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Processo n.º 1101/2019
(Autos de recurso cível)

Data: 15/Outubro/2020

Descritores:
- Depósito de quantia condenada
- Contagem de juros

SUMÁRIO
Estando pendente acção declarativa ou executiva, o devedor pode evitar a tramitação ulterior, manifestando o seu desejo de pagar a dívida ao credor, nos termos previstos no artigo 928.º do CPC. Sendo assim, a consignação em depósito funciona como incidente da acção ou execução pendente, pois tem que ser requerida nos autos da acção ou execução, com vista a livrar a obrigação que o devedor tem para com o credor.
Havendo lugar a recurso jurisdicional, o facto de a parte vencida ter depositado a quantia a que foi condenada a pagar em primeira instância, acrescida de juros a contar desde a data da sentença até à data do depósito, não faz precludir o direito da parte vencedora de receber os juros a que tem direito conforme se decidiu na sentença de primeira instância e no Acórdão do Tribunal de Segunda Instância.
Em bom rigor, se a parte vencida não queria que se acumulassem os juros por causa da demora na tramitação recursal, deveria ter pedido a entrega da quantia indemnizatória a favor do credor, o que não é o caso.


O Relator,

________________
Tong Hio Fong

Processo n.º 1101/2019
(Autos de recurso cível)

Data: 15/Outubro/2020

Recorrente:
- A (autora, exequente e embargada)

Recorrida:
- Companhia de Seguros B, SARL (ré, executada e embargante)

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
Nos autos de execução instaurados por A, foi requerida a liquidação de sentença quanto aos juros alegadamente devidos pela Companhia de Seguros B, SARL.
Contra a execução veio a Companhia de Seguros B, SARL deduzir embargos de executado e contestar a liquidação.
Posteriormente, pelo Tribunal a quo foram julgados improcedentes os embargos e rejeitada a liquidação proposta pela exequente.
Inconformada, recorreu a exequente A jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1. No âmbito do processo-crime n.º CR2-15-0011-PCC, por douta Sentença proferida em 17/01/2017, foi atribuída à ora Recorrente a quantia indemnizatória de MOP$2.384.202,00, com juros legais a contar desde essa data.
2. Recorreu a Demandada Cível para o Venerando TSI, que, por douto Acórdão de 20/07/2017 reduziu a indemnização a título de danos não patrimoniais, fixando-se o total da indemnização no valor de MOP$2.279.202,00, mantendo-se ainda a condenação no pagamento de juros, que, quanto aos danos não patrimoniais, deveriam ser contabilizados somente desde essa data.
3. Ainda recorreu a Demandada Cível dessa decisão para o Venerando TUI, que por acórdão de 10/01/2018, indeferiu provimento ao recurso, mantendo-se inteiramente o previamente decidido.
4. A Demandada Cível, no dia 8 de Março de 2017, depositou a quantia a que foi condenada a pagar em primeira instância acrescida de juros a contar desde a data da Sentença até à data desse depósito – num total de MOP$2.416.045,79.
5. Conforme decorre de fls. 833 dos autos principais, esse depósito foi acompanhado de um requerimento no qual a Demandada Cível requereu que esse depósito não fosse disponibilizado à Demandante, requerimento esse deferido pelo Tribunal a quo.
6. Só após o trânsito em julgado da decisão final do Venerando TUI, no dia 25 de Janeiro de 2018, é que foi a Requerente autorizada a levantar o depósito efectuado pela Demandada nos autos, o que efectivamente o fez no dia 16 de Março de 2018.
7. E só aí reparou que o montante que lhe tinha sido pago fôra somente o valor de MOP$2.279.202,00, ou seja, o valor indemnizatório definitivo fixado pelo Venerando TSI, sem a inclusão qualquer quantia a título de juros.
8. A Recorrente viu-se obrigada a reclamar o pagamento dos juros atribuídos pela via executiva.
9. A Executada/Demandada Cível, ora Recorrida, deduziu embargos de executado defendendo que por força do depósito que efectuou da quantia indemnizatória arbitrada pelo TJB, mais nenhuns juros deve ser obrigada a pagar.
