Processo n.º 668/2020
(Autos de recurso em matéria cível)
Relator: Fong Man Chong
Data: 30 de Setembro de 2020
ASSUNTOS:
- Arrendamento e responsabilidade pelo pagamento das rendas contratualmente fixadas
SUMÁRIO:
I – A acção de despejo, que visa resolver todos os problemas ligados ao contrato de arrendamento, é uma acção para efectivar responsabilidade contratual e como tal têm legitimidade processual activa e passiva os seus pactuantes.
II – Provando-se que as Rés chegaram a pagar as rendas nos termos contratualmente fixados e a desenvolver actividade comercial no locado, são, por força do princípio pacta sunt servadnda (artigo 400º do CCM), elas responsáveis pelo cumprimento das obrigações decorrentes do contrato, sendo irrelevante discutir quem é que usufruiu efectivamente da utilidade proporcionada pelo locado.
O Relator,
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Fong Man Chong
Processo nº 668/2020
(Autos de recurso em matéria cível)
Data : 30 de Setembro de 2020
Recorrente : A (2ª Ré)
Recorrida : B Limited (Autora)
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Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I - RELATÓRIO
A, Recorrente, devidamente identificado nos autos, discordando da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, datada de 17/01/2020, que julgou procedente o pedido da Autora e decretou a resolução do contrato de arrendamento, dela veio, em 24/04/2020, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 306 a 315, tendo formulado as seguintes conclusões :
a) Do não conhecimento do pedido de reconhecimento do direito de retenção – O Tribunal a quo decidiu absolver a Recorrida do pedido de reconhecimento do direito de retenção até data da entrega das chaves em 01/11/2017 por, na sua perspectiva, "Tendo a coisa já sido entregue, inútil se torna apreciar o pedido, uma vez que, ainda que o direito tivesse existido o mesmo já se tinha extinguido."
b) Mas, salvo melhor opinião, nada obstava ao conhecimento deste pedido por força do princípio do pedido a que se referem os artigos 3.°, n.º 1,563.°, n.º 2 e 571.°, n.º 1, al. d), última parte, e e), do CPC.
c) Deve, pois, a, aliás, douta sentença recorrida ser, nesta parte, revogada por violação do disposto no art.º 563.°, n.º 2, do CPC, com as legais consequências.
d) O presente recurso visa também impugnar as respostas dadas pelo Tribunal a quo aos quesitos 8.°, 9.°, 10.° e 12.° da Base Instrutória.
e) Da impugnação da matéria de facto - Para fundamentar as respostas negativas aos quesitos 8.°, 9.°, 10.° e 12.° da Base Instrutória o Tribunal a quo invocou o depoimento das testemunhas e o contrato de arrendamento de fls. 23 e 24, traduzido a fls. 239 a 241 dos autos.
f) Sucede que a matéria de facto perguntada nos quesitos 8.°, 9.°, 10.° e 12.° da Base Instrutória foi incorrectamente julgada.
g) Primeiro, porque a testemunha C disse que, no momento da celebração do contrato de arrendamento em 15/07/2013, a anterior proprietária D foi bem notificada do facto de as fracções "AA1" e "AB1" se destinarem ao futuro exercício da sociedade E有限公司, e assim o permitiu, conforme, sem contraprova, resulta da seguinte passagem da gravação: «Recorded on 19-Nov-2019 at 11.38.12 (2ZHF154W03520319) 01:48 - 03:13, 08:12 - 09:43 e 13:35 a 13:50»
h) Segundo, porque no próprio contrato de arrendamento de fls. 23 a 24 consta uma menção de as fracções autónomas "AA1" e "AB1" servirem para exploração de salão de beleza e cabeleireiro (vide nota de rodapé n.º 1).
i) Terceiro, porque a testemunha C disse que foram instalados dois estabelecimentos (um de serviço de beleza e cabeleireiro chamado "XX軒", outro de serviço de massagem cujo nome não se lembrou) em nome da sociedade E有限公司 para esta em que exercer a sua actividade económica, conforme, sem contraprova, resulta da seguinte passagem da gravação: «Recorded on 19-Nov-2019 at 11.38.12 (2ZHF154W03520319) 00:00 - 01:25, 15:10 - 16:02 e 17:07 - 17:25»
j) Quatro, porque a testemunha C disse que a razão pela qual o contrato de arrendamento em causa foi celebrado em 15/07/2013 se deveu à vontade de as RR. poderem iniciar a actividade económica da sociedade E有限公司 o mais cedo possível conforme, sem contraprova, resulta da seguinte passagem da gravação: «Recorded on 19-Nov-2019 at 11.38.12 (2ZHF154W03520319) 14:14 - 14:25»
k) Quinto, porque do depoimento da testemunha C («Recorded on 19-Nov-2019 at 11.38.12 (2ZHF154W03520319) 01:48 - 03:13, 08:12 - 09:43 e 13:35 - 13:50») e do código alfanumérico CNI20130711-591 (constante do documento de fls. 24) resulta que em 11/07/2013 as Rés apresentaram no Cartório Notarial das Ilhas o competente requerimento para constituição da sociedadeE有限公司.
