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Processo n.º 707/2020
(Autos de recurso em matéria cível)

Relator: Fong Man Chong
Data: 15 de Outubro de 2020

ASSUNTOS:

- Esgotamento do poder jurisdicional e novo pedido da providência de arresto num processo executivo já findo

SUMÁRIO:

I - Com a prolação da sentença fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do julgador (artigo 569º/1 do CPC). É esta situação quando o Tribunal recorrido proferiu a sentença de absolvição pela qual julgou parte ilegítima o Executado, por este não figurar no título executivo como devedor, contra tal decisão a Recorrente/Exequente chegou a interpor recurso, mas depois dele veio a desistir.

II – Perante a situação descrita, não pode a Exequente/Recorrente vir a pedir, mediante um simples requerimento apresentado no processo executivo já findo sem requerer produção de provas para este efeito, arresto de uma quantia depositada na conta aberta num casino em nome do Executado, porque esta providência cautelar, regulada no artigo 615º e seguintes do CCM, e também do artigo 351º e seguintes do CPC, exige o preenchimento de um conjunto de requisitos, para além da necessidade de existir um processo para específica finalidade instruído.






O Relator,

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Fong Man Chong


Processo nº 707/2020
(Autos de recurso em matéria cível)

Data : 15 de Outubro de 2020

Recorrente : Companhia de Promoção de Jogos A Limitada (A博彩中介有限公司)

Objecto do Recurso : Despacho que indeferiu os requerimentos da exequente (不批准請求執行人的聲請之批示)

