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Processo nº 871/2020
(Suspensão de Eficácia)

Data do Acórdão: 30 de Setembro de 2020

ASSUNTO:
- Revogação de autorização de residência permanente;
- Suspensão de eficácia.

SUMÁRIO:
- Resultando do despacho cuja suspensão de eficácia se pede que para a Requerente, da execução daquele, resulta ficar impossibilitada de continuar a viver com o unido de facto e filhos menores, ambos residentes em Macau, bem como a perda do emprego que tem em Macau, verifica-se estar preenchido o requisito do prejuízo de difícil reparação.


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Rui Pereira Ribeiro



Processo nº 871/2020
(Suspensão de Eficácia)

Data: 30 de Setembro de 2020
Recorrente: A
Recorrido: Secretário para a Segurança
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  A, com os demais sinais dos autos,
  vem requerer a suspensão de eficácia do despacho do Secretário para a Segurança de 08.07.2020 que declarou nulo o acto do Comandante da CPSP de 13.10.2009 que concedeu autorização de residência à Requerente.
  Para tanto alega a Requerente em síntese que desde 2011 até ao presente vive em união de facto com o seu companheiro, tendo dessa relação nascido dois filhos, um em 2012 e outro em 2014 os quais sempre viveram e estudaram em Macau. Por outro lado a Requerente tem emprego em Macau e um rendimento estável o qual é também um dos suportes económicos da sua família e se não puder estar em Macau irremediavelmente perderá o seu emprego.
  Não podendo permanecer em Macau a família da Requerente será colocada numa situação difícil seja pela perda de rendimentos, seja porque não pode cuidar e acompanhar os filhos e unido de facto, situações que serão dificilmente reparáveis.
  
