Processo n.º 57/2018
Recurso jurisdicional em matéria administrativa
Recorrente: A
Recorrido: Secretário para a Economia e Finanças
Data da conferência: 3 de Abril de 2020
Juízes: Song Man Lei (Relatora), José Maria Dias Azedo e Sam Hou Fai
Assuntos: - Fundamentação do acto administrativo
- Subsídio complementar aos rendimentos do trabalho
- Acto vinculado
SUMÁRIO
1. Nos termos dos art.ºs 114.º e 115.º do CPA, a Administração deve fundamentar os seus actos administrativos, através da sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, sendo que equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
2. A fundamentação do acto administrativo deve permitir a um destinatário normal reconstituir o iter cognoscitivo e valorativo do autor do mesmo acto.
3. De acordo com as disposições do Regulamento Administrativo n.º 6/2008, nomeadamente os art.ºs 4.º e 9.º, nas hipóteses de não preenchimento dos requisitos, de prestação de falsas declarações, informações inexactas ou inverídicas, ou de uso de qualquer meio ilícito para obtenção do subsídio complementar aos rendimentos do trabalho por parte do requerente, a Administração deve indeferir o seu pedido e, se tiver sido atribuído o subsídio, solicitar a restituição do valor que já recebeu indevidamente.
4. Inexistindo aqui qualquer poder discricionário conferido pelo legislador, o acto administrativo não foi praticado pela Administração no exercício do poder discricionário, constituindo, antes, um acto vinculado.
5. Para os actos vinculados praticados pela Administração, não valem os vícios próprios de actos discricionários, como a violação de princípios gerais de Direito Administrativo previstos no Código do Procedimento Administrativo, incluindo os princípios da justiça e da boa fé.
A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
1. Relatório
A (adiante designado por recorrente), melhor identificado nos autos, interpôs recurso contencioso do despacho do Secretário para a Economia e Finanças de 29 de Julho de 2016, que indeferiu o recurso hierárquico do recorrente e manteve a decisão do Director dos Serviços de Finanças de 28 de Abril de 2011, no sentido de negar ao recorrente o seu pedido de atribuição de subsídio complementar aos rendimentos do trabalho relativo ao período entre o 3º trimestre de 2010 e o 4º trimestre de 2010 e de exigir a restituição do valor atribuído relativo ao período entre o 4º trimestre de 2009 e o 2º trimestre de 2010.
Por Acórdão de 15 de Março de 2018, o Tribunal de Segunda Instância negou provimento ao recurso contencioso e manteve o acto administrativo impugnado.
Inconformado com a decisão, interpõe A recurso jurisdicional para este Tribunal de Última Instância, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
- O acórdão proferido no processo de recurso contencioso administrativo do TSI n.º 768/2016 julgou improcedente o recurso contencioso do recorrente da decisão do Director da DSF da RAEM1 exarada na Informação n.º XXX/NIF/2016 feita em 29 de Julho de 2016, que indeferiu o recurso hierárquico do recorrente e manteve a recusa do pedido do recorrente no período entre o 3º trimestre de 2010 e o 4º trimestre de 2010, bem como mandou a restituição do subsídio no período entre 4º trimestre de 2009 e o 2º trimestre de 2010, no montante total de MOP$20.000,00.
- O presente recurso foi interposto porque o acórdão recorrido considerou que o acto administrativo impugnado no recurso contencioso interposto pelo recorrente não padeceu da falta de fundamentação e não incorreu em erro grave no exercício do poder discricionário.
- Salvo o devido respeito, o recorrente não concordou com o acórdão recorrido, com fundamento de que a fundamentação da autoridade administrativa não é bastante para chegar à conclusão prevista no art.º 9.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2008 e a falta de instrução suficiente levou a decisão a incorrer em erro ostensivo no exercício do poder discricionário.
- A fundamentação da entidade recorrida é insuficiente, o que equivale à falta de fundamentação nos termos legais.
- À luz do art.º 115.º n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo, “equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto”.
- O acto administrativo violou o princípio do inquisitório, fazendo com que a entidade recorrida padecesse do erro ostensivo no exercício do poder discricionário, logo, o respectivo acto deve ser anulado nos termos do art.º 124.º do Código do Procedimento Administrativo.
- São anuláveis os actos administrativos praticados com ofensa do princípio da justiça administrativa por força do art.º 124.º do Código do Procedimento Administrativo.
Contra-alegou a entidade recorrida, entendendo que se deve negar provimento ao recurso.
O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o douto parecer, pugnando pela manutenção da decisão recorrida e improcedência do recurso jurisdicional.
2. Factos
São seguintes os factos dados como provados nos autos:
- O recorrente tinha pedido o subsídio complementar aos rendimentos de trabalho desde o 4º trimestre de 2009, tendo recebido, para o efeito, um montante global de MOP$20.000,00 a título do referido subsídio entre o 4º trimestre de 2009 e o 2º trimestre de 2010.
