Proc. nº 505/2020
(Autos de Recurso Jurisdicional Contencioso Administrativo)
Data: 08 de Outubro de 2020
ASSUNTOS:
- Fixação de rendimento colectável
- Caducidade da liquidação
SUMÁRIO:
- Não obstante o acto de fixação de rendimento e o acto de liquidação serem dois actos distintos, ambos destacáveis para efeitos de impugnação contenciosa autónoma, o decurso do prazo da caducidade da liquidação prevista no artº 55º do RICR pode servir como fundamento do recurso contencioso cujo objecto é o acto de fixação de rendimento colectável.
- Pois, não podendo a liquidação ser feita depois do decurso do prazo da caducidade de 5 anos, muito menos pode o fazer para o acto de fixação do rendimento colectável, face à relação intrínseca desses dois actos (a fixação do rendimento colectável é o acto preparatório ou pressuposto da liquidação), bem como à coerência e lógica do sistema legal.
O Relator,
Ho Wai Neng
Proc. nº 505/2020
(Autos de Recurso Jurisdicional Contencioso Administrativo)
Data: 08 de Outubro de 2020
Recorrente: A Limited
Recorrida: Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos da Direcção dos Serviços de Finanças (Entidade Recorrida)
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – Relatório
Por sentença de 26/02/2020, o Tribunal Administrativo da RAEM julgou improcedente o recurso contencioso apresentado pela Recorrente A Limited.
Dessa decisão, vem a Recorrente interpor o presente recurso jurisdicional, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença de fls. 207 a 220 dos autos, que deu por totalmente improcedente o recurso contencioso apresentado pela ora Recorrente contra a deliberação da Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos no dia 29 de Novembro de 2018, não atender a uma suposta reclamação (não tendo essa Comissão sido capaz de indicar a data dessa inexistente reclamação) que teria sido apresentada pela ora Recorrente e na qual aparentemente se solicitava a revisão da matéria colectável fixada referente ao exercício de 2012, pelo que a mesma se manteve no total MOP$8,447,816.00 (oito milhões, quatrocentas e quarenta e sete mil, oitocentas e dezasseis patacos), com um agravamento a título de custos de 0.15%.
2. Em sentido frontalmente contraditório com sentenças já proferidas em Macau pelos Tribunais superiores sobre a mesma questão de direito (acórdãos proferidos pelo Tribunal Superior de Justiça e pelo Tribunal de Segunda Instância, no âmbito dos Processos n.ºs 927 e 34/2000, respectivamente), vem o Tribunal Administrativo defender que o presente recurso foi interposto contra o acto de fixação da matéria colectável e, como tal, não pode ser invocada a caducidade do direito à liquidação por ser um "vício próprio" do acto de liquidação.
3. O raciocínio do Mm.º Tribunal recorrido parte, desde logo, de um errado pressuposto quanto à letra da norma jurídica em apreço ao afirmar que "a norma fala expressamente da caducidade do acto de liquidação" quando em momento algum o artigo 55.º se refere à caducidade de qualquer acto administrativo.
4. O que é manifesto é que a norma do artigo 55.º, n.º 1, do RICR refere-se à caducidade do direito à liquidação (oficiosa) - e não à prescrição como incorrectamente se diz na sentença recorrida.
5. O direito à liquidação oficiosa que assiste à Administração Fiscal tem de ser exercido através de um procedimento administrativo-tributário (n.º 2 o artigo 55.º do RICR).
6. No entanto, se a Administração Fiscal já não possui esse direito por força da sua extinção com o decurso do tempo, é do domínio do óbvio que não pode fazer desencadear o procedimento administrativo-tributário tendente à concretização do mesmo, pois para esse efeito precisaria de ter na sua esfera jurídica o direito de proceder a essa mesma liquidação adicional.
7. Se esse direito tiver, entretanto, caducado, então todo o procedimento ficará irremediavelmente comprometido e não apenas o acto final de liquidação propriamente dito.
8. Por outro lado, importa ainda referir que o Tribunal de Segunda Instância, na sentença do Processo n.º 34/2000, determinou que a norma do artigo 55.º se destina "a regular a impugnação do acto pressuposto (ou acto preparatório decisório) que é a fixação do rendimento colectável".
9. No entanto, o Tribunal diz de uma forma conclusiva e sem qualquer fundamento que "manifestamente não se trata o caso em apreço" em relação à "prescrição da liquidação do imposto complementar de rendimentos", sem cuidar de explicar em que é que difere o presente caso do que foi decidido anteriormente pelos Tribunais Superiores da RAEM, designadamente no Processo que correu termos sob o n.º 34/2000.
10. Dizer que é manifesto é recorrer a uma fundamentação meramente formal, sem qualquer substância, sendo certo que, com o devido respeito, só é manifesto que se afrontou a jurisprudência da RAEM a este respeito.
11. E andou mal o Tribunal recorrido ao afirmar que "Daí não se faz suporte legal adequado e correcto a fim de sustentar a alegada ilegalidade do acto recorrido, praticado mormente a fim de dar cumprimento à decisão judicial dentro do prazo e limites legais impostos nos termos dos n.ºs 1 e 3 do artigo 174.º do C.P.A.C.".
12. Então se o prazo de caducidade do direito à liquidação oficiosa é de 5 anos sobre aquele a que o rendimento colectável respeitar, alguma vez é possível que tendo sido anulado o acto de fixação anterior (mesmo que apenas o de revisão!) ainda assim se pode continuar o procedimento tendente à liquidação quando já passaram os 5 anos, recorrendo para isso ao artigo 174.º do CPAC?
13. A resposta tem de ser negativa, porque isso seria permitir liquidações (que ainda não foram feitas no presente processo, tendo em consideração a anterior anulação do acto pressuposto dessa liquidação!) muito para além do prazo de 5 anos.
14. Também não tem razão o Tribunal recorrido quando diz, em claro confronto com a jurisprudência do Tribunal de Segunda Instância (e, em especial, com o Acórdão do Tribunal Superior de Justiça proferido no Processo n.º 927), que "a sentença anulatória em causa conduz apenas à anulação da decisão de indeferimento da reclamação e não projecta efeitos anulatórios sobre o acto de fixação do rendimento colectável da recorrente que o antecede. Assim sendo, a liquidação sobre o acto de fixação feita dentro do prazo de prescrição não está afectada e mantém-se. Não é verificada a prescrição aludida no n.º 1 do artigo 55.º do RICR.".
15. É que o artigo 55.º não impõe a caducidade "da fixação do rendimento colectável", mas a caducidade do direito à liquidação, pelo que é irrelevante que "se mantenha o acto de fixação anterior"!
16. Até porque tal seria até um absoluto contra-senso com a própria fundamentação do Tribunal Recorrido, onde antes "a citada disposição diz respeito ao prazo de prescrição da liquidação do imposto complementar de rendimentos, o que manifestamente não se trata do caso em apreço, por aqui se versar sobre a fixação do rendimento colectável da recorrente e a respectiva revisão", agora se diz que não há prescrição porque o acto de fixação já teria sido praticado em devido tempo!
17. Pelo que nunca a "fixação" do rendimento colectável através da Comissão de Fixação poderia levar a que se considerasse que o acto estava completamente estabilizado no procedimento, muito menos para o efeito de obstar à caducidade do prazo de liquidação!
18. Nestes termos, e no mais de Direito, resulta claro que o acórdão recorrido não interpretou nem aplicou correctamente a lei, designadamente o artigo 55.º do RICR ao considerar que não se verificou a reclamada caducidade do direito à liquidação oficiosa.