  Citado o órgão administrativo requerido para contestar veio este fazê-lo impugnando a verificação do prejuízo invocado pela Requerente.
  Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público foi emitido o seguinte parecer:
  1.
  A, melhor identificada nos autos, veio instaurar o presente procedimento cautelar de suspensão de eficácia do acto praticado pelo Secretário para a Segurança em 8 de Julho de 2020 que decretou a nulidade da autorização de residência da Requerente na Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China (RAEM).
  Alegou, em síntese, que o acto suspendendo é um acta positivo e que a sua imediata execução é susceptível de lhe causar prejuízo irreparável quer porque a vai privar da sua única fonte de rendimento constituída pelo seu trabalho como croupier numa das operadoras de jogo da Região, quer porque vai prejudicar gravemente a sua vida familiar, incluindo a dos seus filhos menores.
  Alegou ainda que a suspensão não determina grave lesão para o interesse público e que do processo não resultam fortes indícios de ilegalidade do recurso.
  A Entidade Requerida, devidamente citada, apresentou contestação na qual pugnou pelo indeferimento do pedido de suspensão de eficácia.
  2.
  2.1.
  Decorre do disposto no artigo 121.º, n.º 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC), que a suspensão de eficácia dos actos administrativos que tenham conteúdo positivo ou que, tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva é concedida quando se verifiquem os seguintes requisitos:
(i) a execução do acto causar previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que estre defenda ou venha a defender no recurso contencioso;
(ii) a suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente produzido pelo acto;
(iii) do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
  Estes requisitos do decretamento da providência cautelar da suspensão de eficácia são de verificação cumulativa bastando a não verificação de um desses para que tal decretamento resulte inviável, sem prejuízo, no entanto, do disposto nos n.º 2, 3 e 4 do citado artigo 121.º do CPAC (assim, entre outros, o Ac. do Tribunal de Última Instância de 4.10.2019, processo n.º 90/2019).
  2.2.
  Como é sabido, por razões que se prendem com a necessidade de evitar o entorpecimento da actividade administrativa que poderia advir de uma utilização menos criteriosa e dilatória do recurso contencioso, a mera interposição deste não tem efeito suspensivo da eficácia do acto de que se recorre. É o que resulta da norma do artigo 22.º do CPAC.
  A mais importante excepção a esta regra encontra-se justamente na previsão da suspensão da eficácia do acto quando da execução deste possa resultar para o particular prejuízo de difícil reparação.
  Como referiu o Venerando Tribunal de Última Instância (TUI) na sua decisão de 14.11.2009, tirado no processo n.º 33/2009, «não se pode paralisar a actividade da Administração se o requerente não alegar e provar sumariamente que a execução do acto lhe causa prejuízo de difícil reparação».
  Sobre o que deve entender-se por prejuízo de difícil reparação, importa ter presente a douta jurisprudência que o TUI teve oportunidade de definir na referida decisão: «mesmo que o interessado sofra danos com a execução de um acto administrativo, se lograr obter a anulação do acto no respectivo processo, pode, em execução de sentença, ser indemnizado dos prejuízos sofridos. E se esta via não for suficiente pode, ainda, intentar acção de indemnização para ressarcimento dos prejuízos. Por isso, só se os prejuízos forem de difícil reparação, isto é, que não possam ser satisfeitos com a utilização dos falados meios processuais, é que a lei admite a suspensão da eficácia do acto».
  2.2.1.
  No caso, o acto suspendendo é, fora de dúvida, um acto positivo por isso que dele decorre uma alteração na prévia situação jurídica da Requerente.
  Além disso, a ser decretada a suspensão de eficácia do acto não vemos que daí resulte grave lesão para o interesse público concretamente prosseguido pelo acto, pelo que se pode dizer preenchido o requisito da providência a que alude a alínea b) do n.º 1 do artigo 121.º do CPAC.
  Do mesmo modo, do processo não resultam fortes indícios de ilegalidade do recurso contencioso, mostrando-se assim verificado o requisito previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 121.º do citado diploma legal.
  2.2.2.
  A questão central, no presente caso, é a de saber se a execução do acto causa previsivelmente prejuízo de difícil reparação para a requerente.
  Está em causa, importa recordar, o acto que declarou a nulidade do acto de autorização de residência da Requerente em Macau e na sequência do qual a Requerente já se viu obrigada a deixar a RAEM e ir para o Interior da China e bem assim a entregar à autoridade policial o seu Bilhete de Identidade de Residente de Macau (refira-se, a este propósito, que, em nosso entender, a execução do acto não obsta à suspensão de eficácia porquanto dela, a ser decretada, pode advir utilidade relevante no que respeita aos efeitos que o acto se encontra ainda a produzir: cfr. artigo 122.º, n.º 1 do CPAC).
  A Requerente alega que a execução do acto lhe causa prejuízos irreparáveis essencialmente por dois motivos: (i) porque deixará de poder trabalhar em Macau e se perder o emprego e rendimento em Macau, tanto ela como a família ficarão colocadas numa situação de dificuldade quase absoluta e de impossibilidade de satisfazer as necessidades básicas, (ii) além disso, a execução do acto impossibilitará a Requerente de viver com os seus dois filhos menores e com o seu companheiro (unido de facto), o que a impede gravemente de exercer as funções maternas, fazendo com que os dois filhos menores tenham de viver em Macau sem o acompanhamento da mãe ou a terem de se deslocar com ela para o Interior da China o que certamente comprometerá o desempenho académico e a saúde física e mental dos menores.