- Foi elaborado a 20 de Junho de 2016 pelo técnico da Direcção dos Serviços de Finanças a seguinte proposta:
“Assunto: reapreciação do requerimento de medida provisória do subsídio complementar aos rendimentos do trabalho dos requerentes A e B
Proposta n.º XXX/NIF/2016
Data: 20/06/16
Exmo. Sr. Director dos Serviços de Finanças:
Os requerentes de “subsídio complementar aos rendimentos do trabalho”, A e B, interpuseram recurso contencioso junto do TSI do despacho proferido pelo Secretário para a Economia em 13 de Outubro de 2011 que indeferiu o recurso hierárquico necessário dos mesmos. No processo de recurso n.º 30/2012, decidiu-se que dado que “a entidade recorrida expôs a sua fundamentação do despacho através de mera concordância da Proposta elaborada pela Direcção dos Serviços de Finanças que sugeriu que a entidade recorrida, ora Secretário para a Economia e Finanças, rejeite o recurso hierárquico necessário dos recorrentes”, e considerou que “a interposição do recurso hierárquico necessário dos recorrentes, ora A e B, foi oportuna” e sugeriu-se que “declare anulado o acto administrativo recorrido por ter violado o disposto nos art.ºs 151.º n.º 1, 155.º n.º 1, 160.º al. d) do Código do Procedimento Administrativo de Macau”.
Considerando que o fundamento da respectiva decisão consiste em que a data em que a DSF apresentou a reclamação contra os requerentes violou o disposto no Código do Procedimento Administrativo, o Secretário para a Economia e Finanças proferiu despacho na Proposta n.º XXX/NIF/2014 em 12 de Dezembro de 2014 sobre o assunto de indeferimento do recurso hierárquico, posteriormente, emitiu ofício em 13 de Março de 2015 por meio de carta registada com aviso de recepção e comunicou o teor do despacho aos dois requerentes, por meio de anúncio publicado no jornais Diário de Macau e Hoje Macau, em 10 de Junho e 11 de Junho respectivamente, mas não conseguiu contactar os mesmos por erro de endereço de envio de correspondência, em seguida, o advogado dos mesmos pediu à presente Direcção que execute novamente o procedimento de apreciação e aprovação de rendimento complementar aos rendimentos do trabalho dos dois impugnantes, incluindo a audiência dos dois impugnantes, a elaboração do auto e da proposta. Dado que as leis devem ser executadas eficazmente de forma justa e imparcial, a DSF, a fim de assegurar a integridade e a legalidade do procedimento, procedeu novamente ao procedimento de apreciação e aprovação. A DSF procedeu à audiência dos dois requerentes respectivamente no dia 23 de Maio de 2016, pelas 15h30, com o seguinte teor:
A, titular do BIRM n.º XXXXXXX(X), entre o 4º trimestre de 2009 e o 4º trimestre de 2012
A começou a trabalhar a favor da [Limitada] a partir de Novembro de 2009 e exercia as funções de consultor de planeamento de projectos, o escopo de trabalho inclui a análise de certos projectos de desenvolvimento interno e, posteriormente, participou em projectos de desenvolvimento da Ilha de Hengqin – estudo e planeamento da medicina chinesa. A auferia mensalmente MOP$1.500, trabalhava 8 horas por dia e 48 horas por semana (vide anexo I). Além disso, o salário de A foi aumentado para MOP$2.300 a partir de Abril de 2011, mas não celebrou novo contrato de trabalho.
O estabelecimento comercial registado pela [Limitada] situa-se em [Endereço], sendo a fracção arrendada pelo requerente A, com renda mensal de HKD$2.400. No auto, A indicou que a referida fracção foi facultada gratuitamente à entidade patronal para registo como estabelecimento comercial e forneceu-lhe, por sua iniciativa, o contrato de arrendamento para efeito de declaração de imposto complementar de rendimentos.
Além disso, o rendimento anual do impugnante declarado na relação nominal de empregados e assalariados do imposto profissional M3/M4 do ano 2009 da [Limitada], no montante de MOP$4.500 (vide anexo 2), não corresponde ao rendimento declarado no requerimento de subsídio complementar aos rendimentos do trabalho, A apontou que se trata de erro na declaração da entidade patronal e imputou à entidade patronal.
O “quadro destinado à entidade patronal” do requerimento de subsídio complementar aos rendimentos do trabalho de A, incluindo o rendimento de trabalho e o número de horas de trabalho, foi calculado e preenchido pelo próprio impugnante. A disse que ele está munido de uma procuração assinada pela entidade patronal, C (vide anexo 3) e podia preencher, por si próprio, o respectivo impresso.
Apontou A que o contrato de trabalho determinou expressamente que o trabalhador pode prestar serviços em função do horário flexível, pelo que não há registo de entrada e saída. Quando lhe perguntou se havia alguma prova, ele disse que a partir de ingresso na empresa em 2009, ele registou a sua assiduidade no calendário onde foram apostas marcas pelo mesmo (anexo 4), mas as marcas não indicavam claramente as horas de entrada e saída ou o horário de trabalho. O mesmo não conseguia lembrar o significado das marcas do calendário, nem o modo de cômputo de número de horas de trabalho.
