação das Rés (B e C) na atribuição de uma compensação devida ao Autor pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, na medida em que a concreta fórmula de cálculo utilizada na Decisão Recorrida se mostra em manifesta oposição à que tem vindo a ser seguida pelo Tribunal de Segunda Instância;
2) De onde, salvo o devido respeito, está o Recorrente em crer que a douta Sentença enferma de um erro de aplicação de direito quanto à concreta forma de cálculo devido pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal e pelo trabalho prestado em dias de feriado obrigatório remunerado e, deste modo, em violação ao disposto no artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril;
Em concreto,
3) Entendeu o Tribunal a quo ser de sufragar o entendimento seguido pelo Tribunal de Última Instância e, em consequência, condenar as Rés a pagarem ao Autor apenas ao correspondente ao valor de um salário em singelo no que respeita ao trabalho prestado em dia de descanso semanal durante todo o período da relação laboral, a liquidar em execução de sentença;
4) Porém, salvo melhor opinião, ao proceder à condenação das Rés apenas em singelo, o Tribunal a quo terá procedido a uma interpretação menos correcta do disposto na al. a) do n.º 6 do art. 17.° do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, pelo que a decisão deve ser julgada nula e substituída por outra que condene as Rés em conformidade com o disposto na referida Lei Laboral;
5) Com efeito, resulta do referido preceito que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser remunerado pelo dobro do salário normal, entendido enquanto duas vezes a retribuição normal por cada dia de trabalho prestado em dia de descanso semanal, para além do valor relativo ao próprio dia de trabalho prestado;
6) Trata-se, de resto, da interpretação que tem vindo a ser seguida de forma uniforme pelo Tribunal de Segunda Instância, onde se entende que a fórmula correcta para compensar o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser a seguinte: (salário diário X n.º de dias devidos e não gozados X 2);
7) De onde, provado que durante o período da relação laboral a Recorrida não garantiu ao Autor o gozo do descanso semanal no máximo ao 7.° dia após 6 dias consecutivos de trabalho, deve a mesma ser condenada a pagar ao Recorrente "o dobro da retribuição normal por cada um dos sétimos dias de trabalho prestado", isto é, deve a Ré (B) ser condenada a pagar a quantia de MOP$61.947,14 - e não apenas MOP$30.973,57 e deve a Ré (C) ser condenada apagar ao Autor "o dobro da retribuição normal por cada um dos sétimos dias de trabalho prestado", o que representa a quantia de MOP$136.475,00 - e não apenas MOP$68.237,50 correspondente a um dia de salário em singelo - conforme resulta da douta Decisão recorrida, acrescida de juros até efectivo e integral pagamento o que desde já e para todos os legais efeitos se requer.
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B, Recorrente, devidamente identificado nos autos, discordando da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, datada de 30/03/2020, dela veio, em 23/04/2020, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 316 a 326, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. Nos presentes autos, a ora Recorrente recorreu do despacho saneador de fls. 225-230, por não se conformar com a decisão ali proferida de julgar improcedente a alegada excepção de prescrição dos créditos laborais contra si reclamados pelo Autor, ora Recorrente, por entender que a relação laboral entre a Recorrente e o Autor cessou há mais de 15 anos, pois o Autor, ora Recorrido, esteve ao serviço da B (1ª Ré / ora Recorrente) entre 11/07/2000 a 21/07/2003, sendo que só em 01/04/2019 veio o Autor reclamar os seus créditos, portanto há mais de 15 anos, salvo o devido respeito, entende a Recorrente que todos os créditos em que foi condenada a pagar ao Autor/Recorrido encontram-se prescritos.
2. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo douto Tribunal Judicial de Base que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a 1ª Ré Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, ora Recorrente, no pagamento de uma indemnização no valor global MOP$172,401.77, acrescida de juros moratórios à taxa legal a contar do trânsito em julgado da sentença.
3. A ora Recorrente vem impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, nomeadamente quanto à matéria fáctica vertida no ponto F) da Matéria Assente e bem assim quanto à matéria inserta na base instrutória, nomeadamente referente aos artigos 3º e 4º, porquanto da prova produzida em sede de julgamento nunca poderiam os quesitos levados à base instrutória ter sido provados, salvo devido respeito por opinião contrária, incorrectamente julgada pelo douto Tribunal a quo.
4. Também no plano do Direito aplicável ao caso concreto, a sentença proferida a final nunca poderia ter decidido como decidiu em violação e incorrecta aplicação das normas jurídicas que lhe servem de fundamento, estando em crer que a decisão assim proferida pelo douto Tribunal de Primeira Instância padece do vicio de erro de julgamento.
5. Entendeu o Digno Tribunal a quo manter nos Factos Assentes as alíneas F), nunca tal facto poderia ter sido dado como assente, nem os quesitos 3º e 4º da base instrutória poderia ter sido dados como provados, porquanto dos autos não resultam prova de tais factos.
6. A Recorrente alegou desconhecer a sobredita factualidade mas acrescentou que tal resultava da falta de documentos que não possuía por não estar obrigada a conservar documentos respeitantes ao Autor e à vida da Sociedade pela facto da sua relação laboral ter terminado há mais de 16 anos (21/07/2003), não estando a Recorrente, legalmente obrigada a conservar os documentos referentes ao Autor, não se vislumbra norma substantiva ou adjectiva que obrigasse a considerar assente a sobredita matéria vertida na alínea F) com as demais consequências legais.
7. Entende a Recorrente que também a matéria vertida no questionário foi, salvo devido respeito, incorrectamente julgada pelo Tribunal a quo, pois da prova produzida em sede de julgamento, a resposta aos quesitos e a fundamentação supra transcrita teriam necessariamente de ser diferentes, pelo que estamos perante um claro erro de julgamento, da prova produzida em sede de julgamento, a resposta aos quesitos e a fundamentação supra transcrita teriam necessariamente de ser diferentes, pelo que estamos perante um claro erro de julgamento.
8. A verdade é que é entendimento da Recorrente que tal erro de julgamento se verifica na situação dos autos, e que o vício apontado à decisão recorrida resulta dos próprios elementos constantes dos autos, por si só ou com recurso às regras da experiência comum.
9. Nos presentes autos foi ouvida apenas uma única testemunha, a qual depôs sobre os factos em discussão não apenas nos presentes autos mas também nos demais processos que foram julgados no mesmo dia, sendo esse depoimento feito sempre no plural, sem concretizar a situação do ora Recorrido, ou seja, foi um depoimento genérico sem ter conseguido concretizar se em relação ao Autor as coisas se passavam como se haviam passando em relação a si mesma, pois tal depoimento mais parecia um depoimento de parte, não podendo deixar de se estranhar que a testemunha consiga com certeza dizer as datas de início e termo e os locais de trabalho, salários, horários, turnos, dos Autores cujos julgamentos tiveram lugar no dia 16 de Março de 2020, além desta mesma testemunha ser a mesma para diversos outros julgamentos.
10. Para a prova da factualidade alegada pelo Autor deu o douto Tribunal a quo ainda relevância aos documentos juntos aos autos, dos quais nada resulta quanto aos turnos, às presenças e ausências do Recorrido, e às compensações que alegadamente não recebeu, tendo por base unicamente no depoimento da testemunha, nunca poderia o Tribunal a quo ter dado por provado que o Autor não recebeu os subsídios a que alega ter direito, ou que nunca faltou sem conhecimento e autorização da Ré, ou que aquele nunca gozou dias de descanso semanal ou se, a cada 21 dias, trabalhava 16 horas em cada período de 24, isto quanto passaram já mais de 16 anos sobre o termo da relação laboral, tanto mais que o próprio Autor ora afirma que não teve nenhum descanso ora afirma que gozou de dias de férias anuais por cada ano civil e de dias de dispensa ao trabalho não remunerados (cfr. artigo 8.º da petição inicial) reconhecendo que faltou ainda que justificadamente e que teve dispensas ao serviço, pois no seu articulado o autor afirma que gozou de períodos de ausência ao trabalho, vindo agora a testemunha dizer que o mesmo trabalhou continuamente.
11. Não se pode aceitar o alegado pelo Autor relativamente às ausências e trabalho efectivo para a 1ª Ré (B) referente aos artigos 8º a 10º da petição inicial, porquanto da listagem de movimentos de entradas e saídas dos Postos Fronteiriços anexa como documento 4 (fls. 34 a 45 dos autos) junto ao petitório resulta que as informações fornecidas foram baseadas nos Passaportes do Nepal números 8XXXX4, 15XXXX9, 35XXXX8 e 073XXXX1, informação que foi fornecida pelo Autor aos Serviços de Migração, mas não poderá comprovar que o mesmo não se tivesse ausentado da RAEM com base em qualquer outro documento, mas ainda que se entenda que o Autor apenas se ausentou da RAEM nos períodos descritos no documento 4 (fls. 34 a 45 dos autos) supra referido, não significa que os restantes dias tenham sido de trabalho efectivo.