I) Sexto, porque do contrato de constituição da sociedade E有限公司 (fls. 96 a 98) resulta que a sua firma "E有限公司" foi aprovada pela CRCBM em 10/07/2013, o que mostra que no mesmo dia as Rés iniciaram o procedimento para a constituição da sociedade, ou seja, 5 dias antes de outorgarem o contrato de arrendamento de fls. 23 a 24 em 15/05/2013!
m) A matéria de facto perguntada nos quesitos 8.°, 9.°, 10.° e 12.° da Base Instrutória devia, pois, ter sido julgada como provada.
n) Devia, no entanto, a resposta aos quesitos 8.°, 9.°, 10.° e 12.° da Base Instrutória devia, pois, ter sido afirmativa por assim o impor toda a prova produzida nos autos (sem que tenha sido oposta contraprova à prova bastante ou suficiente feita nesse sentido) e, por conseguinte, o disposto nos artigos 556.°, n.º 2 (análise crítica das provas), 562.°, n.º 3 (exame crítico das provas) e 558.°, n.º 1, todos do CPC.
o) Em consequência, podiam e deviam ter sido a RR. absolvidas do pedido por ilegitimidade substantiva.
p) Do abatimento ao valor das rendas - Na esteira da razão de decidir do Ac. TSI, Proc.º 500/2011, 20/02/2014, in www.court.gov.mo, devia o valor de HK$165.000,00 (MOP169.950,00) previsto no artigo 16.° do contrato de arrendamento fls. 23 e 24 ter sido abatido ou descontado ao valor de MOP$1.733.490,00 das rendas vencidas até Julho de 2016 por força da figura da imputação ou dedução, que consiste em abater ao montante de um crédito, a importância de certos factores para o reduzir à sua justa expressão numérica.
q) Sucede que na sentença recorrida não chegou a proceder-se a qualquer abatimento ao valor das rendas vencidas até Julho de 2016, pelo que deverá a mesma ser, nesta parte, revogada, com as legais consequências, reduzindo-se o valor a pagar de MOP$1.733.490,00 para MOP1.563.540,00,1 dado o tribunal dever tomar em consideração todas as provas realizadas no processo (art.º 436.° do CPC) e não estar vinculado às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art.º 567.° do CPC).
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B Limited, Recorrida, com os sinais identificativos nos autos, ofereceu a resposta constante de fls. 322 a 326, tendo formulado as seguintes conclusões:
O direito de Retenção depende de três requisitos:
I - A detenção lícita de uma coisa que deve ser entregue a outrém;
II - Apresentar-se o detentor, simultãneamente credor da pessoa com direito à entrega;
III - A existência de uma conexão directa e material entre o crédito do detentor e a coisa detida, quer dizer, resultante de despesas com ela ou de danos pela mesma produzidas.
Retentor é pois aquele que tem a posse de certa coisa e que está obrigado à sua entrega.
Ora, provado está nos autos, que as fracções dadas de arrendamento, objecto de litígio, foram entregues à Autora, em 1 de Novembro de 2017.
Pelo que,
Tendo já sido entregue as fracções autónomas, em 1 de Novembro de 2017, inútil se torna apreciar o direito de retenção das Rés sobre o locado.
Consequentemente, decidindo como o Tribunal decidiu, no sentido de que, "Sobre a retenção de coisas imóveis rege o artigo 749° do C.C., sendo que o mesmo se extingue pela entrega da coisa segundo o artigo 751° do C.C."
"Ora, o pedido de reconhecimento do direito de retenção é feito até a entrega das respectivas chaves em 01.11.2017"
"Tendo a coisa já sido entregue, inútil se torna apreciar o pedido, uma vez que, ainda que o direito tivesse existido o mesmo já se tinha extinguido"
Não se mostra, pois, minimamente viciada a apreciação levada a cabo pelo Tribunal a quo, sobre esta questão.
A Ré impugna também, nas suas alegações, julgamento da matéria de facto, no sentido de que, os factos incluidos em 8°, 9°, 10°, e 12° dos factos não provados da decisão recorrida, deveriam ter sido dados como provados.
Pretende a Ré que se considere provado factos esses que foram considerados "Não provados".
Vejamos
Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, sendo, desde logo, a credibilidade das testemunhas livremente apreciada pelo tribunal (artigo 390° do Código Civil).
A livre apreciação da prova só cede perante situações de prova lgal que fundadamente se verificam nos casos de prova por confissão, por documentos autênticos, por certos documentos particulares e por presunções legais (artigos 343°, 351°, 365°, 370°, todos do Código Civil).
E, relativamente aos factos incluidos em 8°, 9°, 10°, e 12º, diga-se que, os meios de prova mencionados pelas Rés, a única testemunha C, não permitem, de qualquer modo, inculcar no sentido de algum erro de julgamento do Tribunal sobre a convicção que alcançou.
A testemunha C não deu nota de ter algum conhecimento directo sobre os factos à pretenção da Ré.
E as declarações prestadas em audiência não foram merecedoras de credibilidade.
Portanto, inexistem razões para alterar a matéria de facto.
Ainda,
Na sua contestação, em reconvenção, alegou-se, apenas e tão só "o direito da 2ª Ré a obter da Autora o valor das benfeitorias calculado com base nas regras sobre o enriquecimento sem causa".
Quanto ao seu pedido reconvencional, pediu "-ser considerado procedente e provado o pedido reconvencional, ser a Autora condenada no pagamento exacto for liquidado em execução de sentença, a titulo de benfeitorias necessárias ou úteis, acrescida dos juros vencidos e vincendos desde a sua notificação até integral pagamento."
Mas, efectivamente, não há qualquer facto alegado quanto ao "valor de HK$165,000.00 (MOP169,950.00) previsto no artigo 16° do contrato fls.23 e 24…….."
Não foi alegado nem resultou provado nenhum facto relacionado com esse montante.