10. No passado dia 20 de Março foi então proferida nestes autos douta Sentença julgando os embargos improcedentes.
11. Sendo no entanto rejeitada a liquidação proposta pela Exequente, decidindo-se que a contagem dos juros deve ser calculada somente entre o período compreendido entre a prolação da Sentença do TJB e a data do depósito que a Demandada Cível efectuou nos autos da quantia indemnizatória.
12. Considerou, portanto, o douto Tribunal, que o depósito efectuado pela Demandada Cível a 8 de Março de 2017 sustou a acumulação de juros a partir dessa data.
13. A nossa ver, e salvo o devido respeito por entendimento diverso, não se pode considerar que esse depósito teve o condão de interromper a acumulação dos juros fixados.
14. A Demandada Cível requereu expressamente que esse depósito não fosse disponibilizado à Demandante, e isso foi efectivamente aceite pelo douto Tribunal, não tendo sequer aquela sido notificada desse acto.
15. Resultando patentemente dos autos que essa quantia depositada, efectivamente, não foi disponibilizada à Demandante Cível, tal como foi requerido pela Demandada Cível.
16. É certo que vem sendo prática corrente em Macau o depósito de quantias indemnizatórias arbitradas em primeira instância com o intuito de fazer sustar a contagem de juros durante a fase de recurso mas, em tais casos, é o indemnizado livre de levantar o dinheiro depositado, a sua conta e risco.
17. A contagem de juros só pode ser interrompida quando o credor do depósito aceda, ou tenha a possibilidade de aceder, à quantia depositada.
18. Se o credor – neste caso a Recorrente – não tem a possibilidade de ter o capital na sua posse, se dele não pode dispor, então continua a existir uma situação de retardamento do cumprimento da obrigação.
19. A mora extingue-se com o pagamento da dívida ao credor, sendo que no caso dos autos, o valor indemnizatório foi depositado à ordem do Tribunal e não a favor da Embargada, não lhe sendo a quantia disponibilizada.
20. Como tal manteve-se a necessidade de a recompensar pela mora no cumprimento, que só deve findar a partir do momento em que ela pôde efectivamente levantar a quantia depositada, o que só sucedeu depois do trânsito em julgado da sentença proferida nos autos principais.
21. O Tribunal a quo considerou que, por virtude do depósito efectuado, não se verifica o disposto no art.º 793º, n.º 2 do Código Civil.
22. Mas, com efeito, a prestação só se cumpre quando é efectuada à pessoa do credor, nos termos do disposto no art.º 759º do Código Civil.
23. E a prestação sub judice foi efectuada à ordem do Tribunal, com requerimento expresso no sentido de esse valor não ser disponibilizado à Demandante, não se podendo dizer que que a prestação tenha sido cumprida.
24. Não se podendo concordar com a tese de que a prestação tenha sido efectuada a quem de direito, nem tampouco que, in casu, o depósito efectuado tenha sustado a acumulação dos juros devidos à Recorrente por parte Recorrida.
25. Ao decidir como decidiu, afigura-se que o douto Tribunal a quo incorreu em violação de lei, nomeadamente dos artigos 752º, 759º, 793º e 795º do Código Civil de Macau.
Termos em que, pelos fundamentos expostos e nos demais de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, sendo consequentemente revogada a douta Sentença recorrida e substituída por outra na qual se condene a Embargante a pagar juros de mora à taxa legal sobre a quantia indemnizatória arbitrada contabilizados desde a prolação da Sentença e do Acórdão (quanto aos danos não patrimoniais) nos autos principais e mais aqueles que se continuarem a vencer até ao integral e efectivo pagamento do valor em dívida.
Assim se fazendo a tão costumada, JUSTIÇA!”