12. Se o Autor alega ter faltado ao serviço por gozo de férias anuais e por dispensas de trabalho não remuneradas, pergunta-se então quantos foram esses dias de faltas e quando ocorreram essas faltas? Não se sabe se durante o tempo que prestou trabalho para a Ré o Autor deu, ou não deu, qualquer falta ao serviço.
13. Entende a Recorrente com todo o respeito devido, que é necessário apurar os dias concretos de trabalho e os dias de ausência ao trabalho do Autor para se poder determinar as diferentes compensações, pois do registo de entradas e saídas do Autor da RAEM não resulta que o mesmo tenha trabalhado efectivamente 1062 dias para a Ré, complementando somente pelo depoimento da única testemunha ouvida em julgamento, pois tal depoimento é genérico, sem que tivesse a testemunha conseguido concretizar se em relação ao Autor as coisas se passavam como se haviam passando em relação a si mesma.
14. Após reapreciação da prova efectuada em juízo por parte desse Venerando Tribunal da Segunda Instância deverá ser proferido douto Acórdão que julgue procedente o invocado vício de erro de julgamento ao dar por provados todos os quesitos da douta Base Instrutória, os quais serão de dar por não provados, relativamente à ora Recorrente e consequentemente ser a Recorrente absolvida dos pedidos por total ausência de prova.
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C, com os sinais identificativos nos autos, ofereceu a resposta constante de fls. 334 a 338, tendo formulado as seguintes conclusões:
I. Veio o Recorrente no recurso a que ora se responde insurgir-se contra a decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Base na parte em que julgou parcialmente improcedente o pedido deduzido â título de trabalho prestado em dia de descanso semanal, por entender que tal decisão enferma de erro de aplicação de Direito quanto à concreta forma de cálculo da sobredita compensação e, nessa medida, mostra-se em violação do preceituado no artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril.
II. Quanto à forma de cálculo adoptada pelo Tribunal a quo para apuramento da eventual compensação pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal nada há a apontar à Decisão Recorrida, onde é feita uma correcta interpretação e aplicação do preceituado no artigo 17.º do Decreto-lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril.
III. Nos termos do preceituado no artigo 17.º do Decreto-Lei 24/89/M, estando em causa o pagamento do trabalho em dia de descanso semanal, pelo dobro da retribuição normal, tendo o Recorrente sido pago já em singelo, importa ter em conta esse salário já pago e pagar apenas o que falta (e não o dobro).
IV. A tese defendida pelo Recorrente nas suas doutas alegações subverte por completo a letra da Lei e, a seguir-se tal tese, onde se lê que o trabalhador que aufira um salário mensal tem o direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal quando presta trabalho nos dias de descanso semanal, ler-se-ia que o pagamento em apreço deveria corresponder ao triplo da retribuição normal.
V. A Decisão em Recurso para além de encontrar total sustentação na letra da Lei, encontra-a também na jurisprudência unânime do Tribunal de Última Instância de Macau, nos Acórdãos proferidos no âmbito dos processos n.º 40/2009, n.º 58/2007 e n.º 28/2007 e, bem assim, naquele que foi já entendimento unânime no Tribunal de Segunda Instância no Acórdão de 29.03.2001 no processo n.º 46/2001, para cuja fundamentação se remete.
VI. Se o trabalhador já recebeu a remuneração, só terá de receber o "equivalente a 100% dessa mesma remuneração a acrescer ao salário já pago (neste sentido vide "Manual de Formação de Direito do Trabalho em Macau", Miguel Pacheco Arruda Quental, págs. 283 e 284).
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A, com os sinais identificativos nos autos, ofereceu a resposta constante de fls. 341 a 347, tendo formulado as seguintes conclusões:
I - Da Nota prévia:
Contrariamente ao que alega a Recorrente no que designa de "Nota prévia", em caso algum se pode concluir que os créditos reclamados pelo Autor se "encontrem prescritos", desde logo e, em concreto, pelo facto de, não obstante a B e a C serem "pessoas jurídicas distintas", certo é que o Autor manteve de forma contínua e ininterrupta uma mesma relação laboral com as mesmas desde o ano de 2000 até ao ano de 2018.
Dito de outro modo, por força do Despacho n.º 01949/SEF/2003 do Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças da RAEM, de 21 de Julho de 2003, foi autorizada a "transferência das autorizações para a contratação" de 280 trabalhadores não residentes (onde se encontra incluído o Autor) da 1.ª Ré (B) para a 2.ª Ré (C), de forma a que os mesmos "pudessem passar a exercer funções na C", "permanecendo no seu posto de trabalho".
De onde se retira que, para os devidos e legais efeitos, por força do referido Despacho n.º 01949/SEF/2003 do Senhor Secretário para a Economia e Finanças da RAEM, a Recorrente (C) "herdou" os trabalhadores não residentes da 1.ª Ré (B), sucedendo nos seus direitos e respectivos deveres, razão pelo qual se não verifica um qualquer vício ou erro no douto Despacho recorrido, razão pelo qual deve o mesmo manter-se na íntegra, o que desde já e para devidos e legais efeitos se alega e requer.
Sem prescindir,
Do objecto do Recurso:
Insurge-se a Recorrente (1.ª Ré - B) quanto ao julgamento da matéria de facto, nomeadamente a vertida no ponto F) da Matéria Assente e, bem assim, quanto aos quesitos 3.° e 4.° da douta Base Instrutória que no seu entender nunca poderiam ter sido "julgado provados".
Sem razão, está o Recorrido em crer.
Mais detalhadamente.
2. Do (suposto) erro de julgamento da matéria de facto:
Assenta a Recorrente a sua discordância-quanto ao julgamento da matéria de facto por entender que “(...) foi ouvida apenas uma única testemunha" que ‒ pasme-se ‒"(...) conseguia, com certeza, dizer as datas de início e termo e os locais de trabalho, salários horários, turnos, dos Autores cujos julgamentos tiveram lugar no dia 16 de Março de 2020".
Ora, salvo o devido respeito, estranho seria que a mesma testemunha nada soubesse ou nada tivesse dito a respeito dos seus ex-colegas de trabalho com quem a testemunha passou vários anos da sua vida, não só no trabalho, como nas suas (poucas) horas livres e com quem partilhava o mesmo dormitório ...
Isto é, se a testemunha falou "no plural" fê-lo com a convicção de que a situação dos Autores era idêntica à sua, razão pela qual respondeu com certeza e com verdade à matéria que lhe foi sendo questionada pelo Mandatário dos Autores, pelo Mandatários das Rés e pelo douto Tribunal a quo.
De resto, sabido que os "salários", os "horários", os regimes de "turnos" dos vários Autores cujos julgamentos tiveram lugar no dia 16 de Março de 2020 eram de todo idênticos aos da testemunha, razão não havia para que a mesma não fosse exímia conhecedora dos mesmos. Estranho seria, repete-se, se a testemunha desconhecesse a matéria que lhe foi perguntada, ou que tivesse respondido "não saber"....
Acresce que,
Contrariamente ao alegado pela Recorrente, não é correcto concluir que exista qualquer discrepância entre o alegado pelo Autor e o referido pela testemunha a respeito de dias de trabalho e dias de descanso, bem sabido que foram descontados todos os dias em que o Autor esteve ausente de Macau, sem que a(s) Ré(s) tivesse feito qualquer prova a respeito de quaisquer outros dias de falta e/ou de dispensa por si autorizada(s) para além dos dias alegados pelo Autor.
Depois, sempre se sublinha que as várias questões trazidas à apreciação pela Recorrente já não são novas e, por diversas vezes, foram já apreciadas pelo douto Tribunal de Recurso, nos termos que se recorda:
a) Quanto à inexistência de documentos:
"(...) não se aceita que a empregadora possa ignorar quanto pagava aos seus trabalhadores e como organizava os turnos, nem se valida a desculpa relativa a uma obrigação que tinha de guardar os documentos apenas por um período de 3 anos, o que não invalida o facto de dever saber quais as responsabilidades assumidas iunto dos seus trabalhadores" (Cfr. o Ac. do TSI n.º 716/2017, pá. 32, para cuja fundamentação melhor se remete).
b) Quanto à validade dos registos de entrada e saída e do testemunho prestado pela (única) testemunha:
Também a este respeito, o douto Tribunal de Recurso já deixou dito que:
"(...) Não tendo a Ré disponibilizado os registos de entrada e saída diárias do Autor (alegando já não as possuir) ao Autor estaria vedada a prova de tais fados, a não ser através do relato de outros colegas de trabalho, com condições laborais idênticas à sua, como veio a acontecer" ;
Ou que,
"Nem se diga que é sobre o Autor que impende o ónus de provar o número exacto e a localização temporal dos dias em que efectivamente trabalhou, pois tendo em conta a matéria de facto assente, o eventual gozo por parte do Autor de outros dias de descanso com conhecimento e autorização prévia por parte das Rés é facto impeditivo do direito invocado pelo Autor, que cabe às Rés provar – artº 335°/2 do CC. (Cfr. Ac. do TSI n.º 611/2018, para cuja douta fundamentação melhor se remete).