Por fim, A disse que nunca tentou procurar outro emprego, o contrato de trabalho já determinou expressamente que se o volume de negócios anual atingir MOP$300.000,00, ele pode receber uma comissão significativa de 20%, mas se verificou que a cláusula supracitada nunca foi alcançada durante o período de serviços de A.
B, titular do BIRM n.º XXXXXXX(X), entre o 4º trimestre de 2009 e o 4º trimestre de 2012.
B começou a trabalhar na [Limitada] a partir de Novembro de 2009 e exercia as funções de consultor de planeamento de projectos (como seu marido A), auferia mensalmente MOP$1.500, sem o 13º mês de salário ou qualquer subsídio. A duração de trabalho era de 8 horas por dia e 48 horas por semana (vide anexo 5). A partir de Abril de 2011, o salário foi aumentado para MOP$2.300, mas não celebrou novo contrato de trabalho, o que apenas foi reflectido na nota de abonos e descontos.
Quanto ao assunto de não coincidência entre o rendimento anual do impugnante declarado na relação nominal de empregados e assalariados do imposto profissional M3/M4 do ano 2009 da [Limitada] e o rendimento declarado no requerimento de subsídio complementar aos rendimentos do trabalho, B invocou que ela não sabia sobre o assunto. Perguntado se a sua fracção arrendada foi declarada pela entidade patronal como estabelecimento comercial, respondeu B que o que é um das condições da entidade patronal para contratação dos dois requerentes. E quanto ao arrendamento da fracção declarado pela entidade patronal à DSF, B disse que não sabia nada e o seu marido não recebeu nenhuma renda da entidade patronal.
O “quadro destinado à entidade patronal” do requerimento de subsídio complementar aos rendimentos do trabalho de B, incluindo o rendimento de trabalho e o número de horas de trabalho, foi preenchido pelo seu marido A e foi confirmado imediatamente pela entidade patronal C.
B disse que o seu escopo de trabalho envolve análise de projectos e serviços profissionais de construção, ela não precisa de ficar na empresa por um longo tempo, mas sim ir ao Interior da China para os negócios. Como A, B enfatizou repetidamente que o contrato de trabalho determinou expressamente que o trabalhador pode trabalhar em função do horário flexível, pelo que não há registo de entrada e saída. Quando lhe perguntou se havia alguma prova, ela disse que a partir de ingresso na empresa em 2009, ela registou a sua assiduidade no calendário onde foram apostas marcas (vide anexo 4), mas as marcas não indicavam claramente as horas de entrada e saída ou o horário de trabalho.
Por fim, B disse que nunca tentou procurar outro emprego, o contrato de trabalho já determinou expressamente que se o volume de negócios anual atingir MOP$300.000,00, ela pode receber uma comissão significativa de 20%, mas se verificou que a cláusula supracitada nunca foi alcançada durante o período de serviços de B.
Análise:
De acordo com o teor da audiência e os respectivos autos acima descritos, os dois requerentes estão, sem dúvida, familiarizados com as disposições legais do Regulamento Administrativo n.º 6/2008 e podem fornecer, de forma precisa e completa, todos os documentos necessários ao caso de requerimento de apreciação, incluindo o contrato de trabalho, o registo de horas de trabalho (calendário), o registo de salário (recibos assinados) e a procuração. Infelizmente, os documentos respectivos não esclareceram totalmente as dúvidas suscitadas pela DSF, com os seguintes argumentos:
Em primeiro lugar, a DSF invocou que o requerimento de subsídio complementar aos rendimentos do trabalho dos dois impugnantes foi preenchido por A, cuja conduta já violou o disposto no art.º 5.º n.º 1 do Regulamento Administrativo n.º 6/2008. A disse que na altura já obteve a procuração feita pela entidade patronal C, pelo que pode fazer tais actos e enfatizou repetidamente que a sua conduta é legal. De acordo com a procuração (vide anexo 3), enumera-se expressamente que A pode fazer os seguintes actos em representação da “Agência de Propriedades Seng Chao”:
- Explorar a referida empresa em nome da representada, exercer todas as actividades comerciais relacionadas, contratar e despedir os trabalhadores ou empregados respectivos;
- Tratar de formalidades e pagamentos de imposto junto da DSF e do FSS da RAEM e de formalidades de contribuições mensais junto do FSS.
Sem dúvida, A está munido de procuração feita pela entidade patronal, mas o conteúdo da procuração limita-se apenas em exercício de actividades comerciais, contratação e despedimento, tratamento e pagamento de imposto junto da DSF e de contribuições para o FSS. O “subsídio complementar aos rendimentos do trabalho” não consiste em alguma formalidade ligada a impostos, nem se trata de alguma actividade de natureza comercial, pelo que o escopo de procuração não compreende o preenchimento do requerimento de “subsídio complementar aos rendimentos do trabalho” em representação da entidade patronal, ademais, no impresso já se indica expressamente na primeira parte “o quadro destinado à entidade patronal”, se a entidade patronal permite a A a preencher, em sua representação, o impresso de requerimento, sob pena de a responsabilidade imposta à entidade patronal na fiscalização e certificação do trabalho do empregado perder o seu significado.
