Proc. nº 809/2020
(Autos de Recurso Jurisdicional Contencioso Administrativo)
Data: 08 de Outubro de 2020
ASSUNTOS:
- Intervenção do CCAC
- Direito à informação
SUMÁRIO:
- Conjugados o nº 4 do artº 12º e a al. 13) do artº 4º, todos da Lei nº 10/2000, o particular, não tendo solicitado por si a intervenção do CCAC, não possa ter acesso directo ao resultado da mesma.
- O direito à informação previsto no artº 66º do CPA só existe quando foi alegada e provada a existência de interesse legítimo no conhecimento dos elementos pretendidos.
- A justificação do interesse legítimo deveria ser alegada e acompanhada da respectiva prova, logo no pedido da informação para a entidade requerida poder analisar e decidir se ter ou não o direito à informação dos elementos pretendidos.
O Relator,
Ho Wai Neng
Proc. nº 809/2020
(Autos de Recurso Jurisdicional Contencioso Administrativo)
Data: 08 de Outubro de 2020
Recorrente: Sociedade de Investimento Imobiliário A, S.A. (Requerente)
Objecto do Recurso: Despacho que rejeitou liminarmente a petição inicial
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – Relatório
Por despacho de 24/07/2020, o Tribunal Administrativo da RAEM decidiu se indeferir liminarmente a petição inicial apresentado pela Requerente Sociedade de Investimento Imobiliário A, S.A..
Dessa decisão, vem a Requerente interpor o presente recurso jurisdicional, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1. O presente recurso tem por objecto o douto Despacho proferido em 24 de Julho de 2020, pelo Tribunal Administrativo, que indeferiu liminarmente o pedido de acção de intimação para prestação de Informação, Consulta de Processo e Passagem de Certidão contra o CCAC, sobre o trabalho (ou relatório) de análise dos 74 processes de declaração de caducidade de terrenos concessionados pela RAEM, bem como sobre a elaboração de propostas para aperfeiçoamento à fiscalização e organização do procedimento da concessão de terrenos da RAEM, por o considerar manifestamente improcedente, nos termos do artigo 394.º, n.º 1, alínea d) do Código do Processo Civil ("CPC");
2. O Tribunal a quo começa por entender que quanto ao CCAC, não tem dúvidas que este não é uma mera entidade administrativa e não integra a organização da Administração Pública e que se trata de um órgão político previsto na Lei Básica, que funciona de forma independente e responde perante o Chefe do Executivo (cfr. artigo 59.º da Lei Básica);
3. Acrescenta o Tribunal recorrido que, não integrando a organização da Administração Pública, as informações que se solicitam ao abrigo do CPA não dizem respeito às "actividades administrativas desenvolvidas por todos os órgãos da Administração Pública;
4. Afirmar que o CCAC não é uma mera entidade administrativa e não integra a organização da Administração Pública e que a sua actividade não é administrativa, sem explicar o que se entende por "Administração Pública" e sem analisar os preceitos relevantes da Lei de Bases da Orgânica do Governo da RAEM e da Lei Orgânica do CCAC que permitem chegar a essa conclusão, configura violação do dever de fundamentação, previsto nos termos do artigo 108.º do Código do Processo Civil;
5. O artigo 59.º da Lei Básica apenas prevê a existência jurídica do CCAC e o seu carácter independente face aos outros órgãos dentro da Administração Pública, independentemente da qualificação que possa ser feita;
6. Entende-se por Administração Pública o sistema de órgãos, serviços e agentes do Estado, bem como das demais pessoas colectivas públicas, que asseguram em nome da colectividade a satisfação regular e contínua das necessidades colectivas de segurança, cultura e bem-estar;
7. A Lei de Bases da Orgânica do Governo (Lei n.º 2/1999), estipula, nos termos do artigo 6.º, n.º 1, que o CCAC é um órgão dentro da própria Orgânica do Governo;
8. Doutro passo, analisando a Lei Orgânica do CCAC (Lei n.º 10/2000), a qual fixa a natureza, estatuto, atribuições e competências do CCAC, nomeadamente para as suas atribuições previstas no seu artigo 3.º, não temos dúvidas de que o CCAC tem por missão assegurar em nome da colectividade, a satisfação dos interesses legítimos das pessoas bem como a justiça e eficiência da administração pública;
9. A independência do CCAC significa apenas que só responde perante o Chefe do Executivo, não recebendo quaisquer ordens dos outros órgãos da Administração Pública, não se descortinando na Lei Básica qualquer preceito que disponha que o CCAC não desenvolve acções no âmbito da sua actividade administrativa - nomeadamente para os efeitos do artigo 2.º, n.º 1 do CPA.