Ou ainda que,
"Dela resulta de forma clara que o n.° dos dias de trabalho efectivamente prestado pelo trabalhador (Autor) é calculado em função do n.º total dos dias anuais, subtraíndo o n.º de dias de férias anuais gozadas e das faltas dispensadas, uma vez que não resultam provados, nem foram alegados, outros dias de faltas ao serviço do trabalhador (...) É lógica para o Tribunal retirar a conclusão de que o Autor não deu mais faltas além dos dias de férias anuais autorizados e das faltas dispensadas, uma vez que não foram alegadas outras faltas do mesmo, matéria fáctica essa que, a nosso ver, constitui excepção peremptória que obsta ou modifica o pedido do Autor, pelo que incumbe à parte contrária o ónus de alegar e provar. Pois, como o Autor alegou que só tinha dado aquele nº de dias de faltas, caso a 1ª Ré entender que o Autor tinha dado mais faltas do que alegou, tem o ónus de alegar e provar tal matéria fáctica (Cfr. Ac. do TSI n.º 393/2018, para cuja douta fundamentação melhor se remete).
Ou, por último, que,
"(...) É lógica para o Tribunal retirar a conclusão de que o Autor não deu mais faltas além dos 24 dias de férias anuais autorizados pela Ré, uma vez que não foram alegadas outras faltas justificadas do mesmo, matéria fáctica essa que, a nosso ver, constitui excepção peremptória que obsta ou modifica o pedido do Autor, pelo que incumbe à parte contrária o ónus de alegar e provar. Pois, como o Autor alegou que só tinha dado aquele nº de dias de faltas, caso a Ré entender que o Autor tinha dado mais faltas do que alegou, tem o ónus de alegar e provar tal matéria fáctica (Cfr. Ac. do TSI n.º 448/2018, para cuja douta fundamentação melhor se remete).
De onde se deixa ver, sem necessidade de maiores desenvolvimentos, que todas as "questões" levantadas pela Recorrente nas suas Alegações de Recurso foram já objecto de cuidada e desenvolvida análise e de resposta por parte do Tribunal ad quem - em processos em todos similares ao presente - razão pela qual deve ser julgado improcedente o Recurso interposto pela Recorrente, por manifesta carência de fundamento legal, o que desde já e para os devidos efeitos se requer.
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Corridos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.
* * *
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
* * *
III – FACTOS ASSENTES:
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
- O Autor foi recrutado pela E, Lda. para exercer funções de “guarda de segurança” para a B, ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços n.º 6/2000, aprovado pelo Despacho n.º 02401/IMO/SEF/2000 (Cfr. fls.24 a 29, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (A)
- Entre 11/07/2000 a 21/07/2003, o Autor esteve ao serviço da B, prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (B)
- Por força do Despacho n.º 01949/IMO/SEF/2003, do Senhor Secretário para a Economia e Finanças da RAEM, de 17/07/2003, foi autorizada a transferência das autorizações concedidas para a contratação do Autor (e dos demais 280 trabalhadores não residentes) por parte da B para a Ré (C), com efeitos a partir de 21/07/2003 (Cfr. fls.31 a 33, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (C)
- Entre 22/07/2003 até 20/07/2018, o Autor exerceu as suas funções para a 2.ª Ré (C), enquanto trabalhador não residente. (Cfr. fls. 34 a 45, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido) (D)
- Mantendo na 2.ª Ré (C) a mesma categoria profissional, antiguidade e salário que detinha na 1.ª Ré (B). (E)
- Desde o início da relação de trabalho até 31/12/2008, o Autor gozou de dias de férias anuais por cada ano civil e de dias de dispensa ao trabalho não remunerados, nomeadamente, entre: (F, 3º e 5º)
Data de saída da RAEM
Data entrada na RAEM
Dias de férias e/ou de ausência
5/14/2002
6/6/2002
23
6/7/2003
6/28/2003
21
11/4/2004
11/27/2004
23
12/1/2004
12/2/2004
1
9/6/2005
9/29/2005
23
12/1/2006
12/2/2006
1
2/1/2007
2/2/2007
1
3/1/2007
3/2/2007
1
4/3/2007
5/4/2007
31
11/2/2007
11/3/2007
1
11/21/2008
11/22/2008
1
- Até Julho de 2010, as Rés pagaram ao Autor a quantia de HK$7.500,00, a título de salário de base mensal. (G)
- Resulta do ponto 3.1. do Contrato de Prestação de Serviço ao abrigo do qual o Autor exerceu a sua prestação de trabalho, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) a quantia de “(…) $600.00 patacas mensais por pessoa, a título de subsídio de alimentação”. (H)
- Resulta do ponto 3.4. do Contrato de Prestação de Serviços ao abrigo do qual o Autor foi autorizado a prestar trabalho para as Rés, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) “(…) um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço”. (I)
- Aquando da contratação do Autor no Nepal, foi garantido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes de origem Nepalesa) alojamento gratuito em Macau. (J)
- Durante todo o período de trabalho, o Autor sempre prestou a sua actividade sob as ordens e instruções das Rés e ou dos seus directos responsáveis. (1º)
- O Autor sempre respeitou os períodos, os horários e os locais de trabalho fixados pelas Rés. (2º)
- Durante todo o período em que o Autor prestou trabalho, o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte das Rés, sem prejuízo das férias anuais por cada ano civil e dispensas de trabalho não remuneradas constantes da al. F) dos Factos Assentes, bem como um dia de descanso no oitavo dia após cada sete dias de trabalho consecutivos durante ao serviço da 2ª Ré. (4º, 7º e 10º)
- Entre 22/07/2003 e 31/12/2008, o Autor prestou trabalho a cada um dos sétimos dias, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho, sem prejuízo da resposta aos quesitos 4, 7 e 10. (6º, 34º e 35º)
- Entre 11/07/2000 e 21/07/2003, a 1.ª Ré (B) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação. (8º)
- Entre 22/07/2003 a 31/12/2006, a 2.ª Ré (C) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação. (9º)
- Entre 11/07/2000 a 21/07/2003, a 1.ª Ré (B) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade. (11º)
- Entre 22/07/2003 a 31/07/2010, a 2.ª Ré (C) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade. (12º)
- Entre 11/07/2000 a 31/12/2002, a 1.º Ré (B) nunca fixou ao Autor, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição. (13º)
- Entre 11/07/2000 a 31/12/2002, a 1.ª Ré (B) nunca conferiu ao Autor um qualquer outro dia de descanso compensatório, em consequência do trabalho prestado em dia de descanso semanal. (14º)
- Entre 11/07/2000 e 31/12/2008, o Autor prestou a sua actividade de segurança durante em 1 de Janeiro, Ano Novo Chinês (3 dias), 1 de Maio e 1 de Outubro, por forma a garantir o funcionamento contínuo e diário dos vários Casinos operados pelas Rés, sem prejuízo da resposta aos quesitos 4, 7 e 10. (15º e 17º)
- Entre 11/07/2000 a 21/07/2003, a 1.ª Ré (B) nunca pagou ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado pelo Autor nos referidos dias de feriado obrigatórios. (16º)
- Durante o referido período de tempo, a 2.ª Ré (C) nunca pagou ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado nos referidos dias de feriado obrigatórios. (18º)
- Desde o início da prestação de trabalho até 31 de Julho de 2010, as Rés procederam a uma dedução no valor de HK$750,00.00 sobre o salário mensal do Autor, a título de “comparticipação nos custos de alojamento”. (19º)
- A referida dedução no salário do Autor era operada de forma automática, e independentemente de o trabalhador (leia-se, do Autor) residir ou não na habitação que lhe era providenciada pelas Rés e/ou pela agência de emprego. (20º)
- Durante todo o período da relação de trabalho com a 1.ª Ré (B), o Autor exerceu a sua actividade num regime de 3 turnos rotativos de 8 horas por dia:
Turno A: (das 08h às 16h)
Turno B: (das 16h às 00h)
Turno C: (das 00h às 08h). (21º)
- Durante todo o período da relação de trabalho, o Autor sempre respeitou o regime de turnos especificamente fixados pelas Rés. (22º)
- Os turnos respeitavam sempre uma mesma ordem sucessiva de rotatividade (A-C)-(B-A)-(C-B), após a prestação pelo Autor (e pelos demais trabalhadores) de sete dias de trabalho contínuo e consecutivo. (23º)
- Entre o fim da prestação de trabalho no turno C (00h às 08h) e o início da prestação de trabalho no turno B (16h às 00h), o Autor prestava a sua actividade num total de 16 horas de trabalho (correspondente a dois períodos de 8 horas cada) num período de 24 horas. (24º)
- A 1.ª Ré (B) nunca pagou ao Autor qualquer quantia pelo referido trabalho prestado. (25º)
- Desde o início da relação de trabalho e, pelo menos, até 31/12/2008, por ordem das Rés, o Autor estava obrigado a comparecer no seu local de trabalho, devidamente uniformizado, com, pelo menos, 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno, tendo aí permanecido às ordens e às instruções dos seus superiores hierárquicos. (26º )
- Durante o referido período de tempo, tinha lugar um briefing (leia-se, uma reunião) entre o Team Leader (leia-se, Chefe de turno) e os “guardas de segurança”, na qual eram inspeccionados os uniformes de cada um dos guardas e distribuído o trabalho para o referido turno, mediante a indicação do seu concreto posto dentro do Casino. (27º)
- Entre 11/07/2000 e 31/12/2008, o Autor prestou diária e efectivamente o trabalho, tendo comparecido com 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno, sem prejuízo da resposta aos quesitos 4, 7 e 10. (28º e 29º)
- As Rés nunca pagaram ao Autor qualquer quantia pelo período de 30 minutos que antecedia o início de cada turno. (30º)
- Entre 22/07/2003 a 31/12/2008, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a 2ª Ré (C) num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos. (31º)
- A que se seguia um período de vinte e quatro horas de descanso compensatório, em regra, no oitavo dia, que antecedia a mudança de turno. (32º)
- Entre 22/07/2003 a 31/12/2008 - descontados os períodos em que o Autor esteve ausente de Macau - a 2.ª Ré (C) não fixou ao Autor um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, em cada período de sete dias de trabalho consecutivo prestado. (33º)
- A 2.ª Ré (C) nunca pagou ao Autor qualquer quantia pelo trabalho prestado em cada um dos sétimos dias, após a prestação de seis dias de trabalho consecutivo. (36º)
- A Ré pagou sempre ao Autor o salário correspondente aos dias de descanso semanal. (37º)
* * *
IV – FUNDAMENTAÇÃO
Comecemos pelo recurso contra a decisão intercalar.