Ora, tal facto, porque nunca alegados, não foi contraditado, e jamais poderia ser usado como subentendido para fundamentar uma condenação.
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Corridos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.
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II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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III – FACTOS ASSENTES:
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
a) A Autora é titular das fracções autónomas designadas por “AA1” do 1º andar “AA” e “AB1” do 1º andar “AB”, ambas para comércio, do prédio urbano com os nºs 391 a 439 da Avenida Xian Xing Hai, nºs 147 a 261 da Rua de Paris, nºs 148 a 260 da Rua de Berlim e nºs 392 a 438 da Avenida do Governador Jaime Silvério Marques, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau, sob o nº 22112 a folhas 18 do livro B111A; (alínea A) dos factos assentes)
b) A propriedade das fracções autónomas “AA1” e “AB1” encontram-se registadas a favor da Autora, sob a inscrição nº XXX; (alínea B) dos factos assentes)
c) A Autora adquiriu de D as fracções autónomas “AA1” e “AB1” por escritura de compra e venda, outorgada a 5 de Novembro de 2013, a fls. 38 do livro 171-A do Notário Privado António Dias Azedo; (alínea C) dos factos assentes)
d) Nos termos da cláusula 1ª do contrato de arrendamento mencionado na alínea s), o mesmo teve o seu início em 16 de Julho de 2013 e foi celebrado pelo prazo de 4 anos, com início em 16 de Julho de 2013 e término em 15 de Julho de 2017; (alínea D) dos factos assentes)
e) O local arrendado destinava-se a comércio; (alínea E) dos factos assentes)
f) A renda mensal estipulada foi de HKD55.000,00, para os dois primeiros anos de contrato e de HKD66.000,00 para o terceiro e quarto anos, devendo ser paga nos primeiros sete dias de cada mês (cláusulas 2ª e 3ª do contrato de arrendamento mencionado na alínea s); (alínea F) dos factos assentes)
g) Através da escritura 29-07-2013, a C, a F e a A constituíram a E有限公司 em 29 de Julho de 2013 com sede nas fracções autónomas “AA1” e “AB1” e com o seguinte objecto social: 美髮美甲、按摩、足浴; (alínea G) dos factos assentes)
h) O registo da constituição da E有限公司foi feito em 30 de Julho de 2013; (alínea H) dos factos assentes)
i) Em 1 de Agosto de 2013, a E有限公司instalou o estabelecimento XXX足浴 (Foot Spa), na Rua de Paris nº 191, Magnificent Court, 1º andar “AB”; (alínea I) dos factos assentes)
j) A E有限公司estabeleceu o 名髮軒 (cabeleireiro) na Rua de Paris nº 191, Magnificent Court, 1º andar “AA” em 1 de Agosto de 2013; (alínea J) dos factos assentes)
k) Ao visitar as instalações as Rés verificaram que as instalações do locado não eram adequadas ao fim a que se destinavam, pelo que nos termos da cláusula 8ª do contrato de arrendamento assinado em 15 de Julho de 2013 mencionados na alínea s), a D autorizou a Ré a realizar obras no interior das fracções “AA1” e “AB1”; (alínea K) dos factos assentes).
l) Antes das obras, as fracções autónomas “AA1” e “AB1” não tinha condições físicas para o desenvolvimento de qualquer actividade porque as portas encontravam-se empenadas, as paredes e tectos mostravam rachas de retracção e as divisórias dos compartimentos apresentavam-se manchadas, com forte cheiro a mofo; (alínea L) dos factos assentes)
m) Sob autorização da D, as Rés realizaram as obras necessárias à conservação e fruição do locado para o fim a que se destina; (alínea M) dos factos assentes)
n) Foram necessárias à conservação do locado, evitar a deterioração do locado e assegurar o seu gozo para o fim a que se destina as obras de revestimento das paredes e climatização, de instalação do sistema de protecção contra incêndio, das instalações eléctricas, telefónicas e digitais, das instalações do sistema de segurança como as instalações de CCTV e fechaduras das portas; (alínea N) dos factos assentes)
o) As obras mencionadas no facto assente n) foram realizadas à custa dos sócios da E有限公司, incluindo a 2ª Ré, por a empresa, à data, ainda não dispor de fundos suficientes para o efeito; (alínea O) dos factos assentes)
p) As obras mencionadas no item n) aumentaram o valor das fracções autónomas “AA1” e “AB1” e da sua capacidade porque:
- O novo revestimento das paredes substituiu o anterior revestimento que se encontrava completamente estragado;
- O novo sistema de climatização instalado substituiu e modernizou o anterior que já não funcionava;
- Foi instalado o sistema de protecção contra incêndio que não existia antes;
- As novas instalações eléctricas colocadas substituíram e modernizaram as anteriores que já não funcionavam;
- Foram acrescentadas instalações telefónicas e digitais que não existiam antes;
- Foi instalado o sistema de segurança, incluindo sistema CCTV que não existia antes;
- Foram substituídas e modernizadas as antigas fechaduras das portas que já não funcionavam;
- Foram substituídas as portas interiores por as antigas não funcionarem nem serem aproveitáveis;
- Foram substituídos os azulejos e louça sanitária das casas de banho por o que lá se encontrava ser inaproveitável dado se encontrar partido, rachado e/ou manchado.
