Processo nº 124/2020 Data: 14.10.2020
(Autos de recurso jurisdicional)
Assuntos : Concessão de terrenos.
Caducidade.
“Audiência prévia”.
Matéria de facto.
Acto vinculado.
SUMÁRIO
1. À Administração cabe – por princípio, e em regra – o dever de observar o “contraditório” e de facultar aos particulares o “direito de participarem nas suas decisões”.
2. Porém, se da factualidade apurada demonstrado estiver que decorrido está o prazo da concessão por arrendamento do terreno sem o seu aproveitamento, a Administração está “vinculada” a declarar a caducidade da concessão.
3. A competência do Tribunal de Última Instância para apreciar a “decisão proferida quanto à matéria de facto” é limitada pelo n.º 2 do art. 649° do C.P.C.M., (subsidiariamente aplicável por força do disposto no art. 1° do C.P.A.C.), nos termos do qual, “A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo se houver ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.
Nesta conformidade, o Tribunal de Última Instância, em recurso jurisdicional – como é o caso – não pode censurar a convicção formada pelas Instâncias quanto à prova; podendo, porém, reconhecer, (e declarar), que há obstáculo legal a que tal convicção se tivesse formado, (quando tenham sido violadas normas ou princípios jurídicos no julgamento da matéria de facto), sendo assim, uma censura que se confina à “legalidade do apuramento dos factos, e não respeita, directamente, à existência ou inexistência destes”.
O relator,
José Maria Dias Azedo
Processo nº 124/2020
(Autos de recurso jurisdicional)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. “SOCIEDADE DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FONG KENG VAN, S.A.”, (“風景灣置業發展股份有限公司”), com sede em Macau, interpôs, no Tribunal de Segunda Instância, recurso contencioso do despacho do CHEFE DO EXECUTIVO de 03.05.2018 que declarou a caducidade da concessão por arrendamento do terreno com a área de 4.563 m², situado na península de Macau, designado por lote 4 da zona A, devidamente identificado nos presentes autos; (cfr., fls. 2 a 20 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Por Acórdão de 02.04.2020, (Proc. n.° 586/2018), foi o recurso julgado improcedente; (cfr., fls. 161 a 190).
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Inconformada com o decidido, do mesmo traz a recorrente o presente recurso, alegando para, em conclusões, dizer o que segue:
“1. A interposição do presente recurso é tempestiva, e compete ao TUI julgar o presente recurso jurisdicional;
2. Por escritura pública de 30 de Julho de 1991, celebrada em conformidade com o Despacho n.º 203/GM/89, publicado no 4º suplemento ao Boletim Oficial de Macau, n.º 52, de 29 de Dezembro de 1989, foi titulada a concessão por arrendamento de vários lotes de terreno inseridos nas zonas A, B, C e D do empreendimento denominado “Fecho da Baía da Praia Grande”, situados na Baía da Praia Grande e nos Novos Aterros do Porto Exterior, a favor da Sociedade de Empreendimentos Nam Van, S.A.;
3. Através da Portaria n.º 69/91/M publicada no 2º suplemento ao Boletim Oficial de Macau, n.º 15, de 18 de Abril de 1991, foram aprovados os Regulamentos dos Planos de Pormenor de Plano de Reordenamento da Baía da Praia Grande;
4. O supracitado despacho mencionado em 2 foi alterado, respectivamente, pelos Despacho n.º 73/SATOP/92, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 27, de 6 de Julho de 1992, Despacho n.º 57/SATOP/93, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 17, de 26 de Abril de 1993, Despacho n.º 56/SATOP/94, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 22, de 1 de Junho de 1994, e Despacho n.º 71/SATOP/99, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 33, II Série, de 18 de Agosto de 1999;
5. Depois, através do Despacho n.º 92/SATOP/94, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 30, II Série, de 27 de Julho de 1994, foi titulada a transmissão onerosa dos direitos resultantes da concessão do terreno (ou seja o terreno em causa), com a área de 4.563m2, designado por lote 4 da zona A do empreendimento “Fecho da Baía da Praia Grande”, a favor da Sociedade de Investimento Imobiliário Fong Keng Van, S.A. (ou seja a recorrente);
6. De acordo com o estipulado na cláusula terceira do contrato de transmissão titulado pelo supracitado Despacho, o terreno em causa seria aproveitado com a construção de um edifício, em regime de propriedade horizontal, destinado a comércio, escritórios e estacionamento, em conformidade com o plano de pormenor e respectivo regulamento, relativo à zona A, aprovado pela Portaria n.º 69/91/M, de 18 de Abril, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 134/92/M, de 22 de Junho;
7. Através do Despacho do Chefe do Executivo n.º 248/2006, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 34, I Série, de 21 de Agosto de 2006, foram revogados os Regulamentos dos Planos de Pormenor de Plano de Reordenamento da Baía da Praia Grande, aprovados pela Portaria n.º 69/91/M;
8. Por Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 52/2007, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 21, II Série, de 23 de Maio de 2007, foi autorizada a modificação da finalidade do terreno em causa e revisto o respectivo contrato de concessão, para construção de um edifício com 28 pisos, incluindo três pisos em cave e um piso de refúgio, destinado a um hotel de cinco estrelas;
9. De acordo com o estipulado na cláusula quinta do contrato de revisão da concessão titulado pelo supracitado Despacho, o prazo de aproveitamento do terreno expirou em 18 de Agosto de 2008; e em 15 de Abril de 2008, a recorrente apresentou à DSSOPT o pedido de prorrogação do prazo de aproveitamento;
10. Para cumprir as cláusulas do contrato de concessão provisória do terreno em causa, nomeadamente a de decurso do prazo de aproveitamento em 18 de Agosto de 2008, a recorrente já realizou obras no terreno em causa, completando 100% da obra de fundações e 95% da obra da cave;
11. A partir de 2008, as duas accionistas da recorrente “Sociedade de Entretenimento do Grupo Jade, Limitada” e “Sociedade de Desenvolvimento Hotel Jade, Limitada” envolveram-se constantemente em processos judiciais sobre o desenvolvimento do terreno em causa, incluindo mas não se limitando aos seguintes:
(1) Processo n.º CV3-08-0055-CEO do 3º Juízo Cível do TJB e seus apensos, assunto: penhora de prédio já hipotecado, que só incide sobre os direitos resultantes da concessão por arrendamento do terreno;
(2) Processo n.º CV3-08-0055-CEO-A do 3º Juízo Cível do TJB e seus apensos, assunto: arresto por direitos resultantes da concessão por arrendamento do terreno;
(3) Processo n.º CV3-08-0079-CAO do 3º Juízo Cível do TJB;
(4) Processo n.º CV1-08-0061-CAO do 1º Juízo Cível do TJB;
(5) Processo n.º CV3-08-0061-CAO do 3º Juízo Cível do TJB e seus apensos;
(6) Processo n.º CV2-08-0067-CAO do 2º Juízo Cível do TJB e seus apensos.
