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Processo nº 281/2020
(Autos de Recurso jurisdicional em Matéria administrativa)

Data do Acórdão: 30 de Setembro de 2020

ASSUNTO:
- Infracção administrativa.
- Alteração do quantitativo da multa e da espécie e duração da sanção acessória:
- Inexistência de cúmulo Jurídico das Multas.

SUMÁRIO:
- O artº 118º nº 2 do CPAC consagra um regime especial para o recurso das decisões relativas a infracções administrativas consagrando o regime de plena jurisdição no que concerne à medida da multa e espécie e duração da sanção acessória;
- Ao Regime Geral das Infracções Administrativas não se aplica o artº 71º do CP, não sendo de proceder ao cúmulo jurídico das multas aplicadas.




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Rui Pereira Ribeiro

















Processo nº 281/2020
(Autos de Recurso Jurisdicional em Matéria Administrativa)

Data: 30 de Setembro de 2020
Recorrente: Secretário para a Economia e Finanças
Recorrida: A
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  A, com os demais sinais dos autos,
  veio interpor recurso do Despacho proferido pelo Secretário para a Economia e Finanças de 03.12.2018 que lhe aplicou a multa única no valor de MOP1.027.000,00.
  Pelo Tribunal Administrativo foi proferida sentença na qual se deu parcialmente provimento ao recurso anulando parte do acto recorrido no que concerne ao montante da multa, fixando a mesma no valor de MOP450.000,00.
  Não se conformando com a decisão recorrida veio o Secretario para a Economia e Finanças interpor recurso, com os fundamentos constantes de fls. 127 a 137, formulando as seguintes conclusões:
I. O TA errou ao entender que o art. 118, 2, do CPAC dá ao tribunal, em qualquer caso, plena jurisdição para alterar a graduação das multas administrativas que sejam impugnadas contenciosamente;
II. Na verdade, o art. 118, n. 2, do CPAC só permite ao tribunal alterar a sanção administrativa impugnada caso conceda previamente provimento ao recurso contencioso;
III. Ao apreciar, previamente, se o recurso de sanção aplicada por infracção administrativa merece provimento, o tribunal deve seguir as normas próprias do recurso contencioso de anulação;
IV. A graduação das multas administrativas é um acto discricionário, como já foi reconhecido pelo TUI e pelo TSI;
V. Em recurso contencioso, o tribunal não pode sindicar o exercício de poderes discricionários excepto nos casos de erro manifesto ou total desrazoabilidade;
VI. O tribunal a quo não julgou que o acto administrativo impugnado padecesse de erro manifesto, de total desrazoabilidade ou de qualquer outro vício invalidante;
VII. Assim, tendo entendido que o acto administrativo era válido, e consequentemente que o recurso contencioso não merecia provimento, o tribunal a quo não podia ter lançado mão do poder excepcional previsto no art. 118, 2, do CPAC;
VIII. Efectivamente, o art. 118, 2, do CPAC, não dá ao tribunal o poder de alterar a graduação da multa aplicada com mero fundamento no facto de não concordar com a graduação feita pelo órgão administrativo;
IX. O objectivo desta norma é simplesmente o de evitar que o interessado, ainda que tenha de facto cometido a infracção administrativa em causa, se livre de qualquer sanção em consequência da anulação do acto administrativo;
X. No caso concreto, o montante da multa aplicada não é sequer excessivo, tendo em atenção o dolo, a falta de colaboração da interessada e o facto de esse montante ser apenas cerca de 1/5 do máximo aplicável;
XI. O art. 71 do CP não é aplicável às infracções administrativas, nem directamente, nem por analogia;
XII. Não é aplicável directamente, porque o legislador, no DL 52/99M, não o incluiu entre os preceitos do CP aplicáveis;
XIII. E não é aplicável por analogia por não haver lacuna a preencher;
XIV. Na verdade, a aplicação de normas por analogia pressupõe a existência de uma lacuna, e só se pode concluir pela existência de uma lacuna se se entender que o legislador deveria teria regulado a matéria em questão;
XV. Ora, não era expectável que o legislador tivesse regulado o concurso de infracções administrativas;
XVI. Efectivamente, é muito diferente aquilo que está em causa no Direito Penal e aquilo que está em causa no Direito Administrativo;
XVII. Nomeadamente, no Direito Penal está em causa o julgamento, e a reabilitação, de uma personalidade - nada disto se passando no Direito Administrativo;
XVIII. Não tendo o legislador regulado o concurso de infracções administrativas, e não havendo razões para supor que ele o deveria ter feito, devem as respectivas sanções ser aplicadas em cúmulo real, e não em cúmulo jurídico.
  Pela Recorrida não foram apresentadas contra-alegações.
  Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal foi emitido o seguinte parecer:
  O Exm.º Secretário para a Economia e Finanças vem recorrer jurisdicionalmente da sentença de 25 de Novembro de 2019, do Tribunal Administrativo, que julgou parcialmente procedente o recurso contencioso interposto por A, em que era visado um despacho seu, de 3 de Dezembro de 2018, através do qual aplicara à recorrente contenciosa uma multa de MOP1.027.000,00 (um milhão e vinte e sete mil patacas).
  O Tribunal Administrativo anulou o acto recorrido, no tocante à determinação do montante da multa, e, lançando mão das normas dos artigos 118º, nº 2, do Código de Processo Administrativo Contencioso, e 71º do Código Penal, fixou a multa em MOP450.000,00 (quatrocentas e cinquenta mil patacas).
