Processo n.º 225/2020 Data do acórdão: 2020-9-30
Assuntos:
– acidente de viação
– fixação da quantia indemnizatória dos danos morais
– fixação da indemnização da perda da capacidade de ganho
– incapacidade permanente parcial do lesado
S U M Á R I O
As quantias indemnizatórias dos danos morais da pessoa lesada no acidente de viação e da perda da sua capacidade de ganho em razão da incapacidade permanente parcial são respectivamente fixadas de modo equitativo, em função das circunstâncias fácticas provadas no caso.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 225/2020
(Autos de recurso penal)
Recorrentes:
– 1.a demandada civil A, S.A.
– ofendida e demandante civil B
Não recorrente:
– arguido e 2.o demandado civil C
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformadas com o acórdão proferido a fls. 251 a 259 do Processo Comum Colectivo n.o CR2-19-0313-PCC (com enxertado pedido cível de indemnização emergente de acidente de viação) do 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base na parte respeitante à decisão civil, vieram recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI) a 1.a demandante civil A, S.A., e a ofendida e demandante civil B, aquela através de recurso principal, e esta em recurso subordinado.
Na motivação apresentada a fls. 269 a 281 dos presentes autos correspondentes, a demandada seguradora impugnou material e somente os montantes fixados no acórdão recorrido para efeitos de reparação da incapacidade permanente parcial (IPP) de 10% e dos danos morais da ofendida demandante, alegando, na sua essência, que as respectivas quantias de MOP300.000,00 e de MOP700.000,00 seriam desajustadas e demasiadamente elevadas, à luz do disposto no art.o 489.o do Código Civil (CC), com referência aos art.os 487.o e 488.o do mesmo Código, e ante a matéria de facto provada e os valores constantes na jurisprudência da Região Administrativa Especial de Macau, para situações semelhantes, pelo que deveriam esses dois montantes reduzidos a MOP150.000,00 e a MOP300.000,00, respectivamente.
Ao recurso, respondeu a lesada e demandante B a fls. 291 a 293, preconizando a improcedência do mesmo.
Outrossim, essa mesma ofendida alegou, na motivação do seu recurso subordinado, apresentada a fls. 299 a 303v, que os montantes fixados no aresto recorrido para reparação da perda da sua capacidade de ganho em consequência da sua IPP de 10% e para reparação dos seus danos morais deveriam passar a ser não menos do que MOP453.432,00 e do que MOP900.000,00, respectivamente, em conformidade com a matéria de facto já provada em primeira instância.
A esse recurso subordinado, respondeu a seguradora demandada a fls. 307 a 314, no sentido de improcedência da pretensão da demandante recorrente.
Subidos os recursos, a Digna Procuradora-Adjunta, em sede de vista dada a fl. 324, opinou que não tinha legitimidade para emitir parecer, por estar em causa matéria meramente civil.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Não sendo impugnada a matéria de facto já fixada no acórdão recorrido (cfr. a respectiva fundamentação fáctica, constante de fls. 252v a 253v, a qual se dá por aqui integralmente reproduzida), é de tomar essa matéria de facto como fundamentação fáctica do presente acórdão de recurso.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cabe notar que com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver apenas as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas ao mesmo tempo nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
O cerne de ambos os recursos prende-se com a injusteza, ou não, dos montantes fixados pelo Tribunal recorrido para reparação da IPP de 10% e dos danos morais da ofendida demandante.
Nota-se que o montante de MOP300.000,00 achado por esse Tribunal a respeito da IPP da ofendida visou a reparação da perda da capacidade de ganho da demandante em consequência da IPP de 10% por esta sofrida.