*
Ao recurso respondeu a executada Companhia de Seguros B, SARL, formulando as seguintes conclusões alegatórias:
“I. Centra-se o presente recurso na impugnação da decisão que julgou procedente a oposição deduzida pela Embargante à liquidação dos juros moratórios efectuada pela Embargante no seu requerimento executivo, rejeitando-a, a qual considerou que os juros que devem ser apenas contabilizados e por serem ainda devidos à Embargada, são relativamente ao valor arbitrado a título de danos patrimoniais (MOP$1.684.202,00), desde a data da prolação da sentença proferida em Primeira Instância (17/01/2017) até ao dia em que a Embargante procedeu ao depósito do “quantum” indemnizatório à ordem dos autos principais (08/03/2017) por entender que o depósito efectuado nos autos pela Embargante não pode ser motivo para a sustar a acumulação dos juros moratórios, pedindo, a final, que os juros de mora à taxa legal relativos à quantia arbitrada a título dos danos patrimoniais “… sejam contabilizados desde a prolação da Sentença e do Acórdão…”.
II. O que, no nosso entender, salvo sábia decisão em contrário, a decisão recorrida não merece qualquer reparo e inclusive esteve bem o Juiz “a quo” ao determinar a contabilização dos juros moratórios desde a data da prolação da sentença pela Primeira Instância até à data do depósito efectuado, somente quanto aos danos patrimoniais, por ter ali constatado que não foram contemplados nos cálculos que deram origem à decisão proferida nos autos principais a fls. 999, ou seja, a quantia ordenada entregar, no montante de MOP$2.279.202,00, à Embargada Recorrente, não incluiu o cálculo dos juros moratórios vencidos sobre o montante dos danos patrimoniais (MOP$1.684.202,00) referente ao período compreendido entre os dias 17/01/2017 e 08/03/2017.
III. Embora a referida decisão de fls. 999 dos autos principais, não tivesse sido impugnada pela Embargada Recorrente, deixando-a transitar em julgado, optou por instaurar a Acção Executiva de Sentença que deu origem aos presentes autos de Embargos de Executado, cuja sentença proferida agora impugna invocando repetidamente que tal depósito não pode sustar a contagem ou acumulação de juros moratórios pelo facto da quantia depositada não lhe ter sido disponibilizada por desconhecer a sua existência uma vez que o Tribunal não a notificou ou a informou de tal.
IV. Ao invocar o desconhecimento do depósito, parece-nos, salvo melhor opinião, que a Recorrente demonstra, aparentemente, alguma má-fé, porque ao mesmo tempo admite que é “… prática corrente em Macau o depósito de quantias indemnizatórias arbitradas em primeira instância com o intuito de fazer sustar a contagem de juros durante a fase de recurso mas, em tais casos, é o indemnizado livre de levantar o dinheiro depositado, a sua conta e risco”, e uma vez tendo conhecimento que a Embargante, ora Demandada havia interposto recurso da decisão condenatória proferida em Primeira Instância nos autos principais e face ao avultado valor total arbitrado, seria de prever que tal depósito teria sido certamente efectuado nos autos.
V. Não é por isso aceitável que esse desconhecimento justifique, tal como pretende a Recorrente, a penalização da Embargante com os juros de mora, apesar de sempre ter tido livre acesso aos autos principais, permitindo facilmente a sua consulta e constatar esse facto e ao ser verdade que também é prática ao indemnizado poder levantar o dinheiro depositado, a sua conta e risco, teve muito tempo desde que foi notificada do recurso interposto pela Embargante para requerer esse levantamento, mas tal não ocorreu, como se verificou.
VI. O depósito em causa (depósito à ordem dos autos do “quantum” indemnizatório arbitrado em Primeira Instância) foi provocado e é justificado pela jurisprudência uniformizada através do douto Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 69/2010, de 02-03-2011, proferido pelo Venerando Tribunal de Última Instância (TUI), dado que não foi ali considerado o instituto do trânsito em julgado da decisão judicial condenatória como ponto de partida para a contagem dos juros moratórios, mas sim somente a data da sua prolação, obrigando que, a Parte inconformada com a decisão de condenação ao pagamento de algum “quantum” indemnizatório, para evitar a inerente penalização com o pagamento de juros moratórios, enquanto não seja obtida uma decisão final pelas instâncias jurisdicionais superiores, cumpra antecipadamente a sua prestação através deste mecanismo, por ser o único meio legal e processualmente possível, independentemente do resultado favorável ou desfavorável da decisão final do recurso.