  Diz o recorrente que o tribunal actuou em jurisdição plena e que o não podia fazer, porquanto não detectou qualquer vício invalidante no acto sindicado; que errou ao julgar que a sanção administrativa era demasiado pesada; e que não podia ter procedido ao cúmulo nos moldes do artigo 71º do Código Penal.
  Não se afigura que lhe assista razão.
  Estamos no domínio das infracções administrativas, para as quais o Código de Processo Administrativo Contencioso estabelece uma regra que foge ao figurino normal do recurso contencioso como recurso de mera legalidade, conferindo ao juiz poderes de plena jurisdição. Trata-se da norma do artigo 118º, nº 2.
  O recorrente parece admitir esta possibilidade genérica de interferência do tribunal ao nível da graduação da multa nas sanções administrativas, mas refuta que, no caso concreto, o pudesse fazer, pois, segundo alega, o tribunal não detectou qualquer vício invalidante, tendo-se limitado a considerar que a multa era demasiado alta, mas não ao ponto de violar o princípio da proporcionalidade.
  Ressalvado qualquer lapso resultante do facto de não podermos ler a decisão recorrida na língua em que originariamente foi redigida, não podemos concordar com o ora recorrente. Na verdade, na versão traduzida a que tivemos acesso, a sentença recorrida considerou que o acto violou o princípio da proporcionalidade na fixação do montante da multa, razão por que devia ser anulado nessa parte, conforme se pode ver a fls. 197, para logo adiante referir que, não obstante a possibilidade de procedência do recurso contencioso, por improporcionalidade do montante da sanção aplicada, impunha-se que o tribunal determinasse o montante da sanção que julgasse apropriado, em conformidade com o artigo 118º, nº 2, do Código de Processo Administrativo Contencioso, o que de seguida fez.
  Temos, assim, por óbvio, que o tribunal actuou exactamente nos moldes, e a coberto dos poderes de jurisdição plena, inculcados pelo artigo 118º, nº 2, do Código de Processo Administrativo Contencioso, com o que também ficam esvaziados os argumentos relativos à (in)sindicabilidade dos poderes discricionários da Administração, sendo de acrescentar que a jurisprudência dos tribunais superiores invocada na alegação de recurso jurisdicional respeita a infracções e penas disciplinares e não a sanções por infracções administrativas.
  Improcede o primeiro dos fundamentos do recurso.
  Quanto ao invocado erro de julgamento relativamente ao montante da multa, o recorrente apenas invoca que a multa aplicada pela Administração não chegou sequer a atingir 50% do limite máximo da moldura sancionatória e que a recorrente contenciosa actuara com dolo e não colaborou na instrução do procedimento administrativo.
  Haverá que convir que, numa moldura abstracta com uma amplitude que vai de 10.000,00 a 5.000.000,00 de patacas, tais argumentos são deveras insuficientes para caracterizar o invocado erro de julgamento.
  O que interessava era que o recorrente analisasse e criticasse os fundamentos em que se louvou a sentença para alterar o montante da multa. Nomeadamente o principal fundamento, ou seja, a desproporção manifesta da correlação entre o montante da multa fixada pela autoridade administrativa e o rendimento económico da recorrente, apurado segundo os critérios usados no próprio procedimento administrativo.
  Não se tendo debruçado criticamente sobre esses fundamentos, também este motivo do recurso não pode deixar de soçobrar.
  Por fim, vem suscitada a questão da punição do concurso de infracções administrativas.
  Diz o recorrente que o artigo 71º do Código Penal, invocado na decisão recorrida, não é aplicável, pois este inciso não consta dos preceitos do Código Penal para os quais remete o artigo 9º do Regime Geral das Infracções Administrativas constante do DL 52/99/M.
  Também aqui, cremos que a sua argumentação se revela improcedente.
  O artigo 3º daquele Regime Geral das Infracções Administrativas dispõe que os regimes material e procedimental aplicáveis às infracções administrativas são fixados nas leis ou regulamentos que as prevêem e sancionam, e que, na ausência de regulamentação nessas leis e regulamentos, se aplicam subsidiária e sucessivamente as disposições do próprio regime geral e, com as necessárias adaptações, as adequadas do Código do Procedimento Administrativo e os princípios gerais do direito e do processo penal.
  Como se vê, a remissão para os princípios do direito penal pode levar a que aqueles artigos do Código Penal mencionados no artigo 9º do Regime Geral das Infracções Administrativas não sejam os únicos do Código Penal com aplicação às infracções administrativas. Pois bem, não constando, quer do Regime Jurídico do Sistema Financeiro, quer do Regime Geral das Infracções Administrativas, quer do Código do Procedimento Administrativo, a solução legal para a punição do concurso, haverá que convocar a regra do Código Penal que consagra o princípio da sanção única no caso de acumulação de infracções. E essa regra é a do artigo 71º, que a sentença observou.
  Claudica também este fundamento do recurso.
  Deve, em consequência, manter-se a sentença recorrida e negar-se provimento ao recurso jurisdicional.
  Foram colhidos os vistos legais.
  