19. Posição que o Mm.º Tribunal recorrido assumiu, desconsiderando a existência de decisões em sentido diverso proferidas pelos Tribunais superiores da RAEM (vide os citados Acórdãos proferidos pelo Tribunal Superior de Justiça e pelo Tribunal de Segunda Instância), em especial os citados Acórdãos proferidos nos Processos n.ºs 927 (pelo Tribunal Superior de Justiça) e 34/2000 (pelo Tribunal de Segunda Instância).
20. Por outro lado, e por mera cautela de patrocínio, importa ainda mencionar que tão pouco se poderá defender a actuação da Entidade Recorrida ao abrigo de um suposto "poder de praticar um novo acto" durante o período de execução espontânea a que se refere o artigo 174.º, n.º 1, do Código do Processo Administrativo Contencioso.
21. Com efeito, não se pode aqui olvidar que está em causa um acto praticado ao abrigo do direito de liquidação adicional (ou oficiosa), direito esse que está limitado no tempo por razões evidentes: considerando que já existe uma liquidação, razões de segurança jurídica e estabilização da situação fiscal dos contribuintes exigem que a referida liquidação apenas possa ser revista num prazo máximo de 5 anos.
22. Logo, não pode a Administração "renovar" um acto administrativo que é praticado ao abrigo do artigo 55.º e que ao mesmo tempo viola o prazo aí previsto.
23. Por último, diga-se que ao contrário do que parece assumir o Mm.º Tribunal recorrido, não foi ainda "renovado" o acto de liquidação (propriamente dito) na sequência da anterior anulação judicial do acto de fixação da matéria colectável, pelo que em bom rigor e se fosse de atender ao que foi decidido na sentença recorrida, a Administração Fiscal ainda teria de praticar esse acto e notificar a Recorrente do mesmo, o que até agora não fez.
24. Na sentença recorrida foi ainda dito que "Pese embora não chegou a apurar do acto recorrido a análise sobre o contrato celebrado entre a recorrente e a "B", em particular, como se conclui dos respectivos clausulados que se não respeitam ao alegado "contrato de associação" ou contrato como lido por epígrafe, ou em que termos se avaliou a situação da recorrente com as situações de outros contribuintes que detêm contrato celebrado com a B e autorizado pela Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos (DICJ), nem se pode aceitar a autorização como suporte bastante para se distinguir dos outros contribuintes que beneficiam da respectiva isenção fiscal, tal como bem explicado pelo Digno Delegado Coordenador do Ministério Público junto deste Tribunal, no seu douto parecer, "...estando assegurada a validade substantiva do acto recorrido por alguns dos fundamentos invocados, sempre será inoperante, caso exista, a ilegalidade derivada da chamada motivação superabundante (…)".
25. Salvo o devido respeito, é a Comissão de Revisão que no acto confirmativo impugnado vem escudar-se no argumento de que não há tratamento desigual em relação a outras associadas da B porque, "comparando a situação da reclamante com as situações de outros contribuintes, designadamente cujo contrato com a B tenha sido autorizado, estamos perante situações diferentes, e em consequência, não há violação do princípio da igualdade, nem tal pode ser aferido nesta sede.".
26. O ponto essencial da fundamentação do acto administrativo praticado pela Entidade Recorrida é, salvo o devido respeito, o de que os montantes obtidos pela Recorrente no âmbito do contrato em associação com a B estão sujeitos ao imposto complementar de rendimentos porque o seu contrato não foi autorizado pela DICJ, ao contrário do que sucedeu com outros contribuintes com contrato com a B.
27. É esse o ponto que supostamente justifica o tratamento discriminatório da ora Recorrente em relação aos seus concorrentes comerciais.
28. Não há assim qualquer motivação superabundante, a Entidade Recorrida limita-se a considerar no acto recorrido que a Recorrente "não tem um contrato autorizado", sendo por isso a sua situação distinta das demais concorrentes comerciais.
29. Como se teve oportunidade de dizer, a Recorrente sempre defendeu que a remuneração que lhe é paga vem já tributada em Imposto Especial sobre o Jogo (doravante, "IEJ") à taxa de 35% (cfr. artigo 28.º da Lei n.º 16/2001) e demais contribuições obrigatórias exigíveis às concessionárias, ao abrigo das alíneas 7) e 8) do artigo 22.º da mesma Lei.
30. Ao abrigo do contrato de associação em participação, a Recorrente recebe da sua parceira B uma prestação mensal correspondente a 55% do rendimento gerado na zona afecta ao mercado de massas do casino, 57% do rendimento emergente do jogo das salas VIP e 40% do rendimento emergente de jogos em slot machines, tudo de acordo com a contagem efectuada pela DICJ.
31. A entidade recorrida fez uma errada qualificação do contrato ao considerar que estava em causa um contrato de prestação de serviços para assim considerar a situação da Recorrente em moldes diferentes do que faz para as demais associadas da B.
32. Como se disse, é o próprio acto recorrido que faz verter na sua fundamentação que "comparando a situação da reclamante com as situações de outros contribuintes, designadamente cujo contrato com a B tenha sido autorizado, estamos perante situações diferentes, e em consequência, não há violação do princípio da igualdade, nem tal pode ser aferido nesta sede.".
33. E isto porque o entendimento da DSF nesta matéria, desde 2006 e mantido recentemente em 2013, tem sido o de considerar que os montantes pagos pela B, no âmbito da sua actividade do jogo, como remuneração às suas associadas através de Acordos de natureza idêntica ao que celebrou com a ora Recorrente, não estão sujeitos a ICR porque já vêm pagos em sede de Imposto Especial do Jogo!
34. Só que, no caso da Recorrente, a Entidade Recorrida limita-se a considerar que é uma situação diferente das outras associadas da B (oferecidas a título de exemplo pela Recorrente), tudo para não dar o mesmo tratamento fiscal à Recorrente.
35. A Recorrente não reclama, ao contrário que é dito no acórdão recorrido, um tratamento fiscal privilegiado, mas antes um tratamento fiscal idêntico ao das suas concorrentes comerciais, em idênticas posições contratuais de associação em participação com a B.
36. Pelo que manifesto fica que a entidade incorre num vício de direito, relativamente à qualificação jurídica do contrato celebrado entre a Recorrente e a B, considerando-o em termos absolutamente distintos da forma como qualifica os demais contratos de idêntica natureza e cariz obrigacional celebrados entre a B e as suas associadas, para depois vir negar aquilo que concede às demais associadas da B!
37. Surge então que, para aquelas concorrentes comerciais da Recorrente, a Entidade Recorrida considera que há uma identidade de normas a tributar o rendimento gerado no Casino que resultam da aplicação conjunta dos artigos 27.º e 28.º da Lei n.º 16/2001 e do artigo 3.º do RICR, mas já no que concerne à Recorrente, idêntico tratamento fiscal não pode ser dado por não ter o "contrato autorizado", situação que não tem qualquer suporte e que representa violação dos princípios da igualdade, da justiça e da imparcialidade, vícios que são sancionados com a anulabilidade ao abrigo do artigo 124.º do CPA e que não foram devidamente apreciados pelo Tribunal recorrido.
38. Deste modo, temos que também nesta vertente padece o acto recorrido de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto, face à clara intenção do Governo da Região, ao longo dos anos, pretender eliminar a dupla tributação nesta matéria, o que conduz à sua anulação, o que se requer ao abrigo do artigo 20.º e 21.º, n.º 1, alínea d), do CPAC.
*
A Entidade Recorrida Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos da Direcção dos Serviços de Finanças respondeu à motivação do recurso da Recorrente nos termos constantes a fls. 260 a 273 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso.