(alínea P) dos factos assentes)
q) As obras mencionadas na alínea n) não podem ser levantadas sem detrimento do locado; (alínea Q) dos factos assentes)
r) O valor das obras mencionadas na alínea n) cifrou-se em cerca de MOP300.OOO,OO. (alínea R) dos factos assentes)
s) Em 15 de Julho de 2013, a anterior proprietária, D, na qualidade de senhoria, deu de arrendamento as fracções “AA1” e “AB1” às Rés, conforme contrato de arrendamento cuja cópia se junta a fls. 23 a 24, e se dá aqui por reproduzido integralmente; (resposta ao quesito nº 1 da base instrutória)
t) As Rés, instalaram, nas fracções “AA1” e “AB1”, uma loja de cosmética e salão de beleza; (resposta ao quesito nº 2 da base instrutória)
u) Após a Autora ter efectuado a compra das fracções autónomas “AA1” e “AB1”, a anterior proprietária ficou encarregue de notificar as Rés da aquisição por banda da Autora das fracções autónomas “AA1” e “AB1”; (resposta ao quesito nº 3 da base instrutória)
v) A anterior proprietária informou as Rés de que a partir do mês de Dezembro de 2013, as rendas devidas deveriam passar a ser depositadas na conta nº 001-350735-101 do HSBC, a qual havia sido indicada pela nova senhoria, ora Autora; (resposta ao quesito nº 4 da base instrutória)
w) As Rés procederam ao pagamento da renda de Março na conta indicada; (resposta ao quesito nº 5 da base instrutória)
x) Em 06.03.2014, as Rés depositaram a renda do mês de Março de 2014, no valor de HKD55.000,00 na conta bancária nº 001-350735-101 do HSBC, da Autora; (resposta ao quesito nº 6 da base instrutória)
y) A partir de Abril de 2014, as Rés deixaram de pagar a respectiva renda; (resposta ao quesito nº 7 da base instrutória)
z) As Rés, assinaram o contrato de arrendamento logo em 15 de Julho de 2013, e o registo da constituição da sociedade E有限公司só ocorreu em 30 de Julho de 2013; (resposta ao quesito nº 10 da base instrutória)
aa) À data de registo da E有限公司, as assinaturas conjuntas das Rés vinculam a E有限公司perante terceiros; (resposta ao quesito nº 11 da base instrutória)
bb) D e as Rés nos artigos 8º do contrato de arrendamento mencionado na alínea s), estipularam que todas as obras que o inquilino fizesse nas fracções arrendadas teriam de obter primeiro a autorização da senhoria e que, aquando da entrega do locado, o inquilino teria de deixar as fracções no mesmo estado que as recebeu. (resposta ao quesito nº 13 da base instrutória).
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IV – FUNDAMENTAÇÃO
Como a Recorrente/2ª Ré veio a impugnar a decisão de facto, incidente sobre as respostas NEGATIVAS dos quesitos 8º a 10º e 12º da BI, importa analisar, em primeiro lugar, esta parte impugnada do recurso.
Antes de mais, importa realçar que, tal conforme deflui do normativo inserto no artigo 629°/1 do CPC, a decisão de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo TSI se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 599° do mesmo diploma, a decisão com base neles proferida.
A reapreciação da matéria de facto por parte do TSI tem um campo muito restrito, limitado, tão só, aos casos em que ocorre flagrantemente uma desconformidade entre a prova produzida e a decisão tomada2.
Com efeito, não se trata de um segundo julgamento até porque as circunstâncias não são as mesmas, nas respectivas instâncias, não bastando que não se concorde com a decisão dada, antes se exige da parte que pretende usar desta faculdade a demonstração da existência de erro na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efectivamente, no caso, foram produzidos.
Assim sendo, para que este TSI possa atender à eventual divergência quanto ao decidido, no Tribunal recorrido, na fixação da matéria de facto, deverá ficar demonstrado pelos meios de prova indicados pelo Recorrente, a ocorrência de um erro na apreciação do seu valor probatório, exigindo-se, contudo e para tanto, que tais elementos de prova sejam inequívocos quanto ao sentido pretendido por quem recorre, pois não podemos ignorar que no processo civil impera o princípio da livre apreciação da prova nos termos do disposto no artigo 558º do CPC.
Defende-se com toda a razão (invocado aqui em nome de Direito Comparado) “ A reanálise das provas gravadas pelo Tribunal do recurso só pode abalar a convicção criada pelo Juiz da 1.ª instância, traduzida nas respostas aos quesitos, e determinar a alteração dessas respostas, em casos pontuais e excepcionais, quando, não se tratando de confissão ou de qualquer facto só susceptível de prova através de documento, se verifique que as respostas dadas não têm qualquer fundamento face aos elementos de prova trazidos ao processo ou estão profundamente desapoiados face às provas recolhidas (...) O objectivo da gravação da prova funciona assim mais como uma válvula de escape para situações pontuais em que seja inaceitável a possibilidade da resposta dada, do que como um meio desejado para reanálise sistemática de toda a prova. Desta forma, só está em perfeitas condições de poder satisfazer a eventual alteração das respostas aos quesitos em situações limite, ou seja, se resultar inequivocamente que a resposta ao quesito não podia ser aquela, mas tinha que ser outra (…)” (cfr. Ac do STJ de 21 de Março de 2003).
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A propósito da impugnação da matéria de facto, o legislador fixa um regime especial, constante do artigo 599º (Ónus do recorrente que impugne a decisão de facto) do CPC, que tem o seguinte teor:
1. Quando impugne a decisão de facto, cabe ao recorrente especificar, sob pena de rejeição do recurso:
a) Quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar as passagens da gravação em que se funda.