12. Por outro lado, os supracitados processos constituíram diversos encargos que não podiam ser levantados unilateralmente, designadamente o registo de penhora datado de 13 de Julho de 2009 e inscrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 69081C, e o registo de arresto e penhora datado de 24 de Setembro de 2008, inscrito na CRP sob o n.º 32145F;
13. Face ao pedido de prorrogação do prazo de aproveitamento acima referido, o Departamento de Gestão de Solos da DSSOPT elaborou, no dia 23 de Setembro de 2008, a Informação n.º 063/DSODEP/2008, pretendendo dar um prazo de 36 meses à recorrente para concluir o aproveitamento do terreno em causa. Mas devido aos supracitados processos e penhoras, foi suspenso o procedimento da apreciação e aprovação de prorrogação do prazo de aproveitamento;
14. Através do Ofício n.º 139/1386.02/DSODEP/2009 de 16 de Abril de 2009, a DSSOPT notificou a recorrente de que, por estar envolvido registo de hipoteca processual, seria suspensa a apreciação do pedido de prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno apresentado pela recorrente, até ao trânsito em julgado da devida sentença;
15. Posteriormente, do desenvolvimento do terreno em causa resultaram diversas acções, incluindo mas não se limitando às seguintes:
(1) Processo n.º CV3-09-0074-CAO do 3º Juízo Cível do TJB;
(2) Processo n.º CV2-09-0092-CAO do 2º Juízo Cível do TJB e seus apensos;
(3) Processo n.º CV2-09-0191-CPE do 2º Juízo Cível do TJB;
(4) Processo n.º CV3-10-0012-CAO do 3º Juízo Cível do TJB;
(5) Processo n.º CV3-10-0032-CAO do 3º Juízo Cível do TJB;
(6) Processo n.º CV3-10-0034-CAO do 3º Juízo Cível do TJB;
(7) Processo n.º CV1-10-0035-CAO do 1º Juízo Cível do TJB;
(8) Processo n.º CV2-10-0042-CAO do 2º Juízo Cível do TJB;
(9) Processo n.º CV2-10-0047-CAO do 2º Juízo Cível do TJB.
16. As supracitadas acções e as respectivas providências cautelares também foram inscritas no registo comercial da recorrente, respectivamente sob o n.º AP.55/05092008, n.º AP.20/23092008, n.º AP.24/14102008, n.º AP.23/19112009, n.º AP.40/10122009 e n.º AP.46/22052012;
17. O terreno em causa encontra-se descrito na CRP sob o n.º 22293 a fls. 79 do livro B8K, e o direito resultante da concessão encontra-se inscrito a favor da recorrente sob o n.º 4299 a fls. 86 do livro F20K. Actualmente, sobre o terreno em causa estão constituídas uma hipoteca voluntária e uma consignação de rendimentos, a favor do [Banco(1)], registadas respectivamente com o n.º 188527C e o n.º 35196F;
18. De acordo com o estipulado na cláusula segunda do contrato de revisão da concessão titulado pelo Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 52/2007, o arrendamento do terreno é válido até 30 de Julho de 2016; e antes do termo do prazo acima referido, ou seja no dia 24 de Abril de 2015, a recorrente requereu à DSSOPT a renovação do prazo de aproveitamento do terreno em causa, bem como a emissão da licença de obras (não requereu a prorrogação do prazo de arrendamento do terreno). Na altura, faltou ainda 1 ano e 3 meses ao termo do prazo de arrendamento, e por Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 52/2007, foi autorizada a modificação da finalidade do terreno em causa. Analisando as situações objectivas e o tempo, entendeu a recorrente que estava em condições suficientes para concluir a construção das obras e cumprir todas as obrigações no contrato de concessão provisória antes do decurso do prazo de arrendamento; só que depois de ter recebido o requerimento da recorrente em 24 de Abril de 2015, a DSSOPT dilatou-se sempre por meio de omissão;
19. Em 29 de Junho de 2016, o Secretário para os Transportes e Obras Públicas proferiu despacho na Informação n.º 194/DSODEP/2016 indeferindo o requerimento da prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno em causa até 29 de Julho de 2016, apresentado pela recorrente;
20. Em Julho de 2016, através do Ofício n.º 0661/1386.03/DSODEP/2016 emitido pela DSSOPT, a recorrente teve conhecimento da decisão do Secretário para os Transportes e Obras Públicas no sentido de indeferir o requerimento da prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno; a recorrente manifestou expressamente a sua discordância e oposição, e ao abrigo dos dispostos no CPA e no CPAC, respectivamente, deduziu reclamação para o Secretário para os Transportes e Obras Públicas e interpôs recurso contencioso para o TSI, dentro do prazo legal;
21. Em Março de 2017, através do Ofício n.º 189/8119.03/DSO/2017 da DSSOPT, a recorrente teve conhecimento de que o Chefe do Executivo proferiu despacho em 27 de Fevereiro de 2017 mantendo a decisão feita pelo Secretário para os Transportes e Obras Públicas em 7 de Fevereiro de 2017, que indeferiu o requerimento da recorrente de prorrogar o prazo de aproveitamento do terreno em causa;
22. Em relação ao recurso contencioso acima referido, o TSI proferiu, no dia 26 de Março de 2020, o acórdão no Processo de Recurso Contencioso n.º 604/2016;
23. Depois, em 16 de Maio de 2018, através do Ofício n.º 144/DAT/2018, a DSSOPT notificou a recorrente de que, conforme o despacho constante deste ofício, por Despacho do Chefe do Executivo de 3 de Maio de 2018, foi declarada a caducidade da concessão do terreno com a área de 4.563m2, designado por lote 4 da zona C do empreendimento denominado “Fecho da Baía da Praia Grande”, situado na península de Macau, pelo decurso do seu prazo de validade, nos termos e fundamentos do parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas de 4 de Novembro de 2016, o qual faz parte integrante do referido Despacho do Chefe do Executivo;
24. Entendeu a recorrente que os seus direitos e os interesses legalmente garantidos foram lesados pelo supracitado acto administrativo do Chefe do Executivo, pelo que nos termos do CPA e do CPAC, interpôs recurso contencioso para o TSI e pediu a suspensão da eficácia. O TSI só proferiu acórdão no Processo de Recurso Contencioso n.º 586/2018 em 2 de Abril de 2020, e também no Processo Apenso de Suspensão de Eficácia n.º 586/2018/A;
25. Em 15 de Junho de 2018, a recorrente interpôs para o TSI recurso contencioso do Despacho do Chefe do Executivo de 3 de Maio de 2018, que declarou a caducidade da concessão; e no dia 10 de Abril de 2019, segundo o art.º 68.º do CPAC, a recorrente apresentou ao TSI as alegações facultativas;
26. Em 14 de Abril de 2020, a recorrente foi notificada pelo TSI do seu Acórdão de 2 de Abril de 2020, proferido no Processo de Recurso Contencioso n.º 586/2018, que negou provimento ao recurso da recorrente (ou seja a decisão judicial recorrida);
27. Na decisão judicial recorrida, indicou-se que o Despacho do Chefe do Executivo de 3 de Maio de 2018 que declarou a caducidade da concessão do terreno foi proferido em conformidade com as normas, não incorreu no vício da falta de audiência prévia da recorrente, não prejudicou os direitos e interesses legítimos da recorrente, e não padeceu do vício de violação dos princípios da boa fé, da justiça, da isenção, da adequação e da protecção da confiança no CPA; salvo o devido respeito, a recorrente não concorda com tal entendimento;