10. O CCAC, para além de acções de investigação e de inquérito referentes a crimes de corrupção e a crimes conexos de fraude, praticados por funcionários ou por indivíduos no sector privado, exerce também acções para promover a defesa dos direitos, liberdades, garantias e interesses legítimos das pessoas, assegurando a legalidade no exercício dos poderes públicos, bem como a justiça e a eficiência da administração pública - como determina o artigo 3.º, 5) da Lei n.º 10/2000;
11. Ao CCAC competem ainda funções de procurar as soluções adequadas à defesa dos interesses legítimos das pessoas e ao aperfeiçoamento da acção administrativa, podendo dirigir recomendações aos órgãos competentes com vista à correcção de actos ou procedimentos administrativos ilegais ou injustos, ou à prática de actos devidos - tal como resulta com evidência, entre outros preceitos do artigo 4.º, 12) e 13) da Lei n.º 10/2000;
12. Ora a Recorrente, como concessionária do lote C5 do Fecho da XXXX - numa zona em que todos os projectos e trabalhos foram suspensos por ordem da Administração até aprovação de um plano de desenvolvimento urbanístico que nunca chegou a ser aprovado - é parte directamente interessada e tem interesse legítimo na informação requerida ao CCAC sobre o estudo e análise dos 74 processos de declaração de caducidade de terrenos concessionados pela Região Administrativa Especial de Macau;
13. Conjugando e interpretando sistematicamente, a Lei Básica, o artigo 6.º, n.º 1 da Lei de Bases da Orgânica do Governo e os artigos 3.º, 5) e 4.º, 12) e 13) da Lei n.º 10/2000 da Lei Orgânica do CCAC (Lei n.º 10/2000) e tendo em consideração as atribuições e competências do CCAC, dúvidas não restam de que o CCAC, não obstante o seu carácter independente, integra, em termos gerais, a Administração Pública e, como tal, que se lhe aplicam as disposições do CPA por força do artigo 2.º, n.º 1 do mesmo diploma, preceitos que se considera terem sido ignorados e violados pelo douto Despacho recorrido;
14. O Tribunal a quo entende que a actividade fiscalizadora é totalmente alheia à actividade administrativa, sem, contudo, explicar em que consiste cada uma delas;
15. A actividade administrativa é a actividade típica dos serviços públicos e agentes administrativos desenvolvida no interesse geral da colectividade, com vista à satisfação regular e contínua das necessidades colectivas de segurança, cultura e bem-estar, obtendo para o efeito os recursos mais adequados e utilizando as formas mais convenientes;
16. O critério para apurar a existência de uma actividade administrativa é o do âmbito dentro do qual se desenvolve essa actividade, isto é, dentro ou fora dos serviços públicos e agentes administrativos, e do fim subjacente dessa mesma actividade, isto é, da satisfação ou não das necessidades colectivas;
17. Integrando o CCAC a orgânica do Governo da RAEM e exercendo actividades administrativas, não restam dúvidas de que as disposições do CPA se lhe aplicam, nomeadamente, as disposições relativas ao direito às informações requeridas pela Recorrente, informações que lhe dizem directamente respeito como parte interessada;
18. Aplicando-se as disposições do CPA, o despacho de indeferimento viola o artigo 394, n.º 1, alínea d) do CPC, em conjugação com os artigos 2, n.º 1 do CPA, 6.º, n.º 1 da Lei de Bases da Orgânica do Governo (Lei n.º 2/1999) e 3.º, alínea 5) e 4.º, alíneas 12) e 13) da Lei Orgânica do CCAC (Lei n.º 10/2000);
19. Se assim não fosse entendido e qualificasse o CCAC como um órgão político, ainda assim não se poderia verificar a situação da manifesta improcedência sem violar o disposto no artigo 394, n.º 1, alínea d) do CPC;