3. Na hipótese prevista no número anterior, e sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe à parte contrária indicar, na contra-alegação que apresente, as passagens da gravação que infirmem as conclusões do recorrente.
4. O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 590.º
Ora, a especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem questionar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio delimitam o objecto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto. Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados, bem como a indicação exacta das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de base para a reapreciação do Tribunal de recurso, ainda que a este incumba o poder inquisitório de tomar em consideração toda a prova produzida relevante para tal reapreciação, como decorre hoje, claramente, do preceituado no artigo 629º do CPC.
É, pois, em vista dessa função delimitadora que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação da decisão de facto com a sanção máxima da rejeição imediata do recurso, ou seja, sem possibilidade de suprimento, na parte afectada, nos termos do artigo 599º/2 do CPC.
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No que respeita aos critérios da valoração probatória, nunca é demais sublinhar que se trata de um raciocínio problemático, argumentativamente fundado no húmus da razão prática, a desenvolver mediante análise crítica dos dados de facto veiculados pela actividade instrutória, em regra, por via de inferências indutivas ou analógicas pautadas pelas regras da experiência colhidas da normalidade social, que não pelo mero convencimento íntimo do julgador, não podendo a intuição deixar de passar pelo crivo de uma razoabilidade persuasiva e susceptível de objectivação, o que não exclui, de todo, a interferência de factores de índole intuitiva, compreensíveis ainda que porventura inexprimíveis. Ponto é que a motivação se norteie pelo princípio da completude racional, de forma a esconjurar o arbítrio3.
É, pois, nessa linha que se deve aferir a razoabilidade dos juízos de prova especificamente impugnados, mediante a análise crítica do material probatório constante dos autos, incluindo as gravações ou transcrições dos depoimentos, tendo em conta o respectivo teor, o seu nicho contextual histórico-narrativo, bem como as razões de ciência e a credibilidade dos testemunhos. Só assim se poderá satisfazer o critério da prudente convicção do julgador na apreciação da prova livre, em conformidade com o disposto, designadamente no artigo 390º do CCM, em conjugação com o artigo 558º do CPC, com vista a obter uma decisão que se possa ter por justa e legítima.
Será com base na convicção desse modo formada pelo Tribunal de recurso que se concluirá ou não pelo acerto ou erro da decisão recorrida.
Repita-se, ao Tribunal de recurso não compete reapreciar todas as provas produzidas e analisadas pelo Tribunal a quo, mas só aqueles pontos concretos indicados pelo Recorrente como errados ou omissos!
Os 4 quesitos sob impugnação têm o seguinte teor e receberam todas respostas NEGATIVAS.
8º
Desde o início, a D soube que a F e a A, as Rés, pretendiam explorar salão de beleza e cabeleireiro nas fracções autónomas “AA1” e “AB1”, mediante empresa a constituir logo que concluídas as formalidades?
Não Provado.
9º
As Rés assinaram o contrato de arrendamento mencionado no quesito 1 para a E有限公司 aí pudesse desenvolver a sua actividade através dos estabelecimentos XXX足浴 e XX軒?
Não Provado.
10º
A fim de o XXX足浴 e o XX軒poderem exercer a sua actividade económica o mais cedo possível, a A e a F, as Rés, assinaram o contrato de arrendamento logo em 15 de Julho de 2013, sem esperar pelo registo da constituição da sociedade em 30 de Julho de 2013?
Provado apenas que as Rés, assinaram o contrato de arrendamento logo em 15 de Julho de 2013, e o registo da constituição da sociedade E有限公司só ocorreu em 30 de Julho de 2013.
(…)
12º
Desde da data de início de vigência do contrato de arrendamento mencionado no quesito 1, é a E有限公司quem tem o gozo das fracções autónomas “AA1” e “AB1”?
Não Provado.
O distinto Colectivo fundamentou a sua decisão nos seguintes termos:
“(…)
A convicção do tribunal quanto às respostas dadas à matéria da base instrutória resulta da apreciação crítica da prova apresentada, nomeadamente, dos documentos a fls. 23 e 24 – contrato de arrendamento celebrado entre a anterior proprietária e as Rés, traduzido a fls. 239 a 241 -, fls. 25 – acordo celebrado entre a anterior proprietária e a Autora no sentido de como procediam à divisão da renda de Novembro -, fls. 26 - extracto da conta bancária onde a renda havia de ser paga e de onde resulta ter sido feito um depósito em 06.03.2014 no valor de HKD55.000,00 o qual corresponde ao valor da renda -, fls. 84 a 105 – certidão do registo comercial e declaração de início de actividade relativa à sociedade E有限公司 -, bem como, nos depoimentos das testemunhas G, H e I, todos funcionários da Autora e do grupo de empresas de que a Autora faz parte, relacionadas com a área financeira e de contabilidade, e nessa qualidade sabem da compra das fracções e que estavam arrendadas tendo ficado a cargo da anterior proprietária avisar os inquilinos de que haviam sido vendidas e de onde haviam de pagar a renda, sendo que, a primeira testemunha refere ainda que as rendas de Novembro de 2013 a Fevereiro de 2014 estavam por pagar e as Rés foram fazer o pagamento à Autora do valor devido no escritório do Advogado constituído pela Autora para o efeito, vindo depois em Março a depositar a renda na conta bancária indicada pela Autora e que por não ter ainda uma sua na RAEM é uma conta que pertence a outra empresa do grupo. (sublinhado nosso) A quarta testemunha ouvida C veio a ser uma das sócias da sociedade E有限公司 a qual ainda não estava constituída aquando do arrendamento das fracções, sendo que, esta testemunha e as Rés queriam começar a exercer a sua actividade rapidamente pelo que não aguardaram pela constituição da sociedade para arrendarem o locado nem para começarem a trabalhar. Mais tarde vieram a constituir a sociedade que visava exercer a mesma actividade e que começou por ser constituída por estas três pessoas. Contudo, nunca houve qualquer trespasse do estabelecimento das Rés para a sociedade nem a cedência a título algum da posição de arrendatárias não tendo convencido que hajam comunicado à Autora nem à anterior proprietária a mudança de arrendatário. (sublinhado nosso)
Sem prejuízo das Rés terem autorizado que a sociedade ali também tivesse a sua sede como parece resultar de fls. 104 e 105, não se convenceu o tribunal que seja a sociedade e não as Rés a usufruir e a ocupar o locado, até porque, o contrato de arrendamento se mantém em nome das Rés e não foi produzida prova alguma de que as Rés ali não exercem actividade e de que é a dita sociedade a fazê-lo. (sublinhado nosso)
(…)
Com base nestes elementos entendeu o tribunal responder à matéria da base instrutória nos termos indicados.”
