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Processo n.º 723/2020 Data do acórdão: 2020-9-30
Assuntos:
– recurso manifestamente improcedente
– reclamação para conferência
– objecto da decisão da reclamação
S U M Á R I O

1. O recurso deverá ser rejeitado por decisão sumária do relator quando for manifestamente improcedente, nos termos dos art.os 407.o, n.o 6, alínea b), e 410.o, n.o 1, do Código de Processo Penal, podendo o recorrente reclamar da decisão de rejeição para conferência.
2. A reclamação da decisão sumária do recurso não pode implicar a alteração do objecto do recurso.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 723/2020
(Autos de recurso penal)
(Da reclamação para conferência da decisão sumária do recurso)
Recorrente (arguido): A





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o despacho judicial proferido a fl. 230 a 230v do ora subjacente Processo Comum Colectivo n.o CR4-16-0070-PCC do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB) que lhe revogou, nos aí citados termos do art.o 54.o, n.o 1, alínea a), do Código Penal (CP), a suspensão da execução da sua pena de dois anos de prisão (então aplicada por um crime consumado de abuso de confiança em valor consideravelmente elevado), veio o arguido condenado A (A), já melhor identificado nos presentes autos correspondentes, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para pedir, na sua motivação apresentada a fls. 234 a 237 dos autos, a manutenção da suspensão da execução da pena, com possível prorrogação do prazo da suspensão, alegando, para o efeito, que na dita decisão revogatória da suspensão da pena, não se tinha explicado as razões da satisfação do critério material para a revogação da suspensão, sendo certo que a falta de pagamento da indemnização à pessoa ofendida se tinha devido apenas à situação objectiva de inexistência de dinheiro para esse pagamento por parte do próprio recorrente, e não à falta da sua vontade de pagar a indemnização, pelo que era inadequada a decisão revogatória da suspensão da pena.
Ao recurso, respondeu a Digna Delegada do Procurador a fls. 239 a 242 dos autos, no sentido de manutenção da decisão recorrida.
Subido o recurso, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 252 a 253v, pugnando pela improcedência do recurso.
Por decisão sumária proferida a fls. 255 a 257v, decidiu o ora relator em rejeitar o recurso, por manifestamente improcedente.
Veio o arguido reclamar dessa decisão para conferência, através do petitório de fls. 260 a 261v.
Sobre essa reclamação, opinou a Digna Procuradora-Adjunta a fl. 263 a 263v pela manutenção da decisão sob reclamação.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
1. Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
– Por acórdão proferido em 2 de Dezembro de 2016 a fls. 142 a 148v do subjacente Processo Comum Colectivo n.o CR4-16-0070-PCC do 4.o Juízo Criminal do TJB, com trânsito em julgado em 4 de Janeiro de 2017 (cfr. a certidão desse trânsito exarada a fl. 156 dos mesmos autos), o arguido ora recorrente A ficou condenado, por prática, em autoria material, de um crime consumado de abuso de confiança em valor consideravelmente elevado, na pena de dois anos de prisão, suspensa na execução por três anos, sob condição de pagar, durante o prazo dessa suspensão, a quantia indemnizatória de cento e oitenta mil dólares de Hong Kong ao ofendido B, com juros legais contados desde a data desse acórdão até integral e efectivo pagamento;
– Em 9 de Novembro de 2020, o M.mo Juiz titular do processo em primeira instância, sob promoção do Ministério Público, determinou, a fl. 191, a notificação do arguido para apresentar, no prazo de dez dias, provas sobre o pagamento da indemnização;
– Em 15 de Janeiro de 2020, o arguido escreveu ao Tribunal (a fl. 193) que já tinha devolvido a dívida de cento e oitenta mil dólares de Hong Kong a B;
– Perguntado pelo pessoal do Tribunal sobre isso, o ofendido B escreveu, em 23 de Janeiro de 2020, ao Tribunal que não tinha recebido indemnização;
– Em face disso, e sob promoção do Ministério Público, o mesmo M.mo Juiz tomou declarações ao arguido em 3 de Março de 2020 (cfr. o teor do auto lavrado a fls. 203 e seguintes), em cuja sede o próprio arguido declarou que tinha vindo a tentar procurar emprego, mas em vão, por ser já uma pessoa idosa, e admitiu que durante o prazo da suspensão da pena não tinha cumprido escrupolosamente a sua obrigação de pagamento da indemnização ao ofendido como condição da suspensão da pena, e prometeu que antes do fim de Abril de 2020 ia depositar à ordem do Tribunal a quantia de trinta mil dólares de Hong Kong, como primeira prestação indemnizatória. E ante a promessa do arguido, o M.mo Juiz acabou por decidir em prorrogar por um ano e seis meses o prazo inicial da suspensão da pena, sob condição de o arguido ter que, inclusiva e nomeadamente, depositar à ordem dos autos, antes de 30 de Abril de 2020, trinta mil dólares de Hong Kong como primeira prestação indemnizatória, com a advertência de o não cumprimento dessa condição vir acarretar a revogação da suspensão da pena (cfr. o despacho judicial proferido a fls. 204v a 205, não recorrido pelo próprio arguido, conforme o declarado por ele);