28. Relativamente ao vício da falta de audiência, entende a recorrente que ao abrigo dos dispostos nos artigos 10.º, 93.º, n.º 1, 94.º, 96.º e 97.º do CPA, antes da decisão tomada pelo Chefe do Executivo tendo em consideração o aludido parecer, a recorrente tem direito a um prazo não inferior a 10 dias para o efeito de audiência escrita sobre aquele parecer e os seus fundamentos de declarar a caducidade da concessão do terreno; e não se verificam nos autos a inexistência ou a dispensa de audiência previstas pelos artigos 96.º e 97.º do CPA; assim, conforme o dever de audiência e o princípio do contraditório previstos no art.º 93.º, n.º 1 do CPA, é absolutamente obrigatória a audiência da recorrente;
29. Pelo acima exposto, tendo em conta que o Chefe do Executivo praticou o acto administrativo sem realizar a audiência obrigatória da recorrente, violando o seu direito de audiência; ademais, não está em causa a dispensa de audiência ou de investigação, e não há motivo especial, urgência ou invocação de interesse público, em suma, deve a Administração Pública realizar previamente a audiência da recorrente; por isso, o Despacho do Chefe do Executivo violou o art.º 93.º, n.º 1 do CPA, ofendeu o conteúdo essencial do direito fundamental da recorrente, e é nulo conforme o art.º 122.º, n.º 2, al. d) do mesmo Código;
30. A decisão judicial recorrida reconheceu erradamente os respectivos factos com base no acima exposto, pelo que também incorreu no mesmo vício;
31. Além disso, entende a recorrente que a decisão judicial recorrida teve erro no reconhecimento dos factos, bem como na citação dos respectivos fundamentos de direito, porque no procedimento administrativo, a Administração Pública já ofendeu os direitos e interesses legítimos da recorrente, violou os princípios da boa fé, da justiça, da isenção, da adequação e da protecção da confiança no CPA, e padeceu de vícios;
32. É de mencionar que, para pretender que a decisão judicial recorrida também aplicou erradamente a lei, e existiu erro nas matérias de direito e de facto no acto do Chefe do Executivo de declarar a caducidade da concessão do terreno, vem-se citar os entendimentos do MM.º Juiz Fong Man Chong do TSI na parte IV: análise jurídica (nomeadamente as partes III, IV, VI e VII) da declaração de voto nos Acórdãos de 7 de Junho de 2018 no Processo n.º 377/2015 (com declaração de voto vencido), de 28 de Junho de 2018 no Processo n.º 499/2016 (com declaração de voto vencido), e de 12 de Julho de 2018 no Processo n.º 617/2015 (com declaração de voto vencido);
33. Conforme o douto entendimento do MM.º Juiz Fong Man Chong do TSI na parte IV: análise jurídica da declaração de voto do nos referidos acórdãos (com declaração de voto vencido), ao nível da Lei de Terras, como acima referido, após a concessão do terreno, não é que já são completados todos os trabalhos, nem que a Administração Pública emite um cheque em branco ao concessionário para preencher à vontade. Ao contrário, ambas as partes têm que observar e cumprir um conjunto de prestações suplementares e complementares (deveres) subsequentes, e desse ponto de vista, o prazo de concessão de 25 anos é um prazo concedido ao concessionário para cumprir os deveres, e ao mesmo tempo, a Administração Pública também tem os seus deveres, tal como apreciar os requerimentos do concessionário. O incumprimento dos deveres por parte da Administração Pública resultará directamente na impossibilidade de cumprimento dos deveres do concessionário. Por isso, esse prazo de 25 anos não é um prazo de dígito, mas sim um prazo jurídico, quer dizer, pode ser, na realidade, superior a 25 anos;
34. Assim, no contrato de concessão, se tanto a Administração Pública como o concessionário tenham deveres, ambas as partes devem agir com boa fé e cumprir rigorosamente os seus deveres. Por outra palavra, no caso de incumprimento dos deveres, é necessário determinar se o mesmo é justificado! Quem é o responsável? E qual é o grau de culpa? Isso é a exigência básica do princípio da boa fé, e o espírito do princípio de “pacta sunt servanda”.
35. Pelo que, a Administração Pública pretendeu a caducidade sem avaliar as causas e a imputabilidade da violação contratual, sem atender à responsabilidade da parte culpada, nomeadamente sem considerar se a recorrente era culpada ou violou o contrato, e causou o resultado jurídico de caducidade-sanção à recorrente, o que é, sem dúvida, proibido por lei; ademais, o acto administrativo praticado nesse pressuposto enquadra-se completamente no âmbito da “manifesta injustiça … casos em que a Administração impuser ao particular um sacrifício de direitos infundado ou desnecessário” indicado no Acórdão do TSI n.º 32/2013, violando obviamente o princípio da justiça referido no art.º 7.º do CPA, a devida atitude básica para cumprir, com boa fé, o contrato, e os princípios da boa fé e de “pacta sunt servanda” ;
36. É de referir mais uma vez que, em 15 de Abril de 2008, a recorrente apresentou à DSSOPT o requerimento de prorrogação do prazo de aproveitamento, e para cumprir as cláusulas do contrato de concessão provisória do terreno em causa, nomeadamente a de decurso do prazo de aproveitamento em 18 de Agosto de 2008, a recorrente já realizou obras no terreno em causa, completando 100% da obra de fundações e 95% da obra da cave;
37. O Departamento de Gestão de Solos da DSSOPT elaborou, no dia 23 de Setembro de 2008, a Informação n.º 063/DSODEP/2008, pretendendo dar um prazo de 36 meses à recorrente para concluir o aproveitamento do terreno em causa. Mas devido aos processos e penhoras, foi suspenso o procedimento da apreciação e aprovação de prorrogação do prazo de aproveitamento;
38. Depois, antes do termo do prazo de arrendamento (30 de Julho de 2016), ou seja no dia 24 de Abril de 2015, a recorrente requereu à DSSOPT a renovação do prazo de aproveitamento do terreno em causa, bem como a emissão da licença de obras (não requereu a prorrogação do prazo de arrendamento do terreno). Na altura, faltou ainda 1 ano e 3 meses ao termo do prazo de arrendamento, e por Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 52/2007, foi autorizada a modificação da finalidade do terreno em causa. Analisando as situações objectivas e o tempo, entendeu a recorrente que estava em condições suficientes para concluir a construção das obras e cumprir todas as obrigações no contrato de concessão provisória antes do decurso do prazo de arrendamento; porém, depois de ter recebido o requerimento da recorrente em 24 de Abril de 2015, a DSSOPT dilatou-se sempre por meio de omissão;
39. Em 29 de Junho de 2016, o Secretário para os Transportes e Obras Públicas proferiu despacho na Informação n.º 194/DSODEP/2016 indeferindo o requerimento da prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno em causa até 29 de Julho de 2016, apresentado pela recorrente;