Com esta matéria alegada a Recorrente/2ª Ré pretende empurrar toda a responsabilidade contratual para tal sociedade, alegando que foi aquela sociedade é que usufruiu do locado, mas improcede toda esta argumentação, visto que:
1) – O contrato de arrendamento de fls. 23 e 24 mencionou expressamente como arrendatários a 2ª Ré e a F (Ré revel). Não se verifica nenhuma referência a terceiro, pois não estamos perante um acordo a favor de terceiro.
2) – Como o locado é para fim comercial, certamente alguma actividade comercial era desenvolvida no locado, desde que o comércio seja legal e coberto pelo contrato de arrendamento;
3) – Quem procedia ao pagamento das rendas eram sempre as Rés até ao momento em que deixaram de cumprir o seu compromisso;
4) – O que se discute nestes autos é a responsabilidade contratual, ou seja, a responsabilidade decorrente de um contrato de arrendamento, é irrelevante saber que quem utilizou efectivamente o locado, desde que este fosse e foi entregue às arrendatárias e estas começaram a administrá-lo nos termos acordados. Diz bem o distinto Colectivo: “(…) o contrato de arrendamento se mantém em nome das Rés e não foi produzida prova alguma de que as Rés ali não exercem actividade e de que é a dita sociedade a fazê-lo. (sublinhado nosso)”.
5) – Até, pode conduzir-se à situação de contra factum proprium se proceder a argumentação da Recorrente/2ª Ré, uma vez que, ela sabendo que estava vinculada a um contrato de arrendamento, “deixou” o gozo do locado a um terceiro sem consentimento expresso da senhoria.
6) – Nestes termos, em rigor, a matéria alegada aqui em discussão é inócua para resolver as questões suscitadas perante o Tribunal, porque está em causa uma responsabilidade contratual! E, os factos têm de ser apreciados no seu conjunto tendo em conta o pedido formulado pela Autora!
Pelo que, não verificamos algum erro cometido pelo distinto Colectivo na apreciação das provas ligadas aos factos constantes dos quesitos acima transcritos, razão pela qual deve ser julgado improcedente a impugnação da matéria de facto em causa.
*
Como o recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, importa ver o que o Tribunal a quo decidiu. Este afirmou na sua douta decisão:
B Limited, com sede em xxx, British Virgin Islands,
vem instaurar acção especial de despejo contra,
F, casada, de nacionalidade chinesa e residente em Macau, na xxx, e
A, divorciada, de nacionalidade chinesa e residente em Macau, naxxx.
Alega a Autora ser a dona e legítima proprietária das fracções a que se reportam os autos as quais haviam sido arrendadas pela anterior proprietária às Rés, contudo, pese embora hajam pago a renda de Março de 2014, a partir de Abril de 2014 as Rés deixaram de pagar as rendas à Autora estando em dívida HKD1.683.000,00, valor esse que não foi pago apesar de interpeladas para o efeito.
Pelo que, vem pedir que:
a) Seja decretada a cessação por resolução do contrato de arrendamento com fundamento na falta de pagamento das rendas;
b) Seja decretado o despejo imediato dos locais arrendados, por forma que os mesmos sejam entregues à Autora, completamente livres e devolutos de pessoas e bens; e
c) Serem as Rés condenadas a pagar à Autora, as rendas vencidas de Abril a Dezembro de 2014; Janeiro a Dezembro de 2015; e Janeiro a Julho de 2016, no montante de MOP1.733.490,00 correspondentes às rendas em atraso e respectivos juros de mora calculados a data do seu vencimento até à data do efectivo e integral pagamento;
d) Serem as Rés condenadas a pagar à Autora o reembolso do valor pago a título de honorários ao seu advogado no montante de cinquenta mil patacas.
Citadas as Rés para querendo contestarem veio a 2ª Ré fazê-lo defendendo-se por excepção invocando a sua ilegitimidade substantiva uma vez que o arrendamento foi feito para a sociedade que indica a qual é a dona do estabelecimento que está instalado nas lojas para a qual as Rés cederam a sua posição contratual e por impugnação deduzindo Reconvenção onde invocam que o local não tinha condições para o exercício de qualquer actividade pelo que tiveram que fazer as obras que descrevem as quais aumentaram o valor locativo do imóvel, não podendo ser removidas sem detrimento do locado pelo que, têm as Rés enquanto sócias da sociedade indicada direito a receber o que se vier a apurar em execução de sentença, bem como, o direito de retenção sobre o locado pelo crédito das benfeitorias que impede a resolução do contrato de arrendamento.