20. Ensina o Tribunal de Segunda Instância, no Acórdão proferido no Processo n.º 1074/2019, que "o indeferimento liminar da petição inicial com fundamento na manifesta inviabilidade da pretensão do autor só se justifica em casos extremos, quando essa inviabilidade for de uma evidência irrecusável. Ou seja, só deveria ocorrer quando a improcedência ou a inviabilidade da pretensão do autor se apresentasse de forma tão evidente, que tornasse inútil qualquer instrução e discussão posteriores, isto é, que fizesse perder qualquer razão de ser à continuação do processo, levando a um desperdício manifesto se (não fosse logo atalhada) da actividade judicial (artigo 394º/1-d) do CPC)";
21. Na verdade, sendo o Comissário contra a Corrupção titular de um dos principais cargos do Governo ao abrigo do artigo 4.º, n.º 2 da Lei de Bases da Orgânica do Governo, pode, nessa qualidade, praticar actos políticos;
22. Contudo, sabendo-se que o CCAC foi incumbido de realizar um estudo e análise (elaboração do Relatório) sobre os 74 processos de declaração de caducidade de terrenos concessionados da RAEM e sobre a elaboração de propostas para o aperfeiçoamento à fiscalização e organização do procedimento da concessão de terrenos da RAEM, não se vê qualquer possibilidade legal de que o Tribunal a quo possa indeferir liminarmente a sua pretensão, pois é manifesto que a realização de um estudo ou relatório sobre a correcção dos procedimentos administrativos adoptados pela Administração, nada tem de político.
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A Entidade Requerida Comissariado contra a Corrupção respondeu à motivação do recurso da Requerente nos termos constantes a fls. 85 a 91v dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso.
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O Ministério Público é de parecer pela improcedência do presente recurso contencioso, a saber:
“…
Nas alegações do recurso jurisdicional em apreço (cfr. fls.61 a 79 dos autos), a recorrente a recorrente solicitou a revogação do despacho do MMº Juiz a quo (cfr. fls.57 a 58 dos autos), assacando a ofensa do preceito na d) do n.º1 do art.394.º do CPC em conjugação com as disposições nos n.º1 do art.2.º do CPA, n.º1 do art.6.º da Lei n.º2/1999, bem como nas alíneas 5) do art.3º e 12) e 13) do art.4.º da Lei n.º10/2000.
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Ora, é bem patente que o art.59.º da Lei Básica da RAEM consagra apenas a independência funcional do Comissariado contra a Corrupção e a responsabilidade do Comissário contra a Corrupção perante o Chefe do Executivo, sem mínima menção expressa da função ou missão política. E na nossa óptica, a localização sistemática do art.59.º no Capítulo II da Lei Básica não abona a interpretação de que este preceito fundamental atribui a função política ao Comissariado ou ao correspondente Comissário.
Os arts.1.º a 4.º da Lei n.º10/2000 na redacção introduzida pela Lei n.º4/2012 consagram a natureza, estatuto, missão, atribuições e competências do Comissariado contra a Corrupção, e o art.4º do Regulamento Administrativo n.º3/2009 na redacção dada pelo Regulamento Administrativo n.º3/2013 prescreve a estrutura do Serviço do mesmo Comissariado.
Nos termos destas disposições legais e regulamentares, inclinamos a entender que não são políticas a missão e as atribuições respectivamente definidas nos arts.2.º-A e 3.º da Lei n.º10/2000 na apontada redacção, e no que respeite à função da provedoria de justiça, o legislador não dota esse Comissariado dos poderes decisórios de natureza política.
Sopesando tudo isto, nomeadamente a missão e âmbito de actuação definidos no mencionado art.2.º-A, não podemos deixar de inferir que tal Comissariado e seu Comissário não são órgãos políticos, e são, sem sombra de dúvida, administrativas as propostas, recomendações e sugestões emitidas no exercício das competências consignadas nas alíneas 9) a 12) do art.4.º da Lei n.º10/2000 vigente na devida altura, competências que se pertencem, por natureza, às atribuições da provedoria de justiça.
