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Processo nº 346/2020
(Autos de Recurso Cível e Laboral)

Data do Acórdão: 15 de Outubro de 2020

ASSUNTO:
- Intervenção de terceiros provocada.
- Litisconsórcio necessário.
- Reconvenção também contra quem não é parte na causa.
- Indemnização por responsabilidade contratual.
- Litigante de má-fé

SUMÁRIO:
- Em caso de litisconsórcio voluntário tem de ser admitido a intervenção principal provocada de terceiros;
- Verificando-se uma situação de litisconsórcio voluntário entre o Autor/reconvindo e terceiros estranhos à causa pode ser admitida a reconvenção se o Reconvinte deduzir incidente de intervenção de terceiros chamando aqueles à acção;
- Tendo sido celebrado acordo no sentido de que determinado imóvel pertencia na proporção de metade a dois sujeitos, procedendo aquele a favor de quem ficou inscrito o direito à venda do mesmo, incorre este na obrigação de indemnizar o outro pelo valor de mercado da coisa na proporção do seu direito;
- Demonstrando-se que uma das partes deliberada e intencionalmente ocultou factos com vista a apresentar uma realidade diferente daquela que existiu com vista a obter ganho da causa, deve a mesma ser condenada como litigante de má-fé.


____________________________
Rui Pereira Ribeiro










Processo nº 346/2020
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 15 de Outubro de 2020
Recorrentes: A e B
Recorrida: C
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  C, com os demais sinais dos autos,
  vem instaurar acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra
  A,
  B,
  D, e,
  E.
  Todos com os demais sinais dos autos.
  Pedindo que:
1. A declaração da nulidade da compra e venda, realizada entre os 1º e 2ª réus e os 3º e 4ª réus, da fracção FR/C do F.
2. Caso assim não se entenda, a anulação do respectivo acto de compra e venda.
3. Caso assim não se entenda, a resolução do acordo verbal por incumprimento definitivo, a devolução, à autora, do sinal e dos custos notariais, acrescidos de juros vencidos, no valor global de MOP$445.529,40, e a condenação do 1º réu no pagamento à autora dum montante não inferior a MOP$3.000.000,00, a título de indemnização pelos danos lhe causados pela venda da falada fracção (incumprimento de acordo), perfazendo as quantias pretendidas o total de MOP$3.445.529,40, acrescido de juros contados desde a data da instauração da acção até ao integral pagamento.
4. Caso assim não se entenda, a condenação do 1º réu na restituição à autora, por enriquecimento sem causa, do sinal e custos notariais acrescidos de juros vencidos, no valor total de MOP$445.529,40, montante acrescido de juros contados desde a data da instauração da acção até ao integral pagamento.

  DOS RECURSOS.
I.
  Pelos 1º e 2ª Réus foi requerida a intervenção principal activa do marido e filha da Autora e deduzida reconvenção contra a Autora e os dois chamados.
  Por despacho de fls. 278 a 283 foi indeferido o incidente de intervenção de terceiros e rejeitada a Reconvenção contra os chamados.
  Pelos 1º e 2ª Réus foi interposto recurso daquele despacho apresentando as seguintes conclusões de recurso:
1. Parte do dinheiro reclamado pela recorrida (autora) nos pedidos iii e iv da sua petição inicial diz respeito a G, ou seja, outro sujeito que não tem relação directa com a autora (cfr. Ponto 11 da petição inicial).
2. Os recorrentes estão cientes de que a quantia peticionada foi efectivamente pagada solidariamente pela recorrida e os outros sujeitos (G e H1), mas não sabem da proporção em que eles pagaram, pelo que entendem que G e H devem intervir na causa, de forma a apurar os seus direitos na acção e as suas relações com o caso dos autos.
3. Portanto, os recorrentes pedem que sejam chamados a juízo os outros sujeitos (G e H) nos termos do disposto no artigo 267º, nº 1 do CPC.
4. Além disso, tendo em conta que os recorrentes pouparam, à recorrida e aos outros sujeitos (G e H) os custos de arrendamento duma fracção T2 (vide pontos 32 a 33 da contestação), e considerando os encargos (vide pontos 34 a 37 da contestação) que estes últimos lhes causaram devido à sua recusa de desocupação, os recorrentes chamam a juízo os outros sujeitos (G e H) nos termos do disposto no artigo 267º, nº 1 do CPC para efectivarem o reembolso das ditas despesa contra a recorrida e os outros sujeitos (G e H).
5. Tal como ensina o Venerando Juiz Viriato de Lima, na Manual de Direito Processual Civil, Ponto 9.3, subponto 2 (pág. 309 a 310),
“... No Código Português, a recente reforma processual solucionou expressamente a questão no sentido afirmativo, dispondo o nº 4 do artº 274º o seguinte:
Se o pedido reconvencional envolver outros sujeitos que, de acordo com os critérios gerais aplicáveis à pluralidade de partes, possam associar-se ao reconvinte ou ao reconvindo, pode o réu suscitar a respectiva intervenção provocada, nos termos do disposto no artigo 326º.
No Código de Macau não se contém preceito idêntico, mas afigura-se-me, de acordo com a opinião dominante na vigência do Código de 1961, que nada obsta à reconvenção nos termos indicados.”
6. Pelas razões acima expostas, os recorrentes entendem que podem suscitar a intervenção provocada dos outros sujeitos envolvidos no pedido reconvencional, enquanto associados da recorrida.
  Pela Autora foram apresentadas contra-alegações quanto a este recurso apresentando as seguintes conclusões:
9. Relativamente à fundamentação do recurso dos recorrentes referida no Despacho proferido em 13 de Outubro de 2016 pelo tribunal ad quo, salvo, o devido respeito, os recorrentes vêm manifestar o seu completo desacordo sobre a referida fundamentação.
10. Em primeiro lugar, na fundamentação do recurso os recorrentes entendem que “parte da quantia peticionada no pedido da petição inicial iii e iv está directamente associada a outro sujeito G (vide o ponto 11 da petição inicial) e a recorrente sabe que a quantia peticionada foi efectivamente paga conjuntamente pela recorrida e outros sujeitos (G e H). Considerando que a recorrida não conhece a proporção das responsabilidades entre eles pelo que entende que G e H devem intervir na presente acção judicial por forma a esclarecer os direitos e a respectiva relação. Deste modo, vem nos termos do nº 1 do artigo 267º do Código de Processo Civil convocar os outros sujeitos (G e H) para intervirem na presente acção judicial.”
11. Por isso a recorrida não concorda de todo porque no facto-do ponto 11 da petição inicial a promitente-compradora do contrato-promessa de compra e venda é a recorrida e todos os direitos e deveres nesse contrato-promessa de compra e venda pertencem à recorrida e o facto de G ter efectuado o pagamento do sinal na qualidade de representante da recorrida, este não passaria a ser por este motivo o sujeito da relação jurídica acima referida.
12. Os pontos 6 a 12 da petição inicial vêm demonstrar que a recorrida sempre foi o sujeito do contrato-promessa em causa e só no ponto 11 é que surgiu o nome G.
13. E o nome de H nunca apareceu.
14. Por esse motivo, podemos deduzir que mesmo que o facto do ponto 11 da petição inicial tenha feito referências de que G tenha efectuado o pagamento mas o efectivo sujeito do pagamento ainda continua a ser a recorrida ou seja a autora C.
15. E por esse motivo, a recorrida considera que “na Réplica e por forma que a recorrida e outros sujeitos (G e H) poupassem nas despesas no arrendamento de uma fracção autónoma com dois quartos (vide os pontos 32-33 da Contestação) e depois da recorrente ter recusado a abandonar a fracção depois de a ter vendido à recorrida e outros sujeitos (G e H) levou a que a recorrente efectuasse o pagamento (vide os pontos 34-37 da Contestação). A recorrente vem nos termos do nº 1 do artigo 267º do Código de Processo Civil, citar os outros sujeitos (G e H) para intervirem na presente acção judicial por forma a que a recorrida e outros sujeitos (G e H) possam reclamar o dinheiro.”
16. E assim, a recorrida também não concorda de todo e concorda com o parecer do Despacho do Meritíssimo Juiz e considera que a Réplica dos recorrentes não deve ser admitida.