Concluindo, pede a 2ª Ré que:
a) Seja absolvida do pedido por não ser o verdadeiro arrendatário do contrato de arrendamento, com as demais consequências legais;
subsidiariamente,
b) Se considerado procedente e provado o pedido reconvencional e, por conseguinte, ser a Autora condenada no pagamento do valor exacto for liquidado em execução da sentença, a título de benfeitorias necessárias ou úteis, acrescida dos juros vencidos e vincendos desde a sua notificação até integral pagamento;
c) Ser declarado o direito de retenção da Ré sobre o locado até à data da entrega das respectivas chaves em 01.11.2017 e,
d) Seja a Ré absolvida do pedido por a Autora não ter o direito de resolver o contrato de arrendamento enquanto não houver restituído o valor das benfeitorias realizadas no locado.
Foi proferido despacho saneador, tendo a Ré sido absolvida do pedido de pagamento de honorários, admitida reconvenção e seleccionada a matéria de facto assente e a base instrutória.
Procedeu-se a julgamento com observância do formalismo legal mantendo-se a validade da instância.
A primeira questão a decidir consiste em saber se as Rés arrendaram as fracções autónomas objecto destes autos para si ou para a sociedade que as Rés indicam e neste caso da legitimidade substantiva destas, ou se assim não for, impõe-se apurar se as Rés não pagaram a renda devida pelo arrendamento das fracções autónomas objecto destes autos e se essa omissão é fundamento para a resolução do contrato de arrendamento por banda da Autora, se são devidas as rendas em falta e qual o valor, bem como, em sede de reconvenção cabe saber se as Rés procederam à realização de benfeitorias no locado, qual o valor, se têm o direito a ser pagas das mesmas e se gozam do direito de retenção sobre o locado.
Da instrução e discussão da causa apurou-se que:
(…)
Cumpre assim apreciar e decidir.
Nos termos do artº 969º do C.Civ. diz-se locação o «contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar a outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição.».
Tratando-se a locação de bens imóveis diz-se arrendamento.
No caso em apreço a anterior proprietária do imóvel cedeu o gozo das fracções autónomas a que respeitam estes autos às Rés nos termos e condições indicadas nas alíneas s) e z).
Alega a 2ª Ré contestante que o arrendamento foi feito para uma sociedade que indica e da qual as Rés são sócias.
Porém, o que resulta do contrato é que foram as Rés quem arrendou as fracções autónomas a que se reportam estes autos – cf. als. s) e t) -.
Como resulta da al. z) dos factos assentes aquando da celebração do contrato de arrendamento a indicada sociedade ainda não havia sido constituída.
Não tendo o contrato de arrendamento sido feito a favor de terceiros, não existindo nem tendo personalidade jurídica a sociedade aquando da celebração do contrato de arrendamento, não se confundido a personalidade jurídica dos sócios com a da sociedade e nem tendo havido transmissão alguma da posição de arrendatário das Rés para a sociedade, a alegação da 2ª Ré de que a sociedade é que é a arrendatária apenas pode improceder por falta de fundamento legal.
Tendo o arrendamento sido celebrado entre a proprietária ao tempo e as aqui Rés, dúvidas não há de que são estas as arrendatárias.
Demonstrado que entre a anterior proprietária, cuja posição se transmitiu para a Autora e as Rés foi celebrado um contrato de arrendamento relativamente às fracções objecto destes autos – artº 970º do C.Civ. -, nos termos do artº 983º al. a) do C.Civ é obrigação do locatário, aqui Rés, proceder ao pagamento da renda.
Da prova produzida igualmente resulta demonstrado que as Rés não procederam ao pagamento das rendas desde Abril de 2014.
Pelo que, se impõe concluir que as Rés não cumpriram uma das obrigações a que estavam obrigadas, estando em mora.
De acordo com o disposto no nº 1 do artº 996º do C.Civ., constituindo-se o locatário em mora, o locador tem o direito de exigir, além das rendas ou alugueres em atraso, uma indemnização igual a metade do montante que for devido, salvo se o contrato for resolvido com base na falta de pagamento. Se o atraso exceder 30 dias a indemnização referida é aumentada para o dobro, ou seja, a indemnização passa a ser igual ao valor da renda devida.
No caso em apreço a Autora vem pedir resolução do contrato com base na falta de pagamento de rendas.
De acordo com disposto no artº 1034º al. a) do C.Civ. o senhorio pode resolver o contrato de arrendamento se o inquilino não pagar a renda no tempo.
Destarte, impõe-se julgar procedente o pedido da Autora quanto à resolução do contrato.
Mais pede a Autora a condenação das Rés a pagarem as rendas vencidas de Abril de 2014 a Julho de 2016 no montante de MOP1.733.490,00.
A renda estipulada no contrato era de HKD55.000,00 nos dois primeiros anos e de HKD66.000,00 nos terceiro e quarto anos, pelo que, tendo o contrato sido celebrado em 16.07.2013, o valor das rendas devidas de Abril de 2014 a Junho de 2015 é de HKD825.000,00 (15 x 55.000) e Julho de 2015 a Julho de 2016 de HKD858.000,00 (13 x 66.000), no valor global de HKD1.683.000,00, equivalentes a MOP1.733.490,00 - cf. als. d) e f) da factualidade assente -.