  Parece-nos que a Requerente não tem razão. Pelo seguinte.
  (i)
  Em relação aos prejuízos económicos que para a Requerente alegadamente resultarão da execução do acto, derivados da impossibilidade de não poder continuar a trabalhar na RAEM como vinha fazendo, parece­nos que está por demonstrar que os mesmos, a ocorrerem, sejam irreparáveis ou de difícil reparação. Estando em causa um interesse essencialmente patrimonial é possível o seu integral ressarcimento em acção indemnizatória que eventualmente venha a ser instaurada pela Requerente.
  Acresce que a Requerente não esboçou qualquer esforço probatório no sentido de demonstrar o que alegou no sentido no artigo 16.º do seu requerimento inicial no sentido de que a execução do acto, provocando a perda do seu emprego, a colocará e bem assim à sua família numa situação de quase absoluta carência económica.
  (ii)
  No que respeita aos prejuízos irreparáveis que a Requerente alega poderem resultar da execução do acto ou, melhor, da continuação da execução do acto, na sua vida familiar, incluindo na dos seus filhos, porque os mesmos não têm natureza patrimonial a questão terá de ser analisada a uma outra luz. No entanto, ainda aqui, não nos parece que se possa acolher a pretensão cautelar da Requerente.
  É certo o que a Requerente alega no sentido de que, mantendo-se a execução do acto e, portanto, mantendo-se a Requerente, porque privada pelo acto suspendendo da qualidade de residente, impossibilitada de entrar e sair e de permanecer livremente da e na RAEM na qualidade de residente, algo que sucedia antes de o acto suspendendo ter sido praticado, isso irá certamente causar alguma perturbação ou transtorno na sua vida familiar.
  Cremos, no entanto, que daí não decorrem necessariamente os prejuízos irreparáveis que vêm alegados. Implicará, antes, a uma readaptação da família a uma nova realidade determinada pelas consequências resultantes do acto administrativo suspendendo. Não é pouco, mas não é mais do que isso.
  Na verdade, como bem salienta a Entidade Requerida na sua contestação e ao contrário daquilo que parece estar subjacente à alegação da Requerente, com a execução do acto recorrido esta não fica privada da possibilidade de se deslocar à RAEM, de aqui entrar e de aqui permanecer por períodos temporais mais ou menos longos (até um ano, alega a Entidade Requerida no artigo 12.º da sua contestação). Deste modo, é evidente que a Requerente poderá continuar a acompanhar os seus filhos e a exercer as suas responsabilidades parentais, pois é possível viver com eles e com o seu companheiro por períodos de tempo mais ou menos duradouros, mantendo dessa forma uma vida familiar que pode ser equilibrada e harmoniosa.
  Sempre se acrescente que não vem alegado que a Requerente, mercê da execução do acto teve de ir viver para um local distante da RAEM que, na prática, se traduza numa impossibilidade de aqui se deslocar e de aqui permanecer.
  Por outro lado, quanto à questão da vida escolar dos filhos da Requerente, não vemos que a execução do acto tenha aí os efeitos disruptivos que a Requerente alega. Também neste ponto não se pode sofismar que da execução do acto podem resultar acrescidos incómodos para a vida familiar da Requerente, do seu companheiro e dos filhos de ambos. No entanto, não nos parece que isso represente um prejuízo irreparável que possa justificar a concessão da peticionada providência.
  A Requerente na sua extensa alegação deixa na sombra uma realidade incontornável que não pode deixar de ser considerada quando se quer fazer a ponderação da irreparabilidade dos prejuízos neste específico contexto, qual seja a de que o companheiro da Requerente e pai das crianças é residente de Macau e aqui continua a viver o que significa, portanto, que bem podem os filhos continuar a viver com o pai e a frequentar a escola em Macau com a possibilidade de serem acompanhados pela mãe com maior ou menor regularidade, dessa forma se obviando aos efeitos nefastos que para as crianças poderiam advir de uma eventual mudança de escola.
  A escolha dilemática, entre Cila e Caríbdis, que a Requerente alega como inevitável para os seus filhos, que ficariam colocados, segundo diz, entre ficar sem a mãe, continuando em Macau ou ficar sem Macau, acompanhando a mãe para o Interior da China, pura e simplesmente não existe, com todo o respeito o dizemos. Os menores podem continuar na escola de Macau, continuando a viver aqui com o seu pai e a mãe pode continuar a vir a Macau e a aqui permanecer juntos dos seus filhos e do pai destes. A situação não é diferente, aliás, de tantas situações que todos conhecemos em que mães ou pais de crianças de tenra idade se vêem obrigados, em especial por razões económicas, a sair de casa e a separar-se dos filhos para ir ganhar a vida noutro lugar.
  Não estamos nem de longe nem de perto, importa sublinhar, perante uma situação em que da execução do acto resulta uma situação de abandono ou privação parental dos menores ou de uma inevitável separação deles e dos seus progenitores. Felizmente não é disso que se trata.
  Concluindo, parece-nos que se não demonstram os prejuízos irreparáveis que a Requerente alegou e por isso, propendemos a considerar que não se encontra preenchido o requisito a que alude a alínea a) do n.º 1 do artigo 121.º do CPAC (sempre se diga que a situação em apreço é diferente daquela que foi decidida pelo Acórdão desse Tribunal de Segunda Instância de 9.3.2017, processo 183/2017-A, em que estava em causa a suspensão de um acta de interdição de entrada na RAEM).
  3.
  Pelo exposto, salvo melhor opinião, parece ao Ministério Público que deve ser indeferido o pedido de suspensão de eficácia.
  