*
O Ministério Público é de parecer pela improcedência do presente recurso contencioso, a saber:
“…
1.
A, Limited, sociedade comercial melhor identificada nos autos, interpôs recurso contencioso da deliberação da Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos, datada de 29 de Novembro de 2018, (acto recorrido) que não atendeu à reclamação em que a ora Recorrente solicitava a revisão da matéria colectável referente ao exercício de 2012, mantendo a mesma em MOP$8,447,816.00, e aplicou o agravamento a título de custas de 0.15% sobre a colecta.
Por douta sentença proferida pela Meritíssima Juíza do Tribunal Administrativo foi o recurso contencioso julgado improcedente.
Inconformada com a dita sentença, a A Limited interpôs o presente recurso jurisdicional nele colocando, em síntese, as seguintes questões:
• Da caducidade do direito à liquidação;
• Do erro nos pressupostos de facto e de direito do acto recorrido;
• Da dupla tributação.
2.
Nos termos previstos na norma do artigo 157.º do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC), vem o Ministério Público pronunciar-se nos termos que seguem.
2.1.
2.1.1.
Alega a Recorrente que a douta sentença recorrida incorreu em erro ao julgar que não ocorreu a caducidade do direito à liquidação por si invocada.
Em seu entender, a caducidade a que se refere o artigo 55.º do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos (RICR), aprovado pela Lei n.º 21/78/M, de 9 de Setembro, refere-se ao direito à liquidação do imposto e daí que, se tal direito tiver caducado, então todo o procedimento ficará irremediavelmente comprometido e não apenas o acto de liquidação propriamente dito.
Por outro lado, diz ainda a Recorrente, ao contrário do que se decidiu na sentença recorrida, não pode invocar-se a norma do artigo 174.º do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC), para permitir liquidações para lá dos 5 anos a que se refere o dito artigo 55.º do RICR.
Alegou, finalmente, que, ao contrário do que parece assumir o Tribunal Recorrido, não foi ainda renovado o acto de liquidação na sequência da anterior anulação judicial do acto de fixação da matéria colectável, pelo que a Administração ainda teria de praticar esse acto e notificar a Recorrente do mesmo, o que até ao momento ainda não fez (conclusão 23).
Salvo o devido respeito, e pelos motivos que de seguida explicitaremos, parece-nos a Recorrente não tem razão e que, pelo contrário, decidiu bem a Meritíssima Juíza a quo.
Vejamos.
2.1.2.
Preceitua-se na norma do n.º 1 do artigo 55.º do RICR, cuja epígrafe é «prescrição», que «a liquidação do imposto complementar prescreve decorridos cinco anos sobre aquele a que o rendimento colectável respeitar».
Apesar de, na sua letra, a norma se referir à prescrição da liquidação, o seu sentido correcto é o de que o que ali se prevê é um prazo de caducidade do direito à liquidação e não de prescrição da obrigação tributária emergente da liquidação do imposto. Isto porque, subjacente a tal previsão estão razões de segurança jurídica e de previsibilidade económica que têm em vista evitar que o contribuinte possa ser confrontado, a todo o tempo, com pretensões da Administração fiscal, por um lado, e razões ligadas a uma gestão eficiente por parte da própria Administração, obrigando-a a exercer os seus poderes num prazo relativamente curto (assim, na doutrina portuguesa, SÉRGIO VASQUES, Manual de Direito Fiscal, 2.ª edição, Coimbra, 2018, pp. 426-427).
Não é controvertido, estamos em crer, que a caducidade do direito à liquidação constitui uma ilegalidade da própria liquidação geradora da respectiva anulabilidade. Na verdade, quando a liquidação é feita para lá do prazo legalmente fixado para o exercício do respectivo direito por parte da Administração, ela é feita em violação da lei.
Se assim é, cremos também não ser merecedor de controvérsia que essa ilegalidade que é própria do acto de liquidação, não pode ser invocada para suportar a impugnação contenciosa do acto destacável de fixação da matéria colectável, justamente porque não constitui um vício deste acto.
Como se sabe, em sede de imposto complementar, a fixação do rendimento colectável pode ser impugnada perante a Comissão de Revisão nos termos previstos no artigo 44.º do RICR.
Tal reclamação tem efeito suspensivo (artigo 44.º, n.º 3 do RICR), pelo que, no rigor dos termos, só quando a mesma se mostra decidida é que a Administração Fiscal está em condições legais de proceder à liquidação do imposto.
O acto de revisão da fixação da matéria colectável é um acto destacável do procedimento, podendo, portanto, ser objecto de impugnação contenciosa autónoma mas apenas com base nos vícios próprios desse acto, no que constitui, assim, uma excepção legalmente prevista ao princípio da impugnação unitária. Com efeito, «os actos destacáveis são actos que, embora inseridos no procedimento tributário e anteriores à decisão final, a condicionam irremediavelmente, justificando-se que sejam impugnados por forma autónoma, principalmente nos casos em que são praticados por entidades distintas da que deve proferir a decisão final» (assim, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, Lisboa, 2006, p. 424).
Paralelamente, se a Administração Fiscal, na sequência do indeferimento total ou parcial da reclamação do acto de fixação, proceder à liquidação do imposto em conformidade com essa quantificação da matéria colectável, fica o sujeito passivo obrigado a impugnar esse acto de liquidação caso entenda, naturalmente, que o mesmo enferma de alguma ilegalidade própria dele, não do acto destacável, que o vicie.
Seja como for, mesmo que o sujeito passivo não impugne o acto de liquidação do imposto, importa salientar que da eventual procedência do recurso contencioso do acto da Comissão de Revisão que tenha indeferido a reclamação do acto de fixação do rendimento colectável resultará a nulidade daquele acto de liquidação, nos termos previstos no artigo 122.º, n.º 1, alínea i), do Código do Procedimento Administrativo (CPA), por isso que se trata de um acto consequente de um acto administrativo anteriormente anulado (no sentido de que o acto de liquidação é um acto consequente nulo quando é anulado o acto de fixação da matéria colectável, vejam-se, na jurisprudência portuguesa, entre outros, os acórdãos do STA de 18.10.2000, proc. n.º 25256; de 25.10.2000, proc. n.º 24962, de 8.11.2000, proc. n.º 25257, com sumários disponíveis em www.dgsi.pt.).
Portanto, de acordo com o esquema legalmente desenhado, o sujeito passivo pode impugnar contenciosamente o acto destacável praticado pela Comissão de Revisão com base em vícios próprios desse acto e pode, igualmente, atacar em juízo o acto final de liquidação pelos vícios próprios do mesmo, não havendo sequer obstáculo a que a impugnação contenciosa da liquidação seja apreciada, relativamente aos vícios próprios desse acto, antes da apreciação da impugnação do acto destacável (assim, JORGE LOPES DE SOUSA, Código…, p. 868).
O que, à luz da lei, não é admissível, parece-nos óbvio, é que o sujeito passivo invoque (e que o tribunal aprecie e conheça…) na impugnação do acto destacável vícios que são próprios do acto final do procedimento ou seja, no caso, do acto de liquidação.
2.1.3
Regressando à situação em apreço.
Alegou a Recorrente, na douta petição inicial do recurso contencioso, que o acto recorrido, que é, justamente o acto destacável praticado pela Comissão de Revisão que manteve a fixação do rendimento colectável, lhe foi notificado no final do mês de Dezembro de 2018, ou seja, quando, no seu entender, se encontrava há muito ultrapassado o prazo de caducidade previsto naquela norma do n.º 1 do artigo 55.º do RICR (cfr. artigo 50.º da petição de recurso contencioso) e, por isso, esse acto padeceria da ilegalidade resultante de tal caducidade.