40. Depois, através do Ofício n.º 144/DAT/2018, a DSSOPT notificou a recorrente de que, conforme o despacho constante deste ofício, por Despacho do Chefe do Executivo de 3 de Maio de 2018, foi declarada a caducidade da concessão do terreno com a área de 4.563m2, designado por lote 4 da zona C do empreendimento denominado “Fecho da Baía da Praia Grande”, situado na península de Macau, pelo decurso do seu prazo de validade, nos termos e fundamentos do parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas de 4 de Novembro de 2016, o qual faz parte integrante do referido Despacho do Chefe do Executivo;
41. O atrás mencionado é suficiente para provar que a falta de aproveitamento do terreno na altura não é imputável à recorrente;
42. Foi declarada pelo Chefe do Executivo a caducidade da concessão do terreno em causa também por motivo não imputável à recorrente; na verdade, a recorrente encontrou-se sempre numa situação passiva de espera, o que não pode ser ignorado pela Administração Pública;
43. Ao contrário da atitude positiva da recorrente, a Administração Pública, que deveria ter realizado e concluído, por iniciativa própria, a apreciação e aprovação do requerimento relativo ao prazo de aproveitamento do terreno em causa, dilatou-se sempre por meio de omissão, e nunca notificou espontaneamente a recorrente; por isso, a não conclusão do respectivo procedimento deveu-se, absolutamente, à omissão da Administração Pública, o que não era imputável à recorrente e excedeu obviamente o seu controlo; quando a Administração Pública não cumpra os devidos deveres, não poderá a recorrente aproveitar o terreno em causa, senão, é um venire contra factum proprium por parte da Administração Pública;
44. Pelas razões expostas, entende a recorrente que a Administração Pública dilatou, por meio de omissão, o procedimento de prorrogação do prazo de aproveitamento e o procedimento de renovação do prazo de aproveitamento, e como resultado, a recorrente não conseguiu concluir o desenvolvimento do terreno dentro do prazo de arrendamento conforme a estipulação contratual, que conduziu à declaração da caducidade da concessão do terreno por parte do Chefe do Executivo. Tal situação não foi causada pela inércia ou falta de acompanhamento da recorrente, e não é-lhe imputável;
45. Salvo diferente e mais douto entendimento, entende a recorrente que no caso sub judice, está em causa apenas a omissão da Administração Pública, pelo que a falta de aproveitamento do terreno em causa não é imputável à recorrente; em contrário, se a Administração Pública tratasse tempestivamente do requerimento de renovação do prazo de aproveitamento do terreno, apresentado pela recorrente à DSSOPT em 24 de Abril de 2015, e emitisse a licença de obras (não requereu a prorrogação do prazo de arrendamento do terreno), na altura, faltou ainda 1 ano e 3 meses ao termo do prazo de arrendamento, e haveria condições suficientes para concluir a construção das obras e cumprir todas as obrigações no contrato de concessão provisória antes do decurso do prazo de arrendamento (ou seja 30 de Julho de 2016);
46. No respectivo procedimento, a Administração Pública violou, sem dúvida, os princípios da boa fé e da protecção da confiança previstos pelo CPA, e a decisão do Chefe do Executivo no sentido de declarar a caducidade do contrato de concessão do terreno em causa derivou daquele procedimento, pelo que tal acto administrativo também incorreu no referido vício;
47. Pela mesma razão, o acto do Chefe do Executivo de declarar a caducidade da concessão do terreno violou os princípio da justiça, da isenção, da boa fé e da protecção da confiança previstos pelos artigos 7.º e 8.º do CPA, causando que a decisão judicial recorrida reconheceu erradamente os factos ao aplicar a lei, razão pela qual a recorrente goza legalmente do direito correspondente, e vem pretender que a respectiva decisão judicial violou a lei e deve ser anulada”; (cfr., fls. 197 a 216-v e 98 a 112 do Apenso).
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Na sequência das contra-alegações da entidade recorrida pugnando pela improcedência do recurso, (cfr., fls. 221 a 228), vieram os autos a este Tribunal, onde, em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:
“Nas alegações do presente recurso jurisdicional, a recorrente pediu a anulação do Acórdão do Venerando TSI, assacando ao qual o erro de julgamento respeitante à indevida preterição da audiência e à violação dos princípios gerais, invocadas em sede do recurso contencioso.
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Ora, o próprio Acórdão em escrutínio evidencia que o Venerando TSI julgou improcedente o recurso contencioso com dois fundamentos, a saber – a falta de audiência não invalida o despacho aí impugnado e, de outra banda, é impertinente e despropositada a arguição da violação dos princípios de justiça, de imparcialidade e de boa fé, tudo isto em virtude de que tal despacho se configura num acto administrativo vinculado.
No caso sub judice, está plenamente provado que em 30/07/2016 a concessão do terreno declarada caduca pelo despacho recorrido decorreu perentoriamente o prazo de validade de 25 ano contratualmente fixado, e a interpretação do mesmo despacho em harmonia com o correspondente Parecer do Exmo. Sr. STOP torna inquestionável que a declaração de caducidade se angulou no decurso do sobredito prazo de validade. À luz da jurisprudência assente, está em causa a caducidade de preclusão.
Na nossa óptica, é pacífica e consolidada a brilhante jurisprudência que assevera que é vinculada a competência do Chefe do Executivo para declarar a caducidade preclusiva das concessões de terrenos (a título exemplificativo, vide. arestos do TSI nos Processos n.°672/2015, n.°375/2016 e n.°179/2016, e do TUI no Processo n.°28/2017). Significa isto que as declarações neste sentido assumem índole de acto vinculado, comportando exercício do poder vinculado.
A leitura dos brilhantes arestos dos doutos TUI e TSI deixa-nos a impressão de que ganha firme consolidação na ordem jurídica de Macau a prudente orientação jurisprudencial que proclama nos procedimentos administrativos conducentes a acto vinculado que, de acordo com o juízo de prognose póstuma, se afigura a única decisão concretamente possível, a indevida preterição da audiência se degreda em formalidade não essencial, não produzindo efeito invalidante. (a título exemplificativo, vide. Acórdãos do TSI nos Processos n.°26/2017, n.°179/2016 e n.°743/2016, e do TUI nos Processos n.°11/2012 e n.°20/2016)
Ora bem, no actual ordenamento jurídico de Macau encontram-se irreversivelmente consolidadas a doutrina e jurisprudência, no sentido de que os princípios de igualdade, de proporcionalidade, da justiça e de boa fé se circunscrevem apenas ao exercício de poderes discricionários, sendo inoperante aos actos administrativos vinculados. (a título exemplificativo, cfr. Acórdãos do TUI nos Processos n.°32/2016, n.°79/20l5 n.°46/2015, n.°14/2014, n.°54/2011, n.°36/2009, n.°40/2007, n.°26/2003 e n.°9/2000, a jurisprudência do TSI vem andando no mesmo sentido).