  Cumpre assim apreciar e decidir.
  
II. FUNDAMENTAÇÃO
  
a) Dos Factos
  
  Na sentença recorrida foi dada por assente a seguinte factualidade:
➢ A "Joalharia X" situa-se na…Macau; começou a operação em 27 de Outubro de 2016 e exercia actividade de venda a retalho da joalharia, ourivesaria, relógios, tabaco e vinhos; a proprietária era a recorrente (cf. os autos administrativos a fls. 240 e o verso).
➢ Em 5 de Fevereiro de 2018, a Divisão de Supervisão Bancária da AMCM elaborou o relatório n.º 128/2018-DSB, indicando que através da verificação realizada à "Joalharia X" em 5 de Dezembro de 2017, tinham sido descobertos fortes indícios mostrando a prática de actividades ilegais de câmbio e de entrega rápida de valores em numerário, e propôs considerar instaurar procedimento de infracção administrativa contra a recorrente contenciosa. (cf. os autos administrativos a fls. 235 a 238).
➢ Em 22 de Março de 2018, o Conselho de Administração da AMCM indicou na resolução n.º 220/CA: através dos terminais instalados do Interior da China, a "Joalharia X" levantava numerários e trocava moedas estrangeiras usando cartões de crédito e de débito emitidos no Interior da China e a entrega do montante (em HKD) tinha lugar em lojas terceiras; depois disso, entregava o dinheiro correspondente em numerário no Interior da China. Portanto, tomou a resolução de instaurar procedimento de infracção contra a "Joalharia X" e contra a recorrente contenciosa (cf. os autos administrativos a fls. 214 a 215 e o verso).
➢ Em 17 de Abril de 2018, a AMCM emitiu à recorrente o ofício n.º 2395/2018-AMCM-GAJ e avisou-a de apresentar a defesa escrita e pagar a caução (cf. os autos administrativos a fls. 206 a 208).
➢ Em 19 de Abril de 2018 a recorrente recebeu o ofício acima mencionado; no entanto, não apresentou a defesa escrita nem pagou a caução (cf. os autos administrativos a fls. 110 e 205).
➢ Em 3 de Dezembro de 2018, a entidade recorrida despachou na proposta n.º 197/2018-CA, concordou com a proposta pelo Conselho de Administração da AMCM na resolução n.º 877/CA de 8 de Novembro de 2018. Visto que em Novembro e Dezembro de 2017, sem qualquer autorização, a "Joalharia X" forneceu dentro da loja habitualmente e com fins lucrativos serviços de câmbio e de entrega rápida de valores em numerário que se traduziam em transferir dinheiro em numerário para o exterior por terceiros, decidiu-se aplicar à recorrente a multa no montante global de MOP1.027.000,00, bem como a sanção acessória da publicação do despacho de sanção (cf. os autos administrativos a fls. 109 a 116, dados por integralmente reproduzidos aqui).
➢ Em 19 de Dezembro de 2018, através do ofício n.º 8061/2018-AMCM-GAJ, a AMCM comunicou a recorrente contenciosa da decisão sancionatória acima referida (cf. os autos administrativos a fls. 102 a 104, dados por integralmente reproduzidos aqui).
➢ Em 16 de Janeiro de 2019, através do mandatário, a recorrente interpôs recurso contencioso da decisão acima referida a este tribunal.