Executado : B

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   Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I – RELATÓRIO
    Companhia de Promoção de Jogos A Limitada (A博彩中介有限公司), Recorrente, devidamente identificada nos autos, discordando do despacho proferido pelo Tribunal de primeira instância, datado de 26/03/2020 (fls. 202), que indeferiu o pedido de informar junto da C Macau Limited se o Executado tinha ou não a posse da quantia no valor de HK$6,367,900.00 (que inicialmente ficava penhorada à ordem do TJB, só que tal penhora ficou sem efeito por ter decidido que a Exequente não tinha legitimidade para propor a acção executiva contra o Executado), dele veio, em 13/05/2020, interpor recurso para este TSI, com os fundamentos constantes de fls. 215 a 225, tendo formulado as seguintes conclusões:
     I. Por via de Ofício de 12 NOV 2018, a fls. 130 dos presentes autos a quo, foi o Casino THE C expressamente notificado que o valor de HKD$6.367.930,00 está penhorado à ordem destes autos a quo n.° CV2-17-0267-CEO e que o Casino THE C deve guardar e retê-lo até eventual ordem em contrário proveniente dos presentes autos a quo.
     II. Por via do despacho de 3 MAR 2020, a fls. 149 dos presentes autos, foi determinado que se aguardasse o trânsito em julgado do despacho de 20 FEV 2020 para que, só então, se transferisse a quantia penhorada de HKD$6.367.930,00 para os Autos de Arresto n.º CV1-20-0003-CPV.
     III. Em 16 MAR 2020, a fls. 154 dos presentes autos, o Casino THE C veio informar que o «(...) saldo de HKD6,367,930,00, de que era titular o Requerido B (...) foi consignado em depósito junto desse Tribunal (...) sob o processo n.º CV1-18-0043-CPE (...)».
     IV. O executado B sabia que a quantia de HKD$6.367.930,00 que recebeu em 16 DEZ 2019 nos autos de consignação em depósito n.º CV1-18-0043-CPE ainda estava penhorada à ordem dos presentes autos a quo.
     V. O Casino THE C violou de forma grave e frontal os mais fundamentais deveres legais de guardião e fiel depositário da quantia de HKD$6.367.930,00 que foi objecto de penhora nos presentes autos a quo: art. 1113.°, al. a), do Código Civil, aplicável ex vi do art. 729.°, n.º 1, do C.P.C.: dever de guardar a coisa depositada; e art. 740.°, por remissão do art. 752.°, ambos do C.P.C.: dever de apresentação da coisa depositada.
     VI. Não obstante tais deveres resultarem expressamente da lei, foi expressamente cominado ao Casino THE C através do Ofício de 12 NOV 2018 de fls. 130 dos presentes autos a quo, que deveria guardar e reter tal valor penhorado de HKD$6.367.930,00 até ordem em contrário proveniente dos presentes autos a quo.
     VII. Todavia, o Casino THE C depositou tal valor de HKD$6.367.930,00, já previamente penhorado - e ainda penhorado - à ordem dos presentes autos, nos ulteriores autos de consignação em depósito n.º CV1-18-0043-CPE!
     VIII. Dispõe o art. 740.° do C.P.C. que o «(...) depositário é obrigado a apresentar, quando lhe for ordenado, os bens que tenha recebido (...)» (n.º 1) sendo que se «(...) os não apresentar dentro de 5 dias e não justificar a falta, é logo ordenado arresto em bens do depositário suficientes para garantir o valor do depósito (...); ao mesmo tempo é promovida execução contra o depositário, no próprio processo, para o pagamento daquele valor e acréscimos. (...)» (n.º 2).
     IX. Tudo isto sem prejuízo da eventual responsabilidade criminal incorrida pelos administradores do Casino THE C, conforme decorre dos termos conjugados do art. 11.º (actuação em nome de outrem) com o art. 319.° (destruição de objectos colocados sob o poder público) ou o art. 199.° (abuso de confiança), todos do Código Penal, crimes que assumem a natureza de crimes públicos, desnecessária sendo qualquer participação ou denúncia pois que basta a aquisição da sua notícia para que deva ser oficiosamente promovido o respectivo procedimento criminal.
     X. A recorrente suscitou perante o Tribunal recorrido que, ao abrigo do n.º 2 do art. 740.º do C.P.C., ordenasse com a máxima urgência o arresto de bens do Casino THE C suficientes para garantir o valor da quantia penhorada em falta, ou seja, HKD$6.367.930,00.
     XI. A par de se tornar de imediato arrestado nos autos a quo, o Casino THE C tornar-se-ia também de imediato executado nos mesmos autos em vista do célere e expedido pagamento do valor em falta, perdendo de imediato tais qualidades processuais passivas tão logo que o pagamento se efectuasse.
     XII. O mecanismo constante do n.º 2 do art. 740.° do C.P.C. corresponde a um poder-dever oficioso a cargo do Tribunal de assegurar que o direito, quantia ou bem apreendido no âmbito dos autos perante si tramitados e entregues ao cuidado de determinado depositário permaneçam ou regressem à disposição desses mesmos autos para nestes ficarem em estado de disponibilização imediata ou, sendo caso disso - conforme in casu -, para serem remetidos a outros autos em que, supervenientemente, se haja produzido um título judicial que habilite a transferência para eles desse direito, quantia ou bem.
     XIII. Tal regime com sede no n.º 2 do art. 740.° do C.P.C. mostra-se, pois, essencial para garantir os trâmites do processo executivo ou cautelar, assegurando-se por essa via que os direitos, quantias ou bens estejam sempre ao dispor do processo e, assim, sejam adjudicados quando for o momento processual para o fazer.
     XIV. Ao assim não os ter interpretado e aplicado, violou o T.J.B. o art. 1113.°, al. a), do Código Civil, aplicável ex vi do art. 729.°, n.º 1, do C.P.C., bem como o art. 740.°, por remissão do art. 752.°, ambos do C.P.C., o que se invoca para os efeitos dos artigos 556.º, n.º 5, 598.° e 599.°, todos do mesmo diploma.
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    Corridos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.
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II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
    Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
    O processo é o próprio e não há nulidades.
    As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
    Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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  III – OBJECTO DO RECURSO:
    É o seguinte despacho contra o qual foi interposto o presente recurso pela Recorrente:
     - 卷宗第162至166頁;第200至201頁:
     事實上,在本案收到卷宗第148頁公函前,附件A的異議案中裁定異議理由成立的判決已轉為確定且透過第143頁批示,本院已命令解除在本案當中所作出的所有查封措施。
     第162至166頁,以及第200至201頁必須以本案所命令的查封仍然存在為前提,否則,在有關查封已被解除的情況下,本案並無扣押有關款項的需要。如上所言,有關查封在本案而言已被解除,基於此,不批准上述兩份聲請。
     立即以傳真方式作通知上述兩份聲請的申請人。
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     - 卷宗第160至161頁:
     將本卷宗第104、107、108、119至123、129、130、143、148至151、154、155、160及161頁的副本送交CV1-20-0003-CPV號卷宗,以使其知悉有關情況。