VII. Apesar da Embargada Recorrente invocar que não teve acesso à quantia depositada (embora pudesse constatar a sua existência por ter admitido que é prática corrente poderia sempre requerer que lhe fosse entregue antes da decisão recursória final), não pode ser considerado motivo para que os juros devam ser contabilizados desde a data da primeira decisão condenatória, dado que, a decisão condenatória impugnada pode vir a ser substituída por uma outra, pelas Instâncias Superiores, que tanto pode ser absolutória ou condenatória, mas em montante inferior ao arbitrado inicialmente e, ao ser entregue a quantia depositada ao seu destinatário antes daquela decisão e sofrendo a da Primeira Instância alteração, como foi “in casu”, relativamente aos danos não patrimoniais, estaria agora a Embargante a reclamar junto da Embargada o montante recebido a mais.
VIII. O que admitimos, por ser verdade, ser prática corrente, o Tribunal de Primeira Instância, em consonância com a citada uniformização de jurisprudência, permitir sempre, quando requerido, o depósito dos montantes indemnizatórios incluindo os juros moratórios vencidos desde a data da prolação da decisão condenatória a impugnar até à data da efectivação do depósito (quanto estas datas diferem), à ordem dos respectivos autos por parte dos Demandados condenados e, por regra, não determina que tais montantes sejam disponibilizados aos Lesados enquanto a decisão final do pleito não transite em julgado para evitar transtornos nas situações em que haja redução dos daqueles montantes arbitrados e que hajam sido entregues aos Lesados.
IX. É também verdade que tornou-se prática habitual entre as seguradoras de Macau, efectuar esse depósito, com o referido objectivo, em consequência do já referido Acórdão de Uniformização de Jurisprudência e sempre aceite por todos os intervenientes de boa-fé, na medida em que quando ocorrem condenações em quantias avultadas e tendo em conta o tempo que as acções normalmente demoram a ser concluídas com uma decisão final transitada em julgado, implicaria que os juros devidos a final fossem avultadíssimos, tal como in casu.
X. A Embargante Demandada, quando foi autorizada pelo Tribunal “a quo” a efectuar o depósito requerido, fê-lo também com o mesmo e único objectivo: o de não acumular juros moratórios, em virtude do recurso interposto da referida decisão condenatória, enquanto não fosse proferida uma decisão final (condenatória) e a partir da data desse depósito (no montante que contemplou os juros moratórios desde a data da prolação da Sentença da Primeira Instância até à data do depósito), 08/03/2017, deixou de estar em mora dado ter cumprido (antecipadamente) a sua prestação – art.º 793º, n.º 2 “a contrario sensu” do Código Civil.
XI. O Acórdão do Tribunal de Segunda Instância (TSI) ao mencionar que os juros seriam calculados a partir da data da sua prolação, ou seja, de 20/07/2017, tal apenas teria substrato jurídico se a Embargada e ora Demandada não houvesse efectuado aquele depósito, em virtude da sua interposição de recurso, uma vez que, na sequência do referido Acórdão uniformizador de jurisprudência, quando não é efectuado aquele depósito, os juros moratórios contam-se a partir da data da sentença de primeira instância, mas, se a parte condenada em indemnização em Primeira Instância recorrer de tal decisão e o recurso proceder, ainda que parcialmente, só começam a contar a partir da data do respectivo Acórdão de Segunda Instância, como não podia deixar de o ser o que também acautela, por um lado o direito de recurso mas, por outro, imputar a inerente demora processual à parte que, injustificadamente, a provoque.
XII. Procedendo o recurso, a demora por ele causada é justificada, não sendo de penalizar o Recorrente, mas se, pelo contrário, improceder na totalidade, será o Recorrente a arcar com o ónus da demora processual e, portanto, ficar obrigado ao pagamento dos juros moratórios correspondentes a essa demora, uma vez não existindo esse depósito efectuado à ordem dos autos o que leva a crer que aquela menção feita no Acórdão do TSI visou, precisamente, evitar a penalização da ali Demandada Recorrente e ora Embargante, dada a procedência parcial do recurso, apesar de não referir o depósito efectuado nos autos.