Além disso, a DSF pôs em causa o número de horas de trabalho dos dois impugnantes, segundo o teor dos autos dos dois impugnantes, não há registo de entrada e saída, só pode prestar um calendário assinalado com marcas, e salientou que o contrato de trabalho já estipulou expressamente que “o trabalhador não está sujeito a horário de trabalho”, presta “trabalho 8 horas por dia e 48 horas por semana”, pelo que não precisa de registar as entradas e saídas, e as marcas no calendário foram assinaladas pelos próprios requerentes.
Ao abrigo do art.º 4.º n.º 3 al. 1) -1 do Regulamento Administrativo n.º 6/2008, alterado pelo Regulamento Administrativo n.º 6/2009, o trabalhador deve trabalhar, no mínimo e cumulativamente, 152 horas mensais. E a DSF, por sua vez, executa esta exigência rigorosamente em todos os requerimentos. A e B, ambos manifestaram que o contrato de trabalho determinou expressamente que eles não estão sujeitos a horário de trabalho, e precisam de prestar 8 horas de trabalho por dia, às vezes excederam a duração de trabalho estipulada no contrato, e consideram que o calendário assinalado com marcas é suficiente para provar que os mesmos preencheram à condição de número de horas de trabalho. Os dois impugnantes insistiram em afirmar que cada marca representa prestação efectiva de serviços e 8 horas de trabalho, mas a DSF não conseguiu julgar que os mesmos prestaram serviços por 8 horas apenas conforme as marcas assinaladas, nem conseguiu confirmar a existência de prestação de trabalho extraordinário ou prestação de trabalho por horas suficientes. Ademais, os dois já confessaram que as marcas no calendário foram assinaladas por si próprios, sem assinaturas da entidade patronal nem dos dois trabalhadores, pelo que existe dúvidas se as marcas assinaladas no calendário implicam que os dois requerentes prestaram efectivamente serviços nesses dias, se houver omissão e se a entidade patronal já confirmou o número de horas de trabalho dos dois empregados. Tais documentos não esclareceram as dúvidas levantadas pela DSF, mas sim criaram mais dúvidas, levando a DSF a não conseguir calcular exactamente o número de horas de trabalho declarado.
A procuração apresentada por A foi feita em 20 de Outubro de 2009, segundo os elementos do sistema dos Núcleos do Imposto Profissional e da Contribuição Industrial da DSF, a “Agência de Propriedades Seng Chao” foi inscrita junto do Núcleo de Contribuição Industrial no mesmo dia, cujo estabelecimento comercial é a fracção arrendada por A, posteriormente, os dois requerentes foram registados como trabalhador na Agência a partir de 1 de Novembro de 2009.
De acordo com a procuração: “Explorar a referida empresa em nome da representada, exercer todas as actividades comerciais relacionadas, contratar e despedir os trabalhadores ou empregados respectivos”, o que mostra que a entidade patronal já conferiu a A todos os poderes de exploração de actividades, e A, por sua vez, confessou que facultou gratuitamente a sua fracção arrendada pelo mesmo à entidade patronal para registar como estabelecimento comercial e forneceu-lhe o contrato de arrendamento para efeito de declaração do imposto complementar de rendimentos, as referidas provas já provaram suficientemente que a entidade patronal e os dois trabalhadores já estabeleceram relação de cooperação antes da relação de emprego, pelo que não se afasta que C registou primeiramente o estabelecimento e A era totalmente responsável por tratar de negócios da agência, finalmente para preencher as condições de requerimento de subsídio complementar aos rendimentos do trabalho, A e B foram registrados como trabalhadores.
Conclusões:
Desde que o Governo da RAEM implementou as medidas provisórias para subsídio complementar aos rendimentos do trabalho em 2008, a DSF realiza sempre as investigações detalhadas sobre pedidos em dúvida, para que todos os requerimentos estejam em conformidade com o Regulamento Administrativo n.º 6/2008. Quando um requerimento viola as normas do Regulamento, ou é suspeito de prestar informações falsas na concessão do subsídio, o requerente deve ser obrigado a restituir o subsídio complementar aos rendimentos do trabalho já recebido nos termos do artigos 9.º deste Regulamento Administrativo para garantir que o Regulamento possa ser executado de forma contínua e eficaz de maneira justa e equitativa. Os dois impugnantes consideraram que era necessário apenas preencher os requisitos de número de horas de trabalho, o rendimento no impresso e a entrega oportuna para obter o respectivo subsídio, mas ignoraram completamente o poder de apreciação e autorização da presente Direcção sobre o respectivo requerimento. Embora os requerentes continuem a fornecer um grande número de documentos posteriormente, tendo em conta o teor da audiência, ainda não há esclarecimentos para as dúvidas levantadas pela DSF, designadamente:
1. Não há elementos de entrada e saída nem o calendário assinada pela entidade patronal ou pelos trabalhadores.
2. O teor da procuração não inclui o preenchimento do impresso de requerimento em representação da entidade patronal;
3. Quando os dois requerentes ainda não foram contratados pela [Limitada], o titular de licença já conferiu totalmente a A os poderes para tratar de negócios da empresa, através da procuração;
4. A facultou gratuitamente, por sua iniciativa, à entidade patronal a fracção arrendada pelo mesmo para registar como estabelecimento comercial e forneceu-lhe o contrato de arrendamento para efeito de declaração do imposto complementar de rendimentos.