É evidente que esta alegação não podia deixar de improceder. Por duas razões.
(i) A primeira e decisiva razão, porque, como dissemos, a caducidade do direito à liquidação não afecta nem pode afectar a legalidade do acto que indeferiu o pedido de revisão da fixação da matéria colectável, por se tratar de um vício próprio do acto de liquidação. A inobservância do prazo de caducidade apenas pode gerar a ilegalidade do acto liquidação; não do acto de fixação da matéria colectável, pressuposto daquele, e único que nos presentes autos se encontra sob impugnação contenciosa.
Permitir que na impugnação contenciosa do acto de revisão da fixação da matéria colectável se invoque um vício próprio do acto de liquidação, e, mais do que isso, como já vimos decidido, anular aquele acto com base num vício próprio do acto de liquidação, nomeadamente a caducidade do direito à liquidação, é, a nosso ver e com todo o respeito o dizemos, juridicamente insustentável. Por três motivos.
Em primeiro lugar por uma questão de indispensável rigor técnico-jurídico. Sendo o recurso contencioso de mera legalidade, a impugnação de um acto só pode ser feita com base em vícios geradores da ilegalidade desse acto e não de um outro acto.
O segundo motivo prende-se com o facto de, nessa situação, o tribunal conhecer de um vício que é próprio de um acto praticado por um órgão administrativo que é distinto da entidade recorrida, o que levanta questões delicadas em matéria de legitimidade passiva para o recurso contencioso, de garantia de exercício do contraditório e em relação ao alcance do caso julgado.
O terceiro motivo tem que ver com o facto de, a permitir-se que a legalidade da liquidação seja fiscalizada por via indirecta na impugnação do acto de revisão da fixação da matéria colectável, tal redundar, na prática, na isenção, ilegal, do sujeito passivo do ónus de impugnação administrativa necessária. Ora, como se sabe, o Tribunal de Última Instância uniformizou jurisprudência, através do seu Acórdão de 16 de Outubro de 2019, publicado no Boletim Oficial, n.º 45, I Série, Suplemento, de 11 de Novembro de 2019, no sentido de que a utilização da via contenciosa para atacar a liquidação implica a prévia utilização dos meios graciosos da reclamação e do recurso hierárquico.
Portanto, isto bastaria, para que se concluir que a invocada caducidade do direito à liquidação não poderia ser invocada nem conhecida no recurso contencioso que tem por objecto o acto recorrido e que, desta forma e com este alcance, teria esse vício de ser julgado improcedente.
(ii) A segunda razão, que seria sempre subsidiária porque, na verdade, é inultrapassável o obstáculo que impede o conhecimento daquele vício no âmbito da impugnação contenciosa do acto recorrido, que justificava a improcedência do vício da caducidade do direito à liquidação invocado pela Recorrente também foi aflorada pela douta sentença recorrida.
Com efeito, o acto recorrido foi praticado na sequência de uma decisão judicial anulatória de um anterior acto de revisão da fixação da matéria colectável, constituindo, portanto, um acto renovador do acto anulado.
Ora, durante o período de execução espontânea a que se refere o n.º 1 do artigo 174.º do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC), na sequência da anulação de um acto tributário, a Administração Fiscal tem o poder de praticar um novo acto, nos limites resultantes da autoridade do caso julgado e tendo em vista a reintegração efectiva da ordem jurídica violada.
Como é evidente, a prática desse novo acto rege-se pelas regras próprias do procedimento de execução espontânea da sentença anulatória, pois que ele não representa, em primeira linha, o exercício do poder autónomo de praticar actos tributários ou em matéria tributária, esse teve lugar quando da prática do acto anulado, mas, antes, do poder-dever de executar as decisões judiciais anulatórias que flui do n.º 1 do artigo 174.º do CPAC.
Este entendimento que nos parece que se impõe com meridiana clareza tem também sido seguido na jurisprudência comparada que nos é próxima (veja-se, por mais recente, o Ac. do Supremo Tribunal Administrativo de Portugal, de 12.2.2020, processo n.º 188/14.3BEAVR, em cujo sumário se pode ler: «ocorrendo anulação do acto de liquidação, a AT não está impedida (pelo contrário, a lei impõe-lhe o poder dever de o fazer) de praticar novo acto de liquidação referente ao mesmo facto tributário, sempre que cumpra as normas respeitantes à execução de decisões anulatórias (artigos 102.º da LGT, 172.º e 173.º do CPTA, aplicável ex vi do referido artigo 102.º da LGT), ou seja, o faça dentro do prazo para a execução das sentenças e no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado»).
Compreende-se, aliás, que assim seja, sob pena de as inevitáveis delongas processuais reverterem, sem qualquer razão substancial, em grave prejuízo para o interesse público e em injustificado benefício para os interesses particulares dos contribuintes.
Donde, o prazo do exercício do direito à liquidação do imposto por parte da Administração a considerar, quando esteja um acto renovador de um acto judicialmente anulado, não ser aquele a que alude o n.º 1 do artigo 55.º do RICR (a não ser que este ainda se mostre esgotado) mas, antes, o de 30 dias a que se refere o n.º 1 do artigo 174.º do CPAC (não compreendemos por isso, o decidido sobre esta particular questão, por esse Venerando Tribunal de Segunda Instância em 24 de Junho de 2020, no processo n.º 327/2020, com todo o respeito o dizemos).
Ora, na petição inicial, a Recorrente limitou-se a alegar que ocorrera a caducidade do direito à liquidação porque foi notificada do acto recorrido em Dezembro de 2018, o que implicaria, em seu entender, que estando em causa imposto respeitante ao exercício de 2012, o prazo de 5 anos a que se refere o artigo 55.º do RICR já estivesse ultrapassado.
Mas não é assim, como vimos.
Por um lado, a Administração Fiscal executou o julgado anulatório proferido no recurso contencioso n.º 1264/16-CF em devido tempo e, por outro lado, na petição inicial do recurso contencioso dos presentes autos, a Recorrente nada alegou quanto à existência ou inexistência de uma nova liquidação, pelo que, face à singeleza do que foi alegado no articulado inicial, a conclusão que se impunha era aquela que foi tirada pela douta decisão recorrida: a de que não ocorreria a invocada caducidade, certamente no pressuposto de que a Administração Fiscal praticara, entretanto, um novo acto de liquidação cuja legalidade não estava em causa nestes autos.
Sucede que, no presente recurso jurisdicional, a Recorrente veio alegar, pela primeira vez, diga-se, que não foi ainda renovado o acto de liquidação na sequência da anterior anulação judicial do acto de fixação da matéria colectável (conclusão 23).
Mas esta alegação não altera o que quer que seja.
Desde logo porque esta alegação é nova e, como tal, insusceptível de ser conhecida por esse Venerando Tribunal.
Depois, porque, ainda que assim não se considere, o certo é que continua a verificar-se o inultrapassável obstáculo que acima apontámos à procedência da pretensão da Recorrente decorrente do facto de não se poder conhecer de um vício que é próprio de um acto na impugnação contenciosa de outro acto para, com base nele, anular este.