  Foi proferido despacho de sustentação a fls. 339.
  II.
  Proferida sentença, foi a acção julgada parcialmente procedente e improcedente a reconvenção, decidindo-se:
1. Rejeitar o pedido da autora C de declarar nulo ou anulável o negócio de compra e venda da fracção FR/C do F, realizado entre os 1º e 2ª réus, A e B, e os 3º e 4ª réus, D e E, e absolver os réus.
2. Rejeitar o pedido da autora de cancelamento do registo de aquisição dos 3º e 4ª réus relativamente ao bem imóvel em questão, e absolver os dois réus.
3. Condenar o 1º réu A a restituir à autora C o montante de MOP$2.996.000,00,
4. acrescido de juros de mora à taxa legal contados desde 10 de Março de 2016, até ao integral e efectivo pagamento.
5. Indeferir a reconvenção deduzida pelo 1º réu contra a autora, absolvendo esta.
6. Declarar litigantes de má fé o 1º réu A e a 2ª ré B, condenando-os em multa de 20UCs.
  Não se conformando com a decisão proferida vêm os 1º e 2ª Réus interpor recurso da mesma, formulando as seguintes conclusões e pedido:
(I) A reapreciação da prova gravada
1) São erradas as decisões do TJB sobre os quesitos nºs 5, 16 e 34, as quais vêm impugnar os 1º e 2ª recorrentes ao abrigo do disposto no artigo 629º, nº 1, al. a) e artigo 599º, ambos do CPC.
2) Quanto ao quesito nº 5, deve considerar-se o seguinte:
a. Videogravação: Translator 2 (file: Recorded on 20-Feb-2019 at 15.11.11 (2QI{7zgg02720319), depoimentos presados pela testemunha I, durante 07:00 e 11:50: o pai do 1º réu também esteve presente no dia da celebração da escritura, pelo que ele estava perfeitamente ciente de que o 1º réu era o único comprador.
b. De acordo com as regras da experiência comum, se a recorrida quisesse ser co-proprietária da fracção em causa, e todos da família soubessem do respectivo acordo, o pai do 1º réu certamente se teria oposto ao facto deste ser o único comprador na escritura.
c. Também segundo as mesmas regras, mesmo que a recorrida não tivesse reunido as condições para pedir financiamento bancário, ainda poderia ser proprietária da habitação, desde que o creditado ou fiador fosse pessoa qualificada para tal fazer.
d. Além disso, segundo mostra o documento do escritório do advogado Dr. Antonio Passeira relativamente à celebração da escritura, as despesas foram pagas pela autora. Ainda conforme as regras da experiência comum, se o escritório de advogado onde se celebrou a escritura foi indicado pela autora, era impossível que ela não soubesse que o seu nome não constava da escritura de compra e venda como compradora. Isso deve ser tido em conta em conjunto com o quesito nº 19º, que também não foi considerado provado.
e. Videogravação: Translator 2 (file: Recorded on 20-Feb-2019 at 10.53.33 (2QITKP!W02720319), depoimentos prestados pela testemunha G, durante 25:10 e 25:25: “a entrada para a aquisição da fracção foi paga por eu e minha mulher (G e a recorrida).” Em primeiro lugar, G e a recorrida não tinham relação matrimonial; segundo, o montante da entrada não foi pago pela recorrida sozinha, pelo que, de acordo com as regras da experiência comum, a mesma não devia ter sido considerada titular da metade da propriedade do imóvel.
f. Vidiogravação: Translator 2 (file: Recorded on 20-Feb-2019 at 10.53.33 (2QITKP!W02720319), depoimentos prestados pela testemunha G, durante 28:40 e 28:52: “a habitação era para os filhos.” Daí se vislumbra que o pagamento da entrada foi um acto generoso.
g. O tribunal de primeira instância ao dar como provado o quesito nº 5 violou o efeito legal da prova, uma vez que o artigo 388º, nº 1 do CC dispõe que “É inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico”.
h. Videogravação: Translator 3 (file: Recorded on 09-May-2017 at 15.16.50 (2)57EAM101011270(0), depoimentos prestados pela testemunha J, durante 00:00 e 05:24.
Por conseguinte, o quesito nº 5 devia ter sido considerado não provado.
3) Quanto ao quesito nº 16, deve considerar-se o seguinte:
a. Videogravação: Translator 2 (file: Recorded on 20-Feb-2019 at 10.53.33 (2QITKP!W02720319), depoimentos prestados pela testemunha G, de 25:10 a 25:30 e de 34:20 a 34:30: o financiamento bancário foi pago pelo 1º recorrente e as despesas familiares pela filha.
Por isso, o quesito nº 16 devia ter provado que as prestações do empréstimo bancário para a aquisição da fracção foram pagas pelo 1º recorrente sozinho, e que as contribuições pela filha apenas se destinavam às despesas familiares, mas não à amortização do financiamento bancário para o imóvel.
4) Quanto ao quesito nº 34, deve considerar-se o seguinte:
a. Videogravação: Translator 2 (file: Recorded on 20-Feb-2019 at 10.53.33 (2QITKP!W02720319), depoimentos prestados pela testemunha G, de 30:40 a 31:30: a 2ª recorrente começou a namorar com o 1º recorrente após a aquisição da fracção por este, pelo que não sabia do eventual acordo.
Razão pela qual, o quesito nº 34 devia ter sido considerado não provado.
(II) A parte da decisão recorrida em que decaíram
⇨ I. Ao abrigo do disposto no artigo 388º, nº 1 do CC, É inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ao conteúdo de documento autêntico
5) Segundo mostra a escritura pública de compra e venda, o 1º recorrente era o único proprietário do imóvel.
6) No entanto, o tribunal de primeira instância, tendo ouvido as testemunhas, deu como provado que o 1º recorrente e a recorrida (autora) tinham convencionado no sentido contrário ao descrito no respectivo documento autêntico sobre a propriedade da habitação - o 1º recorrente e a recorrida (autora) eram co-titulares da propriedade do imóvel, ou seja, a recorrida possuía metade da propriedade da habitação.
7) O Tribunal recorrido ao considerar provado o acima descrito violou a inadmissibilidade da prova por testemunha prevista no artigo 388º, nº 1 do CC.
8) Dessarte, a decisão de primeira instância sobre a respectiva matéria de facto não deve ser mantida, tendo em conta as ilegalidades apuradas na decisão de facto e na apreciação da prova.
⇨ II. Não aplicabilidade da responsabilidade extracontratual
9) No entender da primeira instância, o 1º réu fica obrigado a indemnizar a recorrida nos termos do artigo 477º (responsabilidade por factos ilícitos) do CC.
10) Em primeiro lugar, tal diploma refere-se à responsabilidade civil extracontratual.
11) Na sua decisão de facto, o Tribunal recorrido deu como provado que existia entre o 1º recorrente e a recorrida um acordo, que foi violado por aquele, assim tratando, manifestamente, duma típica responsabilidade civil contratual.
12) Não é aplicável, deste modo, o instituto de responsabilidade civil extracontratual.
⇨ III: Violação ao princípio dispositivo
13) A recorrida também não formulou causa de pedir adequada à qual seja aplicável o regime de responsabilidade civil extracontratual.
14) A decisão judicial recorrida é nula por violação do disposto no artigo 5º do CPC.
⇨ IV. Não preenchidos os requisitos exigidos pelo artigo 477º do CC
15) A análise feita pela primeira instância ao imputar ao 1º recorrente a responsabilidade indemnizatória em relação à recorrida não preenche os requisitos exigidos pelo artigo 477º do CC.
16) Quanto à ilicitude da conduta, o 1º recorrente, enquanto único proprietário do imóvel, não violou o direito de ninguém ao vender a habitação. Não houve, portanto, ilicitude na respectiva actuação.
17) No que diz respeito à culpa, de acordo com o registo predial e a escritura pública de compra e venda da fracção em causa, o 1º réu naturalmente se considerou único proprietário da mesma, com todo o poder de a vender, sendo impossível que ele tivesse actuado com consciência da ilegalidade do facto.
18) No tocante ao dano, no caso vertente, não se pediu (sic), nem se declarou, a existência de património ou interesse legalmente protegido, pelo que não há prejuízo.
19) Mesmo que assim se não entenda e se considere, tal como equacionou o tribunal de primeira instância, que existe o interesse, isto é, o referido acordo, trata-se apenas de um direito de crédito, e não direito real, e também não é aplicável o regime de responsabilidade extracontratual. Logo, a alienação do direito de propriedade (direito real) pelo 1º recorrente não equivale à venda de bem alheio.
20) Em relação ao nexo de causalidade, é de realçar que o direito de venda exercido pelo 1º recorrente enquanto único proprietário do imóvel provém do direito real constituído na escritura pública de compra e venda e está em perfeita conformidade com os poderes conferidos pela mesma. Por conseguinte, não existe nexo de causalidade entre a conduta do 1º recorrente e o alegado prejuízo do direito de crédito provindo do respectivo acordo.
21) Por não se verificar, in casu, qualquer dos requisitos exigidos pelo artigo 477º do CC, o 1º recorrente deve ser absolvido da responsabilidade indemnizatória.
⇨ V. O montante indemnizatório não devia ter sido fixado consoante o preço de mercado
22) A medida indemnizatória deve ser determinada em função do dano real sofrido pelo lesado, mas não do valor de mercado (valor objectivo) do dano.
23) In casu, a DSF formou uma comissão de avaliação que considerou que o imóvel valia MOP5.992.000,00.
24) A habitação foi vendida, em 19 de Dezembro de 2014, por MOP3.189.900,00 (alínea A dos Factos Assentes), preço que correspondia ao valor real do imóvel no contexto do então ambiente económico.
25) A avaliação do valor de mercado, feita pela DSF a 18 de Março de 2019, sobre o imóvel vendido em 19 de Dezembro de 2014, reflectiu meramente um valor objectivo.
26) A primeira instância não devia ter usado, como critério da medida da indemnização, um valor objectivo, devendo, pelo contrário, ter em conta o preço real da venda.
⇨ VI. Não se devia ter fixado a indemnização presumindo nenhum encargo
27) O imóvel em causa foi adquirido pelo 1º recorrente com financiamento bancário.
28) Mesmo que o valor indemnizatório seja calculado com o preço da venda do imóvel, deve ainda ser deduzido o empréstimo bancário (que foi sempre amortizado pelo 1º recorrente sozinho, desde a aquisição da fracção: vide decisão de facto, fls. 13, 5ª a 8ª linhas).
⇨ VII. É desrazoável ser titular de metade da propriedade só pelo pagamento da entrada
29) Mesmo que a entrada (HKD360.000,00) tenha sido paga pela recorrida, o empréstimo bancário (HKD1.300.000,00) para a aquisição do imóvel foi pago pelo 1º recorrente (vide decisão de facto, fls. 13, 5ª a 8ª linhas). A primeira instância não devia ter concluído, em função disso, que a metade da propriedade do imóvel pertencia à recorrida.
30) O 1º recorrente, encarregado da obrigação de reembolsar o financiamento bancário (HKD1.300.000,00) e os juros, tinha despesas e ónus pecuniário muito superiores aos da recorrida.
31) Portanto, a recorrida não devia ter obtido metade da propriedade do imóvel meramente pelo pagamento da entrada, devendo o seu título corresponder, quanto muito, a uma certa percentagem da fracção.
⇨ VIII. Dano real
32) Mesmo que se não entenda que a entrada e as despesas de advogado pagas pela recorrida foram um acto generoso, o dano seria apenas o que ela pagou, ou seja, a entrada e as despesas de advogado.
⇨ VIIII. Inexistência de litigância de má fé
33) O Tribunal recorrido nega a veracidade dos factos sustentados pelos 1º e 2ª recorrentes sem especificar quais os factos que eles intencionalmente alteraram.
34) Os dados da videogravação (Translator 2 (file: Recorded on 20-Feb-2019 at 10.53.33 (2QITKP!W02720319), depoimentos prestados pela testemunha G, de 25:10 a 25:30 e de 34:20 a 34:30: o financiamento bancário foi pago pelo 1º recorrente e as despesas familiares pela filha”) e os documentos produzidos podem demonstrar que as prestações mensais do empréstimo bancário para a aquisição da fracção foram realmente pagas pelo 1º recorrente.
35) Pelo que os mesmos devem ser absolvidos da litigância de má fé.
36) (sic)
Pede que,
1) sejam reapreciados os quesitos nºs 5, 16 e 34;
2) seja observado o artigo 388º, nº 1 do CC: É inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ao conteúdo de documento autêntico;
3) se negue a aplicabilidade do regime de responsabilidade extracontratual; e,
se julgue,
4) violado o princípio dispositivo;
5) não preenchidos os requisitos previstos no artigo 477º do CC;
6) que o montante indemnizatório não devia ter sido fixado com base no preço de mercado;
7) que a indemnização não devia ter sido fixada com a presunção de inexistência de qualquer encargo;
8) desrazoável a obtenção de metade da propriedade só pelo pagamento da entrada;
9) que o dano real limitou-se ao valor de entrada e às despesas de advogado;
10) improcedente a litigância de má-fé.
Assim se fazendo a justiça!
  Contra-alegando veio a Autora e agora Recorrida pugnar para que fosse negado provimento ao recurso, apresentando as seguintes conclusões:
1. No que diz respeito a que o quesito de facto 5º indicado pelo Recorrente deve ser não provado, fundou-se na violação das regras da experiência e do disposto do artº 388º, bº 1 do Código Civil.
2. Não se vê fundamento suficiente quanto à apresentação da violação das regras da experiência, e o pressuposto baseia-se no facto não provado em que “à data do acto da assinatura em que o pai do Recorrente também esteve presente”, assim sendo, a violação das regras da experiência fica, manifestamente, improcedente.
3. De acordo com o disposto no artº 388º, nº 1 do Código Civil, aplica-se apenas a que comprovam o documento contrário à convenção material, e tem por objecto as convenções contrárias ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 367º a 373º.
4. Contudo, tais actos ou conteúdos de documentos têm de ter os mesmos actos ou conteúdos de documentos. No caso dos autos, não só são os sujeitos diferentes, mas também não se destina a provar a veracidade do conteúdo da escritura, mas sim a provar que o Recorrente e a Autora têm um acordo diferente, pelo que, não é aplicável o disposto no artº 388º, nº 1 do Código Civil, nem o acórdão recorrido padece do vício de violação do disposto no artº 388º, nº 1 do Código Civil.
5. Em relação à indicação do Recorrente de que o quesito de facto 16º deve ser não provado, apenas pelo seu entendimento pessoal, não foi indicado nenhum fundamento concreto, isto é, impugna a livre convicção do Tribunal, também não pode ser procedente.
6. Para o Recorrente, a violação do princípio do dispositivo exige que os factos que integram a causa de pedir sejam alegados pelas partes.
7. Os factos dados como provados nos autos foram alegados e provados pela Recorrida, não existe facto que violou o princípio do dispositivo. O que o Recorrente indicou foi apenas a aplicação do regime de responsabilidade civil extracontratual, no entanto, aplica-se quando o regime seja apenas aplicável por lei e não quando os factos que integram a causa de pedir aumentem ou alterem.
8. Assim sendo, também não devem proceder as razões da violação do princípio do dispositivo.
9. Quanto à condenação pela aplicação do artº 477º do Código Civil nos presentes autos, a Recorrida, nesta parte, aplica-se exclusivamente à lei, tanto o artº 787º com o artº 477º do Código Civil, podem chegar a uma mesma sentença, desde que a Recorrida já tenha formulado o pedido de indemnização, o Tribunal tem o dever de aplicar a lei correcta, pelo que o recurso também não pode proceder.
10. Face ao expendido, o recurso deve ser rejeitado na sua totalidade.

