Processo n.º 1058/2019
(Autos de recurso contencioso)
Data: 30/Setembro/2020
Recorrente:
- A
Entidade recorrida:
- Secretário para a Economia e Finanças
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
A, com sinais nos autos, notificado do despacho do Exm.º Secretário para a Economia e Finanças que indeferiu o seu pedido de renovação de autorização de residência temporária, dele não se conformando, interpôs o presente recurso contencioso de anulação de acto, formulando na petição de recurso as seguintes conclusões:
“a. A Autorização de Residência Temporária concedida ao Recorrente teve por base a constituição e funcionamento de uma sociedade, validamente constituída ao abrigo das leis de Macau, com a denominação na sociedade comercial “LABORATÓRIO FARMACÊUTICO B (MACAU), LIMITADA”.
b. A Autorização de Residência Temporária foi concedida em 2011, com validade de 3 anos.
c. O processo de renovação da Autorização de Residência do Recorrente iniciou-se em 14 de Novembro de 2013 e foi concluído em 17 de Setembro de 2019.
d. Em 17 de Setembro de 2019, o Recorrente foi notificado do indeferimento da sua autorização de residência, com base nos seguintes argumentos:
e. Redução da sua participação, de 74% para 52%, na sociedade comercial “LABORATÓRIO FARMACÊUTICO B (MACAU), LIMITADA”; e
f. Caducidade da Licença de Produção da Indústria Farmacêutica da Sociedade, em 12 de Novembro de 2016, o que, segundo o IPIM, demonstra que a fábrica operada pela sociedade comercial “LABORATÓRIO FARMACÊUTICO B (MACAU), LIMITADA” não se encontra em funcionamento.
g. Os motivos apontados não correspondem à verdade dos factos, pelo que não podem proceder.
h. No pedido inicial de Autorização de Residência com fundamento em investimento relevante, o ora Recorrente detinha indirectamente 74% das quotas da sociedade comercial “LABORATÓRIO FARMACÊUTICO B (MACAU), LIMITADA”: 48% C (Hong Kong) Investment Limited, uma sociedade unipessoal por si detida, e 26% através da sociedade também por si totalmente detida, D Pharmaceutical Company Limited.
i. Posteriormente à concessão inicial de Autorização de Residência Temporária, o Recorrente, apesar de se ter mantido como administrador único e como sócio maioritário, reduziu a sua participação na sociedade comercial “LABORATÓRIO FARMACÊUTICO B (MACAU), LIMITADA” de 74% para 52%,
j. Passando a deter a título individual e directo, 26%.
k. Durante todo o período em que durou o processo de Autorização e renovação da Autorização de Residência Temporária do Recorrente, várias intempéries e remodelações levaram a que fosse despendido muito capital, para fazer face à actualização necessária que a fábrica necessita – por forma a corresponder a padrões de qualidade aceites em Macau e no exterior – bem como a obras que foram necessárias face aos danos provocados pelos tufões que foram assolando Macau.
l. A título de exemplo, no ano de 2017, os danos sofridos pela fábrica em consequência das intempéries meteorológicas levaram a que tivessem que ser feitas obras de reparação orçamentadas em MOP21.834.678,51.
m. Do referido montante, apenas uma pequena parte foi coberta pelas apólices de seguro tituladas pela sociedade.
n. Tal levou a que a sociedade necessitasse de financiamento através de novos investidores, pelo que houve necessidade de diversificar o leque de sócios, o que levou a que percentagem da participação do Recorrente fosse reduzida, mantendo-se, no entanto, como sócio maioritário e com total controlo da sociedade comercial “LABORATÓRIO FARMACÊUTICO B (MACAU), LIMITADA” através do exercício único da administração da referida sociedade.
o. Não obstante a redução da percentagem do Recorrente, como se poderá confirmar na informação contabilística constante do processo administrativo, a quota detida pelo ora Recorrente inicialmente (de 74%) viu o seu valor consideravelmente aumentado porquanto os lucros e valor da sociedade comercial “LABORATÓRIO FARMACÊUTICO B (MACAU), LIMITADA” aumentou com todos os melhoramentos e actualizações resultantes das obras realizadas.
p. Ora, embora em percentagem a quota do Recorrente seja actualmente menor, a sua participação de 56% vale actualmente mais do que valia a sua participação inicial de 74%.
q. A este propósito, o Relatório do Comissariado Contra a Corrupção publicado em 2 de Julho de 2018 (“Relatório de Investigação sobre a apreciação, pelo IPIM, dos pedidos de “imigração por investimentos relevantes” e de “imigração por fixação de residência dos técnicos especializados”) é claro ao afirmar que “Em relação à expressão “investimento relevante”, tal significa que a área de investimento deve ser considerada relativamente importante, ou que o valor do investimento seja relativamente significativo.”
Por outro lado,
r. O processo de renovação de Autorização de Residência Temporária do ora Recorrente iniciou-se há cerca de 7 anos.
s. Como é bem de ver, em 7 anos, a grande maioria dos documentos caducam.
t. No entanto, e sem qualquer pudor, o IPIM durante os 7 longos anos desde o início do processo, foi pedindo – telefonicamente sempre – documentos e mais documentos actualizados ao Recorrente, que sempre os submeteu a tempo e horas.
u. Não obstante, entendeu o IPIM que a falta de junção ao processo administrativo das Licenças de Produção da Indústria Farmacêutica “actualizadas” era facto demonstrativo da não manutenção e funcionamento da fábrica da sociedade comercial “LABORATÓRIO FARMACÊUTICO B (MACAU), LIMITADA”.
v. E, consequentemente, fundamento de base à Autorização de Residência atribuída inicialmente, podendo prejudicar o respectivo pedido de renovação.
w. Ora, conforme documentos juntos ao presente recurso, a sociedade comercial “LABORATÓRIO FARMACÊUTICO B (MACAU), LIMITADA” sempre teve actualizadas as Licenças necessárias para o bom funcionamento da sua fábrica, pelo que também neste ponto não assiste razão ao IPIM.