O despacho atacado tem o seguinte teor:
***
I – Despacho Saneador
O Tribunal é competente e o processo é próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
*
(…)
Excepção por prescrição
Na contestação, vieram as Rés invocar a excepção por prescrição relativamente a todos os créditos contra a 1ª Ré.
O Autor negou a sua procedência.
Cumpre decidir.
Na petição inicial, o Autor alegou, entre outros, que ele prestou trabalho para a 1ª Ré entre 11/07/2000 e 21/07/2003, e pediu ele a condenação da 1ª Ré para o pagamento do subsídio de alimentação, do subsídio de efectividade, das compensações pelo trabalho em dia de descanso semanal, do descanso compensatório e do feriado obrigatório remunerado, da comparticipação no alojamento descontadas, compensações pelas 16 horas de trabalho prestadas para além do período normal de trabalho em cada ciclo de 21 dias de trabalho e pela prestação de 30 minutos de trabalho para além do período normal diário por cada dia de trabalho efectivo e os juros de mora.
Face aos referidos créditos, tendo em conta a inexistência das regras próprias nas leis laborais referentes à prescrição, deve aplicar-lhes a regra geral prevista no Código Civil.
Nos termos do art. 302º do Código Civil, o prazo ordinário da prescrição é de 15 anos.
Todavia, nos termos do art. 27º, n. 3º do CPT, a prescrição interrompe-se pela notificação das Rés para a tentativa de conciliação. Por outro lado, o art. 311º, n. 1º, al. c) do Código Civil vigente dispõe na sua versão chinesa que “一、在下列期間,時效不完成:…c) 就擔任家務工作之人與其僱主間所存在之一切債權,在此種工作關係存續期間直至關係終止後兩年;對於其他工作關係之當事人之間就該工作關係而產生之債權,在工作關係存續期間直至關係終止後一年;…1”(sublinhado nosso). Sendo a relação de trabalho em causa não doméstico, a prescrição só não se completaria se o trabalhador exercesse o seu direito durante um ano a contar da data da cessação da mesma relação.
No caso subjudice, dado que o Autor mantém a relação de trabalho com a 2ª Ré até 20/07/2018 e as Rés foram notificadas para a tentativa de conciliação em 29/04/2019, dúvida não resta que ainda não opera a prescrição porque ela não completa por suspensão e interrompe posteriormente nos termos dos art. 311º, n. 1º, al. c) do Código Civil vigente e art. 27º, n. 3º do CPT.
Nestes termos, julga-se totalmente improcedente a excepção por prescrição invocada pelas Rés.
Custas pelas Rés.
Notifique.
A questão levantada nesta parte do recurso consiste em saber se o facto de transferência dos 280 trabalhadores (dos quais fazia parte o ora Autor) da B para a C, tem ou não efeito de cessação da relação laboral que o Autor tinha para com a B.
A Recorrente entende que sim, enquanto o Autor defende o contrário.
Diga-se desse já que não se verificou uma "efectiva cessação" do contrato de trabalho entre o Autor e a 1.ª Ré em 21 de Julho de 2003.
É que, não obstante a 1.ª e a 2.a Rés serem "pessoas jurídicas distintas" o Autor manteve de forma contínua e ininterrupta uma mesma relação laboral com as Rés entre 11/07/2000 a 20/07/2018 (Cfr. neste sentido e para data do início da relação de trabalho, a Declaração emitida pela 2.ª Ré (C) e junta sob o Doc. 2 da PI).
E tal foi assim - conforme as Recorrentes bem o referem - por força do Despacho n.º 01949/SEF/2003, do Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças da RAEM, de 21 de Julho de 2003, nos termos do qual foi autorizada a "transferência das autorizações para a contratação" de 280 trabalhadores não residentes (onde se encontra incluído o Autor) da 1.ª Ré (B) para a 2.ª Ré (C), de forma a que os mesmos "pudessem passar a exercer funções na C", "permanecendo no seu posto de trabalho". (Cfr. Doc. 3 junto com a Petição Inicial).
Depois, sempre se recorda, que uma das "condições" para que tivesse sido adjudicada a concessão de exploração de jogos de fortuna ou azar à 2.ª Ré (C) residiu no facto de esta se ter comprometido em "manter ao seu serviço" todos os trabalhadores da 1.ª Ré (B), tal qual se verificou.
Realcem-se 2 aspectos relevantes neste ponto:
a) - A transferência dos trabalhadores foi valorada e autorizada na sequência do pedido formulado pelas 2 Rés, e tal autorização estava sujeita a determinadas condições, nunca tal transferência foi “forçada” pelo Governo;
b) – Às Rés compete invocar e provar que, a partir da data da transferência dos trabalhadores, houve cessão da relação laboral que o Autor mantinha com a B, mas nada isto foi feito.
Pelo exposto, como a relação de trabalho apenas terminou no passado dia 20/07/2018 e que as Rés foram notificadas para a tentativa de conciliação em 29/04/2019, em caso algum se verifica a alegada prescrição dos créditos laborais reclamados pelo Autor, sabido que a mesma (prescrição) se não completa antes de corridos 2 anos2 sobre o termo da mesma relação laboral, o que in casu ainda se não verificou.
Pelo que, improcede o recurso interposto pela Ré/B nesta parte.
*
Prossigamos,
A 1ª Ré/B veio a impugnar a matéria de facto constante da alínea F) e dos quesitos 3º e 4º da BI, entendendo que o Tribunal recorrido apreciou erradamente as provas.
A Recorrente/B alegou e bem que foi deferida a documentação das declarações prestadas na audiência de julgamento, e, nestas circunstâncias, para impugnar a matéria factual, o artigo 599º do CPC manda (ex vi do artigo 1º do CPT):
1. Quando impugne a decisão de facto, cabe ao recorrente especificar, sob pena de rejeição do recurso:
a) Quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar as passagens da gravação em que se funda.
3. Na hipótese prevista no número anterior, e sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe à parte contrária indicar, na contra-alegação que apresente, as passagens da gravação que infirmem as conclusões do recorrente.
4. O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 590.º
Mas como a Recorrente não cumpriu este ónus específico da impugnação da matéria de facto (para além de vir atacar a convicção do julgador conforme os argumentos tecidos), fica rejeitada logo esta parte do recurso nos termos da norma acima citada.