  Foram colhidos os vistos.
  
  Cumpre, assim, apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO

a) Factos
  
  Na decisão sob recurso foi apurada a seguinte factualidade:
  Factos assentes:
- Por escritura Pública de 19/12/2014, o 1.° Réu e a 2ª ré venderam ao 3. Réu e à 4.a Ré, pelo preço de MOP$3.189.900, a fracção autónoma destinada a escritório, designada por “FR/C”, do prédio sito em Macau, no F, n.° 4-12, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.° 2XXX8. (Alínea A) dos factos assentes)
- Na acção ordinária n.° CV1-15-0026-CAO, o 3.° Réu e a 4ª Ré reivindicaram contra a aqui autora e contra G a fracção autónoma referida em A). (Alínea B) dos factos assentes)
- A presente acção foi registada por apresentação de 24/05/2016. (Alínea C) dos factos assentes)
- Os réus foram citados por cartas registadas expedidas em 24/02/2016, nos termos que constam de fls. 76 a 83 e aqui se dão por reproduzidos. (Alínea D) dos factos assentes)
Base instrutória:
- Entre finais de 2009 e Janeiro de 2010, a Autora, pretendendo munda com a família para uma casa maior, mandatou a Chio da agência imobiliária K para mediar a compra da fracção autónoma referida em A) dos factos assentes. (artigo 1.° da Base instrutória)
- Para o efeito, a Autora tentou obter empréstimo junto do Banco da L, não o tendo conseguido por causa da idade. (artigo 2.° da Base instrutória)
- Por isso, a Autora, o seu filho A, 1.° Réu, e a sua filha H e o pai destes, G, acordaram verbalmente fazer o pedido de empréstimo em nome do 1° Réu, prestando garantia a filha da Autora H e sendo as prestações de restituição suportadas juntamente pelo 1° Réu e por H, através de contribuições mensais de quantias semelhantes dadas por estes para as despesas familiares nelas incluindo as de amortização do empréstimo bancário a obter para a aquisição da fracção autónoma. (artigo 4.° da Base instrutória)
- E acordaram ainda que a fracção autónoma em causa pertenceria à Autora e ao 1° Réu em compropriedade. (artigo 5.° da Base instrutória)
- O 1° Réu sabia que a fracção autónoma em causa foi adquirida para permitir que toda sua família nela vivesse. (artigo 6.° da Base instrutória)
- No dia 7 de Janeiro de 2010 e depois da celebração do acordo junto a fls 243 aos autos, a Autora prometeu comprar a fracção autónoma a I e a sua esposa M e estes prometeram vender-lha, pelo preço de HK$1.660.000,00, tendo o acordo sido celebrado no escritório de advogados do Dr. António Passeira. (artigo 7.° da Base instrutória)
- Para a celebração de tal acordo, a Autora efectuou o pagamento de HK$150.000,00 aos promitentes-vendedores I e M. (artigo 8.° da Base instrutória)
- Para a celebração da escritura pública de compra e venda, a Autora pagou mais HK$210.000,00 aos promitentes-vendedores. (artigos 9.° e 12.° da Base instrutória
- A Autora pagou o montante de MOP$45.360,00 no escritório de advogados do Dr. António Passeira, a título de despesas para a outorga da escritura pública de compra e venda. (artigo 11.° da Base instrutória)
- Depois da celebração do acordo junto a fls 243 aos autos e antes da celebração do acordo referido na resposta ao quesito 7°, o 1.° Réu e a sua irmã, H, esta na qualidade de fiadora, dirigiram-se ao Banco da L, Sucursal de Macau, para pedir o empréstimo. (artigo 14.° da Base instrutória)
- Embora fosse o 1.° Réu o único mutuário, a responsabilidade pelo pagamento das prestações bancárias foi assumida pelo 1° Réu e pela sua irmã através de contribuições mensais de quantias semelhantes dadas por estes para as despesas familiares nelas incluindo as de amortização do empréstimo bancário obtido para a aquisição da fracção autónoma. (artigo 16.° da Base instrutória)
- A Autora, o 1.° Réu, o pai e a irmã do 1.° Réu sempre viveram na referida fracção autónoma, servindo este local como a casa de morada de família. (artigo 17.° da Base instrutória)
- A Autora sempre considerou que era proprietária de metade indivisa da fracção autónoma. (artigo 20.° da Base instrutória)
- A filha da Autora tem sempre contribuído para permitir o pagamento das prestações do empréstimo contraído para a compra da fracção referida em A) dos factos assentes através de contribuições mensais de quantias semelhantes dadas por estes para as despesas familiares nelas incluindo as de amortização do empréstimo bancário obtido para a aquisição da fracção autónoma. (artigo 22.° da Base instrutória)
- Antes de contrair matrimónio com o 1.° Réu, a 2a Ré residia na fracção autónoma juntamente com a família da Autora. (artigo 24.° da Base instrutória)
- O 1.° Réu sabia que a fracção autónoma referida em A) dos factos assentes também pertencia à Autora. (artigo 27.° da Base instrutória)
- Em 2012, devido a desavenças entre a 2a Ré e a Autora, os 1.° e 2 a Réus deixaram de residir na fracção autónoma referida em A) dos factos assentes. (artigo 29.° da Base instrutória)
- No dia 9 de Novembro de 2012, o 1.° Réu casou com a 2 a Ré no regime da comunhão geral. (artigo 30.° da Base instrutória)
- A Autora não sabia que os 1.° e 2a Réus se casaram no regime da comunhão geral. (artigo 31.° da Base instrutória)
- Um ano depois do seu casamento, devido a aumento de renda, os 1.° e 2a Réus voltaram a residir na fracção autónoma referida em A) dos factos assentes com a família da Autora, mantendo-se o mau relacionamento. (artigo 32.° da Base instrutória)
- Em Novembro de 2014, os 1.° e 2a Réus disseram à Autora que iriam vender a fracção autónoma referida em A) dos factos assentes, mas a Autora e a sua família disseram-lhe que não estavam de acordo e que consideravam que o 1 ° Réu não era o único proprietário da fracção autónoma. (artigo 33.° da Base instrutória)
- Os 1° e 2a Réus, sabendo do acordo referido na resposta ao quesito 5°, venderam a fracção autónoma aos 3° e 4 a Réus sem autorização da Autora e da família e receberam o preço. (artigo 34.° da Base instrutória)
- Na data em que os 1° e 2 a Réus venderam a fracção aos 3° e 4 a Réus, a mesma valia no mercado quantia não inferior a MOP5.992.000,00. (artigo 35.° da Base instrutória)
- O que consta da resposta aos quesitos 8°, 9°, 11° e 12°. (artigo 39.° da Base instrutória)
- A Autora recusou desocupar a fracção apesar de tal lhe ter sido solicitado pelos Réus. (artigo 45.° da Base instrutória)
- Os 3° e 4a Réus não solicitaram quaisquer indemnizações na acção de reivindicação referida em B) dos factos assentes que intentaram contra a Autora e o pai do 1° Réu. (artigo 47.° da Base instrutória)
   