x. De acordo com o disposto no artigo 1º do Regulamento Administrativo 3/2005, pode requerer autorização de residência temporária em Macau quem seja titular de investimentos que sejam considerados relevantes para a Região Administrativa Especial de Macau – foi nesta esteira que foi aprovado o pedido de autorização de fixação de residência temporária do Recorrente.
y. Ora, se considerou o IPIM que a actividade exercida pela sociedade comercial “LABORATÓRIO FARMACÊUTICO B (MACAU), LIMITADA” correspondeu, na altura da concessão inicial da autorização de residência, aos critérios exigidos pelo Regulamento referido e, como exposto e comprovado, não há nem houve uma redução das actividades da Sociedade, uma vez que estas consistem justamente no desenvolvimento de actividades noutras sociedades ou empresas.
z. Não pode proceder o entendimento de que a situação não é favorável à autorização anteriormente concedida, porquanto a Sociedade continua a funcionar e a desenvolver a sua actividade nos mesmos moldes em que o fazia à data da aprovação da autorização de residência.
aa. De acordo com o disposto no artigo 18º do Regulamento Administrativo 3/2005, “os requerentes devem assegurar, durante todo o período de residência temporária autorizada, a manutenção da situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão dessa autorização”, bem como do artigo 19º do mesmo Regulamento, que dispõe que se os requerentes mantiverem os pressupostos que fundamentaram o deferimento do pedido inicial, podem requerer a renovação das autorizações de residência temporária.
bb. Ora, a única alteração aos pressupostos foi a redução das quotas detidas pelo Recorrente, embora os valores do investimento tenham aumentado, conforme se conclui pela análise dos documentos contabilísticos constantes do processo administrativo, e que foram ignorados pelo IPIM.
cc. Consta do Despacho ora em crise que a não renovação da Licença de Produção da Indústria Farmacêutica da sociedade comercial “LABORATÓRIO FARMACÊUTICO B (MACAU), LIMITADA” imediatamente após 12 de Novembro de 2016, juntamente com as restantes informações prestadas pelos Serviços de Saúde, é absolutamente demonstrativo da inactividade da fábrica onde é desenvolvida a actividade da Sociedade.
dd. Ora, a visita feita à fábrica que deu origem ao Ofício do IPIM ocorreu em 19 de Julho de 2016 e nessa data encontrava-se a fábrica com reparações profundas das suas instalações e equipamentos, pelo que não se encontrava “a produzir”.
ee. Mais ainda, com o fim de atingir aos critérios para certificação internacional e exportação dos medicamentos, o Recorrente preparou e apresentou os requerimentos e os planos das obras de aperfeiçoamento ao DSSOPT desde 2016.
ff. Durante o processo de aprovação dos projectos de obras e melhoramentos na DSSOPT, Macau foi atingido pelo Tufão Hato, que provocou graves danos na maioria dos equipamentos da fábrica.
gg. Pelo que a fábrica necessitou de parar a sua produção até conseguir recuperar as suas máquinas e reparar todos os danos provocados por tal intempérie.
hh. O Recorrente foi titular do Bilhete de Identidade de Residente Permanente com o número XXX, emitido em 25 de Maio de 2011.
ii. A autorização de residência temporária que deu origem a tal Bilhete de Identidade viu a sua validade prorrogada por uma Gabinete Jurídico e de Fixação de Residência do IPIM, que dispunha que:
Em português: “A, titular do Bilhete de Identidade de Residente Não Permanente Nº XXX, emitido pelo D.S.I. de Macau em 25-05-2011, requereu e, 14-11-2013, junto deste Instituto, o renovação da autorização temporária, ao abrigo do Regulamento Administrativo nº 3/2005, de 4 de Abril, encontrando-se o respectivo pedido em fase de apreciação e considerando-se válida a autorização acima referida até à conclusão do procedimento de apreciação. Gostaria que os respectivos organismos prestem a respectiva coordenação.”
E, em Chinês: “A 持有由澳門身份證明局發出之非永久性居民身份證XXX,發出日期25-05-2011,於14-11-2013根據四月四日第3/2005號行政法規之規定向本局申請續期臨時居留許可,該續期申請現正審核中,審核期間,上述臨時居留許可仍被視為有效,直至審核程序完成為止,盼各有關機構給予相關配合。”
jj. É clara a Declaração ao afirmar, nos dois idiomas oficias, que a autorização de residência se considera “válida”, pelo que dúvidas não poderão restar quanto a esta expressão e quanto à validade da Declaração.
kk. Assim, por ter residido em Macau validamente desde 25 de Maio de 2011, deverá ser concedido ao Recorrente o Estatuto de Residente Permanente, nos termos e para os efeitos do artigo 1º Lei 8/1999.
ll. O Despacho ora em crise padece de vício de falta de fundamentação, porquanto viola as disposições conjugadas dos artigos 114º, 115º, 122º e 124º, todos do CPA.
mm. Nos termos dos artigos 114º e 115º do Código do Procedimento Administrativo, a Administração deve fundamentar os seus actos administrativos através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
nn. Não fundamenta o IPIM em momento algum porque é que a redução da participação motiva o indeferimento e, acaso assim fosse, qual a percentagem que deveria ser adquirida pelo ora Recorrente para que o investimento continuasse a ser considerado relevante – visto que o Recorrente continua a ser administrador e sócio maioritário da sociedade comercial,
oo. Pelo que deverá ser declarada a anulabilidade do acto administrativo ora em crise, com base na falta de fundamentação do mesmo e consequente falta de um elemento essencial, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 114º, 115º, 122º e 124º, todos do CPA.
pp. A decisão ora em crise encontra-se viciada por uma inadjectável desrazoabilidade no uso dos poderes discricionários, porquanto viola os critérios de apreciação enumerados no artigo 7º do Regulamento Administrativo 3/2005, configurando um uso abusivo dos poderes concedidos por Lei à Administração.
qq. 貿促局在第2243/2006/01R號建議書的第7.1條分析當中“申請人於提出首次臨時居留許可申請時”的表述存有錯誤。
Nestes termos, e nos melhores de Direito, que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser admitido e, a final, ser julgado procedente, por provado, com base nos vícios invocados, anulando-se a decisão in totum, fazendo-se, deste modo, a costumada justiça.”