Finalmente, porque não faz qualquer sentido atacar contenciosamente, ainda que de modo enviesado, um acto tributário que não foi praticado (salvo, naturalmente, quando se trate de actos juridicamente inexistentes). Se o direito à liquidação não foi exercido, como agora alega a Recorrente, não pode esta invocar judicialmente a caducidade desse direito porquanto falta o acto tributário que consubstancia o exercício do mesmo por parte da Administração. Se, entretanto, a Administração Fiscal praticou ou vier a praticar um novo acto de liquidação, estará o mesmo sujeito a impugnação contenciosa, uma vez esgotadas as necessárias vias graciosas, nos termos legais.
Por tentador que seja, é legalmente inviável, neste contexto, «matar dois coelhos de uma cajadada», se nos é permitida a expressão, procurando impedir a Administração de, através do ataque contencioso ao acto destacável com base num vício que não é próprio dele, praticar um novo acto de liquidação, dessa forma libertando a Recorrente do ónus da respectiva impugnação, no que seria uma espécie de antecipação de tutela judicial que a lei obviamente não contempla.
2.1.4.
Uma última nota.
Aparentemente, pelo que a Recorrente agora alegou no sentido de que não terá sido efectuada uma nova liquidação de imposto na sequência da anterior anulação do acto de revisão da fixação da matéria colectável, a Administração Fiscal considera que o primitivo acto de liquidação se mantém na ordem jurídica, daí que o não tenha renovado, e que, por isso, o mesmo constituirá título jurídico bastante para justificar e dar cobertura, à transferência patrimonial da Recorrente para a Administração que, a seu tempo, teve lugar através do pagamento do imposto liquidado.
Se é esse o entendimento da Administração Fiscal, então ele é errado.
É incontroverso que a anterior liquidação foi feita dentro do prazo legal de 5 anos a que se refere o artigo 55.º do RICR e que, por isso, manifestamente, não padece do vício da caducidade do direito à liquidação.
No entanto, a anulação judicial do acto de revisão da fixação da matéria colectável implicou, como já referimos, que o acto de liquidação, como acto consequente, tenha ficado ferido de nulidade, nos termos previstos na alínea i) do n.º 1 do artigo 122.º do CPA. Como tal, impunha-se que a Administração, na sequência da anulação contenciosa anteriormente decretada do acto de fixação da matéria colectável, tivesse renovado não só o acto anulado mas também que tivesse praticado um novo acto de liquidação. Não o tendo feito, por considerar que o anterior acto de liquidação se mantém na ordem jurídica, tem a Recorrente a possibilidade de, acaso pretenda a inequívoca eliminação desse acto da ordem jurídica, a todo o tempo, interpor recurso contencioso autónomo do mesmo, pedindo, precisamente, a respectiva declaração de nulidade. Isto, note-se, sem prejuízo de, se tal nulidade vier a ser declarada, a Administração, no pressuposto da improcedência da impugnação contenciosa do acto de revisão da fixação da matéria colectável (o acto recorrido nestes autos), poder, legalmente, proceder à sua renovação, dada a natureza formal do vício que conduziu à prévia anulação judicial do acto destacável (quanto a este último ponto, também neste mesmo sentido, veja-se o Ac. do STA de Portugal de 4.11.2009, processo n.º 665/09, disponível no endereço electrónico www.dgsi.pt, onde acertadamente se decidiu: «nos casos em há autonomização da impugnação contenciosa do acto de avaliação, quando a invalidade de um acto de liquidação deriva exclusivamente da invalidade daquele anterior acto, a natureza do vício que afecta o acto consequente é a mesma do vício que afecta o acto pressuposto». Discutível será apenas se essa renovação, a ter lugar, tem ou não eficácia retroactiva dado tratar-se de um acto impositivo de deveres).
Em todo o caso, importa sublinhar, esse pedido de declaração de nulidade terá de ser feito em recurso contencioso autónomo.
Concluindo, diremos que decidiu bem, em nosso modesto entender, a Meritíssima Juíza do Tribunal Administrativo quando julgou improcedente o alegado vício da caducidade do direito à liquidação, devendo, por isso, ser desatendido este primeiro fundamento do recurso jurisdicional (contrariamente ao que decidiu esse Venerando Tribunal nos recentes acórdãos de 24 de Junho de 2020, tirados nos processos 326/2020 e 327/2020, que obviamente respeitamos mas com os quais não podemos, de forma alguma, concordar).
2.2.
2.2.1.
Abordemos agora a segunda das questões colocadas pela Recorrente no presente recurso.
Se bem alcançamos o sentido da alegação da Recorrente, quer na petição inicial do recurso contencioso quer, agora, no recurso jurisdicional, a mesma considera que os rendimentos que auferiu no ano de 2012 tiveram a sua origem num contrato que celebrou com a B (B), o qual, pelo que diz, é um contrato de associação em participação, enquadrável no artigo 551.º do Código Comercial. Nos termos desse contrato, a Recorrente, como associada, participa nos lucros da B, enquanto associante, restringindo-se essa associação a uma remuneração mensal por participação nas receitas da B na actividade de jogos de fortuna ou azar no casino situado num espaço localizado dentro de determinado hotel. Ainda de acordo com a alegação da Recorrente, a proprietária do dito hotel concedeu-lhe uma autorização para o uso do espaço afecto à actividade de casino, consistindo a contribuição patrimonial da Recorrente em facultar à B o acesso a esse espaço e, adicionalmente, a assunção de todos os encargos inerentes ao marketing, promoção, publicidade, gestão e angariação de clientes e coordenação de todas as actividade do casino.
Por outro lado, a Recorrente considera que o entendimento da Direcção dos Serviços de Finanças nesta matéria, desde 2006 e mantido em 2013, tem sido o de considerar isentos de imposto complementar de rendimentos, os montantes pagos pela B, no âmbito da sua actividade de jogo, como remuneração às suas associadas através de acordos de natureza idêntica ao que aquela Sociedade celebrou com a ora Recorrente.
Por isso, a Administração Fiscal teria incorrido num vício de direito, relativamente à qualificação jurídica do contrato celebrado entre a Recorrente e a B, considerando-o em termos absolutamente distintos da forma como qualifica os demais contratos de idêntica natureza celebrados entre a B e as suas associadas para, depois, negar a isenção de imposto complementar que concede às demais associadas da B.
Ainda segundo a Recorrente, o acto recorrido também estaria afectado do vício de violação de lei por ofensa aos princípios da igualdade, da justiça e da imparcialidade.
2.2.2.
Salvo o devido respeito, parece-nos que o acto recorrido não se mostra viciado pelo erro nos pressupostos de facto e de direito por si invocado em sede de recurso contencioso.
Procuraremos, em termos breves, demonstrar porquê.
Desde logo, importa que comecemos por analisar a fundamentação do acto recorrido de modo a que se possam apreender as razões ou motivos de facto e de direito que estiveram na base da sua prática.
Daquela fundamentação resulta que a Administração Fiscal decidiu indeferir a reclamação do acto de fixação da matéria colectável apresentada pela Recorrente com base, entre outras, nas seguintes razões:
(i) O imposto complementar incide sobre o rendimento global definido nos termos do artigo 3.º do RICR que as pessoas singulares ou colectivas aufiram na Região (ponto 1 da fundamentação do acto recorrido);
(ii) O rendimento global é o lucro líquido anual derivado do exercício de actividade comercial ou industrial (ponto 2 da fundamentação do acto recorrido);
(iii) A ora Recorrente pertence ao grupo A, sendo tributada com base nos lucros efectivamente determinados através da contabilidade devidamente organizada (ponto 4 da fundamentação do acto recorrido);
(iv) A ora Recorrente não se enquadra em qualquer norma de isenção das previstas no RICR, nomeadamente na prevista no respectivo artigo 9.º, nem se enquadra na previsão do n.º 2 do artigo 28.º da Lei n.º 16/2001, dado que não é concessionária da exploração de jogos de fortuna ou azar (pontos 5, 6 e 7 da fundamentação do acto recorrido);
(v) A B, na qualidade de concessionária, é tributada no imposto especial sobre o jogo, enquanto a Recorrente aufere um rendimento como contrapartida pela prestação de um serviço à B (ponto 12 da fundamentação do acto recorrido);
(vi) A lei não deixa à entidade tributária uma margem de discricionariedade aquando da fixação do rendimento colectável do imposto complementar e assim, verificada a incidência objectiva e subjectiva do imposto complementar de rendimentos, a Administração Fiscal extrai as consequências jurídicas da verificação dos pressupostos da tributação (pontos 10 e 15 da fundamentação do acto recorrido).