b) Do Direito

Foram vários os recursos interpostos, a saber:
  1. Recursos do despacho de fls. 278 e seguintes:
  - Do incidente de intervenção principal activa de terceiros;
  - Da rejeição da Reconvenção contra quem não é parte da causa;
  2. Recursos da sentença:
  - Da matéria de facto quanto às respostas dadas aos itens 5º, 16º e 34º da Base Instrutória;
  - Da sentença na parte em que condena os 1º e 2ª Réus a pagar uma indemnização à Autora;
  - Da condenação dos 1º e 2ª Réus como litigantes de má-fé.
  
  Cumpre assim apreciar e decidir.
  
  1. Recursos do despacho de fls. 278 e seguintes:
   
  Do recurso interposto do indeferimento da requerida intervenção principal activa de terceiros.
  Sobre esta questão é o seguinte o teor da decisão recorrida:
  «II- Incidente de intervenção principal provocada activa de terceiros.
  A autora alegou que pagou parte do preço de um imóvel que o primeiro réu e a primeira ré adquiriram. E pretende, entre outras pretensões formuladas numa relação de subsidiariedade entre elas, que os réus sejam condenados a restituir-lhe aquela parte do preço que pagou.
  Em contestação, o primeiro réu e a segunda ré vieram dizer que não foi só a autora que pagou tal parte do preço que reclama, mas que também contribuíram para esse pagamento o marido e a filha da autora. Com tal fundamento requereram a intervenção principal activa dos referidos marido e filha.
  Como resulta do disposto nos arts. 267º, nº 1, 262º, 61º, 62º, 64º e 65º do CPC, a intervenção principal activa reclama que o interveniente tenha legitimidade para intervir como litisconsorte ou que reúna as condições para se coligar com o autor. Não é o que ocorre no caso dos autos. A relação material controvertida que a autora trouxe a juízo, e só essa releva, não diz respeito aos chamados, pelo que estes não têm legitimidade para intervir nos autos onde tal relação material se discute (arts. 60º e 58º, nº 1 do CPC). Por outro lado, também não é possível a coligação, pois que o pedido da autora exclui os pedidos que os chamados poderiam formular, uma vez que a autora afirma ter sido só ela que pagou a parte do preço que reclama, o que não pode coexistir com a afirmação da contestação no sentido de a autora não ter pago a totalidade, mas apenas uma parte do que reclama. Não se trata, pois, de pedidos diferentes, mas do mesmo pedido (art. 60º, nº 1 do CPC).
  Pelo exposto, não se admite a intervenção requerida.».
  Quanto a esta matéria nas conclusões de recurso 1 a 3 os recorrentes limitam-se a reproduzir o que já haviam alegado em sede de contestação nos artigos 6 a 8 quando pedem a intervenção principal como associados da Autora de G e sua filha H.
  Nos termos do CPCiv. artº 267º nº 1 “qualquer das partes pode chamar a juízo os interessados com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária” (sublinhado nosso).
  «Os terceiros que podem ser chamados são aqueles que têm direito de intervir espontaneamente, nos termos do artº 262º, ou seja, aqueles que deveriam ou poderiam intervir em litisconsórcio voluntario ou necessário com o autor ou com o réu e aqueles que deveriam ou poderiam coligar-se com o autor».
  Sobre o litisconsórcio dispõem os artº 60º e 61º do CPC, admitindo-se no caso de litisconsórcio necessário que quando a relação material controvertida respeitar a várias pessoas e a lei ou o negócio forem omissos, a acção possa ser proposta por todos ou contra todos.
  Segundo a Autora esta teria pago parte do preço do imóvel de que se arroga ser também dona na proporção de metade.
  Segundo os 1º e 2ª Réus G e H contribuíram também com parte desse dinheiro, em proporção que estes desconhecem, pelo que, com vista a apurar os seus direitos na relação entre todos os sujeitos, pedem a intervenção principal provocada destes, uma vez que, um dos pedidos é a devolução das quantias que foram pagas.
  Por vezes torna-se difícil distinguir onde acaba a impugnação fundamentada e começa a excepção peremptória modificativa ou extintiva do direito do Autor.
  No caso em apreço tudo indica que se concluiu estarmos perante impugnação fundamentada, mas se melhor analisarmos a situação, o que os Réus invocam é uma excepção peremptória modificativa do direito da Autora: Não foi só a Autora a pagar e nem foi esta quem pagou todo o montante, pelo que, há mais sujeitos nesta relação jurídica com direitos idênticos ao daquela, mas os Réus desconhecem quanto e para se apurar a medida da sua responsabilidade para com a Autora requerem a intervenção dos outros sujeitos da relação material.
  Salvo melhor opinião esta situação cabe na previsão do nº 1 do artº 60º do CPCiv, sendo que, nada obrigando a que todos os sujeitos estejam na acção, deve o tribunal conhecer apenas da quota-parte do interesse de quem pede, embora o pedido abranja a totalidade.
  Ora, é no seguimento desta previsão que os 1º e 2ª Réus vêm pedir a intervenção dos terceiros. A relação não é só entre a Autora e estes Réus mas envolve outras pessoas com direito igual ao da Autora em medida que desconhecemos, pelo que, chamem-se esses sujeitos para virem indicar o que é deles e o que é da Autora.
  Embora estejamos naquilo que se costuma chamar de situações limite ou de fronteira, a situação que se invoca cabe no litisconsórcio voluntário e por força do artº 262º poderia justificar a intervenção espontânea, pelo que, em consequência deveria ter sido admitida a intervenção provocada nos termos do artº 267º do CPC.
  Contudo, neste momento já se procedeu à instrução e decisão do processo.
  No caso em apreço foi dado por provada a matéria dos itens 8º, 9º e 11º da base instrutória de onde resulta que foi a Autora quem pagou os ditos valores, sendo que, nesta parte não é interposto recurso da decisão.
  Pelo que, em face da matéria de facto apurada e não impugnada, é agora manifestamente inútil conceder provimento ao recurso, quando os próprios recorrentes não impugnam a parte da decisão em que se reconhece que só a Autora pagou aqueles valores.
  
  Destarte, julga-se a instância de recurso nesta parte extinta por inutilidade superveniente nos termos da al. e) do artº 229º do CPC, sem prejuízo de relevar quem obteria vencimento para efeito de custas, dado que a inutilidade superveniente não é imputável aos Recorrentes.
  