*
Regularmente citada, apresentou a entidade recorrida contestação, tendo formulado as seguintes conclusões:
“I. O recorrente efectua uma ilegal cumulação de pedidos.
II. O procedimento administrativo que conduziu ao acto impugnado tinha como único objectivo a apreciação discricionária do requerimento de renovação da autorização de residência, pelo que não era esse procedimento idóneo para resultar numa ordem ao IPIM para certificar que o recorrente residia em Macau há mais de 7 anos (CPAC, art. 24, n.º 1, al. a).
III. O recorrente não substancia, como lhe cabia fazer, várias das suas arguições.
IV. O recorrente confessa que reduziu a sua participação indirecta no Laboratório FARMACÊUTICO B (Macau) Lda, um dos pressupostos de facto do acto recorrido.
V. O recorrente não consegue contrariar de forma convincente a prova da cessação da actividade do Laboratório FARMACÊUTICO B (Macau) Lda, que foi o outro fundamento de facto do acto impugnado.
VI. Nomeadamente, o recorrente não conseguiu provar que tivesse autorização de laboração, concedida pelos Serviços de Saúde, à data do acto impugnado.
VII. A inspecção feita às instalações fabris pelos Serviços de Saúde em 19.07.2017 encontrou um local abandonado.
VIII. A existência de autorização de residência durante 7 anos não é suficiente para a aquisição do estatuto de residente permanente, sendo ainda necessária a comprovada residência habitual durante esse período de tempo.
IX. Durante vários anos, a autorização de residência do recorrente era meramente provisória.
X. O acto recorrido está devidamente fundamentado, e depreende-se da contestação que o recorrente o entendeu perfeitamente.
XI. O conteúdo do relatório do CCAC citado pelo recorrente é irrelevante para os presentes autos.
XII. O acto impugnado nos presentes autos não é comparável ao acto administrativo sobre o qual se pronunciou o acórdão do TSI de 22.09.2016 (proc. 985/2015).
XIII. A fundamentação não é, em todo o caso, um elemento essencial do acto administrativo.
XIV. O recorrente não explica que elemento essencial está em falta.
XV. Não existe na doutrina administrativista qualquer vício do acto que seja designado abuso de poder, e o recorrente não explica o que quer dizer com tal arguição.
XVI. O recorrente também não explica em que consistiu a alegada má-fé da Administração.
XVII. A violação do princípio da boa-fé só é sindicável, em recurso contencioso, em caso de total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários.
XVIII. O recorrente não substancia a arguição de total desrazoabilidade, e a mesma também não resulta do exame do procedimento administrativo.
Por todas estas razões, entendemos que terá de ser negado provimento ao presente recurso contencioso.”
*
Oportunamente, apresentou o recorrente alegações facultativas, tendo formulado as seguintes conclusões:
“A. A Autorização de Residência Temporária concedida ao Recorrente teve por base a constituição e funcionamento de uma sociedade, validamente constituída ao abriga das leis de Macau, com a denominação na sociedade comercial “LABORATÓRIO FARMACÊUTICO B (MACAU), LIMITADA”.
B. A Autorização de Residência Temporária foi concedida em 2011, com validade de 3 anos.
C. O processo de renovação da Autorização de Residência do Recorrente iniciou-se em 14 de Novembro de 2013 e foi concluído em 17 de Setembro de 2019, com a notificação do indeferimento da sua autorização de residência, com base nos seguintes argumentos:
(i) Redução da participação do Recorrente, de 74% para 52%, na sociedade comercial “LABORATÓRIO FARMACÊUTICO B (MACAU), LIMITADA”; e
(ii) Caducidade da Licença de Produção da Indústria Farmacêutica da Sociedade, em 12 de Novembro de 2016, o que, segundo o IPIM, demonstra que a fábrica operada pela sociedade comercial “LABORATÓRIO FARMACÊUTICO B (MACAU), LIMITADA” não se encontra em funcionamento.
D. Os motivos apontados, salvo o devido respeito, não correspondem à verdade dos factos, pelo que não podem proceder.
E. No pedido inicial de Autorização de Residência com fundamento em investimento relevante, o ora Recorrente detinha indirectamente 74% das quotas da sociedade comercial “LABORATÓRIO FARMACÊUTICO B (MACAU), LIMITADA”: 48% C (Hong Kong) Investment Limited, uma sociedade unipessoal por si detida, e 26% através da sociedade também por si totalmente detida, D Pharmaceutical Company Limited.
F. Posteriormente o Recorrente, apesar de se ter mantido como administrador único e como sócio maioritário, reduziu a sua participação na sociedade comercial “LABORATÓRIO FARMACÊUTICO B (MACAU), LIMITADA” de 74% para 52%, passando a deter, a título individual e directo, 26%.
G. Durante todo o período de que durou o processo de Autorização e renovação da Autorização de Residência Temporária do Recorrente, várias intempéries e remodelações levaram a que fosse despendido muito capital, para fazer face à actualização necessária que a fábrica necessita – por forma a corresponder a padrões de qualidade aceites em Macau e no exterior – bem como as obras que foram necessárias face aos danos provocados pelos tufões que foram assolando Macau.
H. A título de exemplo, no ano de 2017, os danos sofridos pela fábrica em consequência das intempéries meteorológicas levaram a que tivessem que ser feitas obras de reparação orçamentadas em MOP21.834.678,51 – apenas uma pequena parte do referido montante foi suportado pelas apólices de seguro em vigor.