Devendo assim proceder também o pedido de condenação das Rés no pagamento das rendas vencidas.
Quanto ao pedido de despejo tendo a coisa já sido entregue à Autora o mesmo extinguiu-se por inutilidade superveniente.
Da Reconvenção.
Em sede de reconvenção pede a 2ª Ré que a Autora seja condenada no pagamento das benfeitorias realizadas e ser declarado o direito de retenção da Ré sobre o locado até à data da entrega das respectivas chaves em 01.11.2017.
Das benfeitorias.
De acordo com o disposto no nº 2 do artº 208º do C.Civ. as benfeitorias podem ser necessárias, uteis ou voluptuárias.
O nº 3 do mesmo artigo do C.Civ. diz que:« 3. São benfeitorias necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa; úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor; voluptuárias as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante.».
De acordo com o regime dos artº 1198º e artº 1200º “ex vi” artº 1028º todos do C.Civ., no que concerne às benfeitorias necessárias e uteis realizadas o locatário poderá levantá-las sem detrimento da coisa, ou ser indemnizado segundo as regras do enriquecimento sem causa, se estas não poderem ser levantadas sem detrimento da coisa.
O que resulta da al. q) dos factos assentes é que as benfeitorias não podem ser levantadas sem detrimento do locado.
O valor das obras realizadas foi igual a MOP300.000,00.
Nos termos do artº 473º do C.Civ. a obrigação de restituir compreende tudo o que se tenha recebido à custa do empobrecido ou o valor correspondente, o que neste casso deveria corresponder à valorização das fracções em função das benfeitorias realizadas, valor que não se apurou.
Contudo, sabemos quanto custou a realização das benfeitorias que à míngua de contestação corresponde ao valor em que as Rés ficaram empobrecidas, pelo que, lhes assiste o direito a serem indemnizadas deste valor, de acordo com nº 2 do artº 1198º do C.Civ..
Do Direito de retenção.
Segundo o disposto no artº 744º do C.Civ. «O devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados.».
Sobre a retenção de coisas imóveis rege o artº 749º do C.Civ., sendo que o mesmo se extingue pela entrega da coisa segundo o artº 751º do C.Civ..
Ora, o pedido de reconhecimento do direito de retenção é feito até à data da entrega das respectivas chaves em 01.11.2017.
Tendo a coisa já sido entregue, inútil se torna apreciar o pedido, uma vez que, ainda que o direito tivesse existido o mesmo já se tinha extinguido.
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julga-se a acção procedente porque provada e em consequência declarando-se resolvido o contrato de arrendamento objecto destes autos condenam-se as Rés a pagarem à Autora a quantia de MOP1.733.490,00 a título de rendas vencidas e não pagas até Julho de 2016.
Mais se julga parcialmente procedente e provada a Reconvenção condenando-se a Autora a pagar às Rés a quantia de MOP300.000,00 a título de benfeitorias, absolvendo-se a Autora dos restantes pedidos.
Custas a cargo da Rés quanto aos pedidos da Autora de resolução do contrato, despejo e pagamento de rendas e a cargo da Autora na proporção de 4/5 e a cargo da 2ª Ré na proporção de 1/5 quanto à Reconvenção.
Registe e Notifique.
Macau, 17 de Janeiro de 2020
Quid Juris?
Ora, como a matéria de facto dada como assente pelo Tribunal a quo nãio foi alterada, inxiste razão bastante para modificar a decisão de direito.
Nesta óptica, é do nosso entendimento que a argumentação produzida pelo MMo. Juíz do Tribunal a quo continua a ser válida, a qual não foi contrariada mediante elementos probatórios concretos, trazidos por quem tem o ónus de prova, razão pela qual, ao abrigo do disposto no artigo 631º/5 do CPC, é de manter a decisão recorrida.
Nega-se, deste modo, provimento ao recurso interposto pela Recorrente/2ª Ré.
*
Síntese conclusiva:
I – A acção de despejo, que visa resolver todos os problemas ligados ao contrato de arrendamento, é uma acção para efectivar responsabilidade contratual e como tal têm legitimidade processual activa e passiva os seus pactuantes.
II – Provando-se que as Rés chegaram a pagar as rendas nos termos contratualmente fixados e a desenvolver actividade comercial no locado, são, por força do princípio pacta sunt servadnda (artigo 400º do CCM), elas responsáveis pelo cumprimento das obrigações decorrentes do contrato, sendo irrelevante discutir quem é que usufruiu efectivamente da utilidade proporcionada pelo locado.
*
Tudo visto e analisado, resta decidir.
* * *
V ‒ DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em negar provimento ao presente recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
*
Custas pela Recorrente.
*
Registe e Notifique.
*
RAEM, 30 de Setembro de 2020.
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
Tong Hio Fong
1 MOP$1.733.490,00 - MOP169.950,00 = MOP1.563.540,00.
2 Defende-se a ideia semelhante: Ac do STJ de 21 de Janeiro de 2003, in www.dgsi.pt.
3 Sobre o princípio da completude da motivação da decisão judicial ditado, pela necessidade da justificação cabal das razões em que se funda, com função legitimadora do poder judicial, vide acórdão do STJ, de 17-01-2012, relatado pelo Exm.º Juiz Cons. Gabriel Catarino, no processo n.º 1876/06.3TBGDM.P1 .S1, disponível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj
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2020-668-arrendamento-renda-dívida 28