De outro lado, convém destacar que o exercício da função política fica excluído da fiscalização judicial (art.19, alínea 1), da Lei n.º9/1999), nesta medida, determina o indeferimento liminar da acção no Processo n.º430/20-PICPPC, por se verificar a absoluta incompetência (em razão da matéria) do Tribunal Administrativo, não sendo a manifesta improcedência.
Chegando aqui, não podemos deixar de colher que salvo merecido e muito respeito, o despacho do MMº Juiz a quo não está conforme com os preceitos na d) do n.º1 do art.394.º do CPC em conjugação com as disposições nos n.º1 do art.2.º do CPA, n.º1 do art.6.º da Lei n.º2/1999, bem como nas alíneas 5) do art.3º e 12) e 13) do art.4.º da Lei n.º10/2000.
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Nos termos da determinação no n.º3 do art.159.º do CPAC e tendo também em consideração a jurisdição plena contemplada no art.159.º do mesmo diploma legal, somos levados a indagar se a acção intentada pela ora recorrente merecer precedência?
1. A recorrente reconheceu, no art.4.º da petição, que ela tinha sido a concessionária de tão-só um dos terenos envolvidos nos 74 processos de declaração de caducidade da concessão, quer dizer que só um desses 74 lhe diz respeito, ela é terceiro alheio dos restantes 73 processos.
Sendo assim e na medida em que, segundo nos se afigura, ela não provou ter interesse legítimo exigido no n.º1 do art.66.º do CPA, impõe-se-nos a extrair que a recorrente não tinha nem tem legitimidade de exercer o direito à informação sobre os 73 processos, no fundo não constatou ter adquirido a legitimidade no conhecimento dos elementos constantes desses 73 processos.
2. De outra banda, interessa sublinhar que foi o então Exmo. Sr. Chefe do Executivo quem tomara a iniciativa de remeter todos os 74 processos ao Comissariado contra a Corrupção, o objectivo que preside essa iniciativa de remessa traduziu em o Comissariado vir proceder aos estudos e análises, bem como à elaboração de proposta para o aperfeiçoamento à fiscalização e organização da concessão de terreno da RAEM.
Nestes termos, e dado que a recorrente nunca pediu a intervenção do Comissariado contra a Corrupção no procedimento da declaração da caducidade do terreno concedido a si, o Comissariado não fica obrigado de notificar a recorrente das suas posições nos 74 processos, incluindo o atinente a si (art.12º, n.º4, a contrario, da Lei n.º10/2000 na redacção dada pela Lei n.º4/2012).
O exercício da função deixa-nos o conhecimento de que a sobredita posição do Comissariado contra a Corrupção não constitui fundamento do despacho pelo qual o então Exmo. Sr. Chefe do Executivo declarou a caducidade do terreno concedido à recorrente, e os Acórdãos dos doutos TSI e TUI afirmaram sucessivamente a validade desse despacho.
Repare-se que em bom rigor, a recorrente não tem sido interessada no processo que envolve o terreno concedido a ela própria, e o objectivo que preside a apontada iniciativa de remessa evidencia inequivocamente que a “proposta para o aperfeiçoamento à fiscalização e organização da concessão de terreno da RAEM” produz, quanto a mais, efeito meramente interno e visa para o futuro – à consideração do Chefe do Executivo no futuro aperfeiçoamento do regime respeitante à fiscalização e organização da concessão de terrenos da RAEM.
Assim que seja, e considerando que a recorrente intentou já a acção registada sob o n.º401/19-RA no Tribunal Administrativo, inclinamos a colher que a recorrente ainda não tem legitimidade no conhecimento da posição do Comissariado relativa ao terreno concedido a si mesma.
***
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso jurisdicional…”.