I. Tais vicissitudes levaram a que a sociedade necessitasse de se financiar através de novos investidores, o que levou a que percentagem da participação do Recorrente fosse reduzida, mantendo-se, no entanto, como sócio maioritário e com total controlo da sociedade comercial “LABORATÓRIO FARMACÊUTICO B (MACAU), LIMITADA” através do exercício único da administração.
J. Não obstante a redução da percentagem do Recorrente, como se poderá confirmar na informação contabilística constante do processo administrativo, a quota detida pelo ora Recorrente inicialmente (de 74%) viu o seu valor consideravelmente aumentado porquanto os lucros e valor da sociedade comercial “LABORATÓRIO FARMACÊUTICO B (MACAU), LIMITADA” aumentaram com todos os melhoramentos e actualizações resultantes das obras realizadas.
K. Ora, embora em percentagem a quota do Recorrente seja actualmente menor, a sua participação de 56% vale actualmente mais do que valia a sua participação inicial de 74%.
L. Veja-se, neste sede, a informação contida no Relatório do Comissariado Contra a Corrupção publicado em 2 de Julho de 2018 (“Relatório de Investigação sobre a apreciação, pelo IPIM, dos pedidos de “imigração por investimentos relevantes” e de “imigração por fixação de residência dos técnicos especializados”): “Em relação à expressão “investimento relevante”, tal significa que a área de investimento deve ser considerada relativamente importante, ou que o valor do investimento seja relativamente significativo.”
M. Acresce que o processo de renovação de Autorização de Residência Temporária do ora Recorrente iniciou-se há cerca de 7 anos.
N. Como é bem de ver, em 7 anos, a grande maioria dos documentos caducam.
O. No entanto, e sem qualquer pudor, o IPIM durante os 7 longos anos desde o início do processo, foi pedindo – telefonicamente sempre – documentos e mais documentos actualizados ao Recorrente, que sempre os submeteu a tempo e horas.
P. Não obstante, entendeu o IPIM que a falta de junção ao processo administrativo das Licenças de Produção da Indústria Farmacêutica “actualizadas”, sem que tivesse o Recorrente sido notificado para tal junção, ora facto demonstrativo da não manutenção e funcionamento da fábrica da sociedade comercial “LABORATÓRIO FARMACÊUTICO B (MACAU), LIMITADA”.
Q. E, consequentemente, fundamento de base à Autorização de Residência atribuída inicialmente, podendo prejudicar o respectivo pedido de renovação.
R. Conforme documentos juntos ao presente autos, a sociedade comercial “LABORATÓRIO FARMACÊUTICO B (MACAU), LIMITADA” sempre teve actualizadas as Licenças necessárias para o bom funcionamento da sua fábrica, pelo que também neste ponto não assiste razão ao IPIM.
S. De acordo com o disposto no artigo 1º do Regulamento Administrativo 3/2005, pode requerer autorização de residência temporária em Macau quem seja titular de investimentos que sejam considerados relevantes para Macau – foi nesta esteira que foi aprovado o pedido de autorização de fixação de residência temporária do Recorrente.
T. Ora, se considerou o IPIM que a actividade exercida pela sociedade comercial “LABORATÓRIO FARMACÊUTICO B (MACAU), LIMITADA” correspondeu, na altura da concessão inicial da autorização de residência, aos critérios exigidos pelo Regulamento referido e, como exposto e comprovado, não há nem houve uma redução das actividades da Sociedade, uma vez que estas consistem justamente no desenvolvimento de actividades noutras sociedades ou empresas.
U. Não pode proceder o entendimento de que a situação não é favorável à autorização anteriormente concedida, porquanto a Sociedade continua a funcionar e a desenvolver a sua actividade nos mesmos moldes em que o fazia à data da aprovação da autorização de residência.
V. Disposto no artigo 18º do Regulamento Administrativo 3/2005, “os requerentes devem assegurar, durante todo o período de residência temporária autorizada, a manutenção da situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão dessa autorização”, bem como do artigo 19º do mesmo Regulamento, que dispõe que se os requerentes mantiverem os pressupostos que fundamentaram o deferimento do pedido inicial, podem requerer a renovação das autorizações de residência temporária.
W. Como foi amplamente demonstrado, a única alteração aos pressupostos foi a redução das quotas detidas pelo Recorrente, embora os valores do investimento tenham aumentado, conforme se conclui pela análise dos documentos contabilísticos constantes do processo administrativo, e que foram ignorados pelo IPIM.
X. Consta do Despacho que a não renovação da Licença de Produção da Indústria Farmacêutica da sociedade comercial “LABORATÓRIO FARMACÊUTICO B (MACAU), LIMITADA” imediatamente após 12 de Novembro de 2016, juntamente com as restantes informações prestadas pelos Serviços de Saúde, é absolutamente demonstrativo da inactividade da fábrica onde é desenvolvida a actividade da Sociedade.
Y. A visita feita à fábrica que deu origem ao Ofício do IPIM ocorreu em 19 de Julho de 2016 e nessa data encontrava-se a fábrica com reparações profundas das suas instalações e equipamentos, pelo que não se encontrava “a produzir”.
Z. Mais ainda, com o fim de atingir aos critérios para certificação internacional e exportação dos medicamentos, o Recorrente preparou e apresentou os requerimentos e os planos das obras de aperfeiçoamento ao DSSOPT desde 2016.
AA. Durante o processo de aprovação dos projectos de obras e melhoramentos na DSSOPT, Macau foi atingido pelo Tufão Hato, que provocou graves danos na maioria dos equipamentos da fábrica.
BB. Pelo que a fábrica necessitou de parar temporariamente a sua produção até conseguir recuperar as suas máquinas e reparar todos os danos provocados por tal intempérie.