Chegando aqui, estamos tranquilamente convictos de que o douto Acórdão recorrido está em perfeita conformidade com as orientações jurisprudenciais maioritárias e mais autorizadas. O que implica, segundo nos parece, que o recurso jurisdicional caiu no descabimento.
Por todo o expendido acima, propendemos pelo não provimento do presente recurso contencioso”; (cfr., fls. 238 a 239).
*
Cumpre apreciar.
Fundamentação
Dos factos
2. O Tribunal de Segunda Instância deu como provada a seguinte matéria de facto:
“1. Na sequência do Despacho n.º 203/GM/89, de 29/12/1989, por escritura pública de 30/07/1991, com as alterações introduzidas pelos Despachos n.ºs 73/SATOP/92, 57/SATOP/93, 56/SATOP/94 e 71/SATOP/99, respectivamente publicados no Boletim Oficial de 06 de Julho de 1992, 26 de Abril de 1993, 01 de Junho de 1994 e 18 de Agosto de 1999, o terreno com a área de 4563 m2, descrito na CRP sob o nº 22293 a fls. 79 do livro B8K, designado por lote 4 da Zona A do empreendimento denominado «Fecho da Baía da Praia Grande», situado na península de Macau, do Plano da Baía Grande, foi concedido por arrendamento simultaneamente com outros lotes previstos no mesmo plano à Sociedade de Empreendimentos Nam Van;
2. Pelo Despacho do SOPT n.º 92/SATOP/92, foi autorizada a transmissão à Sociedade de Investimento Imobiliário Fong Keng Van, S.A. das situações decorrentes da concessão por arrendamento, deste terreno designado por lote 4 da Zona A do empreendimento denominado «Fecho da Baía da Praia Grande»;
3. Nos termos da cláusula segunda do contrato de concessão, o prazo de arredamento é válido até 30 de Julho de 2016;
4. Não foi concluído o aproveitamento do terreno;
5. No procedimento com vista à declaração da caducidade da concessão do terreno em causa, foi elaborado e aprovado o seguinte parecer pela Comissão de Terras:
Proc. n.º 59/2016 - Respeitante à proposta da declaração de caducidade da concessão, por arrendamento, do terreno com a área de 4 563m2, situado na península de Macau, designado por lote 4 da zona A do empreendimento designado por «Fecho da Baía da Praia Grande», a favor da Sociedade de Investimento Imobiliário Fong Keng Van, S.A., pelo decurso do seu prazo de vigência, de 25 anos, que expirou em 30 de Julho de 2016, cuja concessão foi titulado pelo Despacho n.º 92/SATOP/94.
I
1. Através do Despacho n.º 203/GM/89, publicado no 4.° Suplemento ao Boletim Oficial de Macau n.º 52, de 29 de Dezembro de 1989, foi autorizado o contrato de concessão, por arrendamento e com dispensa de concurso público, de vários terrenos situados nas Zonas A, B, C e D do empreendimento designado por «Fecho da Baía da Praia Grande», na Praia Grande e nos Novos Aterros do Porto Exterior (NAPE), titulado pela escritura pública outorgada em 30 de Julho de 1991, na Direcção dos Serviços de Finanças (DSF), e revisto pelos Despachos n.os 73/SATOP/92, 57/SATOP/93 e 56/SATOP/94, publicados respectivamente no Boletim Oficial de Macau n.º 27, de 6 de Julho de 1992, no Boletim Oficial de Macau n.º 17, de 26 de Abril de 1993 e no Boletim Oficial de Macau n.º 22, II Série, de 1 de Junho de 1994, a favor da Sociedade de Empreendimentos Nam Van, S.A ..
2. Nos termos do disposto na cláusula segunda do contrato de concessão titulado pela mencionada escritura, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da mesma.
3. Através do Despacho n.º 92/SATOP/94, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 30, II Série, de 27 de Julho de 1994, foi titulada a transmissão onerosa do direito resultante da concessão do terreno com a área de 4 563m2, situado na península de Macau, designado por lote 4 da Zona A do empreendimento denominado por «Fecho da Baía da Praia Grande», a favor da Sociedade de Investimento Imobiliário Fong Keng Van, S.A. (adiante designada por concessionária).
4. De acordo com o estabelecido na cláusula segunda do sobredito contrato de transmissão do direito resultante da concessão do aludido lote, o prazo do arrendamento expirou em 30 de Julho de 2016.
5. Segundo o disposto na cláusula terceira do mesmo contrato, o terreno deveria ser aproveitado com a construção de um edifício em regime de propriedade horizontal, destinado a comércio, escritórios e estacionamento, de acordo com as condições urbanísticas fixadas nos Regulamentos dos Planos de Pormenor do Plano de Reordenamento da Baía da Praia Grande aprovados pela Portaria n.º 69/91/M, publicada no 2.° Suplemento ao Boletim Oficial de Macau n.º 15, de 18 de Abril de 1991, e as condições fixadas no Regulamento do Plano de Pormenor da Zona A da Baía da Praia Grande aprovado pela Portaria n.º 134/92/M, publicada no Boletim Oficial de Macau n.º 25, de 22 de Junho de 1992. A altura máxima permitida seria de 92,7mNMM.
6. De acordo com o estabelecido na cláusula quinta do contrato de revisão de concessão, o prazo global de aproveitamento do terreno é de 66 meses, contados a partir de 6 de Julho de 1992, ou seja, até 5 de Janeiro de 1998.
7. O terreno referido em epígrafe encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial (CRP) sob o n.º 22 293 a fls. 79 do livro B8K e o direito resultante da concessão encontra-se inscrito a favor da concessionária sob o n.º 4 299 a fls. 86 do livro F20K, encontrando-se o terreno onerado com uma hipoteca voluntária inscrita sob o n.º 188 527C e uma consignação de rendimentos inscrita sob o n.º 35 196F a favor do [Banco(1)].
II
8. Por outro lado, considerando a complexidade do empreendimento e as dificuldades com que a Sociedade de Empreendimentos Nam Van, S.A. se deparou na execução contratual, por forma a salvaguardar os interesses das partes contratantes, estas acordaram na revisão da concessão, que veio a ser titulada pelo Despacho n.º 71/SATOP/99, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 33, II Série, de 18 de Agosto de 1999.
9. No âmbito desta revisão foi reduzido o objecto do contrato mediante a desistência dos direitos sobre dois lotes da Zona "B", reavaliados os custos de execução das infra-estruturas e alterado o valor do prémio e respectivas condições de pagamento.
10. Além disso, conforme o disposto no artigo quarto desse contrato de revisão da concessão, foram prorrogados os prazos de aproveitamento dos lotes de cada uma das zonas, sendo o prazo dos situados na Zona A prorrogado por 60 meses, contados a partir de 18 de Agosto de 1999, ou seja, até 17 de Agosto de 2004 (1.ª prorrogação).