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Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
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II – Fundamentação
A decisão recorrida tem o seguinte teor:
“…
A ora Requerente intentou a presente acção contra o Comissariado contra a Corrupção (ou CCAC), a fim de obter a satisfação da sua pretensão informativa:
- sobre o estudo e a análise dos 74 processos de declaração de caducidade de terrenos concessionados da RAEM, bem como a elaboração de propostas para aperfeiçoamento à fiscalização e organização do procedimento da concessão de terrenos da RAEM,
- sobre o horário provável da conclusão do dito trabalho.
No seu entender, as ditas informações interessam à Requerente para melhor avaliar os meios legais para o exercício do direito de indemnização, especialmente na acção para efectivação de responsabilidade civil, intentada no Tribunal Administrativo.
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Através dos elementos dos noticiários, juntos à petição inicial, percebe-se que a pretensão da Requerente incide sobre o eventual relatório de estudo elaborado pelo CCAC acerca da análise no total de 74 casos de terrenos, na sequência da declaração da caducidade das suas concessões.
E ainda segundo os mesmos noticiários, a intervenção do CCAC no respectivo trabalho de estudo e análise foi desencadeada, a pedido do então Chefe do Executivo no fim do ano 2018.
À partida, cremos, com base nos elementos acima mencionados, que a pretensão da Requerente carece do apoio legal – por situar-se fora do campo de aplicação do Código de Procedimento Administrativo, nomeadamente, das normas dos artigos 63.º a 67.º.
Como se sabe, existem dois planos da tutela do direito à informação administrativa, – a informação procedimental (cfr. artigos 63.º a 66.º do CPA) e a informação não procedimental (cfr. artigo 67.º do CPA): A informação pretendida “reveste natureza procedimental, quando está contida em factos, actos ou documentos que integram um concreto procedimento em curso”, diferentemente, trata-se da informação de natureza não procedimental quando recai sobre “os documentos administrativos contidos em procedimentos já findos ou em arquivos ou registos administrativos”. (cfr. entre os outros, Acórdão do TSI, Proc. nº 214/2013, 9/5/2013).
Mas seja em que modalidade for, as informações que se solicita ao abrigo das normas do CPA, devem dizer respeito às actividades administrativas desenvolvidas por todos os órgãos da Administração Pública, ou pelos órgãos que, embora não integrados na Administração Pública, desempenharam funções materialmente administrativas – como se refere no artigo 2.º, n.º 1 deste Código.
Quanto ao CCAC, não temos maior dúvida que este não é uma mera entidade administrativa e não integra a organização da Administração Pública. Trata-se aqui, de um órgão político com sua previsão directa na Lei Básica, que funciona de forma independente e responde perante o Chefe do Executivo (cfr. artigo 59.º da Lei Básica).
Não sendo uma entidade administrativa, e mais do que isso, o CCAC desenvolve uma actividade essencialmente fiscalizadora – que “tem por missão promover acções de prevenção e investigação da prática de crimes de corrupção e de crimes conexos de fraude no âmbito das actividades do sector público e do sector privado, bem como exercer acções de provedoria de justiça, promovendo a defesa dos direitos, liberdades, garantias e interesses legítimos das pessoas, em conformidade com as suas atribuições.” (cfr. os artigos 2.º e 3.º da Lei 10/2000 (Lei Orgânica do Comissariado contra a Corrupção da Região Administrativa Especial de Macau), republicada pela Lei n.º 4/2012).
Se assim é, temos por nós que, em relação às actuações do CCAC efectuadas no âmbito do desempenho da sua função fiscalizadora legalmente incumbida, não se deve aplicar as regras previstas no CPA por força do supra-referido artigo 2.º, n.º 1, por não estar em causa qualquer actividade de administrar.
Bem certo é que o CCAC pode por vezes, desempenhar as actividades materialmente administrativas, quando, por exemplo, decide aplicar uma sanção disciplinar ao seu agente, ou determina a classificação do funcionário, etc, e a prática desses actos não deixa de ser regulada pelas regras próprias do CPA aplicáveis à actuação administrativa.