II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
  
  O Tribunal é o competente.
  O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
  As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
  Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
  
III. FUNDAMENTAÇÃO
A) Factos

a) Em 06.10.2009 B pediu autorização de residência com fundamento no reagrupamento com o marido C, a qual lhe foi concedida – cf. fls. 8 a 13 -;
b) Por decisão proferida no processo que correu termos no TJB com o nº CR4-18-0080-PCC já transitada em julgado B foi condenada pelo crime de falsificação de documento uma vez que o casamento com C era falso – cf. fls. 8 a 13 -;
c) A autorização de residência concedida a A em 09.10.2009 foi para esta poder acompanhar a sua mãe B no reagrupamento familiar com o padrasto C – cf. fls. 8 a 13 -;
d) Entendendo-se que o acto de autorização de residência de A de 09.10.2009 enfermava de vício de erro sobre os pressupostos de facto ao abrigo do disposto no artº 122º nº 2 al. c) do CPA foi o mesmo declarado nulo – cf. fls. 8 a 13 -;
e) Filho de A e D nasceu em 29.11.2012 E – cf. fls. 15 -;
f) Filho de A e D nasceu em 04.01.2014 F – cf. fls. 18 -;
g) D é titular de Bilhete de Identidade de Residente Permanente de Macau – cf. fls. 14 -;
h) A trabalha como croupier para o X auferindo mensalmente MOP19.475,00;
  
B) Do Direito.
  
  De acordo com o disposto no artº 120º do CPAC «a eficácia dos actos administrativos pode ser suspensa quando os actos:
  a) Tenham conteúdo positivo;
  b) Tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente.».
  No caso dos autos o acto em causa, alterando a situação jurídica da Requerente é manifestamente de conteúdo positivo.
  Por sua vez o CPAC no seu artº 121º consagra os requisitos para que a suspensão seja concedida, a saber:
Artigo 121.º
(Legitimidade e requisitos)
  1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
  a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
  b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
  c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
  2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
  3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
  4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
  5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.
  
  Vejamos então.
  