Sendo esta, pelo menos em parte, a fundamentação do acto, não se vê que o mesmo enferme do vício de erro nos pressupostos de facto e de direito que lhe é imputado pela Recorrente.
Desde logo, tal como já sucedia no recurso contencioso, a Recorrente continua a não invocar qualquer norma fiscal relevante, seja norma de incidência positiva, seja norma de incidência negativa que dê o indispensável suporte jurídico à sua pretensão anulatória do acto recorrido.
Se bem vemos, a Recorrente continua a insistir num equívoco, laborando, assim, em manifesto erro. Na verdade, ao contrário do que alega no ponto 4 das conclusões do seu douto recurso, o ponto essencial da fundamentação do acto recorrido não é o de que a remuneração por si obtida no quadro do contrato que celebrou com a B esteja sujeita a tributação em sede de imposto complementar em virtude de o seu contrato, ao contrário do que sucedeu com os contratos de outras sociedades que também têm relações comerciais com a B, não ter sido autorizado pela Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos (DICJ).
É certo que no ponto 8 da fundamentação da deliberação recorrida, a Comissão de Revisão compara expressamente a situação da reclamante com a de outros contribuintes, designadamente aqueles cujo contrato com a B tenha sido autorizado (leia-se: autorizado pela Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos), considerando que estamos perante situações diferentes, e, em consequência, não haveria violação do princípio da igualdade.
Todavia, basta ler a restante fundamentação do acto recorrido para perceber que não foi com base na razão enunciada nesse ponto 8 que a Entidade Recorrida decidiu da forma que decidiu.
O que resulta, fora de dúvida, da fundamentação do acto recorrido é que a Recorrente é uma pessoa colectiva (sociedade comercial) que, no exercício correspondente ao ano de 2012, auferiu na RAEM rendimentos provenientes de uma actividade comercial que aqui desenvolveu. Por isso, nos termos do artigo 2.º e do artigo 3.º, n.º 1, alínea a) do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos (RICR), estão preenchidos pressupostos legais positivos de incidência tributária em sede de imposto complementar (sempre se diga que a ora Recorrente é, fora de dúvida, uma empresária comercial e a actividade que desenvolveu e da qual provieram os rendimento tributados é uma actividade comercial, nos termos resultantes do disposto nos artigos 1.º, alínea b), 2.º, n.º 1 e 3.º do Código Comercial. Tanto assim que a ora Recorrente apresentou em devido tempo a sua declaração de rendimentos para efeitos de imposto complementar modelo M/1).
Por outro lado, como igualmente resulta do acto recorrido, não se vislumbra que a Recorrente se enquadre em qualquer previsão normativa que consagre uma isenção fiscal em relação a tais rendimentos. Nomeadamente, a Recorrente não se enquadra no âmbito subjectivo da previsão do n.º 2 do artigo 28.º da Lei n.º 16/2001 (regime jurídico da exploração de jogos de fortuna ou azar em casino), pois que esta apenas abrange as concessionárias da exploração de jogo de fortuna ou azar, qualidade que a Recorrente manifestamente não detém, nem os seus rendimentos são enquadráveis em qualquer das alíneas elencadas no artigo 9.º do RICR, nomeadamente na da alínea e) do seu n.º 1.
Assim, verificando-se os pressupostos de incidência subjectiva e objectiva do imposto complementar e não havendo norma legal que imponha ou permita a isenção da tributação, estava a Administração Fiscal, por força do princípio da legalidade administrativa consagrado no n.º 1 do artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo, obrigada a fixar a matéria colectável com vista à subsequente liquidação do imposto devido nos termos em que o fez, tal como, expressa e inequivocamente resulta da fundamentação do acto recorrido.
De resto, não vemos como poderia ser de modo diverso.
É verdade que, como já referimos, no ponto 8 e no ponto 17 da aludida fundamentação, a Comissão de Revisão fez apelo a outras considerações motivantes para além destas que mencionámos, qualificando o contrato celebrado entre a B e a ora Recorrente como um contrato de prestação de serviços e distinguindo a situação da ora Recorrente da de outras «associadas» da B.
Todavia, o facto de a Entidade Recorrida ter feito essas considerações e ter invocado tais motivos não tem a implicação invalidante do acto recorrido que a Recorrente, erradamente, insiste em atribuir-lhe.
Com efeito, a obrigação tributária é uma obrigação ex lege e não ex voluntate, o que quer dizer que a obrigação nasce pela mera concretização de um dado pressuposto legal, sendo irrelevante ao seu conteúdo e validade a vontade da administração ou do contribuinte (cfr., nestes termos, por todos, SÉRGIO VASQUES, Manual…, p. 420).
Assim, ainda que se viesse a considerar que, em relação àqueles fundamentos excrescentes, a Administração Fiscal actuou em erro, nem por isso a consequência dessa actuação seria a da anulação do acto recorrido.
É que, estando assegurada a validade substantiva do acto recorrido por alguns dos fundamentos expressamente invocados pela Entidade Recorrida, sempre será inoperante, caso exista, a ilegalidade derivada da chamada motivação superabundante (neste sentido, pode ver-se, na jurisprudência comparada, o Ac. do STA de 5.5.2007, processo n.º 0730/06, disponível no endereço electrónico www.dgsi.pt).
Ao que acresce que, a circunstância de a Administração Fiscal, alegadamente, não ter seguido, no caso da Recorrente, o entendimento que anteriormente definira para casos semelhantes, não gera a ilegalidade do acto recorrido, quando se constata que este resultou, como aqui sucede, de uma correcta aplicação vinculada da lei.
Aliás, as isenções fiscais, pois que é isso que, no fim de contas a Recorrente pretende ver reconhecido, por isso que representam despesa fiscal, estão sujeitas, como é evidente, ao princípio da legalidade. Portanto, a Administração fiscal só pode isentar um contribuinte do pagamento de imposto quando, em relação a ele se verifiquem, os pressupostos legais para conceder tal isenção (neste mesmo sentido de que a Administração carece de lei habilitante para poder isentar os contribuintes de impostos ou de taxas, veja-se o Ac. do Tribunal de Última Instância de 22.6.2016, processo n.º 20/2016). Ora, manifestamente, isso não sucede no caso presente. A Recorrente não preenche os pressupostos legalmente previstos de qualquer isenção fiscal de imposto complementar de rendimentos, pelo que resulta deslocada, com todo o respeito o dizemos, a invocação que aquela faz dos princípios gerais da actuação administrativa para, com base numa alegada violação dos mesmos, sustentar a ilegalidade do acto recorrido (de resto, como é sabido e tem sido continuamente reafirmado pelos nossos tribunais, a violação de tais princípios só assume relevância autónoma quando está em causa o exercício de poderes discricionários por parte da Administração, o que, no caso, não sucede: entre muito outros e por último, veja-se o Ac. do Tribunal de Última Instância de 18.9.2019, processo n.º 26/2019).