Porém, no caso dos autos, é evidente que as informações que se pretende obter não são emergentes da actividade materialmente administrativa do CCAC, as quais respeitam antes aos estudos preparatórios ou análises que o CCAC foi incumbido de fazer no cumprimento da sua atribuição fiscalizadora, para depois propor sugestões de melhoria ou formular recomendações de correcção aos eventuais responsáveis.
Além disso, sendo este trabalho directamente desencadeado a pedido do Chefe do Executivo, o respectivo resultado não se destina senão ao conhecimento imediato deste último, nos termos do disposto no artigo 4.º, alíneas 8), 10) e 11) da Lei 10/2000, não se vê, por isso, que existe outra maneira da sua divulgação.
Tudo visto, deve a presente acção improceder, pela inaplicabilidade das normas do CPA.
*
Nestes termos expostos, decide-se indeferir liminarmente o pedido da Requerente pela manifesta improcedência (artigo 394.º, n.º 1, alínea d) do CPC, ex vi o artigo 1.º do CPAC).
*
Custas pela Requerente, com taxa de justiça em 4 UC.
*
Registe e notifique….”.
Concordamos com a decisão recorrida na parte que se refere que as informações pretendidas pela Requerente “respeitam aos estudos preparatórios ou análises que o CCAC foi incumbido de fazer no cumprimento da sua atribuição fiscalizadora, para depois propor sugestões de melhoria ou formular recomendações de correcção aos eventuais responsáveis”.
Trata-se de um trabalho directamente desencadeado a pedido do Sr. Chefe do Executivo e o respectivo resultado não tem força vinculativa, sujeitando à consideração do Sr. Chefe do Executivo no futuro aperfeiçoamento do regime relativo à fiscalização e organização da concessão de terrenos da RAEM.
Nos termos do nº 4 do artº 12º da Lei nº 10/2000, o CCAC só tem a obrigação de dar conhecimento da decisão final de cada processo às entidades que tenham solicitado a intervenção do Comissariado.
Como não foi a Requerente que solicitou a intervenção do CCAC, mas sim o Sr. Chefe do Executivo, o CCAC não tem a obrigação de lhe dar conhecimento do resultado da sua intervenção.
O legislador prevê um mecanismo próprio de tornar público o resultado actuação do CCAC, que é justamente o previsto na al, 13) do artº 4º da Lei nº 10/2000, a saber:
“…
13) Tornar públicas, através da comunicação social, posições suas decorrentes do desempenho das atribuições previstas nas várias alíneas do n.º 1 do artigo anterior, ou as respectivas notícias, mas sempre no respeito do seu dever de sigilo;
…”.
Conjugados o nº 4 do artº 12º e a al. 13) do artº 4º, todos da Lei nº 10/2000, afigura-se-nos que o particular, não tendo solicitado por si a intervenção do CCAC, não possa ter acesso directo ao resultado da mesma.
É discutível se a Requerente poderia exercer o direito à informação ao abrigo do artº 66º do CPA.
De qualquer forma, ainda que possa, tal direito só existe quando foi alegada e provada a existência de interesse legítimo no conhecimento dos elementos pretendidos.
Segundo o requerimento dirigido ao CCAC (fls. 11 dos autos), a Requerente não alegou, muitos menos provou, o seu interesse legítimo no conhecimento dos elementos pretendidos.
Tal interesse legítimo só foi alegado, pela primeira vez, na presente acção (vide artºs 7º e 8º da p.i.).
Salvo o devido respeito da posição contrária, entendemos que a justificação do interesse legítimo deveria ser alegada e acompanhada da respectiva prova, logo no pedido da informação dirigido ao CCAC para este poder analisar e decidir se a Requerente ter ou não o direito à informação dos elementos pretendidos.
Não o tendo feito, nada a censurar a recusa da prestação da informação solicitada.
*
III – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao presente recurso jurisdicional, confirmando a decisão recorrida por outros fundamentos.
*
Custas pela Requerente, com taxa de justiça de 8UC.
Notifique e registe.
*
RAEM, aos 08 de Outubro de 2020.
(Relator)
Ho Wai Neng
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Tong Hio Fong
(Segundo Juiz-Adjunto)
Rui Carlos dos Santos Pereira Ribeiro
Mai Man Ieng
14
809/2020