*
Como o recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, importa ver o que o Tribunal a quo decidiu. Este afirmou na sua douta decisão:
SENTENÇA
***
I – RELATÓRIO
A, casado, de nacionalidade nepalesa, residente habitualmente em Macau, na Travessa de XX no.XX, Edifício XX, XXº andar “XX”, titular do Passaporte da República da Nepalesa nº 07XXXX51 de 12 de Maio de 2014, emitido pela autoridade competente da República Democrática Federal do Nepal,veio intentar a presente
Acção de Processo Comum do Trabalho contra
1ª Ré-B, (adiante, B), com sede na Avenida de D, Hotel D, XX.º andar, Macau,
2ª Ré-C, (adiante, C), com sede na Avenida de D, Hotel D, XX.º andar, Macau,
Concluiu pedindo que seja julgada procedente por provada a presente acção e, em consequência ser a 1ª Ré condenada a pagar ao Autor:
a) MOP$21.000,00, a título de subsídio de alimentação, acrescido de juros legais até integral e efectivo pagamento;
b) MOP$36.050,00, a título de subsídio de efectividade, acrescido de juros legais até integral e efectivo pagamento;
c) MOP$61.800,00, a título de trabalho prestado em dia de descanso semanal, acrescida de juros até efectivo e integral pagamento;
d) MOP$30.900,00, a título de falta de marcação e gozo de um dia de descanso compensatório pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, acrescida de juros até efectivo e integral pagamento;
e) MOP$17.767,50, a título de trabalho prestado em dia de feriado obrigatório remunerado, acrescida de juros até efectivo e integral pagamento;
f) MOP$27.037,50, a título de devolução das quantias de comparticipação no alojamento, acrescida de juros até efectivo e integral pagamento;
g) MOP$9.012,50, pelas 16 horas de trabalho prestadas para além do período normal de trabalho em cada ciclo de 21 dias de trabalho, acrescida de juros até efectivo e integral pagamento;
h) MOP$16.593,75, pela prestação de 30 minutos de trabalho para além do período normal diário por cada dia de trabalho efectivo, acrescida de juros até efectivo e integral pagamento;
i) Em custas e procuradoria condigna.
Concluiu pedindo que seja julgada procedente por provada a presente acção e, em consequência ser a 2ª Ré condenada a pagar ao Autor:
a) MOP$20.160,00, a título de subsídio de alimentação, acrescido de juros legais até integral e efectivo pagamento;
b) MOP$77.250,00, a título de subsídio de efectividade, acrescido de juros legais até integral e efectivo pagamento;
c) MOP$21.630,00, a título de trabalho prestado em dia de feriado obrigatório remunerado, acrescido de juros legais até integral e efectivo pagamento;
d) MOP$57.937,50, a título de devolução das quantias de comparticipação no alojamento, acrescido de juros legais até integral e efectivo pagamento;
e) MOP$26.828,28, pela prestação de 30 minutos de trabalho para além do período normal diário por cada dia de trabalho prestado, acrescido de juros legais até integral e efectivo pagamento;
f) MOP$135.960,00, pela prestação de trabalho ao sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivo, acrescida de juros até efectivo e integral pagamento;
g) Em custas e procuradoria condigna.
Juntou os documentos constantes de fls. 24 a 45.
*
Realizada a tentativa de conciliação pelo MP, não chegou a acordo entre as partes.
*
As Rés contestaram a acção com os fundamentos constantes de fls. 74 a 126 dos autos.
Concluiu pedindo que sejam julgados improcedentes os pedidos do Autor.
*
Realiza-se a audiência de discussão e de julgamento com observação de todo o formalismo legal.
*
II – PRESSSPOSTOS PROCESSUAIS
O Tribunal é competente em razão da matéria, hierarquia e internacional.
O processo é próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade jurídicas e são legítimas.
Não existem excepções, nulidades ou outras questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
*
III – FACTO
Discutida a causa, resultam provados os seguintes factos:
(…)
*
IV – FUNDAMENTO DE DIREITO
1. Cumpre analisar os factos e aplicar o Direito.
Nos termos do art. 1079º, n 1º do Código Civil, “Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta.”
Desse preceito resulta que são três elementos do contrato de trabalho: 1) prestação da actividade; 2) retribuição; e 3) subordinação jurídica.
No contrato de trabalho, a uma parte (trabalhador) incumbe a prestação duma actividade quer intelectual quer manual, bem como a sua disponibilidade junto de outra parte (empregador), por forma a que esta possa obter o resultado pretendido com outros meios de produção.
Em contrapartida, o trabalhador ganha retribuição como preço do trabalho prestado por ele, sendo essa retribuição paga normalmente em dinheiro.
A subordinação jurídica é característica mais importante do contrato de trabalho, que se traduz numa relação de dependência do trabalhador face às ordens, directivas e instruções do empregador na prestação da actividade daquele.
Segundo os factos provados, ficou demonstrado que, o Autor esteve ao serviço das Rés para, sob as suas ordens, direcção, instruções e fiscalização e com o local e horário de trabalho fixados por ela, exercer funções de guarda de segurança, ganhando remuneração paga pelas Rés como preço do trabalho seu.
Nestes termos, dúvidas não restam em qualificar como relação laboral, as relações existentes entre o Autor e as Rés.
2. Nos termos do art. 1079º, n 2º do Código Civil, “o contrato de trabalho está sujeito a legislação especial.”
Quanto à lei especial aplicável, encontram-se no ordenamento jurídico de Macau regimes diferentes consoante o caso de trabalhadores-residentes e o de não residentes.
Sendo o Autor em causa trabalhador não-residente, aplica-se-lhe o respectivo regime. Como se sabe, a legislação especial relativa à relação laboral não residente é actualmente a Lei nº 21/2009, que entrou em vigor em 26 de Abril de 2010. Antes disso, aplica-se o Despacho n. 49/GM/88 e o n. 12/GM/88, consoante trabalhador especializado e não especializado. Conforme os factos provados nos autos, o Autor trabalhou, como mão-de-obra não especializada, junto das Rés antes da entrada em vigor a Lei nº 21/2009 e manteve a relação de trabalho durante a vigência daquele diploma até 20/07/2018. Todavia, o Autor só reclama, excepto a devolução da comparticipação no alojamento e o subsídio de efectividade, os créditos emergentes das relações de trabalho vencidos até 31/12/2008, momento em que ainda não entrou em vigor a Lei nº 21/2009, por isso, deve aplicar-lhe o Despacho n. 12/GM/88.
Acompanhando o referido diploma, as entidades empregadoras celebraram contratos de prestação de serviços com terceiras entidades fornecedoras de mão-de-obra não residente para a importação dos trabalhadores não residentes, tal qual acontece no presente caso. Suscita-se um problema de saber que valor os mesmos contratos têm dizendo respeito à relação de trabalho entre o empregador e o trabalhador não residente e se e a que título se aplicam esses contratos à referida relação para definir os direitos e deveres entre um e outro.
Em resposta a essas questões, a jurisprudência de Macau entende unanimamente, e bem, esses contratos ser qualificados como contratos a favor de terceiro, aplicáveis à relação de trabalho entre o empregador e o trabalhador não residente. (vide os Ac. do TSI n.os 557/2010, 322/2013, 372/2012, 780/2011, 655/2012, 396/2012, 432/2012, 180/2012, 441/2012, 132/2012, 376/2012, 267/2012, 131/2012, 91/2012, 282/2011, 781/2011, 746/2011, 779/2011, 491/2011, 597/2010, 297/2010, 597/2010, 757/2010, 777/2010, 573/2010, 662/2010, 69/2010, 838/2010, 779/2010, 837/2010, 780/2010, 876/2010, 774/2010 e 574/2010, e mais recentemente, 893/2016, 894/2016, 815/2016, 322/2016, 317/2016, 376/2016, 394/2016, 353/2016, 300/2016, 274/2016, 98/2016, 38/2016, 42/2016, 966/2015, 956/2015, 1009/2015, 1018/2015, 844/2015, 1010/2015, 879/2015, 878/2015, 610/2015, 609/2015, 715/2015, 534/2015, 573/2015, 624/2015, 481/2015, 574/2015, 487/2015, 486/2015, 399/2015, 395/2015, 401/2015, 400/2015, 204/2015, 168/2015, 193/2015, 195/2015, 712/2014, 749/2014, 634/2014, 681/2014, 441/2014, 697/2014, 742/2014, 662/2014, 714/2014, 653/2014, 627/2014, 483/2014, 609/2014, 583/2014, 338/2014, 384/2014, 622/2014, 345/2014, 168/2014, 128/2014, 291/2014, 308/2014, 171/2014, 189/2014, 240/2013, 627/2013, 775/2010, 680/2013, 169/2014, 704/2013, 111/2014, 420/2012, 118/2014, 90/2014, 138/2014, 374/2012, 415/2012, 414/2012, 824/2010, 557/2010 e 322/2013)
Ao mesmo tempo, é também aplicável a lei de relações de trabalho de Macau então vigente, isto é, o DL nº 24/89/M, por analogia (vide os Ac do TSI n. 596/2010 e 805/2010).