11. Por despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas de 8 de Abril de 2005, exarado na informação n.º 039/DSODEP/2005, foi autorizada de novo a prorrogação do prazo de aproveitamento dos lotes não aproveitados situados na Zona A, desta vez por 48 meses, ou seja, até 17 de Agosto de 2008 (2.a prorrogação), sem aplicação de multa.
12. Através do Despacho do Chefe do Executivo n.º 248/2006, publicado no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) n.º 34, I Série, de 21 de Agosto de 2006, foram revogados os Regulamentos dos Planos de Pormenor do Plano de Reordenamento da Baía da Praia Grande, aprovados pela Portaria n.º 69/91/M.
13. Através do Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 52/2007, publicado no Boletim Oficial da RAEM n.º 21, II Série, de 23 de Maio de 2007, foram autorizadas a alteração da finalidade do lote 4 da Zona A e a revisão do contrato de concessão.
14. Nos termos do disposto na cláusula terceira do contrato de revisão de concessão titulado pelo supramencionado despacho, o terreno é aproveitado com a construção de um edifício com 28 pisos, incluindo três pisos em cave e um piso de refúgio, destinado a um hotel de cinco estrelas.
15. De acordo com o estabelecido na cláusula quinta do referido contrato, o prazo de aproveitamento do terreno expirou em 18 de Agosto de 2008.
16. Antes do termo da segunda prorrogação do prazo de aproveitamento, a concessionária apresentou de novo, em 6 de Maio de 2008, na Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT), o pedido de prorrogação do prazo de aproveitamento do referido terreno por mais 36 meses, ou seja, até 17 de Agosto de 2011.
17. Uma vez que o 3.° Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base ordenou em 14 de Janeiro de 2009 a penhora dos direitos resultantes da concessão do referido terreno, o Departamento de Gestão de Solos (DSO) da DSSOPT suspendeu a análise sobre o pedido de prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno.
18. Finda a acção judicial, a concessionária solicitou, em 27 de Abril de 2015, através de requerimento, a prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno até 30 de Julho de 2016.
19. O DSO analisou o referido pedido através da proposta n.º 116/DSODEP/2016, de 22 de Março, na qual se dá conta que o lote em causa não tem qualquer licença de obra válida nem um projecto de obra aprovado e que a prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno solicitada até 29 de Julho de 2016 não permite a conclusão da construção. Assim sendo, propôs superiormente, como projecto de decisão, o indeferimento do pedido, tendo o Secretário para os Transportes e Obras Públicas proferido, em 15 de Abril de 2016, o seu despacho concordante.
20. Realizada a audiência escrita, através da proposta n.º 194/DSODEP/2016, o DSO propôs que se mantivesse o sentido da decisão de indeferir o pedido da prorrogação do prazo do aproveitamento do terreno, tendo o Secretário para os Transportes e Obras Públicas concordado com esta proposta, por despacho de 29 de Junho de 2016.
21. A concessionária apresentou, em 22 de Julho de 2016, a sua reclamação e, em cumprimento ao despacho do director da DSSOPT, de 16 de Agosto de 2016, o processo em causa foi enviado ao Departamento Jurídico para efeitos de parecer.
22. A Sociedade de Empreendimentos Nam Van, S.A. pagou o prémio em espécie e em numerário na sua totalidade de acordo com o contrato de concessão.
III
23. De acordo com o disposto na cláusula segunda do contrato de concessão inicial, titulado pela escritura de 30 de Julho de 1991, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga desta escritura, ou seja, o prazo terminou em 30 de Julho de 2016. Uma vez que o terreno ainda não foi aproveitado e a respectiva concessão é provisória, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 48.° da Lei de terras, a mesma não pode ser renovada. Nestas circunstâncias, o DSO procedeu à análise da situação e, através da proposta n.º 363/DSODEP/2016, de 8 de Setembro, propôs que seja autorizado o seguimento do procedimento relativo à declaração da caducidade da concessão por decurso do prazo de arrendamento e o envio do processo à Comissão de Terras para efeitos de parecer e tramitações ulteriores sobre a declaração da caducidade da concessão provisória, nos termos do artigo 167.° da Lei de terras, proposta esta que mereceu a concordância do Secretário para os Transportes e Obras Públicas por despacho de 12 de Setembro de 2016.
24. Face ao exposto, esta Comissão, após ter analisado o processo, considera que a concessão provisória em apreço se encontra já caducada pelo facto de ter expirado em 30 de Julho de 2016 o prazo de arrendamento, de 25 anos, fixado na cláusula segunda do respectivo contrato (caducidade preclusiva).
Com efeito, de acordo com o artigo 44.° da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), aplicável ao caso vertente por força do disposto nos seus artigos 212.° e 215.°, a concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisório e só se converte em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas e o terreno estiver demarcado definitivamente (vide ainda artigos 130.° e 131.°).
Findo o seu prazo de vigência, as concessões provisórias não podem ser renovadas, a não ser no caso previsto no n.º 2 do artigo 48.° da Lei de terras, conforme estabelece o n.º 1 do mesmo preceito legal, operando-se a caducidade por força da verificação daquele facto (decurso do prazo de arrendamento).
De igual modo, resultava da Lei n.º 6/80/M, de 5 de Julho (Lei de terras anterior) que, no caso da concessão revestir natureza provisória em virtude do terreno não se encontrar aproveitado (cf. artigos 49.°, 132.° e 133.°), não era possível operar a sua renovação por períodos sucessivos de dez anos porquanto a figura da renovação prevista no n.º 1 do artigo 55.° era aplicável apenas às concessões definitivas.
Apesar da caducidade operar de forma automática e directa, para tornar a situação jurídica certa e incontestada e, portanto, eliminar a insegurança jurídica sobre a extinção ou não do direito resultante da concessão, deve a mesma (caducidade) ser declarada, conforme decorre do disposto no corpo do artigo 167.° da Lei n.º 10/2013.
Nestas circunstâncias, esta Comissão nada tem a opor à declaração de caducidade da concessão do terreno em epígrafe pelo decurso do prazo de arrendamento, perdendo a favor da RAEM todas as prestações do prémio e os respectivos juros já pagos, nos termos do disposto no artigo 13.° do Regulamento Administrativo n.º 16/2004.
IV
Reunida em sessão de 13 de Outubro de 2016, a Comissão de Terras, após ter analisado o processo e ter tido em consideração o parecer e proposta constantes na proposta n.º 363/DSODEP/2016, de 8 de Setembro, bem como o despacho nela exarado pelo Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 12 de Setembro de 2016, considera que verificada a caducidade da concessão pelo termo do prazo de arrendamento em 30 de Julho de 2016, deve esta caducidade ser declarada por despacho do Chefe do Executivo.
Comissão de Terras, aos 13 de Outubro de 2016.
6. Na sequência da elaboração e aprovação do parecer supra pela Comissão de Terras, o Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas emitiu o seguinte parecer:
Proc. n.º 59/2016 - Respeitante à proposta da declaração de caducidade da concessão, por arrendamento, do terreno com a área de 4 563m2, situado na península de Macau, designado por lote 4 da zona A do empreendimento designado por «Fecho da Baía da Praia Grande», a favor da Sociedade de Investimento Imobiliário Fong Keng Van, S.A., pelo decurso do seu prazo de vigência, de 25 anos, que expirou em 30 de Julho de 2016, cuja concessão foi titulada pelo Despacho n.º 92/SATOP/94.