Por fim, ambos os dois não prestaram esclarecimentos suficientes e razoáveis sobre o número de horas de trabalho, a natureza de trabalho e o rendimento de trabalho, sugere-se ao Director que mantenha a decisão feita em 28 de Abril de 2011, no sentido de recusar os requerimentos dos dois requerentes no período entre o 3º trimestre de 2010 e 4º trimestre de 2010 e sugere-se que os dois restituam o subsídio complementar no período entre 4º trimestre de 2009 e 2º trimestre de 2010, no montante de MOP$20.000,00 respectivamente.
Submete-se ao despacho do superior.”
- Submetida a proposta a vários órgãos superiores na hierarquia administrativa, foi proferido pelo Secretário para a Economia e Finanças, a 29.7.2016, o seguinte despacho:
“Concordo com o parecer da DSF e indefiro o presente recurso hierárquico.”
3.Direito
No recurso interposto para o Tribunal de Segunda Instância, alega o recorrente que há contradição e insuficiência na fundamentação da entidade recorrida, o que equivale à falta de fundamentação, e existe erro manifesto no exercício do poder discricionário, com violação dos princípios da justiça administrativa e da boa fé, previstos respectivamente nos art.ºs 7.º e 8.º do CPA.
Conhecendo do recurso, o Tribunal de Segunda Instância julgou improcedente o recurso, mantendo o acto administrativo impugnado.
Inconformado com a decisão, o recorrente interpõe recurso para este Tribunal de Última Instância, insistindo em alegar que “a fundamentação da entidade recorrida é insuficiente, o que equivale à falta de fundamentação nos termos legais”, e que a entidade recorrida “violou o princípio do inquisitório, incorrendo assim em erro manifesto no exercício do poder discricionário”.
Antes de mais, é de notar que, no recurso para o Tribunal de Segunda Instância, o recorrente não suscitou a questão da violação do princípio do inquisitório, o qual, decorrente do disposto no art.º 86.º n.º 1 do CPA, exige que o órgão administrativo recorra a todos os meios de prova admitidos em direito para averiguar todos os factos cujo conhecimento seja conveniente para a justa e rápida decisão do procedimento.
Trata-se de uma questão nova, que não é de conhecimento oficioso, pelo que não foi apreciada pelo TSI.
Como é sabido, o recurso para o Tribunal de Última Instância tem como objecto o acórdão do TSI, não podendo apreciar questões que nunca foram levantadas, a não ser de conhecimento oficioso, pelo que não é de conhecer a questão da violação do princípio do inquisitório.
3.1. Falta de fundamentação
Na tese do recorrente, os fundamentos da Administração são insuficientes para concluir pela consequência do art.º 9.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2008 e, por força do art.º 115.º n.º 2 do CPA, sempre equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos insuficientes.
Dispõem os art.ºs 114.º e 115.º do Código do Procedimento Administrativo:
“Artigo 114.º
(Dever de fundamentação)
1. Para além dos casos em que a lei especialmente o exija, devem ser fundamentados os actos administrativos que, total ou parcialmente:
a) Neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;
b) Decidam reclamação ou recurso;
c) Decidam em contrário de pretensão ou oposição formulada por interessado;
d) Decidam em contrário de parecer, informação ou proposta oficial;
e) Decidam de modo diferente da prática habitualmente seguida na resolução de casos semelhantes, ou na interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou preceitos legais;
f) Impliquem revogação, modificação ou suspensão de acto administrativo anterior.
2. Salvo disposição legal em contrário, não carecem de ser fundamentados os actos de homologação de deliberações tomadas por júris, bem como as ordens dadas pelos superiores hierárquicos aos seus subalternos em matéria de serviço e com a forma legal.
Artigo 115.º
(Requisitos da fundamentação)
1. A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto.
2. Equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
3. Na resolução de assuntos da mesma natureza, pode utilizar-se qualquer meio mecânico que reproduza os fundamentos das decisões, desde que tal não envolva diminuição das garantias dos administrados.”
Daí decorre que a fundamentação do acto administrativo, para além de poder ser expressa, pode também consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto.
A Administração deve fundamentar os seus actos administrativos, através da sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, sendo que equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
A lei exige que a fundamentação seja congruente, clara e suficiente.
A fundamentação do acto administrativo deve permitir a um destinatário normal reconstituir o iter cognoscitivo e valorativo do autor do mesmo acto.