  Do recurso interposto da rejeição da Reconvenção por ser deduzida, também, contra quem não é parte na causa.
  Sobre esta questão é o seguinte o teor da decisão recorrida:
  «III - Da reconvenção.
  Caberia agora proferir despacho saneador onde, entre o mais, se apreciasse a admissibilidade da reconvenção. Porém, em face do que seguidamente vai ser decidido quanto à mesma reconvenção, impõe-se, como melhor se verá adiante, proferir despacho de aperfeiçoamento que só pode ser proferido depois de apreciada e decidida a referida admissibilidade. Assim, apreciar-se-á apenas este aspecto que pertence ao despacho saneador e, após o convite ao aperfeiçoamento da reconvenção, se apreciarão as demais questões pertencentes ao mesmo despacho.
  A autora alegou que, como promitente-compradora, celebrou um contrato­promessa com determinados promitentes-vendedores e que estes, apesar de a autora ter pago parte do preço acordado, venderam o imóvel prometido ao 1° réu, filho da autora, o qual casou depois com a 2ª ré no regime de bens da comunhão geral e revendeu o imóvel ao 3º réu e à 4ª ré. Alegou ainda que celebrou com o primeiro réu um acordo verbal para este adquirir a coisa prometida em compropriedade com a própria autora, tendo o mesmo adquirido exclusivamente para si, beneficiando do pagamento parcial do preço feito pela autora. Pretende a autora à declaração de nulidade ou a anulação da referida revenda, ou caso essa pretensão não proceda, pretende ser indemnizada pelo incumprimento do contrato-promessa e do acordo verbal, pretendendo, designadamente, ser reembolsada da parte do preço que pagou.
  O 1º réu e a 2ª ré vieram dizer, entre o mais, que a autora, o marido desta e a filha de ambos, sem pagamento de qualquer contrapartida, residiram e residem no imóvel que o 1º réu comprou e que, tendo o 1º réu revendido o imóvel ao 3° réu e à 4ª ré, tem-lhes vindo a pagar HKD12.000,00 (doze mil dólares de Hong Kong) por mês como contrapartida do facto de a autora, o marido e a filha continuarem a residir no imóvel vendido.
  Pretende o 1º réu e a 2ª ré, em reconvenção, que a autora, o marido desta e a filha de ambos sejam condenados a pagar-lhes aquilo com que se locupletaram por residirem gratuitamente no imóvel.
  A admissibilidade da reconvenção depende de determinados pressupostos de ordem substantiva e processual (arts. 218º, 419º e 28º do CPC),
  Substantivamente, a reconvenção é admissível quando o pedido reconvencional tem como causa de pedir os factos que servem de fundamento à acção ou à defesa (art. 218º, nº 2, al. a) co CPC). Isto é: o direito exercido por via reconvencional tem como factos constitutivos os mesmos que o autor alegou para o direito que pretende exercer ou os factos que o réu alegou como extintivos, modificativos ou impeditivos do direito invocado pelo autor. Não é isso que ocorre no caso em apreço. Os factos constitutivos, impeditivos, modificativos ou extintivos do direito (nulidade e anulação contratuais ou indemnização por incumprimento) invocado pela autora são diversos dos constitutivos do direito a indemnização por enriquecimento sem causa invocados pelos réus.
  A reconvenção é também admissível quando o réu pretende obter compensação (art, 218º, nº 2, al. b) co CPC). No fundo é isso que os reconvintes pretendem. Embora não confessem dever à autora, os efeitos efectivos da procedência do pedido reconvencional são os mesmos dá compensação, no caso de o pedido da autora proceder, mesmo perante a impugnação dos réus. Por outro lado, tendo os réus reconvintes afirmado que não foi apenas a autora a pagar a parte do preço do imóvel adquirido pelos réus reconvintes, o efeito de compensação estende­se também ao marido e à filha da autora.
  É, pois, substantivamente admissível a reconvenção,
  Mas, quanto à filha e ao marido da autora há uma incompatibilidade processual. É que estes não são autores e, nos termos do art. 218º do CPC, “o réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor”. Embora os reconvintes pretendam que eles intervenham como autores ou parte principal activa, o certo é que não reúnem condições para intervir como tal, como se referiu, restando apenas saber se a reconvenção justifica a intervenção pretendida.
  Sempre existiu divergência doutrinal e jurisprudêncial sobre a questão no caso de litisconsórcio necessário2. Se o réu quer fazer valer pedido reconvencional contra o autor e o seu litisconsorte necessário, ou demanda os dois ou não pode reconvir. Em tal situação, há quem entenda que pode reconvir contra quem não é autor. Mas no caso em apreço nada disto se passa. Os chamados não são litisconsortes necessários da autora. Nem sequer voluntários, uma vez que a autora se arroga como tendo pago sozinha a totalidade da quantia que reclama, sendo os reconvintes que afirmam que também o marido e a filha da autora contribuíram para o pagamento de tal quantia. Portanto, apenas na alegação dos reconvintes caberia o litisconsórcio voluntário3. Mas nem é, em rigor, de litisconsórcio que se trata a situação alegada pelos reconvintes. Seria coligação. Na verdade, não seria a mesma a relação material controvertida, uma vez que cada pagamento de terceiro seria uma autónoma relação material, o que impede o litisconsórcio, o qual pressupõe que todos os litisconsortes sejam sujeitos da mesma relação material (arts. 60º e 61º do CPC). Permitiria a coligação, sendo esta insuficiente para permitir a reconvenção e o necessário chamamento.
  Assim sendo, os réus reconvintes não podem reconvir contra os chamados (marido e filha da autora - art. 218º, nº 1 do Código de Processo Civil).
  Pelo exposto, admite-se a reconvenção apenas contra a autora e não se admite contra os chamados.».
  Como resulta da parte final da decisão recorrida entende-se que a situação configurada pelos reconvintes é de coligação uma vez que cada pagamento é uma relação material autónoma não sendo a mesma a relação material controvertida e, uma vez que, segundo se alega apenas seria de admitir a reconvenção deduzida contra terceiros em casos de litisconsórcio, conclui-se pela inadmissibilidade da mesma quanto aos terceiros.
  
  Vejamos então.
  A primeira questão a decidir consiste em apreciar se o caso em apreço configura uma situação de litisconsórcio voluntário ou de coligação.
  A este respeito escreve José Lebre de Freitas e outros em Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, pág. 63, Edição de 1999 que «Manteve-se assim, como requisito da coligação, a pluralidade de pedidos (“pedidos diferentes”), permanecendo incólume toda a polémica doutrinária em torno da questão de saber se o traço distintivo entre o litisconsórcio (voluntário) e a coligação é o dualismo unidade/pluralidade de pedidos (como o art. 30 inculca) ou o dualismo unidade/pluralidade de relações jurídicas materiais (como parece resultar dos arts. 27 e 28).».
  Assentando o traço distintivo entre litisconsórcio necessário e coligação no dualismo/unidade de relações jurídicas, somos a concluir que no caso em apreço a situação cabe no litisconsórcio necessário – como aliás já se decidiu supra quanto à intervenção de terceiros – e não na coligação.
  Os 1º e 2ª Réus no caso em apreço nem alegam que hajam sido feitos vários pagamentos ou pagamentos distintos pela Autora e pelos outros dois sujeitos contra quem, também, deduzem o pedido reconvencional.
  O que os Réus invocam é que para os pagamentos feitos alegadamente pela Autora concorreram os outros sujeitos também com entradas/entregas de dinheiro.
  No entanto, ainda que as entregas houvessem sido feitas individualmente por cada um dos três sujeitos, o certo é que, na situação aqui configurada tudo respeita à mesma relação material controvertida que em suma se destinava à compra da fracção autónoma, na versão da Autora na proporção de metade para a Autora e para o 1º Réu e na versão dos 1º e 2ª Réus apenas para o 1º Réu (ao tempo).
  No caso em apreço a relação material controvertida é apenas uma, um pagamento (ou vários pagamentos por sujeitos diferentes se fosse o caso) destinando-se apenas às entregas dentro “daquela” relação material, pelo que, entendemos que o caso cabe dentro do litisconsórcio voluntário e não da coligação.
  Destarte, concluindo-se na decisão sob recurso que estavam verificados os pressupostos para a admissão da reconvenção, haveria aquela de ter sido admitida também contra os indicados terceiros, sendo admitia a intervenção destes na acção para os respectivos efeitos.
  
  Contudo, também aqui já a acção prosseguiu com o pedido reconvencional deduzido apenas contra a Autora, vindo a ser julgada improcedente absolvendo-se esta da instância, sem que nesta parte haja sido interposto recurso, pelo que, não faz agora qualquer sentido que seja revogada aquela decisão, ordenada a admissão da reconvenção contra os terceiros que não são partes nesta acção para prosseguir nesta parte e dela conhecer, quando, quanto à Autora a Reconvenção foi julgada improcedente por decisão relativamente à qual não foi interposto recurso e por isso já transitada em julgado.
  Destarte, à semelhança do recurso anterior, também este, por força da decisão já proferida na parte não impugnada, se veio a tornar supervenientemente inútil.
  
  Assim sendo, julga-se a instância de recurso nesta parte extinta por inutilidade superveniente nos termos da al. e) do artº 229º do CPC, sem prejuízo de relevar quem obteria vencimento para efeito de custas, dado que a inutilidade superveniente não é imputável aos Recorrentes.
  