XIII. Só seria pertinente, correcta e incontestável a pretensão da Embargada Recorrente, caso o Acórdão do TSI tivesse condenado a Embargante Demandada no pagamento, a título de danos patrimoniais, de uma quantia superior àquela arbitrada em Primeira Instância e só sobre o montante correspondente a essa hipotética diferença é que seriam devidos juros moratórios, mas não foi o que aconteceu “in casu”.
XIV. Embora o Acórdão do TUI tenha confirmado a decisão recorrida do TSI e face à existência do montante depositado à ordem dos autos (“in casu” em montante total superior ao determinado pela decisão do TSI), tal não acarreta para a embargante Demandada a penalização com o pagamento dos juros moratórios reclamados pela Embargada Demandante, a título de danos patrimoniais, por aquele mecanismo ser uma causa extintiva da obrigação de juros, na medida em que a obrigação nasceu com a sentença da Primeira Instância tornando líquida a indemnização, mas extinta pelo depósito do montante – incluindo os juros moratórios calculados desde a data da prolação da sentença até à data que o mesmo se efectivou, embora estando este cálculo ausente daqueles que deram origem à decisão de fls. 999, que a decisão impugnada doutamente contemplou – à ordem dos autos em antecipação do cumprimento com esse fim.
Termos em que deve a sentença recorrida ser confirmada, negando-se provimento ao recurso interposto pela Embargada, fazendo-se, assim, a habitual e necessária Justiça.”
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Corridos os vistos, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
Foi proferida pelo Tribunal a quo nos autos de embargos a seguinte decisão:
“判決
*
一、 概述
執行異議人/被執行人B保險有限公司,針對被異議人/請求執行人A,持有編號為…之澳門特別行政區居民身份證,按照《民事訴訟法典》第692條、第696條、第697條、第800條及第900條第2款之規定,提起本執行異議案,當中,對查封及結算提出反對,以及對執行提出異議,並要求透過提供擔保以取代查封。(卷宗第2頁至第11頁)
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被異議人/請求執行人A法定期間內向法庭提交反駁。(卷宗第14頁至第23頁)
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本法庭對此案具有管轄權。
訴訟形式恰當。
雙方具當事人能力、訴訟能力及正當性。
沒有無效、抗辯或妨礙審理本案實體問題且依職權須即時解決的先決問題。
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二、 事實部份
法庭經審查卷宗所有書證,主案卷宗第756頁至第764頁之判決內容,以下為被本法庭獲證明之重要事實:
A. 透過第CR2-15-0011-PCC號合議庭普通刑事案,法庭於2017年1月17日作出判決(該判決根據中級法院第190/2016號裁判進行重審),就民事部份內容如下:(見該卷宗第762頁至第763頁)
➢ 判處第二被請求人B保險有限公司向請求人A支付澳門幣2,384,202元,作為本次意外所引致的財產及非財產損害賠償。
      該等賠償須連同由判決作出之日起計直至完全支付為止的法定利息。
B. B保險有限公司於2017年3月8日在法院提存了2,416,045.79澳門元的款項。(見上述卷宗第834頁)
C. B保險有限公司不服,向中級法院提出上訴,中級法院於2017年7月20日裁定上訴人的上訴理由部份成立,就風險比例的責任分配,中級法院維持原審法院的理解,即嫌犯的車輛在本案中負有70%的風險比例責任,而被害人的車輛負有30%的風險比例責任,並將原審所確定的精神損害賠償金額改為85萬澳門元,並作出相應的計算,即上訴人必須賠償受害人合共2,279,202澳門元,利息的計算僅改判部份從本判決之日起算。(見上述卷宗第856頁至第865頁)