E para haver falta de fundamentação, não basta qualquer obscuridade, contradição ou insuficiência dos fundamentos invocados, sendo necessário ainda que eles não possibilitem um “esclarecimento concreto” das razões que levaram a autoridade administrativa a praticar o acto.2
No caso em apreço, o Secretário para a Economia e Finanças “concordou com o parecer da Direcção dos Serviços de Finanças”, fundamentando o indeferimento do recurso hierárquico interposto pelo recorrente, precisamente com a declaração de concordância com o parecer emitido pela Direcção dos Serviços de Finanças.
No seu parecer, o técnico da Direcção dos Serviços de Finanças fez uma análise concreta à situação do recorrente, incluindo os documentos por si apresentados e as declarações por si prestadas, indicando que os documentos em causa não esclarecem suficientemente as dúvidas da Direcção dos Serviços de Finanças.
São seguintes as principais dúvidas suscitadas pela Direcção dos Serviços de Finanças: 1) O rendimento anual do recorrente declarado na Relação Nominal de Empregados/Assalariados do Imposto Profissional (M3/M4) do ano 2009 da [Limitada], no montante de MOP$4.500, não corresponde ao rendimento declarado no pedido de atribuição do subsídio complementar aos rendimentos do trabalho. 2) Não está dentro dos poderes conferidos pela patroa C ao recorrente o de preencher o impresso de requerimento para atribuição do subsídio complementar aos rendimentos do trabalho em representação dela, tanto mais que, já se indica expressamente na primeira parte do impresso que este quadro é destinado à entidade patronal; o facto de ter sido o próprio recorrente a preencher, no seu todo, o impresso de requerimento para atribuição do subsídio complementar aos rendimentos do trabalho dele já violou o disposto no artigo 5.º, n.º 1 do Regulamento Administrativo n.º 6/2008. 3) Não há dados sobre as horas de entrada e saída do trabalho nem calendário com assinaturas apostas pela patroa e pelo empregado para comprovar a sua veracidade. O recorrente, com intenção de provar as suas horas de trabalho, apresentou um registo das horas de trabalho (calendário) com marcas. Porém, as marcas no calendário foram assinaladas pelo próprio recorrente, sem assinaturas da patroa e do empregado para comprovar a sua veracidade. Não foi possível à Direcção dos Serviços de Finanças calcular, conforme as marcas assinaladas, se o recorrente trabalhou durante 8 horas naquele dia, nem apurar se ele trabalhou em horas extras, ou trabalhou menos do que exigido, nem ainda saber se a patroa já confirmou as horas de trabalho do recorrente, razão pela qual a Direcção dos Serviços de Finanças tem dúvidas sobre as horas de trabalho declaradas pelo recorrente. 4) Da procuração apresentada pelo recorrente e dos dados constantes do sistema dos Núcleos do Imposto Profissional e da Contribuição Industrial da Direcção dos Serviços de Finanças resulta que a patroa e o recorrente já tinham estabelecido uma relação de colaboração antes de estabelecer a relação laboral.
Por fim, atendendo a que o recorrente não prestou esclarecimentos suficientes e razoáveis sobre o número de horas, a natureza e os rendimentos do seu trabalho, a Administração decidiu manter a decisão anterior do Director da Direcção dos Serviços de Finanças, no sentido de negar ao recorrente o seu pedido de atribuição do subsídio complementar aos rendimentos do trabalho relativo ao período entre o 3º trimestre de 2010 e o 4º trimestre de 2010 e exigir ao recorrente a restituição do valor atribuído relativo ao período entre o 4º trimestre de 2009 e o 2º trimestre de 2010.
Resulta da proposta elaborada pela Direcção dos Serviços de Finanças que, após uma análise pormenorizada dos elementos fornecidos pelo recorrente, a Administração suscitou dúvidas quanto ao número de horas, à natureza e ao rendimento do trabalho do recorrente e não há elementos que possam comprovar a veracidade dos dados preenchidos pelo recorrente para requerer o subsídio complementar aos rendimentos do trabalho, pelo que foi negado ao recorrente o seu pedido relativo ao período entre o 3º trimestre de 2010 e o 4º trimestre de 2010 e foi solicitada a restituição do valor já recebido relativo no período entre o 4º trimestre de 2009 e o 2º trimestre de 2010.
Afigura-se-nos que a fundamentação constante da proposta elaborada pela Direcção dos Serviços de Finanças é suficiente para esclarecer a razão pela qual a Administração praticou o acto administrativo ora impugnado pelo recorrente, permitindo, sem dúvida, a um destinatário normal reconstituir o iter cognoscitivo e valorativo do autor do mesmo acto.
Alega o recorrente que “a pouca credibilidade do calendário ou a existência de dúvidas sobre o mesmo em si são insuficientes para fundamentar o cancelamento do subsídio ou a sua não autorização”, afirmando que “os fundamentos alegados pela Administração são insuficientes para chegar à conclusão prevista no art.º 9.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2008”.
É óbvio que as alegações do recorrente mostram que ele já teve conhecimento sobre os fundamentos do acto administrativo, em relação aos quais manifestou a sua discordância.
Como é sabido, o dever legal de fundamentação dá-se por cumprido desde que a Administração tenha exposto, de forma adequada, os fundamentos do acto administrativo por ela praticado, sem se verificar qualquer obscuridade, contradição ou insuficiência.