  2. Recursos da sentença
  - Do recurso interposto da decisão quanto à matéria de facto no que concerne às respostas dadas aos itens 5º, 16º e 34º da Base Instrutória
  1. Da resposta dada ao item 5º da Base Instrutória no sentido de que “acordaram ainda que a fracção autónoma em causa pertenceria à Autora e ao 1º Réu em compropriedade”.
  Sobre esta questão sustentam os 1º e 2ª Réus que o pai do 1º Réu e marido da Autora esteve na escritura e assistiu a que apenas o 1º Réu figurou como comprador pelo que devia este quesito ter sido dado como não provado. Porém omitem os Réus que aquilo que resultou da prova produzida e se alega em todo o processo é que sem prejuízo do acordo quanto a que a fracção pertenceria em metade à Autora e 1º Réu seria este a figurar apenas como comprador, pelo que, o depoimento invocado e o facto do marido da Autora ter estado presente em nada altera as razões e os fundamentos do tribunal para ter dado como provado aquele quesito. O mesmo raciocínio se aplica para quando se alega que foi a Autora que escolheu o notário e pagou as despesas da escritura e como tal sabia que apenas o 1º Réu figurou como dono. A questão não é quem figura na escritura como dono mas o acordo celebrado entre a Autora e o 1º Réu. Quanto a que a Autora não sabia é outra matéria e foi dado com não provado.
  Da mesma forma o argumento invocado na conclusão 2.c) não afasta a conclusão do tribunal porque se já não tem idade para pedir empréstimo a situação não se resolve com fiador uma vez que a intervenção deste (fiador), segundo as regras da experiência usa-se apenas para os casos das garantias do mutuante não serem suficientes para o cumprimento do empréstimo, sendo sabido, que é universal a regra de que a partir de determinada idade os bancos não emprestam dinheiro face aos riscos associados à expectativa de vida do mutuário, não se resolvendo a questão com a constituição de fiador.
  O facto do marido da Autora ter dito que foi ele e a mulher quem pagou e de que a casa era para os filhos, também em nada afasta a conclusão retirada porque mais uma vez o que releva é o acordo feito e não a proveniência do dinheiro, nem o facto de um pai dizer que a casa era para os filhos, o que se adequa perfeitamente ao que se alega, uma vez que ficando metade para o 1º Réu e metade para a Autora, no futuro e após o decesso da Autora a casa ficaria para os filhos, expressão que se enquadra perfeitamente na situação.
  Sobre esta matéria a fundamentação usada pelo Tribunal recorrido é bastante esclarecedora na seguinte parte:
  «Em especial, no que diz respeito à razão de compra da fracção autónoma dos autos, as primeiras três testemunhas referiram que a família da Autora pretendia comprar uma fracção autónoma maior para si tendo a 3ª testemunha, a agente imobiliária que mediou a compra e venda, dado conta de que eram a Autora e o pai do 1º Réu quem deu início e acompanhou, pelo menos, a fase inicial do processo de compra desta fracção autónoma (adiante simplesmente designado por fracção 1) tendo, para o efeito, vendido a fracção autónoma em que residiam (adiante simplesmente designado por fracção 2) para financiar a compra daquela.
  A corroborar essa prova, está junta aos autos, a fls 2434, o contrato-promessa de compra e venda da fracção 1 celebrado pelo 1º Réu e os vendedores, datado de 17 de Dezembro de 2009, e, a fls 228 a 233, documentos de venda da fracção 2 e de recebimento do respectivo preço que indicam que o processo de venda teve início antes de 10 de Dezembro de 2009.
  Ora, em termos temporais, isso corresponde ao alegado pela Autora de que decidira mudar para uma fracção autónoma maior em finais de 2009 e Janeiro de 2010.
  Articulando essa prova com o facto de, segundo todas as testemunhas da Autora, o 1º Réu nunca ter comparecido para visitar a fracção autónoma antes da compra e venda, entendeu o tribunal verossímil a versão dos factos alegada pela Autora de que a fracção autónoma se destinava a servir de casa de família para a sua família de quatro membros lá residir e não apenas para o 1º Réu como a contestação deste e da 2ª Ré inculca.
  A corroborar esse entendimento é o facto de estar reconhecido pelos 1º e 2ª Réus que, depois da aquisição, a Autora, o 1º Réu, o pai e a irmã do 1º Réu passaram a residir na fracção autónoma, facto este confirmado também pelas 1ª e 2ª testemunhas.
  A isso acresce que o tribunal considerou demonstrado que a Autora pagara parte do preço aos vendedores, no montante total de HK$360.000,00 e as despesas para a outorga da escritura pública e o 1º Réu e a irmã deste contribuíram para o pagamento das amortizações do empréstimo bancário.
  É que, os 1º e 2ª Réus reconheceram que os HK$150.000,00 pagos antes da celebração do acordo referido na resposta ao quesito 7º e as despesas para a outorga da escritura pública tinham sido pagos pela Autora, o pai e a irmã do 1º Réu. Ou seja, os 1º e 2ª Réus confessaram que esses valores não foram pagos por si, não obstante defenderem que o pagamento feito por aqueles consubstanciava um acto de liberalidade a favor do 1º Réu.
  Quanto aos restantes HK$210.000,00 em dinheiro recebidos pelos vendedores, nada dos autos demonstra que o 1º Réu os pagou. Aliás, tudo indicia que não os pagou porque, segundo a 1ª testemunha, o 1º Réu tinha começado a trabalhar por dois anos e era, na altura, instruendo das forças de segurança.
  O mesmo não ocorre em relação à Autora. É que, as primeiras três testemunhas, uma das quais a agente imobiliária que tratou tanto da compra da fracção 1 e como da venda da fracção autónoma 2, foram claras no sentido de a venda da fracção 2 tinha precisamente como propósito financiar a compra da fracção 1. Estando junto aos autos os documentos que demonstram essa venda e o recebimento de HK$900.000,00 pela Autora e pelo pai do 1º Réu, entendeu o tribunal que essa prova era suficiente para vincar a tese da Autora de que fora a mesma quem pagara os HK$360.000,00 aos vendedores. Ademais, as mensagens telefónicas trocadas entre a 2ª Ré e a irmã do 1º Réu constantes do documento junto a fls 50 são inequívocas acerca disso.
  Em relação ao pagamento do empréstimo bancário de HK$1.300.000,00 para pagar o remanescente do preço da fracção 1, é facto que os documentos juntos a fls 20 a 25 e 95 a 174 demonstram que o 1º Réu contraiu tal empréstimo e as prestações mensais para o seu pagamento, no valor de pouco mais do que MOP$7.100,00, foram descontadas da sua conta bancária. Contudo, as 1ª e 2ª testemunhas afirmaram que ficou acordado entre os membros da família da Autora que o 1º Réu pagaria essas prestações mensais e a irmã do 1º Réu daria MOP$8.000,00 à família para as despesas familiares. Segundo as mensagens trocadas entre a 2ª Ré e a irmã do 1º Réu constante do documento junto a fls 50 a 52, a irmã do 1º Réu prestava efectivamente contribuição para as despesas da família enquanto que o 1º Réu pagava as prestações bancárias mensais.
  A partir dessa prova e da análise acima feita, o tribunal deu crédito ao que foi declarado pelas 1ª e 2ª testemunhas no que concerne ao acordo estabelecido entre todos os membros da família de que a fracção 1 pertenceria à Autora e ao 1º Réu em regime de compropriedade.
  É que, tendo a fracção 1 sido comprada para melhorar as condições habitacionais da família da Autora, a prova testemunhal acerca da não obtenção de crédito bancário por parte da Autora, a prova documental junta a fls 20 a 25 e testemunhal respeitante ao pedido de empréstimo feito pelo 1º Réu para o qual a irmã deste serviu de fiadora, a prova documental junta a fls 50 a 52 e testemunhal acerca da contribuição feita pelo 1º Réu e pela irmã desta para as despesas familiares e a prova documental junta a fls 16 a 19 e 228 a 233 acerca do pagamento de parte do preço pela Autora e pelo pai do 1º Réu com o produto de venda da fracção 2 e a prova testemunhal que indica que, à data da compra da fracção 1, a família da Autora não tinha outra fracção autónoma onde podia residir, apontam para o sentido de a fracção 1 se destinar a constituir propriedade conjunta da família da Autora para satisfazer as necessidades de habitação de toda a família a qual, no momento da compra, pelas dificuldades de obtenção do empréstimo pelo Autora, ficaria formalmente em nome do 1º Réu mas materialmente metade indivisa em nome deste por ser um dos dois descendentes da família da Autora e outra metade indivisa em nome da Autora que, consoante as circunstâncias futuras, a transmitiria ou não à irmã do 1º Réu, outro descendente da família da Autora.
  Trata-se de um tratamento em total consonância com a mentalidade e o costume chineses quanto ao gozo e destino dos bens familiares.».
  Por fim quanto à invocada violação do disposto no artº 388º do C.Civ. por a prova deste quesito ter sido feito com base em testemunhas também não assiste razão aos Recorrentes.
  A matéria do quesito 5º não versa sobre a prova de que o que consta do documento autêntico não corresponde à verdade.
  O que se prova é que entre eles foi feito um acordo no sentido que consta da resposta dada pelo tribunal.
  E o que resulta demonstrado nos autos e está expresso até na fundamentação da decisão da matéria de facto não é que haja sido feito qualquer acordo em sentido contrário ou adicional ao que consta da escritura pública de compra e venda (admitindo-se que é a este documento autêntico que os Recorrentes se reportam).
  Ambas as partes entendendo-se como tal Autora e 1º Réu quiseram que fosse este a comprar a fracção autónoma objecto destes autos. Em momento algum resulta da decisão proferida que da prova produzida se tenha concluído que apesar do 1º Réu ter declarado que comprava o negócio subjacente era outro que não esse (o que consta da escritura publica), nem tão pouco a Autora invoca que tenha havido convenção em sentido contrário ao que consta da escritura, entre vendedor e comprador.
  Atente-se que, quando o artº 388º do C.Civ. consagra a protecção do conteúdo dos documentos autênticos tem em vista os sujeitos que intervêm no documento.
  O que se proíbe no artº 388º nº 1 é que após a realização do documento autêntico, aqueles que o outorgaram, apenas com prova testemunhal, venham demonstrar que o que dele consta não é verdadeiro. Porém, o nº 3 do mesmo preceito já vem admitir a prova testemunhal se a invocação for feita por terceiros5.
  Ora, no caso em apreço entre a Autora e o 1º Réu não foi celebrado documento autêntico algum que contrarie a matéria dada como provada no quesito 5º.
  O que se invoca e demonstrou e que resulta da resposta dada ao item 5º da Base Instrutória é que houve um acordo entre a Autora e o 1º Réu, que nunca se alegando que haja sido escrito se entende que foi verbal, segundo o qual a fracção autónoma pertenceria na proporção de metade a cada um dos dois.
  Logo, não tem aplicação no caso em apreço o disposto no artº 388º do C.Civ..
  O artº 388º do C.Civ. apenas poderia ser chamado à colação se entre a Autora e o 1º Réu, relativamente à fracção autónoma objecto destes autos houvesse sido celebrado um acordo através de um dos documentos com a forma ali indicada em sentido contrário ou diferente ao que se diz na resposta dada ao quesito 5º. Porém, nada disso aconteceu.
  
  2. Da resposta dada ao item 16º da Base Instrutória no sentido de que “embora fosse o 1º Réu o único mutuário, a responsabilidade pelo pagamento das prestações bancárias foi assumida pelo 1º Réu e pela sua irmã através de contribuições mensais de quantias semelhantes dadas por estes para as despesas familiares nelas incluindo as de amortização do empréstimo bancário obtido para a aquisição da fracção autónoma”.
  No que concerne a esta matéria na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto resulta já sobejamente demonstrado a razão da resposta dada com a qual concordamos integralmente.
  Segundo os usos e costumes Chineses os filhos quando começam a trabalhar contribuem para as despesas dos pais.
  O destino dado à contribuição de um ou de outro é irrelevante.
  Daquilo que se apurou, ambos os filhos da Autora contribuíam para os pais com um valor entre as sete e oito mil patacas, sendo que o filho, aqui 1º Réu pagava as prestações da casa e a filha entregava um valor semelhante para as despesas domésticas.
  Em sede de economia doméstica não é razoável que se esteja a fazer divisões no sentido de ambos pagarem a casa cada um na proporção de metade e contribuírem na mesma proporção para as despesas domesticas.
  A forma de proceder que se apurou – o filho pagava as amortizações da casa e a filha entregava um valor ainda superior para as despesas domésticas – corresponde integralmente, segundo as regras da experiência, ao modo de proceder dos filhos para com os pais em situações análogas.
  Pelo que, bem andou o tribunal “a quo” em responder à matéria do item 16º nos termos em que o fez.
  