D. B保險有限公司仍不服,向終審法院提起上訴,終審法院於2018年1月10日裁定上訴理由不成立,維持被上訴裁判所作的判上訴人支付2,279,202澳門元的賠償總金額的決定。(見上述卷宗第940頁至第954頁)
E. 執行人已從上述的提存中收取了相應的賠償本金2,279,202澳門元(見上述卷宗第1005頁),餘下的款項退回予B保險有限公司(見上述卷宗第1014頁)。但就利息方面,B保險有限公司仍未支付予執行人。
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三、 理由說明
就執行異議人/被執行人B保險有限公司提出以提供擔保及反對查封方面,由於執行異議人/被執行人已適時提供了擔保,法庭亦已著令解除倘有的查封,故就異議內容當中涉及此部份的請求,法庭認為已毋須再處理。
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執行異議人依據《民事訴訟法典》第697條c項的規定,認為有關賠償已履行,故相關債務及利息已消滅。
法庭有必要指出的是,在第CR2-15-0011-PCC號卷宗第998頁的檢察院建議及第999頁的批示中,僅表示退回部份款項予執行異議人,但當中並沒有指出請求執行人無權收取利息,而事實上,法庭認為有關的利息應由請求執行人清楚計算,或與執行異議人協商一金額以請求對方支付。隨後,法庭亦基於請求執行人在隨後的聲請中指出其應獲得相應的利息,而法庭亦於上述卷宗第1021頁中清楚指出退回部份款項予執行異議人並不代表亦不意味著法庭裁定執行異議人不用支付相應的利息,且相關利息的計算方式,應按照第69/2010號終審法院的統一司法見解所闡述的計算方式處理。
事實上,請求執行人確實在本案中僅收取其應收的本金,在利息上,可能就計算方法方面與執行異議人存在分歧,故提起執行程序,因此,基於上述原因,法庭認為請求執行人確實有權向被請求執行人要求支付利息,故上述的異議理由不成立。
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就結算的反對方面,請求執行人要求執行異議人/被執行人支付281,509.55澳門元的利息。
執行異議人認為就原審法院於2017年1月17日的裁判所判處的相關賠償金額及根據終審法院第69/2010號統一司法見解所計算的利息,已於2017年3月8日進行提存。
並表示進行提存的目的正是為了避免在上訴過程中繼續產生遲延利息。
就利息方面,執行異議人/被執行人認為以中級法院於2017年7月20日的裁判日起計至執行人提出執行之訴之日為止,亦僅為211,872.12澳門元的利息。
請求執行人對利息的計算方面在其反駁中發表了意見。
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終審法院第69/2010號統一司法見解合議庭裁判指出:「因不法事實產生的財產或非財產的金錢損害之賠償,根據《民法典》第560條第5款、第794條第4款及第795條第1款和第2款規定,自作出確定相關金額的司法判決之日起計算相關遲延利息,不論該司法判決為一審或上訴法院的判決或是清算債務之執行之訴中所作的決定。」
本案中,根據上述的統一司法見解,就中級法院維持原審法院所裁定的賠償金額的部份,有關債務人的遲延是以一審判決之作出之日起計,而就原審所確定的精神損害賠償金額改為85萬澳門元的部份,有關債務人遲延是以中級法院作出合議庭裁判之日起計。
而本案中,執行異議人/被執行人已於2017年3月8日將相應款項進行提存,在此情況下,執行異議人/被執行人透過正常途徑維護其訴訟權利,已不應視為《民法典》第793條第2款情況,故自進行提存之日起,已不可視為執行異議人/被執行人處於債務人遲延的情況。
而中級法院就原審法院所確定的精神損害賠償金額改為85萬澳門元,按照嫌犯的車輛在本案中負有70%的風險比例責任,透過簡單數學計算,即當中的1,684,202澳門元自一審判決作出之日起計算利息,直至2017年3月8日,其餘部份,原則上是以中級法院改判之日起計算,但由於執行異議人/被執行人已於2017年3月8日作出提存,故沒有利息產生。
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基於此,本法庭裁定對結算之反對理由成立,著令中心科計算執行異議人/被執行人應付的利息。
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四、 決定:
綜上所述,本法庭裁定本案的異議理由不成立,但對結算之反對理由成立,繼而著令中心科計算執行異議人/被執行人應付的利息。
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訴訟費用由執行異議人/被執行人及被異議人/請求執行人按比例承擔。
著令登錄及作出通知。”
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No presente recurso, coloca-se a questão de saber se a exequente, ora recorrente, tem direito a juros contemplados a partir da data de depósito do quantum indemnizatório efectuado pela executada à ordem dos autos ou, como se decidiu pelo Tribunal a quo, só tem direito a juros contados até à data em que a executada efectuou o depósito do quantum indemnizatório à ordem dos autos.