In casu, a fundamentação efectuada pela entidade recorrida sobre a sua decisão é suficiente para revelar as razões decisivas que a determinaram a indeferir o pedido do recorrente e exigir a restituição do montante já recebido, sendo que qualquer pessoa de diligência normal possa perceber por que motivo a Administração praticou o acto administrativo impugnado.
Não se verifica o vício de falta de fundamentação alegado pelo recorrente.
3.2. Erro manifesto no exercício do poder discricionário
Alegou o recorrente que a entidade recorrida “violou o princípio do inquisitório, incorrendo assim em erro manifesto no exercício do poder discricionário”.
O recorrente invocou a existência de erro manifesto no exercício do poder discricionário com base na violação do princípio do inquisitório.
Como se referiu, não compete a este Tribunal conhecer da questão da violação do princípio do inquisitório.
Então, a entidade recorrida incorreu ou não no erro manifesto no exercício do poder discricionário imputado pelo recorrente?
Estão em causa o pedido e a atribuição do subsídio complementar aos rendimentos do trabalho. Vejamos, antes de mais e em traços breves, as disposições legais relacionadas com a questão levantada pelo recorrente.
O Regulamento Administrativo n.º 6/2008 define “as regras para atribuição do subsídio complementar aos rendimentos do trabalho, a atribuir provisoriamente aos residentes permanentes da RAEM, que trabalham com baixos rendimentos, por forma a aliviar a pressão da vida provocada pela actual situação económica”.
No art.º 4.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2008 estabelecem-se os requisitos do pedido de atribuição do subsídio complementar aos rendimentos do trabalho, um dos quais exige que os requerentes sejam trabalhadores que “aufiram um rendimento total do trabalho inferior a 15 000 patacas no trimestre em que solicitam a atribuição do subsídio”. No n.º 4 do mesmo artigo estão previstas várias situações em que se entendem por “trabalhadores” os respectivos indivíduos, uma das quais se refere a indivíduos que “trabalham, no mínimo e cumulativamente, 152 horas mensais”.
Quer isto dizer que o requerente tem que ser trabalhador, que preencha as exigências expressamente impostas pela lei não só quanto aos rendimentos do trabalho, como também quanto ao número de horas de trabalho.
Nos termos do art.º 5.º, n.º 1 do Regulamento Administrativo n.º 6/2008, cabe ao trabalhador que reúna os requisitos definidos neste regulamento administrativo preencher e entregar o impresso próprio para pedido de atribuição do subsídio, “devendo este ser devidamente preenchido e certificado pela entidade patronal, em relação aos dados que a esta diz respeito”.
Por sua vez, o art.º 9.º do mesmo regulamento administrativo dispõe que “a prestação de falsas declarações, informações inexactas ou inverídicas, ou o uso de qualquer meio ilícito para obtenção do subsídio, implicam, para além do cancelamento do subsídio e da restituição do valor atribuído, a assunção da eventual responsabilidade legal.”
No caso vertente, foi o próprio recorrente que preencheu o impresso do pedido de subsídio complementar aos rendimentos do trabalho, incluindo a parte que, conforme comanda o Regulamento, deve “ser devidamente preenchida pela entidade patronal”, tendo-se violado, assim, o disposto no art.º 5.º n.º 1 do Regulamento Administrativo n.º 6/2008. Apesar de a entidade patronal, através da procuração, ter conferido ao recorrente certo poderes, a verdade é que, não está dentro dos poderes conferidos o de preencher o respectivo impresso em representação da entidade patronal.
Segundo consta da Relação Nominal dos Empregados/Assalariados (modelo M3/M4) do Imposto Profissional de 2009, o rendimento anual do recorrente declarado pela entidade patronal foi de MOP$4.500, não correspondendo, obviamente, ao rendimento declarado pelo próprio recorrente no pedido de subsídio complementar aos rendimentos do trabalho.
No que respeita ao número de horas de trabalho, constata-se que o recorrente entregou apenas um registo das horas de trabalho (calendário) com marcas por si assinaladas, onde não consta a assinatura da entidade patronal para comprovar a sua veracidade. E o recorrente afirmou que não se lembrava do significado daquelas marcas, nem da forma como se calculou o número de horas de trabalho, daí que é difícil demonstrar que o seu número de horas de trabalho atingiu o mínimo legalmente exigido.
Pese embora se mencione no contrato de trabalho apresentado pelo recorrente que ele não está sujeito a horários fixos de entrada e saída do trabalho, o recorrente não pode deixar de reunir o requisito relativo ao número mínimo de horas de trabalho contemplado no art.º 4.º, n.º 3, al. 1) do Regulamento Administrativo n.º 6/2008, para que lhe possa ser atribuído o subsídio complementar aos rendimentos do trabalho. É indubitável que o registo entregue pelo recorrente não serve de comprovativo como defendeu o recorrente.