1. Através do Despacho n.º 203/GM/89, publicado no 4.° Suplemento ao Boletim Oficial de Macau n.º 52, de 29 de Dezembro de 1989, foi autorizado o contrato de concessão, por arrendamento e com dispensa de concurso público, de vários terrenos situados nas Zonas A, B, C e D do empreendimento designado por «Fecho da Baía da Praia Grande», na Praia Grande e nos Novos Aterros do Porto Exterior (NAPE) , titulado pela escritura pública outorgada em 30 de Julho de 1991, na Direcção dos Serviços de Finanças (DSF), e revisto pelos Despachos n.os 73/SATOP/92, 57/SATOP/93 e 56/SATOP/94, publicados respectivamente no Boletim Oficial de Macau n.º 27, de 6 de Julho de 1992, no Boletim Oficial de Macau n.º 17, de 26 de Abril de 1993 e no Boletim Oficial de Macau n.º 22, II Série, de 1 de Junho de 1994, a favor da Sociedade de Empreendimentos Nam Van, S.A..
2. Nos termos do disposto na cláusula segunda do contrato de concessão titulado pela mencionada escritura, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da mesma.
3. Através do Despacho n.º 92/SATOP/94, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 30, II Série, de 27 de Julho de 1994, foi titulada a transmissão onerosa do direito resultante da concessão do terreno com a área de 4 563m2, situado na península de Macau, designado por lote 4 da Zona A do empreendimento denominado por «Fecho da Baía da Praia Grande», a favor da Sociedade de Investimento Imobiliário Fong Keng Van, S.A..
4. De acordo com o estabelecido na cláusula segunda do sobredito contrato de transmissão do direito resultante da concessão do aludido lote, o prazo do arrendamento expirou em 30 de Julho de 2016.
5. Segundo o disposto na cláusula terceira do mesmo contrato, o terreno deveria ser aproveitado com a construção de um edifício em regime de propriedade horizontal, destinado a comércio, escritórios e estacionamento, de acordo com as condições urbanísticas fixadas nos Regulamentos dos Planos de Pormenor do Plano de Reordenamento da Baía da Praia Grande aprovados pela Portaria n.º 69/91/M, publicada no 2.° Suplemento ao Boletim Oficial de Macau n.º 15, de 18 de Abril de 1991, e as condições fixadas no Regulamento do Plano de Pormenor da Zona A da Baía da Praia Grande aprovado pela Portaria n.º 134/92/M, publicada no Boletim Oficial de Macau n.º 25, de 22 de Junho de 1992. A altura máxima permitida seria de 92,7mNMM.
6. Posteriormente, através do Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 52/2007, publicado no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau n.º 21, II Série, de 23 de Maio de 2007, foram autorizadas a alteração da finalidade do lote 4 da Zona A e a revisão do contrato de concessão.
7. Nos termos do disposto na cláusula terceira do contrato de revisão de concessão titulado pelo supramencionado despacho, o terreno é aproveitado com a construção de um edifício com 28 pisos, incluindo três pisos em cave e um piso de refúgio, destinado a um hotel de cinco estrelas.
8. Uma vez que o prazo de arrendamento do terreno terminou em 30 de Julho de 2016 e o aproveitamento do terreno não foi concluído, a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes propôs que fosse autorizado o seguimento do procedimento relativo à declaração da caducidade da concessão por decurso do prazo de arrendamento e o envio do processo à Comissão de Terras para efeitos de parecer, o que mereceu a minha concordância, por despacho de 12 de Setembro de 2016.
9. Reunida em sessão de 13 de Outubro de 2016, a Comissão de Terras, após ter analisado o processo, tendo em consideração que o prazo de arrendamento terminou, sem que o aproveitamento estabelecido no contrato se mostre realizado, e que, sendo a concessão provisória, não pode ser renovada, de acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 48.° da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), aplicável por força dos seus artigos 212.° e 215.°. Deste modo, a concessão encontra-se caducada pelo termo do respectivo prazo de arrendamento (caducidade preclusiva), devendo esta caducidade ser declarada por despacho do Chefe do Executivo.
Consultado o processo supramencionado e concordando com o que vem proposto, solicito a Sua Excelência o Chefe do Executivo que declare a caducidade da concessão do referido terreno.
Aos 4 de Novembro de 2016.
7. Submetido o parecer à decisão pelo Senhor Chefe do Executivo, o mesmo exarou sobre ele o seguinte despacho:
Concordo, pelo que declaro a caducidade da concessão, por arrendamento, a que se refere o Processo n.º 59/2016 da Comissão de Terras, nos termos e com os fundamentos do Parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 4 de Novembro de 2016, os quais fazem parte integrante do presente despacho.
Aos 3 de Maio de 2018”; (cfr., fls. 166 a 171).
Do direito
3. Inconformada com o pelo Tribunal de Segunda Instância decidido no âmbito do seu anterior recurso contencioso, (Proc. n.° 586/2018), traz a recorrente o presente recurso (jurisdicional), pedindo que se revogue o Acórdão recorrido com as suas legais e naturais consequências em relação ao despacho do Chefe do Executivo que declarou a “caducidade da concessão” por arrendamento do terreno identificado nos autos.
Nada obstando o conhecimento do recurso, vejamos, começando-se, por nos parecer oportuno, com duas breves “notas”.
A primeira, para consignar que a “questão” relativamente ao “pedido de prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno dos presentes autos”, cujo “despacho de indeferimento” foi confirmado pelo Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 26.03.2020, Proc. n.° 604/2016, (cfr., ponto 22 da matéria de facto), encontra-se definitivamente resolvida pelo Acórdão desta Instância de 23.09.2020, proferido nos Autos de Recuso Jurisdicional n.° 119/2020.
A segunda, (e resolvida que se aprsenta a dita questão), para referir que o presente “recurso” implica a abordagem duma “matéria” que, nos últimos anos tem suscitado a atenção e opinião pública local; (cfr., v.g., sobre o tema Maria de Nazaré Saias Portela in, “A Caducidade no Contrato de Concessão de Terras”, Comunicação apresentada nas 3as Jornadas de Direito e Cidadania da Assembleia Legislativa da R.A.E.M., Janeiro 2011, pág. 419 e segs., o “Relatório” do C.C.A.C. sobre a matéria, datado de 15.12.2015, dando conta de mais de uma centena de lotes de terrenos em situações de não aproveitamento, notando-se, também, o recente trabalho de Paulo Cardinal, “Estudos Relativos à Lei de Terras de Macau”, 2019, onde se dedica ao tema um dos seus capítulos com o sugestivo título de: “Caducidades: Breves notas sobre a Polissemia da «Caducidade» na Lei de Terras de Macau”, cfr., pág. 251 e segs.).