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IV – FUNDAMENTAÇÃO
    Para perceber o que se passou nestes autos, importa, antes de tudo, elencar os factos pertinentes cronologicamente ocorridos:
    - Em 31/10/2017 pela Companhia de Promoção de Jogos A, Limitada, foi proposta a respectiva acção executiva (CV2-17-0267-CEO) em que figurava como executado B, titular do BIRM não permanente, que foi devidamente citado conforme o teor da certidão de fls. 25 dos autos;
    - Feito um conjunto de diligências, a C Macau Limited veio a informar o Tribunal que na conta mantida em nome do Executado aberta naquela sociedade se encontrava um saldo no valor de HK$6,367,930.0 (fls. 119);
    - Em 6/11/2018 foi proferido pelo TJB o despacho da penhora da quantia acima indicada (fls. 129).
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    No entanto, dos autos de embargos à execução (CV2-17-267-CEO-A) consta o seguinte:
    - Em 23/02/2018 o Executado deduziu embargos à execução, alegando que ele não figura no título como devedor e como tal não tem legitimidade processual passiva;
    - Em 24/04/2018 a então Exequente (ora Recorrente) veio a apresentar a sua resposta constante de fls. 17 e 18 dos autos;
    - Em 25/06/2018 foi proferido o saneador conforme o teor de fls. 32 a 33, em que foram formulados quesitos para objecto de julgamento;
    - A audiência de julgamento teve lugar em 4/9/2019 em que foram inquiridas as testemunhas arroladas, tendo sido proferido o acórdão em 13/09/2019 (fls. 116 e 117);
     - Em 11/10/2019 foi proferida a sentença final que julgou parte ilegítima a Exequente/Recorrente e absolveu o Executado da instância (fls. 122/v).
    - Em 11/11/2019 a Exequente veio recorrer contra sentença mediante o requerimento de fls. 127, tendo tal pedido sido deferido mediante o despacho de fls. 128;
    - Em 17/01/2020 a Exequente veio a desistir do recurso tal como consta do requerimento de fls. 134 dos autos;
    - Em 16/03/2020 os autos foram remitidos para a Secção Central para elaboração da conta final.
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    Depois, em 16/03/2020 (fls. 154), a C limited veio a informar que o «(...) saldo de HKD6,367,930,00, de que era titular o B (...) foi consignado em depósito (...) sob o processo n.º CV1-18-0043-CPE (...).