CC. O Recorrente foi titular do Bilhete de Identidade de Residente Permanente com o número XXX, emitido em 25 de Maio de 2011.
DD. A autorização de residência temporária que deu origem a tal Bilhete de Identidade viu a sua validade prorrogada pelo Gabinete Jurídico e de Fixação de Residência do IPIM, através de uma Declaração que se transcreve:
Em português: “A, titular do Bilhete de Identidade de Residente Não Permanente Nº XXX, emitido pelo D.S.I. de Macau em 25-05-2011, requereu e, 14-11-2013, junto deste Instituto, o renovação da autorização temporária, ao abrigo do Regulamento Administrativo nº 3/2005, de 4 de Abril, encontrando-se o respectivo pedido em fase de apreciação e considerando-se válida a autorização acima referida até à conclusão do procedimento de apreciação. Gostaria que os respectivos organismos prestem a respectiva coordenação.”
E, em Chinês: “A 持有由澳門身份證明局發出之非永久性居民身份證,編號XXX,發出日期25-05-2011,於14-11-2013根據四月四日第3/2005號行政法規之規定向本局申請續期臨時居留許可,該續期申請現正審核中,審核期間,上述臨時居留許可仍被視為有效,直至審核程序完成為止,盼各有關機構給予相關配合。”
EE. É clara a Declaração ao afirmar, nos dois idiomas oficias, que a autorização de residência se considera “válida”, pelo que dúvidas não poderão restar quanto a esta expressão e quanto à validade da Declaração.
FF. Assim, por ter residido em Macau validamente desde 25 de Maio de 2011, deverá ser concedido ao Recorrente o Estatuto de Residente Permanente, nos termos e para os efeitos do artigo 1º Lei 8/1999, o que se requer.
GG. O Despacho ora em crise padece de vício de falta de fundamentação, porquanto viola as disposições conjugadas dos artigos 114º, 115º, 122º e 124º, todos do CPA.
HH. Dispõem os artigos 114º e 115º do Código do Procedimento Administrativo que os actos Administrativos devem ser fundamentados através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
II. Ora, como é bom de ver, não fundamenta o IPIM em momento algum porque é que a redução da participação motiva o indeferimento e, acaso assim fosse, qual a percentagem que deveria ser adquirida pelo ora Recorrente para que o investimento continuasse a ser considerado relevante – visto que o Recorrente continua a ser administrador e sócio maioritário da sociedade comercial,
JJ. Pelo que deverá ser declarada a anulabilidade do acto administrativo ora em crise, com base na falta de fundamentação do mesmo e consequente falta de um elemento essencial, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 114º, 115º, 122º e 124º, todos do CPA.
KK. O Despacho ora em crise, salvo o devido respeito, encontra-se viciada por uma inadjectável desrazoabilidade no uso dos poderes discricionários, porquanto viola os critérios de apreciação enumerados no artigo 7º do Regulamento Administrativo 3/2005, configurando um uso abusivo dos poderes concedidos por Lei à Administração.
LL. 貿促局在第2243/2006/01R號建議書的第7.1條分析當中“申請人於提出首次臨時居留許可申請時”的表述存有錯誤。
Nestes termos, e nos melhores de Direito, que V. Exas. mui doutamente suprirão, mantem-se e reitera-se o já peticionado, fazendo-se, deste modo, a costumada justiça.”
*
Corridos os vistos, cumpre decidir.
O Tribunal é o competente.
O processo é o próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, estão devidamente representadas e têm interesse processual.
Não existem questões prévias, excepções nem nulidades que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
Resulta provada dos elementos constantes dos autos, designadamente do processo administrativo, a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão do recurso:
Em 25.5.2011, foi concedida ao recorrente autorização de residência temporária, com fundamento em investimento relevante, pelo IPIM, nos termos do Regulamento Administrativo n.º 3/2005.
O investimento teve por base a constituição e funcionamento de uma sociedade constituída ao abrigo das leis de Macau, com a denominação “Laboratório FARMACÊUTICO B (Macau), Limitada”.
Tal autorização foi concedida por 3 anos.
Em 14.11.2013, o recorrente deu início ao Processo n.º 2243/2006/01R junto do IPIM, a fim de renovar a sua autorização de residência temporária.