  3. Da resposta dada ao item 34º no sentido de que “os 1º e 2ª Réus, sabendo do acordo referido na resposta ao quesito 5º, venderam a fracção autónoma aos 3º e 4ª Réus sem autorização da Autora e da família e receberam o preço”.
  Em sede de alegações de recurso invoca-se apenas que a 2ª Ré começou a namorar com o 1º Réu após a aquisição da fracção autónoma a que se reportam os autos pelo que não sabia do acordo.
  Ora, o facto de só se começar a relacionar com o 1º Réu após a compra não significa de modo algum que não soubesse.
  Aliás a 2ª Ré casou em regime de comunhão geral de bens o que releva que se interessa e importa com os bens que existiam antes do casamento. Se assim não fosse teria casado no regime supletivo.
  De todo o processo resulta que as desavenças entre filho e pais começam a surgir a partir do momento em que os 1º e 2ª Réus passaram a viver juntos, sendo que, por causa delas até saíram da fracção autónoma em causa e foram viver para uma outra, regressando posteriormente para ali voltar a viver.
  Ora, se a 2ª Ré não soubesse que a fracção também pertencia à Autora quem teria que sair da fracção seria a Autora, o marido e a filha e não os 1º e 2ª Réus e não se diga que não o fez por respeito aos, então, pais do namorado, porque depois de casada não se acanhou nada em lhes vender a casa e fazer seu (porque casada no regime de comunhão geral bens) o valor da venda.
  É evidente que a 2ª Ré sempre soube do acordo desde que passou a fazer parte da família, o que aliás resulta da fundamentação da decisão da matéria de facto e da troca de mensagens entre si e a cunhada.
  
  Assim sendo improcede o recurso no que concerne à impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
  
  - Do Recurso da sentença na parte em que condena os 1º e 2ª Réus a pagar uma indemnização à Autora
  Depois de analisar os vários argumentos invocados na p.i. fazendo uso, e bem, do disposto no artº 567º do CPC, entende-se na decisão recorrida que a situação cabe na previsão dos artigos 477º, 556º e 557º do C.Civ. concluindo-se pelo direito da Autora a ser indemnizada pelo valor igual a metade do valor de mercado da fracção autónoma na data em que foi vendida.
  
  Vejamos então.
  
  Em sede de conclusões de recurso na parte II) 5) a 8) invocam os Recorrentes, novamente a violação do disposto no artº 388º nº 1 do C.Civ. uma vez que, tendo a aquisição da fracção autónoma em causa sido feita por escritura pública não seria admissível a prova por testemunhas de que haviam feito um acordo contrário ao conteúdo daquela.
  Sobre esta questão já nos debruçámos supra aquando da impugnação da resposta dada ao quesito 5º da Base Instrutória, para onde remetemos, concluindo-se que não têm acolhimento estas conclusões de recurso.
  
  A seguir sobre os títulos II, III e IV, das conclusões 9) a 21) invoca-se que não se aplica e não estão preenchidos os requisitos da responsabilidade extracontratual e a violação do princípio do dispositivo por se recorrer a fundamento de direito que não havia sido invocado pela Autora.
  Comecemos pelo princípio do dispositivo.
  Dispõe o artº 5º do CPC que:
Artigo 5.º
(Princípio dispositivo)
  1. Às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções.
  2. O juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo do disposto nos artigos 434.º e 568.º e da consideração oficiosa dos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa.
  3. São ainda considerados na decisão os factos essenciais à procedência das pretensões formuladas ou das excepções deduzidas que sejam complemento ou concretização de outros que as partes tenham oportunamente alegado e resultem da instrução e discussão da causa, desde que seja dada à parte interessada a possibilidade de sobre eles se pronunciar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório.
  Como resulta da disposição legal citada a limitação resultante do princípio do dispositivo respeita aos factos.
  Em matéria cível e sempre que não vigorar o princípio do inquisitório, o Tribunal apenas pode atender aos factos invocados pelas partes e daqueles que constam da indicada disposição legal e não pode condenar em mais ou em objecto diverso do que aquele que é pedido6.
  Porém, no referido princípio não cabe a “indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, às quais por força do disposto no artº 567º do CPC o tribunal não está sujeito.
Artigo 567.º
(Relação entre a actividade das partes e a do juiz)
  O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito; mas só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, sem prejuízo do disposto no artigo 5.º
  Destarte, no que concerne à invocada violação do princípio do dispositivo por se ter recorrido a outras normas de direito que não as invocadas pela Autora no que concerne à solução jurídica encontrada, não enferma a decisão recorrida de vício algum, não tendo acolhimento nesta parte as alegações e conclusões de recurso.
  