3. Quanto ao subsídio de alimentação, segundo os factos provados, ao Autor foi conferido conforme o dito contrato de prestação de serviços um subsídio de alimentação com o valor de MOP$600.00 mensais por pessoa, mas as Rés não o pagaram. Tendo em conta a duração em que o Autor prestou serviço junto das Rés, descontando o número dos dias de férias anunais, dispensas de trabalho não remuneradas e dias de descanso em que não prestou trabalho efectivo, aquele tem direito de exigir às Rés pagar o MOP$20,400.00 (1020 dias X MOP$600.00/30) e o MOP$20,780.00 (1039 dias X MOP$600.00/30), relativamente ao número dos meses durante a relação de trabalho até 31/12/2006. Conforme o princípio dispositivo, é a 2ª Ré condenadas a pagar o MOP$20,160.00.
Quanto ao subsídio de efectividade, está provado o facto de que o contrato de prestação de serviços em causa confere o salário de 4 dias enquanto tal subsídio, desde que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço, e que o Autor não deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte das Rés, tem ele direito de exigir às Rés pagar o MOP$31,930.00 (HKD$7,500.00/30 dias X 1.03 X 4 dias/mês X 31 meses) e o MOP$86,520.00 (HKD$7,500.00/30 dias X 1.03 X 4 dias/mês X 84 meses), respectivamente, a título de subsídio de efectividade, relativamente ao número dos meses durante a relação de trabalho até 31/07/2010. Conforme o princípio dispositivo, é a 2ª Ré condenadas a pagar o MOP$77,250.00.
Relativamente ao alojamento, o n. 9º do Despacho 12/GM/88 dispõe que, “9. O procedimento para a admissão de mão-de-obra não-residente observará os trâmites seguintes: d) O contrato será remetido ao Gabinete para os Assuntos de Trabalho, a quem compete verificar e informar se se encontram satisfeitos os requisitos mínimos exigíveis para o efeito, designadamente os seguintes: d.1. Garantia, directa ou indirecta, de alojamento condigno para os trabalhadores;…” Daí resulta que o trabalhador não residente é sempre garantido o seu direito a alojamento condigno durante o período em que presta trabalho em Macau. E ao empregador foi imposto, até o limite mínimo, o dever de fornecer o alojamento ou pelo menos os recursos mínimos para o alojamento favorável ao trabalhador não residente.
Por outro lado, nos termos do art. 31º do DL nº 24/89/M, aplicável por analgoia, “1. O empregador não pode compensar o salário em dívida com créditos que tenha sobre o trabalhador, nem fazer quaisquer descontos ou deduções no montante do referido salário. 2. São permitidas, porém, as seguintes deduções ou descontos: a) Descontos a favor do Território, ordenados por lei, regulamento ou decisão judicial transitada em julgado; b) Indemnizações devidas pelo trabalhador à entidade patronal, quando se acharem liquidadas por decisão judicial transitada em julgado ou por motivo de não continuação da relação do trabalho, nos termos do artigo 48.º; c) Abonos ou adiantamentos feitos por conta da retribuição.”
Assim, não é lícito nem legítimo que as Rés deduziam no salário do Autor qualquer valor a título de comparticipação nos custos de alojamento, e tanto mais que não o deve fazer no caso de o trabalhador não residir na habitação eventualmente fornecida pelas Rés.
No caso subjudice, tendo em conta a duração das duas relações de trabalho em causa e os montantes descontados, saõ as 1ª e 2ª Rés quem devem devolver ao Autor o MOP$23,947.50 (HKD$750.00 X 1.03 X 31 meses) e o MOP$64,890.00 (HKD$750.00 X 1.03 X 84 meses), respectivamente, a título de devolução dos salários ilicitamente descontados, relativamente ao número dos meses até 31/07/2010 em que foram deduzidos mensalmente. Conforme o princípio dispositivo, é a 2ª Ré condenadas a pagar o MOP$57,937.50.
Quanto às compensações pelos dias de descanso semanal e pelos dias de descanso compensatório não gozados, inclinemos, tal qual inclinámos nos outros casos paralelos, à posição de que o trabalhador recebe, ao lado de um dia do salário a título de compensação pelo dia de descanso compensatório não gozado, o dobro da retribuição normal, que compõe do salário normal, em singelo, correspondente ao trabalho nesses dias de descanso e dum outro tanto (vide os Ac. do TUI n.os 28/2007, 29/2007, 58/2007 e 40/2009).
No caso subjudice, está provado que a 1ª Ré não fixou até 31/12/2002 ao Autor descanso semanal nem um outro dia de descanso compensatório. Por isso, tendo em conta a duração em que o Autor prestou serviço junto da 1ª Ré, descontando o número dos dias de férias anunais e dispensas de trabalho não remuneradas, tem este direito de receber contra 1ª Ré, ao lado do salário normal já recebido, um outro tanto mais um dia do salário relativamente o descanso compensatório não gozado com o montante de MOP$61,947.14 (HKD$7,500.00 / 30 dias X 1.03 X 842 dias/7 X 2).
Quanto às compensações pelo trabalho prestado pelo Autor em cada período de 7 dias para a 2ª Ré, alegou que a 2ª Ré não garantiu o gozo do descanso semanal no 7º dia após 6 dias de trabalho, mas somente o do 8º dia, que corresponde a trabalho prestado em dia de descanso e confere ao Autor o direito a receber o dobro da retribuição normal por cada um dos 7os dias de trabalho prestado.
Por sua vez, entendem as Rés que a 2ª Ré já garantiu o descanso semanal dos seus trabalhadores e que tem necessidade de fixar, por razões do funcionamento do casino nos termos do art. 18º do DL 24/89/M e do art. 42º, n. 2º da Lei 7/2008, os descansos semanais aos 8º, 9º ou outros dias do mês, bem como o art. 17º, n. 6º do DL 24/89/M não confere as compensações em dobro, mas sim um outro tanto ao lado do salário já pago em singelo.
Nos termos do art. 17º, n. 1º do DL 24/89/M, “1. Todos os trabalhadores têm o direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26.º”
Nos termos do art. 18º do mesmo diploma, “Sempre que, em função da natureza do sector de actividade, se revele inviável a observância do n.º 1 do artigo anterior, deverá ser concedido aos trabalhadores um descanso consecutivo de quatro dias por cada conjunto de quatro semanas ou fracção, o qual não deverá ser inferior ao que resultaria de uma média semanal de 24 horas.”
Das normas resulta que, na vigência do DL 24/89/M, a lei garantia o gozo do descanso semanal em 7º dia após 6 dias de trabalho como regra geral nas legislações laborais de Macau. No entanto, tendo em consideração a necessidade do funcionamento dalguns sectores de actividade, o legislador abriu uma excepção de que permitia razoavelmente o trabalho contínuo mais de 7 dias, no máximo 26 ou 27 dias mensais, e garantia o gozo dum descanso consecutivo de quatro dias no mês corrente.
Repare-se que aqui se trata duma norma excepcional em que o legislador sublinhou o adjectivo “consecutivo” para o gozo de descanso semanal. Isto significa que esse modo do gozo de 4 dias de descanso semanal tem que ser contínuo, mas não separado, sob pena de violar a regra geral prevista no art. 17º, n. 1º do DL 24/89/M.
Assim, não deixa de considerar o não gozo de descanso semanal em 7º dia ou em 4 dias consecutivas como facto violador do direito de repouso conferido ao Autor nos termos do art. 17º, n. 1º do DL 24/89/M, devendo considerar-se o 8º dia de descanso após 7 dias de trabalho apenas como descanso compensatório gozado pelo Autor nos termos do art. 17º, n. 4º do mesmo diploma.
Quanto ao múltiplo das compensações pelos dias de descanso semanal não gozados, já se pronunciou a nossa posição supra referida.
No caso vertente, tendo em conta que o Autor não reclamou as compensações pelos dias de descanso compensatório até 31/12/2008, somos de entender que, depois de ser descontados os dias de férias anuais e de despesas de trabalho para o cálculo do número de dias de trabalho, o Autor tem direito de receber, ao lado do salário normal, um outro tanto a título de compensações pelos dias de descanso semanal não gozados, a saber:
Em suma, o Autor tem direito a receber o montante de MOP$68,237.50 [HKD$7,500.00 / 30 dias X 1.03 X (1860 dias / 7)], a título de compensação de descanso semanal.
No que diz respeito ao trabalho extraordinário, é sempre de relembrar que, quer conforme o contrato a favor de terceiro, quer nos termos do art. 10º do DL nº 24/89/M, a duração normal do trabalho é sempre de 8 horas diárias. E o trabalho que excede essa duração normal leva às compensações do acréscimo de trabalho cujo montante deve ser acordado entre o empregador e o trabalhador, mas nunca deve ser inferior ao do próprio salário fixado a este (cfr., a título de exemplo, os Ac. do Venerando TSI n. 737/2010 e 353/2010).