Em 17.6.2019, o técnico superior do IPIM elaborou a seguinte proposta:
“事由: 審查臨時居留許可續期申請
法律事務處經理:
1. 利害關係人身份資料如下:
序號
姓名
關係
證件/編號
證件有效期
臨時居留許可有效期至
1
(A)
申請人
中國護照
XXX
2026/07/12
2014/03/31
2. 申請人於2011年3月31日獲批臨時居留許可申請,當時獲批依據如下(見第405至409頁):
商業名稱: B大藥廠(澳門)有限公司
成立日期: 2002年11月16日
註冊資本: 1,000,000.00澳門元
間接股權: 74%,即740,000.00澳門元
所營事業: 研製新藥物及藥用產品,並從事該等藥物及藥用產品的生產及出入口貿易
3. 為續期目的,申請人提交了相關的在澳投資證明文件如下(見第15至404、445至452頁及549至553頁):
商業名稱: B大藥廠(澳門)有限公司(見第445至452頁)
所營事業: 研製新藥物及藥用產品,並從事該等藥物及藥用產品的生產及出入口貿易
法人住所: XXX, Macau
註冊資本: 1,000,000.00澳門元
股權分配: 根據申請人提交的,由商業及動產登記局於2017年1月4日發出之商業登記證明顯示,“B大藥廠(澳門)有限公司”分別由“D醫藥有限公司”(佔26%股權)、“C (HONG KONG) INVESTMENT LIMITED”(佔48%股權)和申請人A(A)(佔26%股權)持有
佔股分配:“D醫藥有限公司”由申請人A(A)全資持有(見第305至312頁);而透過申請人於2016年7月4日所提交的聲明文件,證實申請人已沒有持有“C (HONG KONG) INVESTMENT LIMITED”(“C(香港)投資有限公司”)的任何股權(見第416頁)
間接持股: 即申請人A(A)現只持有“B大藥廠(澳門)有限公司”的52%股權
4. 經分析申請人所提交的投資證明文件,證實申請人持有“B大藥廠(澳門)有限公司”的股權佔比已由74%下調至52%;另按文件顯示,“B大藥廠(澳門)有限公司”的 “藥物工業生產准照”有效期於2016年11月12日已屆滿(見第329頁),顯示申請人沒有維持其最初申請獲批准時被考慮的前提。為此,將不利於其續期申請,故本局向申請人發出書面聽證(見第434頁)。
5. 申請人透過代理律師提交回覆意見,主要內容如下: (見第436至443頁)
(1) 申請人並不知悉獲批給居留許可的具體依據,故申請人一直認為是以持有“B大藥廠(澳門)有限公司”的26%股權為依據獲批居留許可;
(2) 申請人仍持股超過50%,為控權股東;
(3) 申請人指其藥廠廠房因漏水引致部份設施無可修復,故未能延續廠牌。但其即將進行全面裝修工程,並附上工程合約佐證,以便恢復生產。另指出廠房漏水乃城巿規劃及鄰近地盤打樁所致,並非申請人所能預計及避免的,故申請人不應承擔有關後果。
6. 為調查目的,本局曾向衞生局發出公函,諮詢有關“B大藥廠(澳門)有限公司”的“藥物工業生產准照”續期狀況(見第462頁文件),並獲該局回覆指有關“B大藥廠(澳門)有限公司”的藥物工業生產准照於2016年11月12日屆滿。該局亦曾派員於2016年7月19日對有關廠房進行稽查,又接獲該廠來函通知指“申於廠房漏水引起內部許多設施已造成不可逆轉的破壞… 決定整體改造”。該局亦沒有接獲“B大藥廠(澳門)有限公司”有關“藥物工業生產准照”的續期申請或變更生產活動範圍的申請(見第463至467頁文件)。
7. 就申請人的回覆意見及衞生局的諮詢回覆,茲分析如下:
(1) 申請人於提出首次臨時居留許可申請時,其提交了“B大藥廠(澳門)有限公司”的商業登記資料,以及“C(香港)投資有限公司”(其持有“B大藥廠(澳門)有限公司”的48%股權)和“D醫藥有限公司”(其持有“B大藥廠(澳門)有限公司”的26%股權)的財務報表,以證明申請人全資持有“C(香港)投資有限公司”及“D醫藥有限公司”,亦即以間接方式持有“B大藥廠(澳門)有限公司”的74%股權,從而獲批臨時居留許可,故申請人對其所有“B大藥廠(澳門)有限公司”的股權理應清楚知悉;
(2) 申請人對於公司的持股比例為一客觀事實,而非主觀概念。透過文件證實,申請人獲批臨時居留許可申請時,確以間接形式持有“B大藥廠(澳門)有限公司”的74%股權,並基於此一事實加上其他要素,致使申請人在澳的投資被視為重大,繼而獲批臨時居留許可。然而申請人現只持有該公司的52%的股權,並沒有維持其最初申請獲批准時被考慮的前提;
(3) 從衛生局的資料顯示,“B大藥廠(澳門)有限公司”獲發的“藥物工業生產准照”已於2016年11月12日屆滿,但尚未提出續期申請,然則廠房已不具生產藥物的許可。另外,該局又指曾於2016年7月19日派員對上述公司廠房進行稽查,而根據有關報告,顯示該廠房已停止運作,因此,該公司並沒有維持其最初申請獲批准時的營運狀況。
8. 綜上所述,鑒於申請人持有藉以獲批臨時居留許可投資的“B大藥廠(澳門)有限公司”的股權已下調,且該公司的廠房已停止運作及生產,另外其藥物工業生產准照的效期亦於2016年11月12日已屆滿,而尚未提出續期申請,故未能顯示該公司能繼續相關運作及生產。由於申請人並沒有維持其最初申請獲批准時被考慮的前提。經進行聽證程序,現根據第3/2005號行政法規第十九條第二款之規定,建議不批准利害關係人的臨時居留許可續期申請。”
Submetida a proposta à Comissão Executiva do IPIM, a Presidente da Comissão deu o seguinte despacho:
“同意本建議書內容,經研究分析,鑒於申請人沒有維持其最初申請獲批准時被考慮的前提,經聽證程序,現根據第3/2005號行政法規第十九條第二款之規定,建議不批准申請人的臨時居留許可續期申請。”
Em 15.8.2019, pelo Secretário para a Economia e Finanças foi proferido o seguinte despacho, ora recorrido:
“同意建議。”
*
Aberta vista ao Ministério Público, foi emitido pelo Digno Delegado Coordenador o seguinte douto parecer:
“1.
Nos presentes autos de recurso contencioso que foi interposto por A, melhor identificado nos autos, e que tem por objecto o acto do Secretário para a Economia e Finanças, datado de 15 de Agosto de 2019, que indeferiu o pedido de renovação de autorização de residência temporária do Recorrente na Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), vem o Ministério Público, ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 69.º do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC), emitir parecer nos termos seguintes:
2.
O Recorrente, na sua douta petição inicial do recurso, alegou, em síntese, que o acto impugnado enferma dos seguintes vícios:
• Falta de fundamentação;
• Abuso de poder e violação do princípio da boa-fé;
• Erro material.
2.1.
Iremos iniciar este parecer com a análise do alegado vício da falta de fundamentação do acto recorrido.
Entende o Recorrente que o acto agora em crise padece de falta de fundamentação porquanto do mesmo não resulta por que motivo a Administração considerou que investimento do Recorrente que esteve na base da concessão da autorização de residência temporária deixou de ser relevante.
Salvo o devido respeito, o Recorrente não tem razão.