b) Do Direito
  
  O segmento da decisão recorrida atacado no recurso é o seguinte:
  «Por fim, vamos analisar se a decisão recorrida violou o princípio de proporcionalidade no direito administrativo.
  Nas alegações desta parte, a recorrente contenciosa começa por acusar a decisão recorrida de ser irrazoável, vistas a impropriedade do prazo fixado para a contestação, bem como a falta de fundamentos jurídicos que sirvam de base jurídica à decisão tomada pela entidade recorrida, de exigir o pagamento de caução.
  Só que a recorrente contenciosa nem negou ter recebido o aviso da entidade recorrida que lhe exigia apresentar a contestação, nem alegou porque não tinha conseguido apresentado a contestação dentro do prazo ou se justificou para um pedido de extensão do prazo, está simplesmente a duvidar da razoabilidade do prazo para a contestação. Isto não chega para fundamentar a conclusão dela de que o seu direito de defesa ficou impedido no presente procedimento de sanção.
  Além disso, nas circunstâncias alegadas, a recorrente contenciosa só passou ao de leve pela questão de como é que aquelas exerceriam influência sobre a razoabilidade da decisão administrativa final e determinariam o resultado da anulabilidade da decisão, sem qualquer argumentação concreta. O tribunal nem tem meio de ficar a saber nem concorda. Portanto a motivação em causa é obviamente improcedente.
  De resto, segundo a recorrente contenciosa, mesmo se estivesse provado que ela ganhou lucros através de actividades de câmbio de divisas estrangeiras e de transferências, o montante da multa aplicada não é proporcional ao valor de lucros, que teria sido irrisório. Portanto é evidentemente desproporcional a sanção determinada na decisão recorrida, pelo que deve ser anulada.
  É necessário indicar antes de tudo que no caso de meios processuais relativos às infracções administrativas acima mencionadas, apesar do facto de que se procede segundo os procedimentos que se observam nos recursos contenciosos interpostos dos actos administrativos, acerca do exame à determinação da multa administrativa, o tribunal tem a plena jurisdição. Ou seja, o tribunal pode oficiosamente e segundo o princípio de equidade, alterar a multa determinada pela autoridade administrativa, não se limita a apreciar a legalidade do acto decisório (cfr. 118.° n.° 2 do Código de Processo Administrativo Contencioso e as anotações à disposição em causa em Viriato Lima, Álvaro Dantas, Código de Processo Administrativo Contencioso, anotado, CFJJ, 2015).
  Por outras palavras, diferente do modo de sindicância da legalidade dos actos administrativos discricionários comuns, ao determinar se é proporcional a “medida” da multa administrativa, a intervenção do tribunal que realiza a sindicância não se limita a casos de violação evidente do princípio de proporcionalidade ou de irrazoabilidade extrema.
  No presente processo, pelas primeiras 2 infracções administrativas cometidas pela recorrente contenciosa, a autoridade administrativa lhe aplicou, respectivamente, a multa de MOP678.000,00 e de MOP339.000,00.
  A moldura prevista pela lei das multas correspondentes às infracções em causa é de MOP10.000,00 a MOP5.000.000,00 (cf. o art.º 128.º do Regime Jurídico do Sistema Financeiro)
  No presente processo, não se pode obter uma resposta certa através da fundamentação da decisão recorrida à questão de qual foi o critério utilizado pela autoridade administrativa para determinar o montante das multas em causa. No entanto, baseando-se nas várias propostas pela AMCM anexados nos autos administrativos pode-se saber aproximativamente que (vd. em maiores detalhes a fls. 138 a 142 e 145 a 150) parece que se obteve o montante das multas através da estima feita com base no rendimento averiguado, o qual foi obtido pela “Joalharia X” no próprio dia de investigação através das transacções de câmbio e de transferência. No entanto, embora o método de cálculo tenha sido mais uma vez mencionado pela AMCM ao responder à reclamação levantada pela recorrente contenciosa (vd. em maiores detalhes a fls. 21 dos autos administrativos), não acabou por ser referido no acto recorrido para servir de referência para a decisão.
  Além disso, como se lê no acto recorrido, entre os critérios adoptados pela entidade recorrida, estavam ainda;
  “…4.1 A AMCM nunca tinha instaurado qualquer processo de infracção contra a demandada;
  4.2 A medida na qual a demandada reconheceu o dolo das infracções;
  4.3 A falta de cooperação por parte da demandada;
  4.4 O perigo constituído ao sistema financeiro e mesmo ao público pela prática deste tipo de actividades sem autorização e sem mecanismo de supervisão apropriado…”
  Agora adoptamos aqueles critérios1, então durante o período compreendido entre Novembro e Dezembro de 2017 determinado no acto recorrido, a “Joalharia X”, por ter explorado actividades de câmbio e de entrega rápida de valores em numerário, terá obtido rendimento económico no valor estimativo de MOP592.260,00 no total, incluindo o de transacções de câmbio de MOP136.680,00 (MOP2.278,00 x 60) e de transacções de troca contra o pagamento por cartão de MOP455.580,00 (MOP7.593,00 x 60).
  Segundo este tribunal, mesmo consideradas todas as circunstâncias, sejam favoráveis sejam desfavoráveis à recorrente contenciosa (incluindo o dolo evidente por parte da recorrente contenciosa, a atitude não cooperativa extrema, entre outras), o montante da multa fixado pela entidade recorrida, que superou o duplo do rendimento económico da recorrente contenciosa, não foi proporcional; por maioria de razão trata-se meramente de um valor estimativo de rendimento económico, não uma cifra precisa e certa.
  Portanto, foi desproporcional o montante da multa determinada pela entidade recorrida neste caso concreto, deve-se anular o acto nesta parte.
  No entanto, como refere a análise atrás, como a recorrente contenciosa explorou actividades de câmbio e de entrega rápida de valores em numerário sem qualquer autorização administrativa, as circunstâncias das infracções já estão provadas e já estão satisfeitos os pressupostos para a aplicação de sanção administrativa, não obstante a possibilidade da procedência do presente recurso contencioso, dada a improporcionalidade do montante da sanção aplicada, o tribunal sempre determina um montante da sanção que julga apropriado na decisão, em conformidade com o art.º 118.º, n.º 2 do CPAC.
  Portanto, segundo este tribunal, tendo reverificado as informações constantes dos autos administrativos, tendo em conta sobretudo todas as circunstâncias já apreciadas pela entidade recorrida, é apropriado modificar segundo o caso o montante das sanções da seguinte maneira:
  Quanto à 1.ª sanção (de MOP678.000,00), o montante da multa será mudado para MOP400.000,00.
  Quanto à 2.ª sanção (de MOP339.000,00), o montante da multa será mudado para MOP200.000,00.
  Quanto à 3.ª sanção (de MOP10.000,00 bem como a sanção acessória), como a recorrente contenciosa não lhe impugnou a proporcionalidade, sustentar-se-á.
  Por último, nos termos do art.º 71.º do CP aplicável por analogia, segundo os critérios de cúmulo jurídico2, tendo apreciado as circunstâncias relevantes constantes dos autos administrativos, realizado o cúmulo jurídico das 3 multas, determina-se a multa final única em MOP450.000,00.».
  