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    Ora, é de ver que a quantia inicialmente penhorada por ordem do TJB deixou de ser objecto da penhora, por a acção executiva já ter findado, visto que o TJB decidiu que o Executado não figura como devedor no título executivo apresentado pela Exequente.
    Por isso, deixou de ter sentido ordenar diligências para informar o Tribunal se o executado inicial tinha ou não a posse da quantia depositada na conta mantida na C Limited, porque este processo executivo já findou!
    O que se pode discutir é que há ou não um lapso por parte do TJB, quando este proferiu a sentença de absolvição, devia mandar levantar a penhora, o que não foi feito. Mas pela lógica das coisas, com tal decisão obviamente o processo terminou aí!
    Por isso, esta omissão nunca pode constituir o fundamento de “renascimento” do processo em causa, visto que a sentença transitou em julgado (pois a Exequente desistiu do recurso anteriormente interposto).
    Perante o caso julgado do processo executivo, não faz sentido ordenar mais diligências, aliás, é bem frisar que com a prolação da sentença fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do julgador! (artigo 569º/1 do CPC).
    Por isso não se percebe com que base é que a Recorrente veio, de repente, pedir o arresto da quantia referida, já que ela já passou a ficar à ordem de um outro processo.
    Que a verdade seja dita, desde o início, a acção foi mal proposta e estava condenada ao seu fracasso! Não pode agora vir, quando sabia que tal quantia ficava à ordem do processo em que era Requerente a C Limited, pedir o arresto, não querendo “largar” mão dessa quantia, sendo certo que essa quantia desde muito cedo já deixou de ficar à ordem do Tribunal.
    Nas alegações do recurso, a Recorrente agarra muito ao artigo 740º/2 do CPC, mas sem razão, porque a aplicação deste artigo e/ou de outros artigos reguladores do processo executivo pressupõe que o poder jurisdicional do julgador ainda não se encontra esgotado! O que não é o caso dos autos.
    Mais, o arresto pressupõe uma relação bilateral entre credor e devedor (no caso, nem isto que está demonstrado com a sentença de absolvição) estando em causa o receio daquele de perda da garantia patrimonial do seu crédito, caso em que pode requerer o arresto de bens (apreensão judicial) do seu devedor, com função de garantia e com o efeito de os actos de disposição dos bens arrestados serem ineficazes em relação ao requerente/credor. É o que resulta do disposto no artigo 615º e seguintes do CCM, e também do artigo 351º e seguintes do CPC.
    Tudo depende da prova que a requerente oferece perante o Tribunal, mas nunca através de um simples requerimento é que pode ver-se satisfeita a sua pretensão.
    No caso, se se a Recorrente entendesse que ela ainda tinha (e tem) algum direito, então poderia propor uma nova acção executiva com alegação dos factos pertinentes para fundamentar a sua pretensão, ou se se entendesse que estivesse reunidos os requisitos para requerer a providência cautelar de arresto, então proporia uma acção neste sentido, mas nunca mediante um requerimento simples, encaixado num processo executivo e assim queria obter a satisfação do pedido.
    
    Tudo isto indicia, de algum modo, a má-fé da Recorrente, por formular um pedido manifestamente infundado!
    Pelo expendido, nitidamente a Recorrente carece de razão, pois, o despacho ora posto em crise não violou nenhum preceito legal, nomeadamente os indicados pela Recorrente, razão pela qual se julga improcedente o recurso interposto pela Recorrente, mantendo-se o despacho recorrido.
    
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    Síntese conclusiva:
    I - Com a prolação da sentença fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do julgador (artigo 569º/1 do CPC). É esta situação quando o Tribunal recorrido proferiu a sentença de absolvição pela qual julgou parte ilegítima o Executado, por este não figurar no título executivo como devedor, contra tal decisão a Recorrente/Exequente chegou a interpor recurso, mas depois dele veio a desistir.
    II – Perante a situação descrita, não pode a Exequente/Recorrente vir a pedir, mediante um simples requerimento apresentado no processo executivo já findo sem requerer produção de provas para este efeito, arresto de uma quantia depositada na conta aberta num casino em nome do Executado, porque esta providência cautelar, regulada no artigo 615º e seguintes do CCM, e também do artigo 351º e seguintes do CPC, exige o preenchimento de um conjunto de requisitos, para além da necessidade de existir um processo para específica finalidade instruído.
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    Tudo visto e analisado, resta decidir.
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V ‒ DECISÃO
    Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em negar provimento ao recurso, mantendo-se o despacho recorrido.
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    Custas pela Recorrente.
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    Registe e Notifique.
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RAEM, 15 de Outubro de 2020.
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
Tong Hio Fong





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