Estatui-se no n.º 1 do artigo 928.º do CPC que: “Estando pendente acção ou execução para pagamento da dívida e tendo já sido citado para ela o devedor, se este quiser depositar a quantia ou coisa que julgue dever, deve requerer, nesse processo, que o credor seja notificado para a receber, por termo, no dia e hora que forem designados, sob pena de ser depositada.”
Em boa verdade, estando pendente acção declarativa ou executiva, o devedor pode evitar a tramitação ulterior, manifestando o seu desejo de pagar. Sendo assim, a consignação em depósito funciona como incidente da acção ou execução pendente, pois tem que ser requerida nos autos da acção ou execução, com vista a livrar a obrigação que o devedor tem para com o credor.
Mas no caso dos autos, ao efectuar o depósito da quantia indemnizatória, a executada não pretendia livrar a obrigação que tinha para com a exequente, pois, se for o caso, devia ter requerido a notificação da credora, ora autora ou exequente, para receber a respectiva quantia, conforme se consagra no n.º 1 do artigo 928.º do CPC.
A nosso ver, o depósito daquela quantia indemnizatória, bem como os juros contabilizados até à data do depósito, funciona apenas como mera caução, por forma a evitar a execução provisória da sentença, conforme decorre do espírito do disposto no n.º 1 do artigo 609.º do CPC, sendo assim, nada impede que se contabilize juros moratórios conforme se estipula nos termos do artigo 795.º do CC.
A nosso ver, se seguisse o entendimento do Tribunal a quo, a parte vencedora na acção ficaria totalmente desprotegida, violando desta forma o disposto nos artigos 793.º a 795.º do CC, uma vez que, por um lado, por o recurso jurisdicional estar pendente, a parte vencedora não poderia levantar o dinheiro por este ter que ficar depositado no Tribunal; e por outro, não poderia receber os juros a que tem direito por força da lei e das respectivas decisões judiciais.
Efectivamente, a parte vencida só se livra da obrigação se a prestação for feita ao credor, neste caso à exequente, segundo se dispõe no artigo 759.º do CC.
No caso vertente, por sentença proferida em 17.1.2017, foi a recorrida condenada a pagar à recorrente a quantia de MOP2.384.202,00, com juros de mora a contar da sentença. Depois de os recursos interpostos pela ré, ora recorrida, terem sido apreciados pelo Tribunal de Segunda Instância e Tribunal de Última Instância, foi reduzida a indemnização a título de danos não patrimoniais para o valor de MOP$850.000,00, fixando-se o quantum indemnizatório no valor total de MOP$2.279.202,00. Mais se decidiu que relativamente à quantia a título de danos não patrimoniais, os juros só seriam contabilizados desde a prolação do Acórdão do TSI.
Como se disse acima, o facto de a parte vencida, ora executada e recorrida, ter depositado a quantia a que foi condenada a pagar em primeira instância, acrescida de juros a contar desde a data da sentença até à data do depósito, não faz precludir o direito da parte vencedora de receber os juros a que tem direito conforme se decidiu na sentença de primeira instância e no Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, a saber, relativamente à quantia de MOP$850.000,00, os juros moratórios são contados a partir da data da prolação do Acórdão do TSI, e em relação à quantia remanescente, os juros são contabilizados a partir da data da prolação da sentença de primeira instância.
Em bom rigor, se a parte vencida, ora ré ou executada, não queria que se acumulassem os juros por causa da demora na tramitação recursal, deveria ter pedido a entrega da quantia indemnizatória a favor da credora, ora recorrente, o que não é o caso.
Tudo visto e ponderado, há-de conceder provimento ao recurso.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em conceder provimento ao recurso interposto pela recorrente A, revogando a decisão recorrida, devendo a execução prosseguir contra a recorrida Companhia de Seguros B, SARL, nomeadamente para efeito de liquidação dos juros devidos pela recorrida à recorrente.
Custas pela recorrida.
Registe e notifique.
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RAEM, 15 de Outubro de 2020
Tong Hio Fong
Rui Pereira Ribeiro
Lai Kin Hong



Recurso cível 1101/2019 Página 18