Por outro lado, nos termos do art. 10º, n. 4º do DL nº 24/89/M, “4. Os períodos fixados no n.º 1 não incluem o tempo necessário à preparação para o início do trabalho e à conclusão de transacções, operações e serviços começados e não acabados, desde que no seu conjunto não ultrapassem a duração de trinta minutos diários.” Entende-se, e bem, que essa tolerância de 30 minutos para a preparação de trabalho só tem a natureza excepcional, mas não como regra para a prestação antecipada de trabalho antes do início do horário normal de trabalho (cfr., a título de exemplo, os Ac. do Venerando TSI n. 407/2017, 313/2017 e 167/2017).
No presente caso, segundo os factos provados, o Autor trabalhava junto da 1ª Ré com o regime de turnos rotativos e por isso ele prestava trabalho de 16 horas no mesmo dia em cada ciclo de 21 dias de trabalho contínuo e consecutivo, e o Autor comparecia, durante as relações de trabalho entre o Autor e as Rés até 31/12/2008, no lugar de trabalho no início de cada turno com antecedência de 30 minutos para a preparação do trabalho, mas a 1ª Ré não pagou ao Autor quaisquer compensações a título de trabalho extraordinário de 16 horas no mesmo dia em cada ciclo de 21 dias de trabalho contínuo e consecutivo e as Rés não lhe pagaram compensações a título de trabalho extraordinário no início de cada turno com antecedência de 30 minutos para a preparação do trabalho.
Por isso, a 1ª Ré só deve pagar ao Autor as compensações pelo trabalho extraordinário de 8 horas em cada ciclo de 21 dias de trabalho com o montante de MOP$12,507.14 [HKD$7500/ (30 X 8) X 1.03 X 8 X 1020 dias/21], enquanto as Rés são devidos a lhe pagar as compensações a título de trabalho extraordinário no início de cada turno com antecedência de 30 minutos com o montante de MOP$16,415.63 [HKD$7,500.00 / (30 dias X 8 horas) X 1.03 X 0.5 horas X 1020 dias] e o MOP$26,200.63 [HKD$7,500.00 / (30 dias X 8 horas) X 1.03 X 0.5 horas X 1628 dias], respectivamente. Conforme o princípio dispositivo, é a 1ª Ré condenadas a pagar o MOP$9,012.50 (pelas 16 horas de trabalho prestadas para além do período normal de trabalho em cada ciclo de 21 dias de trabalho).
Além das compensações acima peticionadas, o Autor reclama também as referentes ao trabalho prestado nos dias de feriado obrigatório remunerado. Nos termos do art. 19º, n. 3º do DL nº 24/89/M, “3. Os trabalhadores … têm direito à retribuição correspondente aos feriados de 1 de Janeiro, Ano Novo Chinês (3 dias), 1 de Maio e, 1 de Outubro”. E nos termos do art. 20º do mesmo diploma, “1. O trabalho prestado pelos trabalhadores nos dias de feriado obrigatório, referidos no n.º 3 do artigo anterior, dá direito a um acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal e só pode ser executado:...”
Assim, segundo os factos provados, tem o Autor direito de receber contra as Rés, a título de compensações pelo trabalho prestado nos dias de feriado obrigatório, a remuneração em singelo, acrescida do dobro dessa remuneração, com o montante de MOP$8,755.00 (HKD$7,500.00 / 30 dias X 1.03 X 17 dias X 2) e o MOP$15,450.00 (HKD$7,500.00 / 30 dias X 1.03 X 30 dias X 2), respectivamente, relativamente ao número dos dias de feriado obrigatório remunerado em que o Autor prestou trabalho até 31/12/2008.
4. Sendo os créditos (MOP$172,407.77, por parte da 1ª Ré e MOP$265,235.63, por parte da 2ª Ré) ilíquidos até a presente sentença, às quantias a eles referentes acrescerão, nos termos do art. 794º, n 4º do Código Civil que se conjuga com a jurisprudência fixada no Douto Acórdão do TUI, de 2 de Março de 2011, no processo n. 69/2010, juros a partir da data da decisão judicial que fixa o respectivo montante.
*
V - DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a acção parcialmente procedente e em consequência:
– condena-se, nos termos supra referidos, a 1ª Ré a pagar ao Autor a quantia de MOP$172,407.77 (MOP$20,400.00, a título de subsídio de alimentação; MOP$31,930.00, a título de subsídio de efectividade; MOP$23,947.50, a título de devolução das quantias de comparticipação no alojamento; MOP$61,947.14, a título de compensação pelo trabalho em dia de descanso semanal e dos dias de descanso compensatório; MOP$9,012.50, pelas 16 horas de trabalho prestadas para além do período normal de trabalho em cada ciclo de 21 dias de trabalho; MOP$16,415.63, pela prestação de 30 minutos de trabalho para além do período normal diário por cada dia de trabalho prestado; e MOP$8,755.00, a título de trabalho prestado em dia de feriado obrigatório remunerado), acrescida dos juros de mora à taxa legal a contar da data da presente sentença até o efectivo e integral pagamento;
– condena-se, nos termos supra referidos, a 2ª Ré a pagar ao Autor a quantia de MOP$265,235.63 (MOP$20,160.00, a título de subsídio de alimentação; MOP$77,250.00, a título de subsídio de efectividade; MOP$57,937.50, a título de devolução das quantias de comparticipação no alojamento; MOP$26,200.63, pela prestação de 30 minutos de trabalho para além do período normal diário por cada dia de trabalho prestado; MOP$68,237.50, pela prestação de trabalho ao sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivo; e MOP$15,450.00, a título de trabalho prestado em dia de feriado obrigatório remunerado), acrescida dos juros de mora à taxa legal a contar da data da presente sentença até o efectivo e integral pagamento; e
– absolvendo as Rés do restante pedido.
As custas serão a cargo do Autor e da Ré na proporção do decaimento.
Registe e notifique.
* * *
Do recurso da sentença interposto pelo Autor
Do trabalho prestado em dias de descanso semanal:
Insurge-se o Recorrente contra a fórmula de cálculo que o Tribunal “a quo” utilizou para a compensação devida pelo serviço prestado pelo Autor nos dias que deveriam ser de descanso semanal. O Tribunal apenas lhe conferiu um valor de salário em singelo, quando na opinião deste deveriam ser dois.
Tem razão o Recorrente.
Sobre este assunto, tem este TSI vindo a decidir de forma insistente (v.g., ver os Acs. TSI de 15/05/2014, Proc. nº 61/2014, de 15/05/2014, Proc. nº 89/2014, de 29/05/2014, Proc. nº 627/2014; 29/01/2015, Proc. nº 713/2014; 4/02/2015, Proc. nº 956/2015; de 8/06/2016, Proc. nº 301/2016; de 6/07/2017, Proc. nº 405/2017) que a fórmula utilizada pelo TJB não é mais correcta.
Com efeito, no que a este assunto concerne, vale o disposto no art. 17º, nºs 1, 4 e 6, al. a), do DL nº 24/89/M.
Nº1: Tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”).
Nº4: Mas, se trabalhar nesse dia, fica com direito a gozar outro dia de descanso compensatório e, ainda,
Nº6: Receberá em dobro da retribuição normal o serviço que prestar em dia de descanso semanal.
Portanto, como o trabalhador trabalhou o dia de descanso semanal terá direito ao dobro do que receberia, mesmo sem trabalhar (n.º 6, al. a)).
Como remunerar, então, este dia de trabalho prestado em dia que seria de descanso semanal?
Ora bem. Numa 1ª perspectiva, se o empregador pagou o valor devido (pagou o dia de descanso que sempre teria que ser pago), falta pagar o trabalho prestado. E como o prestado é pago em dobro, tem o empregador que pagar duas vezes a “retribuição normal” (o diploma não diz o que seja retribuição normal, mas entende-se que se refira ao valor remuneratório correspondente a cada dia de descanso, que por sua vez corresponde a um trinta avos do salário mensal).
Numa 2ª perspectiva, se se entender que o empregador pagou um dia de salário pelo serviço prestado, continuam em falta:
- Um dia de salário (por conta do dobro fixado na lei), e ainda,
- O devido (o valor de cada dia de descanso, que não podia ser descontado, face ao art. 26º, n.º 1);
E, em qualquer caso, sem prejuízo da remuneração correspondente ao dia de “descanso compensatório” a que se refere o art. 17º, nº4 - desde que peticionada, como foi o caso, - quando nele se tenha prestado serviço (neste sentido, v.g., Ac. TSI, de 15/05/2014, Proc. nº 89/2014).
Quanto à remuneração pelo dia de descanso semanal, temos, portanto, que a fórmula a utilizar será sempre AxBx2.