– Não tendo sido depositado tal montante, o M.mo Juiz voltou a tomar, sob promoção do Ministério Público, declarações ao próprio arguido em 9 de Junho de 2020 (cfr. o auto lavrado a fls. 229 e seguintes), em cuja sede declarou ele que tinha vindo a tentar procurar emprego, mas em vão, por causa da sua idade avançada, e que ia tentar no prazo de um mês pagar dez mil patacas ao ofendido. E afinal, o M.mo Juiz acabou por decidir em revogar a suspensão da pena de prisão do arguido, citando o disposto no art.o 54.o, n.o 1, alínea a), do CP (cfr. o teor dessa decisão revogatória da suspensão da pena, proferida no próprio dia 9 de Junho de 2020, com texto disponibilizado a partir de 15 de Junho de 2020, a fls. 230 a 230v dos autos, cujo teor se dá por aqui integralmente reproduzido).
2. A decisão sumária do relator (de fls. 255 a 257v) de rejeição do recurso do arguido foi tomada com base nas seguintes considerações:
– <<[…] De antemão, cabe notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao ente decisor do recurso cumpre resolver apenas as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
No caso dos autos, é de decidir se o despacho revogatório da suspensão da execução da pena de prisão do arguido recorrente viola o art.o 54.o, n.o 1, alínea a), do CP.
Pois bem, observa-se, desde logo, que o recorrente já foi advertido, na anterior diligência de audição judicial dele, de que o não cumprimento da condição da aí decidida prorrogação da suspensão da execução da pena ia acarretar a revogação da suspensão, sendo certo que tal condição da prorrogação da suspensão da pena foi fixada na sequência da promessa de depósito, à ordem dos autos, da primeira prestação indemnizatória a favor do ofendido, no valor de trinta mil dólares de Hong Kong.
Não obstante, o arguido não veio honrar a sua promessa, não tendo depositado essa quantia à ordem dos autos, até antes da data-limite por ele inicialmente prometido, o que frustrou a expectativa do próprio Tribunal (como foi frisado na segunda linha do primeiro parágrafo de fl. 230v), subjacente à tomada da decisão de prorrogação do prazo da suspensão da execução da pena de prisão.
A promessa feita ao Tribunal é um assunto sério. O não cumprimento da promessa, por razões de desemprego anteriormente já ditas, equivaleu à falta de sinceridade por parte do arguido em cumprir a condição da prorrogação da suspensão da execução da pena de prisão, e já fez desaparecer, seguramente, a base da esperança, subjacente à então decisão decretadora da suspensão da execução da pena.
É, pois, de revogar mesmo a suspensão da execução da pena de prisão do recorrente, nos termos permitidos pelo art.o 54.o, n.o 1, alínea a), do CP.
Daí que o recurso deve ser rejeitado, nos termos dos art.os 407.º, n.º 6, alínea b), e 410.º, n.º 1, do CPP, sem mais indagação por desnecessária, devido ao espírito do n.º 2 desse art.º 410.º>>.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Veio o arguido recorrente reclamar para conferência da decisão tomada pelo relator pela qual foi rejeitado o recurso dele por manifestamente improcedente.
Cabe, pois, a este Tribunal de recurso conhecer do objecto do recurso então interposto pelo arguido, porquanto a reclamação da decisão sumária do recurso não pode implicar a alteração do objecto do recurso.
Pois bem, vistos todos os elementos pertinentes já referidos no ponto 1 da parte II do presente acordão de recurso, é de improceder a reclamação sub judice, porquanto há que manter, nos seus precisos termos, a decisão sumária do recurso, por essa decisão do relator estar conforme com tais elementos e o direito aplicável aplicado concretamente na fundamentação jurídica da mesma decisão sumária.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar improcedente a reclamação do arguido recorrente, mantendo a decisão sumária de rejeição do recurso dele.
Para além das custas, taxa de justiça e sanção pecuniária referidas no dispositivo da decisão sumária, pagará ainda o recorrente as custas da sua reclamação, com duas UC de taxa de justiça correspondente. Fixam em três mil patacas os honorários totais do Ex.mo Defensor Oficioso (que incluem já a quantia de duas mil e setecentas patacas de honorários já atribuídos na decisão sumária do recurso), a pagar também pelo recorrente.
Comunique a presente decisão ao ofendido.
Macau, 30 de Setembro de 2020.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Chao Im Peng
(Segunda Juíza-Adjunta)



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