A norma do artigo 114.º, n.º 1, alínea b) do Código do Procedimento Administrativo (CPA) impõe o dever legal de fundamentação, entre outros, dos actos administrativos que neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos.
Sobre os requisitos da fundamentação, a lei, na norma do artigo 115.º, n.º 1 do CPA, impõe que a mesma seja expressa e contenha uma sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão.
Como é sabido e é recorrentemente assinalado nas decisões judiciais que abordam a matéria, o dever de fundamentação dos actos administrativos tem, geneticamente, uma função endógena de propiciar a reflexão da decisão pelo órgão administrativo e uma função exógena, externa ou garantística de facultar ao cidadão a opção consciente entre o conformar-se com tal decisão ou afrontá-la em juízo (entre muitos outros, veja-se, neste sentido, o Ac. do Tribunal de Segunda Instância de 7.12.2011, Processo nº 510/2010).
Pode dizer-se que um acto está fundamentado sempre que o administrado, colocado na sua posição de destinatário normal fica a conhecer as razões que estão na sua génese, para que, se quiser, o possa sindicar de uma forma esclarecida. Na certeza de que o dever de fundamentação do acto administrativo é um conceito de geometria variável, pois que se molda e adapta conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto.
Analisada a fundamentação do acto recorrido pensamos que foi observado o dever de fundamentação formal, único de aqui cuidamos e cuja violação foi alegada.
Na verdade, daquele acto resultam, com clareza, as razões de facto e de direito pelas quais a Entidade Recorrida o praticou: esta considerou que deixaram de se manter na pessoa do Recorrente os pressupostos que estiveram na base do deferimento do pedido inicial de autorização de residência temporária, mercê, concretamente, da redução da sua participação social na sociedade comercial Laboratório FARMACÊUTICO B (Macau), Limitada, para 52% e, também, do não exercício efectivo de qualquer actividade industrial por parte dessa sociedade revelado pelo facto de a mesma, desde Dezembro de 2016 ter deixado de ter a indispensável licença dos Serviços de Saúde para operar em Macau. Por outro lado, esta factualidade foi integrada pela Entidade Recorrida, expressis verbis, no n.º 1 do artigo 19.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 e daí resultou o indeferimento do pedido de renovação efectuado pelo ora Recorrente. Patente, portanto, que do acto recorrido constam os fundamentos de facto e de direito justificativos da decisão que o mesmo corporiza.
Um destinatário normal não pode deixar de ficar ciente dos motivos que levaram à actuação administrativa em causa, como, de resto, pelo que se percebe da leitura da douta petição inicial do seu recurso, o Recorrente também ficou.
Uma nota final. O Recorrente labora em erro quando pretende equiparar a falta de fundamentação à falta de um elemento essencial do acto administrativo (cfr. artigo 95.º da petição inicial) geradora da nulidade do acto ao abrigo da primeira parte do n.º 1 do artigo 122.º do Código do Procedimento Administrativo. É pacífico que a falta de fundamentação é geradora da mera anulabilidade e não da nulidade do acto.
Parece-nos, por isso, que deve improceder o alegado vício da falta de fundamentação.
2.2.
O segundo vício que o Recorrente imputa ao acto recorrido é, citamos, o «abuso de poder» e a violação do princípio da boa-fé.
2.2.1.
Quanto ao abuso de poder, estamos em crer que o Recorrente não se terá exprimido da forma mais adequada. O que o mesmo pretende alegar, parece, é o uso desrazoável de poderes discricionários por parte da Administração e é nesse enquadramento que nos iremos pronunciar.
Vejamos.
Das normas dos artigos 6.º e 7.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, resulta, por um lado, que «é competência discricionária do Chefe do Executivo decidir os pedidos de residência temporária» e, por outro lado, que, «no exercício da competência referida no artigo anterior serão tomados em consideração todos os aspectos relevantes, nomeadamente:
1) O valor e espécie dos projectos de investimento ou dos investimentos;
2) O curriculum do interessado;
3) A área profissional dos quadros dirigentes e técnicos especializados;
4) A situação, necessidades e segurança da Região Administrativa Especial de Macau;
5) O número de elementos do agregado familiar para os quais seja pedida autorização de residência temporária».
Relativamente à renovação, decorre do n.º 2 do artigo 19.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, que a renovação da autorização de residência temporária, que é concedida por período igual ao da autorização inicial, «pressupõe a manutenção, na pessoa do interessado, dos pressupostos que fundamentaram o deferimento do pedido inicial (…)».
Como é bom de ver, a norma do artigo 19.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 não é um exemplo de perfeição legiferante. Bem pelo contrário. Em todo o caso, dela parece possível extrair, entre o mais, que o pedido de renovação da autorização de residência dependerá, apenas, da manutenção dos pressupostos que estiveram na base do deferimento desse pedido inicial de residência. Se no momento da prática do acto tais pressupostos se mantiverem, em princípio, o pedido de renovação deve ser deferido; caso contrário, se tais pressupostos se não mantiverem a consequência, legalmente vinculada, aliás, é a do indeferimento do pedido de renovação.
Naturalmente que, na actividade administrativa de verificação da manutenção dos pressupostos pode haver lugar a apreciações de natureza discricionária, sobretudo em relação aos pressupostos que revistam uma natureza dinâmica (v. g. se o investimento continua a ter interesse para a Região, nos termos do artigo 2.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005). Mas, em princípio, só aí.