Não faria, aliás, sentido que fosse de outra maneira. Na verdade, se o trabalhador, mesmo sem prestar serviço nesse dia de descanso (v.g., domingo), sempre auferiria o correspondente valor (a entidade patronal não lho poderia descontar, visto que o salário é mensal), não faria sentido que, indo trabalhar nesse dia, apenas passasse a receber em singelo o trabalho efectivamente prestado. Seria injusto que apenas se pagasse ao trabalhador esse dia de serviço, que deveria ser de folga e descanso. Que vantagem teria então o trabalhador por prestar serviço a um domingo, se, além do que receberia mesmo sem trabalhar, apenas lhe fosse pago o valor do trabalho efectivamente prestado nesse dia de folga como se tratasse de uma dia normal de trabalho?!
Por isso é que o legislador previu que o trabalho efectivamente prestado nesses dias pelo trabalhador, além do valor que já lhes seria devido em qualquer caso, fosse compensado em dobro pelo valor da retribuição normal diária. Quando a lei fala em dobro refere-se, obviamente, à forma de remunerar esse serviço efectivamente prestado nesses dias de descanso, sem prejuízo, como é bom de ver, do valor da remuneração a que sempre teria direito correspondente a cada um desses dias de descanso e que já recebeu.
Significa isto, assim, que a 1ª instância não poderia ter descontado o valor em singelo já recebido pelo Recorrente.
Trata-se, da interpretação que tem vindo a ser seguida de forma quase uniforme por este TSI, onde se entende que a fórmula correcta para compensar o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser a seguinte: salário diário X n.º de dias devidos e não gozados X 2.
Como resultando provado que o Recorrente, durante todo o período da relação laboral não gozou dos respectivos dias de descanso semanal (isto é, pelo trabalho prestado após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias de trabalho), deve a 1ª Ré/Recorrente ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$61,947.14 a título do dobro do salário (e não só apenas de MOP$30,973.57 correspondente a um dia de salário em singelo conforme resulta da decisão ora posta em crise), e deve a 2ª Ré/Recorrida ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$136,475.00 a título do dobro do salário (e não só apenas de MOP$68,237.50 correspondente a um dia de salário em singelo conforme resulta da decisão ora posta em crise), acrescida de juros até efectivo e integral pagamento.
É esta decisão mais correcta e em sintonia com as normas aplicáveis já acima ciadas.
Pelo exposto, o Tribunal a quo procedeu a uma não correcta aplicação do disposto na al. a) do n.º 6 do artigo 17.° do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, e consequentemente a decisão deve ser julgada nula e substituída por outra que condene a Ré em conformidade com o disposto no referido DL, no sentido de entender que a compensação do trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser feita em respeito à seguinte fórmula: salário diário X n.º de dias de descanso não gozados X 2.
Julga-se, deste modo, procedente o recurso interposto pelo Autor nesta parte.
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Contra a sentença final a 1ª Ré/B veio a recorrer também, só que na suposição de que a matéria de facto impugnada fosse alterada pelo Tribunal ad quem, o que não aconteceu por não cumprir o disposto no artigo 599º do CPC nos termos vistos, nesta medida, como o quadro factual não foi alterado, é do nosso entendimento que a argumentação produzida pelo MMo. Juíz do Tribunal a quo continua a ser válida, a qual não foi contrariada mediante elementos probatórios concretos, trazidos por quem tem o ónus de prova, razão pela qual, ao abrigo do disposto no artigo 631º/5 do CPC (salva a parte modificada neste acórdão nos termos acima consignados), é de sustentar e manter a posição assumida na sentença recorrida.
Julga-se deste modo improcedente o recurso interposto pela 1ª Ré/B.
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Em síntese conclusiva:
I – No processo laboral, quando a Recorrente impugnar a decisão de facto e a produção de prova na primeira instância fosse gravada, ela deve cumprir o estipulado no artigo 599º do CPC, ex vi do disposto no artigo 1º do CPT, sob pena de ser rejeitada esta parte do recurso.
II - No âmbito do artigo 17º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, para além do pagamento do trabalho efectivamente prestado pelo Recorrente em dia de descanso semanal, se a entidade patronal não pagou ao seu trabalhador outro qualquer acréscimo salarial, em violação ao disposto no artigo 17º citado, este deve ser compensado a esse título com o montante devido a título do dobro do salário e não só de apenas mais um montante em singelo.
III – O artigo 17° do DL n.º 24/89/M, de 3 de Abril, dispõe que “todos os trabalhadores têm o direito a gozar, em cada sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas (...)”, sendo o período de descanso motivado por razões de ordem física e psicológica, o trabalhador não pode prestar mais do que seis dias de trabalho consecutivos, devendo o dia de descanso ter lugar, no máximo, no sétimo dia, e não no oitavo, nono ou noutro dia do mês, salvo acordo das partes em sentido contrário, no que toca ao momento de descanso a título de “compensação”, mas o critério para este efeito é sempre o período de sete dias como uma unidade.
IV – Na sequência dos factos alegados pelo Autor e depois de instruído o processo, o Tribunal a quo veio a fixar os factos assentes nos seguintes termos: (…) Entre 22/07/2003 a 31/12/2008, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a 2ª Ré (C) num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos. (31º); A que se seguia um período de vinte e quatro horas de descanso compensatório, em regra, no oitavo dia, que antecedia a mudança de turno. (32º); Entre 22/07/2003 a 31/12/2008 - descontados os períodos em que o Autor esteve ausente de Macau - a 2.ª Ré (C) não fixou ao Autor um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, em cada período de sete dias de trabalho consecutivo prestado. (33º); A 2.ª Ré (C) nunca pagou ao Autor qualquer quantia pelo trabalho prestado em cada um dos sétimos dias, após a prestação de seis dias de trabalho consecutivo. (36º); A Ré pagou sempre ao Autor o salário correspondente aos dias de descanso semanal. (37º) (…), e depois subsumiu estes factos ao artigo 17º do citado DL, conferindo-se ao trabalhador/Recorrente o direito de auferir a remuneração normal de trabalho com um acréscimo de um dia de remuneração de base, no caso em que o trabalhador prestasse serviços no dia em que devia gozar de descanso semanal, razão pela qual é de julgar improcedente este argumento aduzido pela Ré neste recurso.
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Tudo visto e analisado, resta decidir.
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V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam:
1) – Negar provimento ao recurso interposto pela 1ª Ré/B contra o despacho que julgou improcedente a excepção da prescrição de certos créditos laborais reclamados pelo Autor.
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2) - Conceder provimento ao recurso interposto pelo Recorrente/Autor, passando a decidir que a 1ª Ré/Recorrente (B) seja condenada a pagar ao Autor/Recorrente a quantia de MOP$61,947.14 a título do dobro do salário (pelo trabalho prestado após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias de trabalho), e que a 2ª Ré/Recorrida (C) seja condenada a pagar ao Autor/Recorrente a quantia de MOP$136,475.00 a título do dobro do salário (pelo trabalho prestado após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias de trabalho), acrescida de juros moratórios até efectivo e integral pagamento.
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3) – Negar provimento ao recurso interposto pela 1ª Ré/B (rejeitar a impugnação da matéria de facto e improcedente o recurso contra o mérito).
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Custas pela Recorrida/1ª Ré (B).
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Registe e Notifique.
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RAEM, 24 de Setembro de 2020.
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Fong Man Chong
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Ho Wai Neng
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Tong Hio Fong
(Vencido quanto à fórmula adoptada na compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, por entender que, sendo o trabalho prestado nesses dias pago pelo “dobro da retribuição” (cfr. se refere na alínea a) do nº 6 do artigo 17º do DL nº 24/89/M), este “dobro” seria constituído por um dia de salário normal (ao qual o trabalhador teria sempre direito mesmo que não prestasse trabalho) mais um dia de acréscimo. Provado que o Autor já recebeu da Ré ora sua entidade patronal o salário diário em singelo, teria apenas mais um dia de salário pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal, sob pena de o Autor, salvo o devido respeito, incluindo o dia de descanso compensatório previsto no n.º 4 do artigo 17.º a que tem direito, estar a receber um acréscimo salarial correspondente ao “triplo” da retribuição normal.
Pelo que não merece, a meu ver, reparo a fórmula adoptada pelo Tribunal recorrido para cálculo da compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal.)
1 Mesmo que haja discrepância entre a versão chinesa e a portuguesa do texto legal, entende o Tribunal que, salvo o melhor entendimento, a primeira reflecte mais correctamente o pensamento legislativo e que deve ter a prevalência relativamente à segunda.
2 Sempre se sublinha, salvo melhor opinião, que a solução não deixa de ser a mesma, ainda que exista a apontada "divergência" entre a versão chinesa e portuguesa relativa à concreta redacção do art. 311.°, n.º 1 al. c).
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