  As conclusões de recurso I a X versam sobre o entendimento a ter quanto ao nº 2 do artº 118º do CPAC, nomeadamente, se daí decorre um regime de plena jurisdição quanto à medida da multa e a espécie e duração da sanção acessória.
  Sobre esta matéria, Viriato Lima e Álvaro Dantas, em Código de Processo Administrativo Contencioso Anotado, referem na nota 6 ao artigo em questão, a pág. 337 que:
  «6. A decisão judicial, ao contrário do que sucede no regime do recurso contencioso, que é de mera anulação, como se diz no artigo 20.º, pode alterar a pena aplicada e a espécie e a medida da sanção acessória. Trata-se, pois, de um regime de plena jurisdição, nesta parte.
  Seguramente, que a norma se aplica quando o recurso é procedente em questões que digam respeito à medida da pena, designadamente, quando esteja em causa a gravidade da infracção ou a desproporção da pena aplicada. Já quanto ao mais, por exemplo, quando esteja em causa a preterição de alguma formalidade, já temos as maiores dúvidas na sua aplicação. Só caso a caso é possível aferir da aplicação da norma.».
  José Cândido de Pinho em Notas e Comentários ao Código de Processo Administrativo Contencioso, vai para além de considerar o recurso previsto no artº 118º do CPAC como não sendo contencioso no sentido estrito do termo, entendendo antes que se trata de um recurso ao qual se aplicam “os termos do recurso contencioso” sob pena de não fazer sentido – caso fosse um verdadeiro recurso contencioso - a frase contida no nº 1 de que “segue os termos do processo de recurso contencioso de actos administrativos”3, e justificando-se assim, a abertura consagrada no nº 2, que aproxima este recurso dos de plena jurisdição, permitindo ao tribunal administrativo a alteração do quantitativo da multa e a espécie e duração da sanção acessória.
  Somos levados a aderir à posição assumida pelo Juiz Conselheiro Cândido de Pinho, permitindo-se que em casos em que se venha a apurar uma redução da culpa ou desproporcionalidade da pena, ou em função da gravidade da infracção ou da situação económica do infractor, segundo as palavras deste autor, possa o tribunal alterar aquelas.
  Não se confunde esta situação com a sindicância de poderes discricionários com base no erro grosseiro ou na violação do princípio da proporcionalidade, uma vez que, é o artº 118º nº 2 do CPAC que quanto a estes dois aspectos – medida da multa e sanção acessória – consagra um regime de plena jurisdição, permitindo que, concluindo-se pela existência da infracção administrativa, possa o tribunal avaliar da medida da multa e da espécie e duração da sanção acessória.
  Sobre esta matéria já se pronunciou este tribunal no Acórdão de 12.07.2018, proferido no processo que correu termos sob o nº 891/2017 onde se diz:
  «Pois bem. Não está em causa a possibilidade de o tribunal, mesmo que conceda procedência ao recurso contencioso, aplicar uma multa correspondente à infracção cometida e detectada. Assim o permite o art. 118º, nº2, do CPAC.
  Se estivermos certos, o que esta disposição prevê é que o tribunal, perante uma anulação do acto punitivo, por exemplo, com fundamento em desproporcionalidade na medida concreta da multa ou por vício de forma invalidante e insuprível, acabe por – encurtando caminho e evitando que o procedimento administrativo volte à entidade competente para, em execução do julgado, proceder à reedição do acto punitivo sem os vícios que estiveram na base da anulação – fazer já o que mais tarde poderia a Administração realizar. Repare-se: o tribunal pode, em tal caso, “fixar o quantitativo da multa”, bem como “fixar a espécie e duração da sanção acessória”. É uma novidade no nosso sistema jurídico/processual contencioso, que foge aos padrões clássicos do poder judicial no contencioso de matriz anulatória, e que acaba por conferir à situação um toque de plena jurisdição ao exercício do poder jurisdicional nesta espécie processual.
  A dúvida está em saber se o tribunal, interpretando o objecto da censura administrativa, pode transformar em duas infracções aquela situação que a Administração tomou como uma só.
  Esta questão pode parecer bizarra, mas não é. Em nossa opinião, o tribunal não pode alterar o objecto do recurso do acto de aplicação da multa, uma vez que este meio, ainda que com algumas especialidades, segue os termos do recurso contencioso (art. 118º, nº1, do CPAC). Ou seja, tanto quanto nos parece, o poder de intervenção judicial não pode ultrapassar o poder administrativo e ponderar aquilo que a Administração não ponderou. Se tal fosse possível, o tribunal iria decidir em sua casa aquilo que o Administrador tinha feito na sua e tal equivaleria a dizer que o tribunal poderia fazer administração activa, o que contrariaria o referido princípio da separação de poderes.
  O tribunal, portanto, apenas pode agir naqueles limites acima mencionados. Logo, se o objecto da atenção e análise do tribunal é o acto punitivo com os seus limites substanciais (bem ou mal respeitados) o que o julgador tem é que ver se ele é de válido ou inválido. E se concluir pela sua invalidade fundada em vícios formais (não substanciais, segundo cremos), o que pode fazer é substituir-se à Administração, afeiçoando-o aos limites razoáveis da multa e fixando, eventualmente, a espécie e duração da sanção acessória mais adequada. Mas, já não disporá de competência para a qualificação e número de infracções. Talqualmente, nem poderá “fixar” uma multa sobre factos que a Administração não considerou para a fixar ela própria, sob pena de o recorrente estar a ser confrontado pela primeira vez com uma sanção que nunca esteve no seu horizonte, nem fez parte da sua impugnação judicial.».
  Aquilo que a decisão recorrida faz é precisamente concluir pela desproporcionalidade de duas das três multas aplicadas em função dos factos praticados e do proveito ilícito que se estima a agora Recorrida retirou da actuação ilícita e punida.
  Aqui chegados impõe-se concluir que improcedem as conclusões de recurso I a IX.
  