  Vejamos agora o que se invoca quando ao errado enquadramento da situação na responsabilidade extracontratual prevista no artº 477º do C.Civ..
  No caso sub judice apurou-se que no âmbito familiar – entre mãe, pai e os dois filhos – é feito um acordo – verbal – segundo o qual se decide vender a casa onde viviam (e que pertenceria à mãe ou aos pais, é irrelevante para o caso) e comprar uma outra, maior para a família nela viver. Por limitações de idade que condicionaram o recurso ao crédito à mãe (aqui Autora) que havia celebrado o contrato de promessa de compra e venda da fracção a adquirir vem a consentir (ainda que tacitamente) que a escritura de compra e venda seja celebrada pelo filho enquanto comprador, o qual contrai um empréstimo para pagamento parcial do preço figurando a outra filha como fiadora. O empréstimo vem a ser pago pelos filhos da Autora através das contribuições mensais destes a favor dos pais para as despesas domésticas. Acordou-se no âmbito familiar que a casa pertencia à mãe e ao filho.
  Manda a prudência que assim não se actue e aos negócios se lhes dê a forma jurídica que têm para protecção de todos, mas assim não se fez.
  Desavenças de família e o filho vendeu a casa onde todos viviam.
  Quanto à validade da compra e da venda bem andou a decisão recorrida em concluir pela validade de uma e de outra.
  Aliás, a questão entre a Autora e os 3º e 4ª Réus que compraram a fracção autónoma em causa já havia sido decidida numa outra acção que já teve decisão.
  Cabe agora decidir do que aqui se pede.
  Sem a casa para cuja aquisição contribuiu pretende a Autora ser indemnizada na medida de metade do valor de mercado que aquela tinha ou na medida dos valores com que contribuiu para a compra da mesma.
  Na sentença sob recurso entendeu-se que o 1º Réu incorreu na prática de acto ilícito por ter procedido à venda da casa que se havia acordado pertencer-lhe a si e à mãe na proporção de metade, aplicando à situação “sub judice” o regime da responsabilidade extracontratual previsto no artº 477º do C.Civ..
  Porém, não podemos acompanhar a decisão recorrida neste vector.
  Como resulta dos autos a casa foi comprada pelo 1º Réu com o acordo de todos (entenda-se a família) os quais não podem ser alheios às regras de direito, pelo que, quando este vendeu a casa vendeu aquilo que juridicamente lhe pertencia, sendo essa válida.
  O que o Réu violou foi um acordo - verbal - que teria feito com a mãe de que a casa pertencia metade a cada um.
  Assim sendo, a situação dos autos poderá ser eventualmente de violação/incumprimento desse acordo verbal – resposta dada ao quesito 5º da Base Instrutória -, mas não cai de forma alguma na responsabilidade extracontratual.
  A distinção entre responsabilidade contratual e extracontratual, reside precisamente que naquela – na responsabilidade contratual - há um vínculo – contrato/acordo – entre credor e devedor tendo havido incumprimento por parte de uma das partes, enquanto na responsabilidade extracontratual não havia vinculo algum entre os sujeitos tendo um deles praticado acto ou omissão do qual resultou a violação de direito de outrem.
  Destarte, assiste razão aos recorrentes quanto a que o caso em apreço não cabe no âmbito do artº 477º do C.Civ. uma vez que a situação resulta da violação de um acordo entre Autora e 1º Réu.
  Assim sendo, não sendo de aplicar o regime da responsabilidade extracontratual, não estando o tribunal sujeito à alegação de direito das partes nos termos do artº 567º do CPC, qual será a solução jurídica adequada ao caso em face da factualidade apurada?
  Entre a Autora e o 1º Réu foi celebrado um acordo segundo o qual a casa pertenceria aos dois na proporção de metade para cada um.
  Não está em causa nestes autos qualquer direito real sobre o imóvel em causa, mas o cumprimento do referido acordo, isto é, da obrigação por banda do 1º Réu de garantir que a sua mãe tem metade do valor da fracção autónoma.
  Tendo vendido a fracção autónoma sem autorização da Autora e feito seu o produto da venda, o 1º Réu incumpriu definitivamente o acordo que havia celebrado com aquela.
  De acordo com o disposto no artº 787º do C.Civ. «o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor».
  Segundo o artº 788º do C.Civ. à míngua de prova em sentido contrário presume-se que o incumprimento procede de culpa do devedor, sendo esta apreciada nos termos aplicáveis à responsabilidade civil, isto é, nos termos dos artigos 477º e seguintes do C.Civ..
  Aqui chegados, embora por fundamentos de direito diferentes voltamos a coincidir com a sentença recorrida onde se diz que:
  «Estatui o artigo 477.º do CC que, 1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. 2. Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei.
  Ao abrigo do disposto no artigo 557.º do mesmo Código, A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
  Os factos provados mostram lucidamente que o 1º réu sabia, sem ambíguo, que a outra metade da propriedade da fracção em causa pertencia à autora, mas insistiu, apesar da oposição desta, em vender toda a habitação aos 3º e 4ª réus, sendo evidente o dolo do 1º réu.
  Tal como atrás se refere, este Tribunal não pode declarar nula a transacção em questão nem a anular. A autora já não pode recuperar a sua metade da propriedade sobre a fracção, o que, para ela, é verdadeiramente um enorme prejuízo.
  Além disso, se não fosse a venda pelo 1º réu, a autora não teria perdido o seu título da quota da propriedade.
  Dessarte, o 1º réu fica obrigado a indemnizar a autora.
*
  Dispõe o artigo 556.º do CC que, Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
  Dada a impossibilidade da autora reaver a propriedade, o método de reparação acima referido, ou seja, a reconstituição natural, já não é possível.
  O artigo 560.º, n.º 1 prevê que, A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível.
  Por isso, a indemnização deve ser efectuada em dinheiro.
*
  Segundo pretendido pela autora, o 1º réu deve pagar-lhe o sinal de HKD$360.000,00, os encargos notariais de MOP$45.360,00, e o montante de HKD$3.000.000,00, ou seja, o valor equivalente a metade do preço de mercado da fracção ao momento da sua venda, acrescidos de juros legais.
  Como anteriormente já mencionado, um dos pontos acordados pelos autora e 1º réu quanto à aquisição da habitação em questão é que os dois possuíam-na em compropriedade, e o efeito já se produziu. Deste ponto de vista, se a autora não tivesse investido na fracção, não teria possuído a metade da propriedade do imóvel.
  No caso dos autos, as argumentações da autora fundamentam-se no facto de a sua quota de propriedade ter sido ilegalmente subtraída, pelo que ela não pode, por um lado, sustentar a sua qualidade de proprietária e, por outro, exigir o reembolso do investimento inicial.
  Portanto, o pedido de restituição do sinal e custos notariais naturalmente não pode proceder.
*
  No tangente à indemnização do valor correspondente a metade do preço de mercado ao momento da venda da fracção, segundo a autora, os primeiros dois réus venderam o imóvel pelo preço de MOP$3.189.900,00, mas o preço de mercado na altura era não inferior a MOP$6.000.000,00.
  Realizado o julgamento, este Tribunal considerou provado que os 1º e 2ª réus venderam o imóvel aos 3º e 4ª réus pelo preço de MOP$3.189.900,00, mas o preço de mercado era não inferior a MOP$5.992.000,00.
  Quanto à fixação do valor de indemnização, dispõe o artigo 560.º, n.º 2 do CC que, Sem prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos.
  Apesar de o 1º réu ter ganho, através do seu acto ofensivo de direito, a quantia total de MOP$3.189.900,00, isto é, MOP$1.594.950,00 (valor correspondente à quota detida pela autora) mais do que devia ter recebido, de acordo com o diploma acima citado, a medida da indemnização é determinada em função do dano sofrido pelo lesado.
  Logo, este Tribunal não pode fixar a medida indemnizatória com base no preço da venda.
  No dia em que o direito da autora foi subtraído, o preço de mercado da fracção vendida era não inferior a MOP$5.992.000,00. Por isso, o 1º réu deve devolver à autora pelo menos metade do falado valor, ou seja, MOP$2.996.000,00.».
  Quanto a esta matéria os Recorrentes invocam que a ser arbitrada uma indemnização se haveria de ter em conta o valor da venda e não o valor de mercado da fracção.
  Ora, a Autora é alheia ao preço pelo qual os Réus venderam a fracção autónoma e, o certo é que, servindo aquela fracção autónoma de habitação da Autora e seu agregado familiar, a venda da mesma causa à Autora um prejuízo que vai para além da perda de metade do valor pelo qual haja sido vendida mas que consiste na necessidade de adquirir uma outra onde possa residir.
  Destarte, a medida do seu dano tem de ser aferido pelo valor de mercado da fracção no momento em que a decisão é proferida de acordo com o nº 5 do artº 560º do C.Civ., pois esse valor é aquele que melhor corresponde ao prejuízo efectivo que a Autora sofreu.
  Em VI das suas conclusões vêm os recorrentes invocar que haveria de ser deduzido o valor do empréstimo bancário, contudo, este argumento não foi invocado na contestação, nem em momento algum se fez prova da existência de tal empréstimo e seu valor, pelo que, não pode agora em sede de recurso estar a apreciar-se fundamento que não foi invocado em 1ª Instância.
  Quanto à invocada desrazoabilidade invocada em VII das conclusões de recurso é, também este um argumento novo, sem prejuízo de estar para além do que ficou provado. Não cabe aqui estar a apreciar se é razoável ou não, uma vez que, foi o que as partes, Autora e 1º Réu quiseram: A Autora cedeu ao 1º Réu a sua posição contratual no contrato de promessa de compra e venda, entrou com os valores indicados para a aquisição da fracção, o 1º Réu contraiu o empréstimo bancário que seria pagos com as contribuições dos filhos para as despesas dos pais, sendo a outra filha da Autora fiadora do mesmo e o 1º Réu ficava com metade da fracção autónoma.
  Se virmos a situação da perspectiva da Autora também não seria errado dizer que a desrazoável o Réu adquirir metade da fracção autónoma apenas porque contraiu um empréstimo, do qual a irmã era fiadora e como tal co-responsável no respectivo pagamento e que seria pago com o dinheiro que os filhos davam mensalmente aos pais para as suas despesas segundo os usos e costumes locais, o que, o mesmo é dizer, com o dinheiro dos pais (porque depois de doado a estes pertence). Vistas as coisas desta forma, poderíamos dizer que o 1º Réu recebeu metade de uma fracção autónoma sem nada contribuir para isso, vendendo-a totalmente depois e fazendo seu o produto da venda.
  Logo, não há qualquer desrazoabilidade em a Autora ter metade da fracção autónoma conforme foi acordado com o filho aqui 1º Réu.
  Quanto à medida do dano real invocado em VIII das conclusões já antes nos pronunciámos aquando do cálculo do valor da indemnização.
  Destarte, carecem de fundamento legal as conclusões de recurso II. a VIII., isto é, 9) a 32), sendo de manter a decisão recorrida embora por fundamento de direito distinto.
  
  - Do Recurso da condenação dos 1º e 2º Réus como litigantes de má-fé
  Quanto a esta parte a decisão sob recurso consiste em:
  «Os 1º e 2ª réus impugnam o alegado pela autora, argumentando que o investimento desta na fracção foi uma doação generosa, que o 1º réu era o único proprietário da habitação e que foi ele a única pessoa que amortizou o empréstimo bancário para a aquisição do imóvel. Baseando-se nos mesmos fundamentos, o 1º réu também deduziu reconvenção.
  Realizado o julgamento, todas as alegações acima referidas provaram-se ser falsas.
  Ao abrigo do disposto no artigo 385.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, 1. Tendo litigado de má fé, a parte é condenada em multa. 2. Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
  Os dois réus deliberadamente alteraram a verdade e apresentaram argumentos falaciosos. O 1º réu também deduziu reconvenção. Os dois estavam perfeitamente cientes da verdade mas ainda deduziram pretensões infundadas.
  De acordo com o diploma acima referido, os 1º e 2ª réus são litigantes de má fé. Tendo em conta o circunstancialismo do caso, este Tribunal condena-os em multa de 20 UCs.».
  Contrariamente ao que se invoca em sede de conclusões de recurso VIIII. 33) a 35) do primeiro parágrafo da decisão recorrida constam os factos relativamente aos quais os 1º e 2ª Réus alteraram a verdade e omitiram com vista a apresentar uma realidade diferente daquela que existiu tentando assim obter ganho de causa, sendo certo que o fizeram com consciência disso e pretendendo alcançar aquele resultado, isto é, com dolo.
  Não restam pois dúvidas que nos termos da al. a), b) e d) do nº 2 do artº 385º do CPC os 1º e 2ª Réus litigaram com má-fe.
  Quanto à medida da multa aplicada nada se invocando em sede de alegações e conclusões de recurso não cabe a este tribunal apreciar da mesma.
  
III. DECISÃO
  
  Termos em que, pelos fundamentos expostos:
I. Julga-se extinto por inutilidade superveniente da lide os recursos interpostos do incidente de intervenção principal activa de terceiros e de rejeição da Reconvenção contra quem não é parte da causa;
II. Nega-se provimento ao recurso interposto da decisão final mantendo-se a mesma embora, em parte, por fundamento diverso.

  Custas a cargo da Recorrida quanto ao incidente de intervenção de terceiros e rejeição parcial da Reconvenção e respectivos recursos, uma vez que, se não fosse a inutilidade superveniente os Recorrentes obteriam vencimento e a cargo dos Recorrentes quanto à decisão final.
  
  Registe e Notifique.
  
RAEM, 15 de Outubro de 2020

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Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
_________________________
Lai Kin Hong
_________________________
Fong Man Chong
1 Correção nossa
2 Vd. Prof. Castro. Mendes, Direito. Processual Civil, II Volume, AAFDL, p. 364 a 366 com indicação de doutrina e jurisprudência.
3 Não distinguindo expressamente se a solução para a questão da admissibilidade da reconvenção é diferente para os casos de litisconsórcio voluntário e necessário, Viriato Lima, Manual de Direito. Processual Civil, 2ª edição, pgs. 309/319. Já em Viriato Lima e Cândida Pires, Código de Processo Civil de Macau Anotado e Comentado, pgs. 59 e 60, se reconduz a questão apenas ao litisconsórcio necessário passivo.
4 O tribunal considerou este contrato como sendo o primeiro contrato promessa de compra de venda da fracção autónoma a que se referem os presentes autos porque, segundo as 3ª e 4ª testemunhas, foi efectivamente assinado antes da celebração do contrato de promessa de compra e venda referida no quesito 7º.
5 Esta proibição por força do nº 2 do indicado preceito aplica-se também ao pacto simulatório, mas apenas entre os simuladores.
6 Sobre o princípio do dispositivo recomenda-se a leitura de Viriato Lima em manual de Direito Processual Civil 3ª Ed., pág. 7.

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346/2020 CÍVEL 1