Por outro lado, ao pedido de renovação de autorização corresponde uma posição jurídica procedimentalmente conformada, ou seja, uma posição subjectiva de conteúdo pretensivo cuja definição depende da emissão de um acto administrativo (assim, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Anulação de Actos Administrativos e Relações Jurídicas Emergentes, Coimbra, 2002, p. 119). O que tem, desde logo, uma consequência no plano da distribuição do ónus da prova quando esteja em causa a impugnação contenciosa do acto negativo, isto é do acto de indeferimento: é sobre o particular, enquanto titular da pretensão substantiva que pretende ver satisfeita com um acto administrativo favorável, que recai o ónus da prova dos factos constitutivos do respectivo direito. No caso, da manutenção dos pressupostos que estiveram na base da concessão do pedido de residência temporária na RAEM, cabendo à Administração a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos de tal pretensão que, eventualmente, tenham estado na base do indeferimento (neste sentido, desenvolvidamente, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Sobre as regras de distribuição do ónus material da prova no recurso contencioso de anulação de actos administrativos, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 20, pp. 45 a 50, em especial, p. 50).
Feito este breve enquadramento, diremos que, também em relação ao segundo vício invocado pelo Recorrente, a sua sorte não poderá deixar de ser, em nosso modesto entendimento, a da respectiva improcedência.
Com efeito, os elementos constantes dos autos do processo administrativo apenso demonstram, abundantemente, aliás, que os pressupostos que estiveram na base da autorização de residência decidida pelo Chefe do Executivo deixaram de se manter na pessoa do Recorrente, para utilizarmos a formulação legal. Seja porque o Recorrente desinvestiu em medida muito significativa na sociedade comercial Laboratório FARMACÊUTICO B (Macau), Limitada, reduzindo a sua participação social, directa e indirecta, para 52%; seja porque a dita sociedade deixou de ter actividade industrial efectiva, uma vez que a sua licença para operar caducou em Dezembro de 2016 sem que, desde essa altura, tenha tido qualquer renovação e as próprias instalações, objecto de vista inspectiva por parte dos Serviços de Saúde, davam mostras de efectiva inutilização.
E a verdade, ademais, é que o Recorrente, no presente recurso contencioso não provou, como era seu ónus, que, ao contrário daquilo que se sustenta no acto recorrido, se mantinham os pressupostos indispensáveis ao deferimento da sua pretensão procedimental, ou seja, à renovação da autorização de residência temporária na RAEM, nomeadamente no que concerne à falta de actividade industrial da sociedade comercial Laboratório FARMACÊUTICO B (Macau), Limitada, pois que não basta, como é evidente, juntar a certidão do registo comercial atinente à sociedade para demonstrar que esta continuou a operar (cfr. o artigo 61.º da petição inicial). E portanto, também por essa razão, o presente fundamento do recurso estaria destinado a claudicar.
2.2.2.
Quanto à violação do princípio da boa-fé, é para nós evidente, salvo o devido respeito, que não faz qualquer sentido a sua invocação neste contexto já que estamos, como vimos, no quadro de actividade vinculada: não se provando a manutenção dos pressupostos que estiveram na base da concessão inicial da autorização da residência, a consequência legalmente imposta é a do indeferimento do pedido de renovação da mesma.
Ora, como é consabido e tem sido repetidamente afirmado pelos nossos Tribunais, a violação dos princípios gerais da actividade administrativa, nomeadamente, do princípio da boa-fé, só releva no âmbito do exercício de poderes discricionários (assim, a título de exemplo e entre muitos outros, veja-se o Ac. do Tribunal de Última Instância de 18.9.2019, processo n.º 26/2019).
Donde resulta, parece-nos que o recurso não pode, também nesta parte, deixar de improceder.
2.3.
Quanto ao chamado «erro material», não vemos, com todo o respeito o dizemos, qual o alcance da respectiva invocação na perspectiva da impugnação do acto recorrido, única que aqui releva.
Mesmo que o apontado erro se verificasse, a consequência não seria, como é evidente, a anulação do acto e é disso que aqui se cuida.
Daí que, sem necessidade de maiores considerandos, se nos afigure que, também neste particular, a pretensão do Recorrente não merece provimento.
2.4.
O Recorrente, invocando ter, entretanto, adquirido o estatuto de residente permanente dado ter residido na Região por mais de sete anos, requereu, no artigo 72.º da douta petição inicial, a esse Venerando Tribunal que ordene ao IPIM que emita uma declaração que ateste tal facto, isto é, que o mesmo reside validamente em Macau há mais de sete anos.
Para além de esse pedido não ter sido reproduzido no final da petição inicial, no qual o Recorrente se limita, e bem, a pedir a anulação do acto e de não ter qualquer cabimento legal, trata-se, como é bom de ver e em qualquer caso, de um pedido processualmente inadmissível no contexto do presente recurso contencioso, dado que, desde logo, se não enquadra na previsão da norma do artigo 24.º, n.º 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso. Daí que, salvo o devido respeito, tal «requerimento» não deva merecer a apreciação desse Venerando Tribunal.
3.
Face ao exposto, salvo melhor opinião, parece ao Ministério Público que o presente recurso contencioso deve ser julgado improcedente. ”
*
Conforme se decidiu no Acórdão do Venerando TUI, no Processo n.º 21/2004: “Simplesmente, o Magistrado do Ministério Público, no recurso contencioso de anulação, não é parte. Assim, não há norma que impeça o juiz de fundamentar decisão aderindo a texto do Ministério Público, o que se observa a cada passo…”
Atento o teor do douto parecer emitido pelo Digno Delegado Coordenador que antecede, louvamo-lo na íntegra, com o qual concordamos e que nele foi apresentada a melhor, acertada e sensata solução para o caso sub judice, pelo que, considerando a fundamentação de direito aí exposta, cuja explanação sufragamos inteiramente, remetemos para os seus precisos termos.
Por isto julgamos improcedente o recurso contencioso.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, o Colectivo de Juízes deste TSI acorda em julgar improcedente o recurso contencioso interposto pelo recorrente A, mantendo o acto administrativo impugnado.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça em 8 U.C.
Registe e notifique.
***
RAEM, 30 de Setembro de 2020
Tong Hio Fong
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
Lai Kin Hong
Fui presente
Álvaro António Mangas Abreu Dantas
Recurso Contencioso 1058/2019 Página 31