Desde já, estando provado em primeira instância que a demandante ganhava, antes da ocorrência do acidente, MOP16.800,00 por mês como rendimento do seu trabalho (cfr. a alínea 6 da matéria fáctica civil provada), que o acidente de viação ocorreu no dia 15 de Junho de 2018 (cfr. a alínea 1 da matéria fáctica penal provada), que ela nasceu em 17 de Junho de 1976 (cfr. a alínea 9 da matéria fáctica civil provada) e que ela sofreu IPP de 10% por causa desse acidente de viação (cfr. a alínea 8 da matéria fáctica civil provada), e atendendo a que ela poderia trabalhar até 65 anos de idade tal como considerou o Tribunal recorrido na segunda linha do primeiro parágrafo da página 14 do texto do seu acórdão e a que esse Tribunal já lhe atribuiu a indemnização das suas percas salariais até antes de 12 de Novembro de 2019 (cfr. a 18.a linha da página 13 do texto do acórdão recorrido), o que equivaleria a que ela poderia trabalhar previsivelmente por mais 21 anos, 7 meses e 4 dias (até perfazer a idade de 65 anos no dia 17 de Junho de 2041), contados de 13 de Novembro de 2019, então seria de adoptar a fórmula de “MOP16.800,00 x 259 meses x 10%” para calcular o valor pecuniário aproximado de perda da capacidade de ganho no período de 13 de Novembro de 2019 a 17 de Junho de 2041, valor aproximado esse que seria de MOP435.120,00.
E como a demandante irá receber a indemnização (da perda da capacidade de ganho por causa da sua IPP de 10%) numa vez só, e não por prestações mensais até 17 de Junho de 2041, há que descontar tal valor aproximado da indemnização devido ao efeito de recebimento em bolada.
Assim ponderando, à luz do juízo de equidade, afigura-se mais equilibrado passar a fixar em MOP370.000,00 a quantia indemnizatória total da perda da capacidade de ganho da demandante por causa da sua IPP de 10%, de maneira que nesta parte concreta, improcede o recurso principal da demandada seguradora e procede parcialmente o recurso subordinado da demandante.
E quanto à quantia indemnizatória dos danos morais sofridos pela demandante:
O Tribunal recorrido fixou-a em MOP700.000,00.
Estando provado em primeira instância que a demandante, por causa do acidente de viação dos autos, perdeu o olfacto, e com o gosto enfraquecido (cfr. as alíneas 10 e 13 da matéria fáctica civil provada).
O olfacto e o gosto são dois importantes sentidos de qualquer pessoa humana. Sem o olfacto e com o gosto já enfraquecido, é de presumir judicialmente (cfr. o art.o 342.o do CC), como ensinam as regras da experiência da vida humana, que a lesada demandante teve e continua a ter grande desgosto na sua vida. E atenta a esperança da vida das pessoas em Macau, o grande desgosto da demandante por causa da perda do olfacto e do enfraquecimento do gosto irá perdurar provavelmente por mais de 30 anos, pelo menos. Assim sendo, e ponderando também sobre as outras circunstâncias fácticas já apuradas em primeira instância com pertinência à fixação equitativa, nos termos do art.o 489.o, n.o 1 e n.o 3, primeira parte, do CC, do montante destinado à reparação dos danos morais da demandante (tais como as descritas na alínea 4 da matéria fáctica penal provada e nas alíneas 3, 10, 11, e 12 da matéria fáctica civil provada), é já equitativamente justo o montante de MOP700.000,00 achado pelo Tribunal recorrido para reparação dos danos morais da demandante, com o que improcedem, nesta parte, os dois recursos.
O montante indemnizatório da perda da capacidade de ganho (por causa da IPP de 10%) da demandante, no valor acima fixado de MOP370.000,00 passa a vencer juros legais a partir de hoje até integral e efectivo pagamento, enquanto todas as outras quantias indemnizatórias já atribuídas no aresto recorrido à demandante têm os seus juros legais a contar desde a data do acórdão recorrido, até integral e efectivo pagamento, isto tudo em obediência ao douto Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 2 de Março de 2011 do Processo n.o 69/2010 do Venerando Tribunal de Última Instância.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar improcedente o recurso principal da demandada seguradora e parcialmente procedente o recurso subordinado da demandante, passando, por conseguinte, a aumentar para MOP370.000,00 o montante de MOP300.000,00 fixado no acórdão recorrido para indemnização da perda da capacidade de ganho da demandante por causa da sua IPP de 10%, contando-se os juros legais desta quantia de MOP370.000,00 a partir de hoje até integral e efectivo pagamento (sendo certo que os juros legais de todas as outras quantias indemnizatórias já atribuídas no acórdão recorrido já começaram a vencer juros desde a data do acórdão recorrido, até integral e efectivo pagamento).
Custas do pedido civil nas Primeira e Segunda Instâncias pela demandante e pela demandada seguradora, na proporção dos respectivos decaimentos.
Macau, 30 de Setembro de 2020.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Chao Im Peng
(Segunda Juíza-Adjunta)
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