  Quanto ao montante da multa.
  A este respeito alega-se na conclusão de recurso X que o montante aplicado não era excessivo.
  O Regime Jurídico Financeiro aprovado pelo Decreto-Lei nº 32/93/M, no seu artº 128º estabelece que:
Artigo 128.º
(Multa)
   1. Salvo o disposto nos números seguintes, a pena de multa será fixada entre 10 mil patacas e 5 milhões de patacas.
   2. No caso de reincidência, os limites mínimo e máximo da multa aplicável são elevados ao dobro, considerando-se reincidente o infractor que cometer infracção de idêntica natureza no período de um ano, contado da data em que se tornou definitiva a condenação anterior.
   3. Quando o benefício económico obtido pelo infractor com a prática da infracção for superior a metade do limite máximo fixado no n.º 1, este poderá ser elevado até ao dobro desse benefício.
  As multas aplicadas pela autoridade administrativa foram de MOP678.000,00 e de MOP339.000,00.
  Da decisão da autoridade administrativa que aplicou a multa resulta que do que se conseguiu apurar relativamente às operações de utilização de cartões de crédito e de débito de clientes, emitidos por entidades não residentes, no levantamento de fundos, foram realizadas pelo menos por 15 ocasiões este tipo de operações no valor global HKD312.362,00 e quanto à entrega de valores em numerário numa conta do exterior pré-definida, por ordem de clientes, após a entrega por estes na loja da respectiva contrapartida, foram realizadas pelo menos duas operações no valor de equivalente a HKD205.000,00.
  Não consta da decisão da Autoridade Monetária de Macau qual o valor do benefício económico obtido pela infractora.
  Na decisão sob recurso estimou-se um valor para o benefício económico que poderia ser no montante global de MOP592.260,00.
  Destarte, considerando a ausência de elementos objectivos quanto ao benefício económico obtido pela infractora, bem como que a actividade apenas terá sido desenvolvida por um período de dois meses, em face dos argumentos usados na decisão recorrida, alegando-se apenas em sede de conclusões de recurso a desrazoabilidade da medida da multa sem que, objectivamente se ponha em crise aqueles (os fundamentos da decisão recorrida) somos a concluir que bem se andou quando se entendeu ser o montante de duas das multas aplicadas pela autoridade administrativa excessivo, mostrando-se adequada e equitativa os valores das multas aplicadas em função dos elementos existentes.
  Destarte, entende-se ser de manter o quantitativo das multas fixadas pelo tribunal “a quo”, não tendo colhimento a conclusão de recurso X.
  
