ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
I – Relatório
A Ex.ma Juíza de 1.ª instância julgou procedente a providência cautelar requerida por A – doravante designada por requerente - e determinou que as requeridas, 1.ª, B, 2.ª, C, 3.ª, D, 4.ª, E e 5.ª, F se abstenham de praticar quaisquer actos que, directa ou indirectamente, constituam disposição ou oneração, onerosos ou gratuitos, de eficácia real ou obrigacional, de qualquer ou da totalidade das 6200 acções da A de que a primeira requerida foi ou é titular.
Em recurso interposto pelas requeridas 1.ª, B e 2.ª C, o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância (TSI), revogou aquela Sentença, julgando, assim, improcedente a providência cautelar, por considerar que não se verificava um dos requisitos necessários para o decretamento de qualquer providência cautelar: não haver fundado receio da lesão grave e dificilmente reparável do direito da requerente. E não se pronunciou sobre a existência ou não do outro requisito (probabilidade séria da existência do direito da requerente), por ter considerado prejudicada a questão, face à necessidade da existência cumulativa dos dois requisitos.
Por Acórdão de 23 de Julho de 2008, decidiu este Tribunal de Última Instância (TUI) conceder provimento parcial ao recurso, determinando que o TSI, em nova apreciação, tendo em atenção o fundamento que invocou e que subsiste e a interpretação dada pelo TUI aos arts. 326.º, n.º 1 e 332.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, decida se revoga ou mantém a decisão recorrida.
O fundamento invocado pelo TSI, a que nos referimos foi este:
E mesmo que possamos considerar ser útil ordenar nos presentes autos contra as mesmas e mais outras requeridas, também não nos podemos encontrar fundamento fáctico para verificar este exigente perigo em mora nem prejuízo de difícil reparação para alcançar a finalidade da manutenção do status quo enquanto ocorre a acção principal em que se conhecer do seu pretenso direito de exclusão do sócio.
É que dos factos não se demonstra que, pelo menos as 3ª, 4ª e 5ª requeridas, estão a preparar ou começar a negociar a transmissão das acções da A para outras pessoas, quer singular quer colectiva”.
Vêm as mesmas requeridas arguir a nulidade do Acórdão com os seguintes fundamentos:
I
1. Salvo melhor e mais douta opinião, o acórdão ora colocado em crise, não alicerça a decisão de mandar julgar novamente o pleito no Tribunal de Segunda Instância, nem na necessidade de ampliação da matéria de facto, nem por entender verificar-se qualquer contradição na matéria de facto.
2. Nos termos do n° 1 do artigo 650º do Código de Processo Civil, só nestes dois casos poderia o Tribunal de Última Instância decidir daquela forma.
3. Assim, a decisão do Venerando Tribunal de Segunda Instância que deu por não provada a existência de um dano actual e eminente que justificasse a procedência da providência parece insusceptível de reapreciação à luz dos fundamentos invocados no douto acórdão ora impugnado.
4. É, também, inatacável à luz das competências legais do Tribunal de Última Instância.
5. A correcta decisão a tomar por esse Venerando TUI seria, salvo o merecido respeito, a de se pronunciar sobre as questões de direito e abster-se de julgar sobre matéria factual, sem mais.
II
1. A decisão supra transcrita não consta do pedido formulado pela recorrente A, nem, tão-pouco, vem prefigurada em qualquer trecho das 85 páginas que compõem as respectivas alegações de recurso.
2. Salvo o devido respeito por esse Venerando TUI, a decisão de enviar de novo o processo ao Venerando TSI para reapreciação do douto acórdão que tal tribunal proferiu, infringe a regra segundo a qual ne eat iudex ultra vel extra petita partium.
Por todo o exposto, salvo melhor e mais douta opinião, o douto acórdão proferido por esse Venerando TUI viola o nº 1 do artigo 564°, a alínea e) do n° 1 do artigo 571° e o n° 1 do artigo 650°, todos do Código de Processo Civil, pelo que, mui respeitosamente, se requer seja declarado nulo.
Ouvida a requerente, pronunciou-se pelo indeferimento da pretensão.
II - Apreciação
1. Arguem as requeridas a nulidade do Acórdão com dois fundamentos.
Constitui o primeiro fundamento a circunstância de o artigo 650.º do Código de Processo Civil apenas admitir que o TUI mande julgar novamente a causa com os fundamentos previstos na norma, sendo que o Acórdão utilizou tal faculdade com um fundamento diverso.
Entendem, portanto, as requeridas que o Acórdão recorrido violou o disposto no artigo 650.º do Código de Processo Civil.
A questão suscitada pelas requeridas não se enquadra em nenhum dos fundamentos previstos na lei para a arguição de nulidade de decisões judiciais, prevista no artigo 571.º do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 651.º do Código de Processo Civil.
Na verdade, as requeridas entendem que existe um erro de julgamento do TUI, por indevida interpretação e aplicação do artigo 650.º do Código de Processo Civil. Mas não invocam nenhuma nulidade do Acórdão. Ora, o instituto de arguição de nulidade das decisões judiciais não pode ser aproveitado para impugnar o erro de julgamento. Este é impugnável por meio de recurso. Portanto, ou no caso cabe recurso e então as requeridas recorrem da decisão. Ou não cabe e terão de se conformar com a decisão. Agora o que não podem é invocar nulidades, para obter um efeito não permitido pela lei.
Sempre se dirá que não aplicámos a norma do artigo 650.º do Código de Processo Civil. O que fizemos foi revogar parcialmente o Acórdão recorrido por terem ocorrido erros de julgamento. E porque o TUI não tem poder de cognição da matéria de facto, estando em causa, entre outras, a apreciação de questão desta natureza, devolvemos a apreciação do recurso da 1.ª Instância ao TSI.
Improcede a primeira questão suscitada.
2. A segunda questão é esta: o pedido da recorrente foi o da revogação pura e simples do Acórdão do TSI, pelo que o TUI proferiu condenação diversa do pedido, o que constitui nulidade.
Mas sem razão.
Antes de mais, as requeridas arguem esta questão em contradição com a questão anterior.
É que é pacífico que a faculdade prevista no artigo 650.º é de decretamento oficioso pelo Tribunal, pelo que se as requeridas entendiam que o TUI utilizou tal faculdade, é contraditório vir arguir a condenação em objecto diverso do pedido. O TUI poderia sempre fazê-lo se tivesse anulado a decisão do TSI.
Depois, a recorrente pediu a revogação do Acórdão e o TUI decidiu a revogação parcial do mesmo, o que manifestamente se enquadra dentro da pretensão. Concedeu-se um menos relativamente ao que se pediu, o que está dentro do previsto no artigo 564.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
Por fim, o que a lei proíbe é a chamada reformatio in melius, princípio segundo o qual o tribunal está vinculado à impugnação do recorrente1.
Ora, o tribunal manteve-se rigorosamente dentro da pretensão da recorrente. O que esta não podia adivinhar é que o Tribunal, revogando parcialmente a decisão recorrida, por erro de direito, não podia emitir decisão final, como acontece normalmente, por esta envolver apreciação de matéria de facto, cujo poder de cognição está limitada às 1.ª e 2.ª Instâncias. E, por isso, não se podia exigir que tivesse requerido o que o TUI determinou.
Improcede, igualmente, esta questão.
III – Decisão
Face ao expendido, indeferem o requerido.
Custas pelas requeridas, fixando a taxa de justiça em 7 UC.
Macau, 24 de Setembro de 2008.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Sam Hou Fai – Chu Kin
1 M. TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, Lex, 1997, p. 466.
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Processo n.º 23/2008