  No caso em apreço a Requerente obteve a autorização de residência em Macau para acompanhar a sua mãe com o fundamento requerido por esta – a mãe da Requerente – de reunificação familiar com o seu marido e padrasto da Requerente.
  Já depois de ser residente em Macau, a Requerente passou a viver em união de facto com um cidadão residente de Macau o que, segundo os sinais dos autos já acontece desde 2011, isto é há mais de 9 anos, de quem teve dois filhos, nascidos em Macau e também eles cidadãos residentes de Macau.
  Diga-se que não cabendo essa análise nestes autos, mas seja pela união de facto com um residente de Macau, seja por ter filhos menores residentes de Macau, parece haver indícios de que actualmente a Requerente estará em condições de poder beneficiar da residência de Macau, situação essa reforçada por ter uma situação profissional estável e bem remunerada – cf. Lei nº 4/2003, artº 9º nº 1 al. 2) a 5) -.
  Salvo melhor opinião a actual situação familiar da Requerente carecia de ser ponderada face a um erro que tenha havido nos pressupostos de facto da concessão inicial de residência em função dos factos supervenientes e actuais.
  Não vislumbramos utilidade em fazer cessar uma autorização de residência se a pessoa em causa, por outras razões que não decorrentes do erro inicial, estaria actualmente em situação de beneficiar do mesmo estatuto.
  Porque se detectou que a mãe da Requerente para obter a residência em Macau falsificou documentos e consequentemente era falso o fundamento usado para conseguir a autorização de residência – ao que a Requerente é totalmente alheia – vem a ser revogada a autorização de residência que havia sido concedida à requerente 11 anos antes e esta recambiada para a China imediatamente.
  Da execução imediata do despacho cuja suspensão se pede inquestionavelmente resulta que a Requerente não mais pode comparecer ao trabalho o que implica a perda do emprego cujo salário era de cerca de MOP19.000,00 e não seria irrelevante para a situação económica em que o agregado familiar viveria, bem como que após 9 anos de convivência fica impedida de coabitar e viver com o seu unido de facto e de mutuamente prestarem assistência um ao outro e cumprirem com os deveres e obrigações que apesar de não serem casados são iguais às dos cônjuges, bem como a de não poder acompanhar os seus filhos de 7 e 6 anos de idade.
  É inquestionável a relevância que tem para o bom e são desenvolvimento das crianças o acompanhamento por ambos os progenitores e desfrutarem de um ambiente familiar calmo, tranquilo e estável, a ponto do legislador em matéria do direito de família, quando ocorre a separação dos pais privilegiar o regime de guarda conjunta de forma a minorar os efeitos nefastos da separação dos pais no desenvolvimento das crianças.
  A acrescer estas crianças são nascidas e criadas em Macau estando habituadas a viver neste meio ambiente. É consabido que para o crescimento e são desenvolvimento das crianças, tão relevante é com “quem” vivem como “onde” vivem (entendendo-se onde não só como o lugar, mas essencialmente o meio ambiente/espaço/escola/familiar/amigos/tempos livres onde sempre estiveram).
  A indemnização pela perda salarial não equivale a que quem perdeu o emprego o volte a recuperar, pelo que, o prejuízo resultante da perda do emprego nunca poderá ser completamente reparado através de uma indemnização em que se paguem os valores perdidos a título de salário, seja porque o emprego “já se perdeu” seja pela perca de realização profissional, valores que também têm de ser equacionados e não completamente reparáveis em termos monetários, isto, sem falar no período que decorre entre a perda e a reparação e as carências associadas à perda de emprego e de rendimentos.
  Ou seja, aqui chegados, os obstáculos criados à convivência do casal – unidos de facto -, à convivência de crianças de tenra idade com ambos os progenitores, o eventual prejuízo para o desenvolvimento das crianças se tiverem de ter de sair de Macau e passar a viver num ambiente completamente diverso, salvo melhor e mais avalizada opinião é já suficientemente grave para considerarmos estar verificado o prejuízo de difícil reparação.
  Mas, entendemos também que a perda do emprego e a perda do percebimento mensal de um salário de cerca de MOP19.000,00 ainda que possa vir a ser reposto através de um indemnização futura de valor e em tempo incerto é também ele um prejuízo relevante para a economia do agregado familiar, agravado por existirem duas crianças menores.
  A Requerente invoca ainda a situação de pandemia em que o mundo se encontra para agravar a situação. Entendemos que o prejuízo já está verificado mesmo sem pandemia. Contudo, as situações resultantes da difícil ou impossibilidade de circulação de pessoas, os despedimentos e perdas salariais geradas pela pandemia apenas exponenciam aquilo que já era grave.
  Tal como a Requerente invoca nos artigos 23º e 24º do seu requerimento em sentido idêntico se decidiu neste tribunal nos Acórdãos de 09.01.2014 proferido no processo que correu termos sob o nº 798/2013 onde se diz que «(…) embora o(a) requerente possa levar os filhos para o interior da China, onde eles podem continuar o estudo, são diferentes o modo e o conteúdo de ensino dos dois locais, e é difícil encontrar vagas em escola. Destarte, caso não seja suspensa a eficácia do respectivo acto, os filhos serão impedidos de continuar o estudo, prejuízo esse que não é pecuniariamente reparável.» e no Acórdão de 27.03.2012 proferido no processo que correu termos sob o nº 163/2012/A, onde se refere que «com a execução do acto em crise, ficarão os seus filhos obrigados a ausentarem da RAEM, e ficariam obrigados a deixar o estudo no meio de ensino escolar, factores estes que assim causariam um prejuízo, não concretizáveis e quantificáveis, prejuízo esse que não pode ser pecuniariamente reparável. E essa possibilidade, o prejuízo de índole escolar, tem contornos de certeza, caso não suspenda a execução do acto, razão pela qual não se pode deixar de dar por verificada a existência da possibilidade de ocorrer prejuízo de difícil reparação.»1, bem como, recentemente no Acórdão de 23.07.2020 proferido no processo 630/2020.
  Concluímos, assim, estar verificado o requisito da al. a) do nº 1 do artº 121º do CPAC.
  Acompanhamos o parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público de que estão verificados os requisitos das alíneas b) e c) do nº 1 do artº 121º do CPAC, uma vez que não resultam indícios em sentido contrário.
  Destarte, estando preenchidos os requisitos cumulativos do nº 1 do artº 121º do CPAC impõe-se decidir em conformidade ordenando a suspensão de eficácia do acto como requerida.
  A esta decisão não obsta o facto do acto cuja suspensão se requer ter já sido executado, face aos efeitos que ainda produz em função dos interesses que a Requerente pretende defender, tudo nos termos do nº 1 do artº 122º do CPAC.
  
IV. DECISÃO

  Nestes termos e pelos fundamentos expostos deferindo-se o requerido declara-se a suspensão de eficácia do despacho do Secretário para a Segurança de 08.07.2020 que declarou a nulo o acto do Comandante da CPSP de 13.10.2009 que concedeu autorização de residência à Requerente.
  
  Sem custas por delas estar isenta a entidade recorrida.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 30 de Setembro de 2020
  Rui Pereira Ribeiro
  Fong Man Chong
 Lai Kin Hong
 (vencido com exactos termos do Douto Parecer do M.P.)
  
   Fui presente
                    Álvaro António M. A. Dantas

1 A mesma posição encontra-se expressa nos acórdãos do TSI, processos n.ºs 778/2012/A, 619/2012/A e 228/2009/A.
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871/2020 SUSPENSÃO 1