Ademais, tendo em conta que o recorrente facultou à entidade patronal, a título gratuito, a fracção por ele arrendada para se inscrever a mesma como estabelecimento comercial da sociedade, e prestou a esta, por sua iniciativa, o contrato de arrendamento para efeitos de declaração do imposto complementar de rendimentos, e que a entidade patronal, por seu turno, outorgou procuração a favor do recorrente, conferindo-lhe, sem reserva, os poderes de exploração empresarial, designadamente os de “explorar a referida empresa em nome da outorgante, exercer todas as actividades comerciais relacionadas, bem como contratar e despedir os trabalhadores ou empregados respectivos”, pode questionar-se, razoavelmente, a veracidade da relação laboral existente entre o recorrente e a alegada entidade patronal.
Com efeito, como diz o acórdão recorrido, não parece normal que o empregado faculta gratuitamente à entidade patronal a fracção arrendada, para ser utilizada como estabelecimento comercial da sociedade, e a entidade patronal, por sua vez, confere ao empregado todos os poderes de exploração da sociedade, tanto mais que não se vê como se desenvolve concretamente as actividades da sociedade.
Da análise global das circunstâncias supramencionadas, pode deduzir-se razoavelmente que são inverídicas as informações prestadas pelo recorrente relativamente à relação laboral, ao número de horas de trabalho e aos rendimentos de trabalho. Portanto, a entidade recorrida não devia atribuir o subsídio complementar aos rendimentos do trabalho ao recorrente, que não reuniu os requisitos legalmente previstos para o efeito.
Por outro lado, de acordo com o art.º 9.º do Regulamento Administrativo, caso o requerente preste falsas declarações, informações inexactas ou inverídicas, ou use qualquer meio ilícito para obtenção do subsídio, a Administração deve cancelar o subsídio e solicitar a restituição do valor atribuído.
Em função das informações inverídicas prestadas pelo recorrente, a DSF atribuiu-lhe o subsídio complementar aos rendimentos do trabalho respeitante ao período entre o 4.º trimestre de 2009 e o 2.º trimestres de 2010, montante esse que deve ser restituído, nos termos do art.º 9.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2008.
É verdade que à luz do art.º 21.º n.º 1, al. d) do CPAC, verifica-se a violação de lei, judicialmente sindicável, sempre que haja erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários.
O “erro manifesto” a que se refere o preceito legal é um erro ostensivo e grosseiro, cometido no exercício de poderes discricionários. Se a Administração, ao praticar um acto discricionário, violar, de forma manifesta, os princípios gerais de Direito Administrativo consagrados no CPA, designadamente os princípios da proporcionalidade, da igualdade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé, este acto é judicialmente sindicável.
No recurso interposto para o Tribunal de Segunda Instância, o recorrente assacou ao acto recorrido a violação dos princípios da justiça administrativa e da boa fé, estabelecidos respectivamente nos art.ºs 7.º e 8.º do CPA.
Mas é de notar que, no caso dos autos, não estamos perante uma situação em que a Administração toma decisão no exercício de poderes discricionários.
Na realidade, ao abrigo do disposto no Regulamento Administrativo n.º 6/2008, sobretudo nos art.ºs 4.º e 9.º, nas hipóteses de não preenchimento dos requisitos, de prestação de falsas declarações, informações inexactas ou inverídicas, ou de uso de qualquer meio ilícito para obtenção do subsídio complementar aos rendimentos do trabalho por parte do requerente, a Administração deve indeferir o seu pedido e, se tiver sido atribuído o subsídio, deve solicitar a restituição do valor que recebeu indevidamente.
Inexistindo aqui qualquer poder discricionário conferido pelo legislador, a Administração não tem margem para escolher se pratica ou deixa de praticar o acto.
Ao contrário dum acto praticado no exercício do poder discricionário, o acto tem conteúdo vinculado quando o decisor não tem margem de livre decisão, tendo o acto um único sentido possível.3
No caso vertente, a Administração estava vinculada a praticar o acto administrativo impugnado, pelo que o acto de indeferimento do pedido de subsídio e de solicitação da restituição do montante atribuído não foi praticado pela entidade recorrida no exercício do poder discricionário, constituindo, antes, um acto vinculado.
Não valem aqui os vícios próprios de actos discricionários, como a violação de princípios gerais do Direito Administrativo previstos no CPA, incluindo os princípios da justiça e da boa fé invocados pelo recorrente. Neste sentido tem entendido a jurisprudência deste Tribunal de Última Instância.
Assim sendo, improcede o recurso interposto pelo recorrente.
4. Decisão
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso jurisdicional.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça fixada em 8 UC.
Macau, 3 de Abril de 2020
Juízes: Song Man Lei (Relatora) – José Maria Dias Azedo – Sam Hou Fai
O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa
1 É o que consta nas alegações apresentadas pela recorrente.
2 Lino Ribeiro e José Cândido de Pinho, «Código do Procedimento Administrativo de Macau, anotado e comentado», p. 639 e 640.
3 Viriato Lima e Álvaro Dantas, Código de Processo Administrativo Contencioso Anotado, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, 2015, p. 310.
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Processo n.º 57/2018 1