Ainda que a Administração Fiscal tenha reconhecido a isenção de tributação em sede de imposto complementar relativamente a rendimentos remuneratórios obtidos por outras sociedades comerciais no âmbito de contratos de tais sociedades celebrados com a B e em tudo idênticos àquele que foi celebrado entre esta e a Recorrente, é pacífico que esta nunca poderia fundar aí a sua pretensão impugnatória na exacta medida em que, a ser assim, aquele alegado reconhecimento sempre estaria ferido de ilegalidade, ao invés, como vimos, do que sucede com o acto recorrido: keine Gleichheit im Unrecht!
Eis porque, em nosso parecer, a douta decisão recorrida andou bem ao julgar improcedente o alegado vício de erro nos pressupostos de facto e de direito e de violação dos princípios gerais da actividade administrativa invocado pela Recorrente.
2.3.
2.3.1.
Do mesmo modo, e com isto entramos na análise da última das questões pleiteadas pela Recorrente no presente recurso, entendemos que a sentença impugnada não é merecedora de censura por ter desatendido o invocado vício de violação de lei do acto recorrido, por, alegadamente, ter afrontado a intenção do Governo da Região, ao longo dos anos, de pretender eliminar a dupla tributação (cfr. conclusões 29 e 38 das alegações de recurso).
Para a Recorrente existiria uma identidade de normas a tributar o rendimento gerado no casino que resultam da aplicação conjunta dos artigos 27.º e 28.º da Lei n.º 16/2001 e do artigo 3.º do RICR, sendo manifesta, segundo alega, a existência de identidade do facto tributário, dado haver uma sobreposição dos valores a considerar como matéria colectável verificando-se, por isso, uma verdadeira situação de dupla tributação.
2.3.2
Também aqui, pelos motivos que de seguida enunciaremos, parece-nos que a Recorrente não tem razão.
A dupla tributação distingue-se da duplicação de colecta na medida em que, nesta, ocorre a aplicação repetida da mesma norma de incidência ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo, exigindo-se do contribuinte o pagamento de um imposto que este, ou um terceiro, já pagou, ao passo que, naquela, são várias as normas de incidência que se aplicam ao mesmo facto tributário.
Em abstracto, a dupla tributação não só não é ilegal como pode até ser desejada pelo legislador (neste sentido, na jurisprudência portuguesa, cfr. o Ac. do STA de 12.7.2006, processo n.º 126/06, disponível no endereço electrónico www.dgsi.pt).
Portanto, ao contrário do que parece ser o douto entendimento da Recorrente, a chamada dupla tributação, diferentemente do que sucede com a duplicação de colecta, que, no caso, não foi alegada nem ocorre, dada a falta da identidade do imposto, não é geradora da ilegalidade do acto tributário (apesar de, entre nós, estar prevista expressamente como fundamento de oposição à execução fiscal, na alínea d) do artigo 169.º do Código das Execuções Fiscais, deve entender-se que a duplicação de colecta pode constituir vício gerador da anulabilidade da liquidação e, portanto, fundamento de recurso contencioso desse acto, veja-se, na jurisprudência comparada portuguesa, entre outros, o Ac. do STA de 8.7.2009, processo n.º 530/09, disponível para consulta no endereço electrónico www.dgsi.pt).
É certo que a tributação da B pelas receitas da exploração de jogo de fortuna ou azar em sede de imposto especial sobre o jogo e a tributação da ora Recorrente em sede de imposto complementar de rendimentos por uma remuneração derivada daquelas receitas, pode consubstanciar uma situação de dupla tributação económica, porquanto existe tributação do mesmo rendimento, relativamente ao mesmo período de tempo na esfera de dois sujeitos passivos diferentes, mas, como se disse, a dupla tributação, seja económica seja jurídica, não gera, por si, a ilegalidade da liquidação de um imposto nem, anteriormente, do acto destacável da fixação da matéria colectável.
De resto, a existência da previsão constante do n.º 2 do artigo 28.º da Lei n.º 16/2001 (cujo teor é o seguinte: «Quando motivo de interesse público o justifique, o Chefe do Executivo pode isentar, temporária e excepcionalmente, total ou parcialmente, as concessionárias do pagamento do imposto complementar de rendimentos») é demonstração bastante, cremos, de que, em princípio, não há obstáculo legal à tributação de rendimentos em sede de imposto especial sobre o jogo e de imposto complementar de rendimentos, na medida em que o mecanismo de eliminação da tributação do mesmo sujeito passivo através de impostos diferentes mas incidentes sobre o mesmo rendimento ali contemplado não é de funcionamento automático, antes depende de uma apreciação casuística, sendo justificada com base no concreto motivo de interesse público.
Por isso, também neste particular nos parece que decidiu bem a Meritíssima Juíza do Tribunal Administrativo, devendo, como tal, improceder este fundamento do presente recurso jurisdicional.
3.
Face ao exposto, salvo melhor opinião, somos de parecer de que deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo-se na ordem jurídica a douta sentença recorrida…”.
*
Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
*
II – Factos
Foi assente a seguinte factualidade pelo Tribunal a quo:
1. Por ofício com n.º de referência: 55/CONF/2012 datado de 18/01/2012, à solicitação da Direcção dos Serviços de Finanças (D.S.F.), a Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos deu resposta quanto às informações solicitadas sobre a lista das sociedades autorizadas a celebrar contratos de prestação de serviço com as concessionárias de jogos de fortuna ou azar, nela se incluem C S.A. (Sociedade de Investimento Predial C, S.A.), D S.A. e E Lda. (cfr. fls. 79 e 89 a 96 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
2. Pelo despacho de “concordância” do Senhor Secretário para a Economia e Finanças exarado sobre o relatório n.º 051/DIR/2012, de 09/01/2013, foi determinado a manutenção do entendimento exposto no ofício com n.º de referência: 123/NAJ/JJ/06, emitido pela D.S.F., de que os lucros da Sociedade de Investimento Predial C, S.A. provenientes das actividades de jogos e referidos no contrato de prestação de serviço celebrado com a B, S.A., não serão considerados para efeitos do imposto complementar de rendimentos (cfr. fls. 86, 100 a 103 e 105 a 108 e verso dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
3. Em 03/06/2013, a Recorrente apresentou a declaração de rendimentos do imposto complementar de rendimentos – Grupo “A”, modelo M/1, respeitante ao exercício de 2012, tendo declarado como lucro tributável negativo ou prejuízo no valor de MOP115.706,00, com a junção dos documentos comprovativos (cfr. sentença proferida a fls. 260 a 264 dos autos do recurso contencioso fiscal do processo n.º 1264/16-CF, a fls. 46 a 50 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
4. Em 14/05/2015, a Comissão de Fixação da D.S.F. fixou o rendimento colectável do imposto complementar de rendimentos – Grupo “A” da Recorrente referente ao exercício de 2012, no valor de MOP8.447.816,00 (cfr. idem).
5. Em 26/08/2015, o Director da D.S.F. emitiu à Recorrente a notificação de fixação de rendimento do imposto complementar de rendimentos (cfr. idem).
6. Em 15/09/2015, a Recorrente apresentou a reclamação contra a decisão de fixação junto do Presidente da Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos (cfr. idem).
7. Pela deliberação datada de 28/12/2015, a Entidade Recorrida deliberou negar provimento à reclamação, mantendo o rendimento colectável da Recorrente para o exercício de 2012 no valor de MOP8.447.816,00, com a aplicação do agravamento de 0.15% sobre a colecta de MOP986.738,00 (cfr. idem).