  Do cúmulo jurídico.
  Por fim nas alegações de recurso XI a XVIII sustenta-se que nas infracções administrativas não se aplica o artº 71º do CP não havendo cúmulo jurídico.
  O Regime Geral das Infracções Administrativas está definido no Decreto-Lei nº 52/99/M cujo nº 3 do artº 3º determina que «Na ausência de regulamentação nas leis ou regulamentos previstos no n.º 1, aplicam-se subsidiária e sucessivamente as disposições do presente diploma e, com as necessárias adaptações, as adequadas do Código do Procedimento Administrativo e os princípios gerais do direito e do processo penal.».
  Sustenta a decisão sob recurso que por força da disposição legal citada, de acordo com os princípios gerais do direito penal seria de aplicar às infracções administrativas as regras do concurso de infracções previstas no artº 71º do CP.
  Nas alegações/conclusões de recurso sustenta-se que se o legislador nada disse no artº 9º do Regime Geral das Infracções Administrativas foi porque o legislador optou pelo cúmulo material em detrimento do jurídico.
  Nesta matéria não podemos acompanhar a decisão recorrida.
  Os princípios gerais da lei penal constam dos artº 1º a 8º do CP, não fazendo parte daqueles o artº 71º o qual faz parte da secção da punição dos concurso de crimes e do crime continuado.
  Por sua vez o artº 9º do Regime Geral das Infracções Administrativas não prevê a aplicação do indicado preceito.
  Contrariamente ao que sucede no caso dos crimes em que a aplicação das penas cabe unicamente aos tribunais, estando sujeita ao registo criminal, no caso das infracções administrativas as mesmas podem ser aplicadas por várias entidades administrativas independentes entre si e sem qualquer elemento de conexão funcional.
  Aceitar-se a possibilidade do cúmulo jurídico entre infracções administrativas, tal não resultaria em apenas se cumularem juridicamente multas aplicadas em simultâneo como é o caso dos autos, como também multas aplicadas por entidades administrativas distintivas entre si.
  Ora a ausência de um registo centralizado quanto às infracções administrativas aplicadas pelos diversos serviços da administração e a ausência de relações funcionais entre as várias autoridades decorrente da repartição de competências entre os diversos serviços, é imediatamente um obstáculo a que a regra do artº 71º do CP seja conforme o regime geral das infracções administrativas.
  Destarte, seja porque as normas da punição do concurso de crimes embora sejam regras que enfermam o nosso sistema jurídico não constituem um princípio geral do direito penal, seja porque o legislador não manda aplicar o artº 71º do CP, não pode manter-se a decisão recorrida na parte do cúmulo jurídico das multas.
  