8. A Recorrente apresentou o recurso contencioso fiscal contra a supradita deliberação junto deste Tribunal, autuado sob o processo n.º 1264/16-CF. Em 13/12/2017, foi julgada procedente o respectivo recurso contencioso com a consequente anulação da deliberação recorrida (cfr. idem).
9. Pela decisão de 11/10/2018 proferida nos autos do recurso jurisdicional interposto junto do Venerando Tribunal de Segunda Instância com processo n.º 352/2018 contra a decisão acima deste Tribunal, foi negado provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Entidade Recorrida, mantendo-se a sentença recorrida (cfr. fls. 51 a 63 e verso dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
10. Pela deliberação datada de 29/11/2018, a Entidade Recorrida voltou a negar provimento à reclamação da Recorrente, mantendo o rendimento colectável da Recorrente para o exercício de 2012 no valor de MOP8.447.816,00, com a aplicação do agravamento de 0.15% sobre a colecta de MOP986.738,00 (cfr. fls. 1v a 3 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
11. Por ofício com n.º de referência: 140/DAIJ/CRIC/18, foi a Recorrente notificada da deliberação da Entidade Recorrida de 29/11/2018 (cfr. fls. 1 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
12. Em resposta ao requerimento da Recorrente, foi deliberado pela Entidade Recorrida a fim de esclarecer o fundamento da deliberação de 29/11/2018 (cfr. fls. 43 a 44 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
13. Em 22/01/2019, a Recorrente interpôs o recurso contencioso fiscal contra a supradita deliberação da Entidade Recorrida de 29/11/2018 (cfr. fls. 2 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
*
III – Fundamentação
1. Da caducidade da liquidação:
O Tribunal a quo julgou improcedente a caducidade da liquidação suscitada pela Recorrente nos seguintes termos:
“…
Da caducidade do direito à liquidação
A recorrente pede ainda a anulação do acto recorrido por prescrição do direito à liquidação, previsto no art.º 55.º da Lei n.º 21/78/M «Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos» (RICR), de 9 de Setembro, por o acto recorrido sido notificado em Dezembro de 2018.
Estipula o art.º 55.º do «Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos»:
“Artigo 55.º
(Prescrição)
1. A liquidação do imposto complementar prescreve decorridos cinco anos sobre aquele a que o rendimento colectável respeitar.
2. Verificada a omissão ao lançamento, proceder-se-á à determinação do rendimento colectável e à liquidação do imposto que for devido, observando-se as disposições deste regulamento.”
A citada disposição diz respeito ao prazo de prescrição da liquidação do imposto complementar de rendimentos, o que manifestamente não se trata no caso em apreço, por aqui se versar sobre a fixação do rendimento colectável da recorrente e a respectiva revisão.
Daí não se faz suporte legal adequado e correcto a fim de sustentar a alegada ilegalidade do acto recorrido, praticado mormente a fim de dar cumprimento à decisão judicial dentro do prazo e limites legais impostos nos termos dos n.ºs 1 e 3 do art.º 174.º do C.P.A.C..
De outro lado, tal como se refere atrás, a sentença anulatória em causa conduz apenas à anulação da decisão de indeferimento da reclamação e não projecta efeitos anulatórios sobre o acto de fixação do rendimento colectável da recorrente que o antecede. Assim sendo, a liquidação sobre o acto de fixação feita dentro do prazo de prescrição não está afectada e mantém-se. Não é verificada a prescrição aludida no n.º 1 do art.º 55.º do RICR.
Nesta conformidade, é de improceder o presente argumento…”.
O Dignº Magistrado do Mº Pº junto deste TSI, no seu parecer final, manifestou a sua concordância com a posição supra transcrita.
Cumpre agora decidir.
Num primeiro momento, afigura-se que tanto o Tribunal a quo como o Dignº Magistrado do Mº Pº tenham razão no sentido de que não devia invocar o vício próprio da liquidação – sua caducidade – no recurso contencioso cujo objecto é o acto de fixação de rendimento colectável.
Na realidade, o acto de fixação de rendimento e o acto de liquidação são dois actos distintos, ambos destacáveis para efeitos de impugnação contenciosa autónoma.
No entanto, melhor analisada a situação concreta do caso e tendo em conta a coerência e lógica do sistema legal, temos um outro entendimento.
Se perante os elementos existentes nos autos, não temos qualquer margem de dúvida de que já se caducou o direito de liquidação e sendo esta caducidade de conhecimento oficiosa (por ser matéria excluída da disponibilidade das partes – cfr. nº 1 do artº 325º do C.C.), pergunta-se então qual a utilidade prática da manutenção do acto de fixação do rendimento colectável, sendo este como acto preparatório (são aqueles que têm em vista preparar o acto tributário, habilitando a autoridade competente a manifestar uma vontade conforme à lei, isto é, inscrevem-se directamente no processo de manifestação de vontade da Administração fiscal de que representam a expressa resolução de algum ou alguns dos seus antecendentes lógicos) 1 ou pressuposto do acto de liquidação (são aqueles actos de qualificação jurídica de situações cuja verificação a lei reputa indispensável para que o acto tributário se possa praticar, ou se possa praticar de certo modo) 2?
É certo que a lei só prevê a caducidade da liquidação e não prevê a caducidade da fixação do rendimento colectável.
Contudo, sendo a fixação do rendimento colectável como acto preparatório ou pressuposto da liquidação, por coerência e lógica do sistema, a mesma também tem de ser feita, pelo menos, antes do prazo da caducidade legalmente prevista para o acto de liquidação.
Ou seja, o prazo de 5 anos para a caducidade da liquidação previsto no artº 55º do RICR também se aplica ou reflecta, na prática, para o acto de fixação de rendimento colectável.
Nesta conformidade e salvo o devido respeito da opinião contrária, entendemos que o decurso do prazo da caducidade da liquidação prevista no artº 55º do RICR pode servir como fundamento do recurso contencioso cujo objecto é o acto de fixação de rendimento colectável.
No caso em apreço, com a anulação do acto de fixação de rendimento anterior por decisão judicial, o acto de liquidação inicialmente feita com base naquele acto também deixou de existir, pois, o acto consequente do acto anulado é nulo – cfr. al. i) do nº 1 do artº 122º do CPA.
Assim, a Entidade Recorrida ao praticar o novo acto de indeferimento da reclamação apresentada pela Recorrente em 29/11/2018, está a praticar um novo acto de fixação de rendimento colectável referente ao exercício de 2012, o que já passou o prazo de 5 anos da caducidade da liquidação prevista no artº 55º do RICR.
Como já supra referimos, não podendo a liquidação ser feita depois do decurso do prazo da caducidade de 5 anos, muito menos pode o fazer para o acto de fixação do rendimento colectável, tendo em conta a relação intrínseca desses dois actos, bem como a coerência e lógica do sistema legal.
O que conduz, inevitavelmente, a anulação do acto recorrido.
2. Outros fundamentos do recurso jurisdicional:
Face ao supra decidido, torna-se desnecessário apreciar os demais fundamentos do recurso jurisdicional invocados.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conceder provimento ao presente recurso jurisdicional, revogando a sentença recorrida e anulando o acto recorrido.
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Sem custas em ambas as instâncias, por a Entidade Recorrida gozar da isenção subjectiva.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 08 de Outubro de 2020.
Ho Wai Neng
Tong Hoi Fong
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
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Mai Man Ieng
1 Vide Acórdão do então Tribunal Superior de Macau, de 18/11/1998, Proc. nº 927.
2 Idem
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505/2020