III. DECISÃO
  
  Termos em que, pelos fundamentos expostos se decide conceder provimento parcial ao recurso e em consequência:
  - Mantém-se a decisão recorrida quanto à medida de cada uma das multas aplicada individualmente;
  - Revoga-se a decisão recorrida no que concerne ao cúmulo jurídico das multas aplicadas.
  
  Custas a cargo da Recorrida fixando-se a taxa de justiça em 3 Uc´s pese embora também a Recorrente haja decaído parcialmente mas estar delas isenta.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 30 de Setembro 2020
  Rui Pereira Ribeiro
  Lai Kin Hong
  Fong Man Chong
   Fui presente
   Álvaro António M. A. Dantas
  

1 Segundo a fórmula de cálculo constante dos autos administrativos a fls. 132 a 133v, eis o resultado do rendimento das transacções obtido pela loja em causa no dia através da prática de actividade de câmbio e de entrega rápida de valores em numerário:
"… iii. Segundo os registos de transacções de câmbio (incluindo a troca em numerário contra o pagamento por cartão) encontrados através da busca, no próprio dia da investigação, a demandada recebeu dentro da loja X no total HKD205.000,00 dos clientes, sendo a taxa de câmbio de 0,858, converteu no total em RMB175.840,00; depois disso entregou o dinheiro imediatamente no Interior da China através de transferência. Calculando sobre a taxa de câmbio HKD-RMB da "UnionPay International" naquele dia, que era de 0,8486, no próprio dia da investigação, a demandada ganhou RMB1.877,00, equivalentes a MOP2.278,00 (1.877,00/0, 8486 * 1,03).
iv. Segundo os registos de transacções encontrados através da busca referidos no ponto 3iii atrás, no próprio dia da investigação, a demandada forneceu aos clientes dentro da loja X também serviços de troca em numerário contra o pagamento por cartão, utilizando terminais de venda (máquinas POS) para cartões UnionPay do Interior da China, naquele dia converteu em HKD$304.990,00 em numerário imediatamente depois dos pagamentos por cartão, no montante total de RMB265.070,00; as taxas de câmbio variavam entre 0,865 a 0,896. Se a demandada tivesse efectuado as transacções de troca em numerário contra o pagamento por cartão, utilizando terminais POS UnionPay fornecidos por bancos de Macau, calculando sobre a taxa de câmbio HKD-RMB da "UnionPay International" naquele dia, que era de 0,8486, naquele dia contra o pagamento por cartão de RMB265.070,00 podia-se converter em HKD$312.362,00 em numerário, portanto naquele dia a demandada ganhou HKD$7.372,00, equivalentes a MOP7.593,00 (7.372,00 * 1,03)....".
2 Diverso do entendimento da entidade recorrida, segundo este tribunal, falta fundamento jurídico à operação aritmética de adição das sanções singulares pela autoridade administrativa. À falta de regras bem definidas pelo Decreto-Lei n.º 52/99/M de 4 de Outubro e por leis especiais, é de aplicar por analogia as regras de cúmulo jurídico previstas pelo CP (nos termos do art.º 71.º), tendo em conta sobretudo as regras de cúmulo jurídico em conjugação com o regime penal, determina-se sobre esta base uma sanção única.
3 Veja-se o Autor e Obra indicado a pág. 170.
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281/2020 ADM 1