Aliás, a reduzida extensão territorial da R.A.E.M., a conhecida (e muitas vezes, feroz) especulação imobiliária, a (cada vez mais) elevada densidade populacional, e a existência de um grande número de terrenos concedidos e que acabaram por não ser objecto de desenvolvimento nos termos das respectivas cláusulas contratuais, (cfr., o citado Relatório do C.C.A.C.), só podia dar lugar a um “aceso debate” sobre a situação, as suas soluções, assim como da (eventual) necessidade de alteração do seu regime legal.
Por sua vez, é também de várias dezenas o número de processos em que esta Instância se tem ocupado, apreciado e emitido pronúncia sobre a questão da “caducidade das concessões de terrenos”, sendo, em nossa opinião, se bem ajuizamos, e tanto quanto nos foi possível apurar, (legalmente) justa e adequada a solução a que se chegou, e que, por isso, se monstra de manter; (cfr., v.g., os Acs. deste T.U.I. de 11.10.2017, Proc. n.° 28/2017; de 07.03.2018, Proc. n.° 1/2018; de 23.05.2018, Proc. n.° 7/2018; de 06.06.2018, Proc. n.° 43/2018; de 15.06.2018, Proc. n.° 30/2018; de 31.07.2018, Procs. n°s 69/2017 e 13/2018; de 05.12.2018, Proc. n.° 98/2018; de 12.12.2018, Proc. n.° 90/2018; de 19.12.2018, Proc. n.° 91/2018; de 23.01.2019, Proc. n.° 95/2018; de 31.01.2019, Procs. n°s 62/2017 e 103/2018; de 20.02.2019, Proc. n.° 102/2018; de 27.02.2019, Proc. n.° 2/2019; de 13.03.2019, Proc. n.° 16/2019; de 27.03.2019, Proc. n.° 111/2018; de 04.04.2019, Proc. n.° 2/2019; de 10.07.2019, Procs. n°s 12/2019 e 13/2019; de 24.07.2019, Proc. n.° 75/2019; de 30.07.2019, Proc. n.° 72/2019; de 18.09.2019, Proc. n.° 26/2019; de 04.10.2019, Proc. n.° 11/2017; de 29.11.2019, Procs. n°s 81/2017 e 118/2019; de 26.02.2020, Proc. n.° 106/2018; de 03.04.2020, Procs. n°s 7/2019 e 15/2020; de 29.04.2020, Proc. n.° 22/2020; de 06.05.2020, Proc. n.° 31/2020; de 13.05.2020, Proc. n.° 29/2020; de 10.06.2020, Proc. n.° 35/2020; de 26.06.2020, Proc. n.° 53/2020; de 01.07.2020, Proc. n.° 55/2020; de 10.07.2020, Proc. n.° 38/2020; de 22.07.2020, Proc. n.° 54/2020, de 31.07.2020, Proc. n.° 18/2020; de 09.09.2020, Procs. n°s 56/2020, 62/2020 e 63/2020; de 16.09.2020, Procs. n°s 65/2020, 85/2020 e 94/2020 e de 23.09.2020, Procs. n°s 104/2020, 119/2020 e 135/2020).
Não nos parecendo ser este o local para se elaborar ou tecer grandes considerações sobre o tema, tentar-se-á dar (cabal) resposta às questões colocadas.
Pois bem, percorrendo a alegação de recurso apresentada e as conclusões pela recorrente aí, a final, produzidas, constata-se que, pela mesma – e em síntese que se tem por adequada – vem suscitadas as questões da sua “falta de audiência prévia”, conducente a um “déficit de instrução”, e (consequente) “errado enquadramento legal da matéria de facto”.
Ponderando nas “questões” pela recorrente colocadas, atento o que se fez constar na decisão recorrida, e mostrando-se de consignar que o aí decidido se apresenta em sintonia com o que esta Instância tem vindo a entender sobre as mesmas questões, visto está que se terá de negar provimento ao presente recurso.
–– De facto, como no Ac. de 31.07.2020, Proc. n.° 18/2020, teve este Tribunal oportunidade de consignar:
“No que concerne à declaração de caducidade da concessão do terreno, por decurso do prazo de arrendamento sem aproveitamento, é aplicável a nova Lei de Terras (Lei n.º 10/2013), e não a antiga Lei (Lei n.º 6/80/M).
A jurisprudência dos tribunais da RAEM vai no sentido de considerar a caducidade da concessão do terreno por decurso do prazo de arrendamento como caducidade preclusiva.
No caso de ter decorrido o prazo de concessão sem que se tenha sido aproveitado o terreno, tem a Administração o dever de declarar a caducidade da concessão. Trata-se dum acto vinculado.
O Chefe do Executivo não tem que apurar se a falta de aproveitamento do terreno se deveu a culpa do concessionário ou se, por exemplo, a Administração teve culpa, exclusiva ou não, em tal falta de aproveitamento. Ou, ainda, se a falta de aproveitamento se deveu a caso fortuito ou de força maior.
Sempre que, no exercício de poderes vinculados por parte da Administração, o tribunal conclua, através de um juízo de prognose póstuma, que a decisão administrativa tomada era a única concretamente possível, a falta de audiência do interessado, prevista no art.º 93.º n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, degrada-se em formalidade não essencial do procedimento administrativo.
No âmbito da actividade vinculada não se releva a alegada violação dos princípios gerais do Direito Administrativo, incluindo os princípios da boa fé, da justiça e da igualdade, da adequação e da proporcionalidade e ainda da colaboração entre a Administração e os particulares”; (cfr., no mesmo sentido, os Acs. de 09.09.2020, Procs. n°s 62/2020 e 63/2020).
No caso, e pronunciando-se sobre a alegada preterição de audiência prévia, assim se considerou no Acórdão do Tribunal de Segunda Instância:
“Tem a nossa jurisprudência da RAEM vindo a afirmar, unanimemente, que em face do disposto na Lei de Terras, a declaração da caducidade da concessão de terreno é um acto vinculado, somente dependente do facto objectivo do decurso do prazo estipulado no respectivo contrato de concessão – cf. Ac. do TUI, de 11OUT2017, no proc. nº 28/2017; Ac. do TSI, de 11JUL2019, no proc. 155/2017.
Sendo consequência jurídica necessariamente decorrente da lei, a Administração não fez mais do que o uso de um poder na actividade vinculada, desencadeando o efeito ope legis.
Na esteira da doutrina preconizada nos seus Doutos Acórdãos, nomeadamente os tirados nos processos nºs 20/2016 e 91/2018, o Venerando Tribunal de Última Instância chegou a afirmar no sentido de que se a decisão administrativa tomada for a única concretamente possível, a falta de audiência do interessado, prevista no artº 93º/1 do CPA degrada-se em formalidade não essencial do procedimento administrativo, não geradora da invalidade da mesma decisão.
É justamente o que sucedeu in casu”; (cfr., fls. 172-v a 173).
Nesta conformidade, e clara sendo assim a solução para a questão da alegada “falta da sua audiência prévia”, mais não se mostra de consigar.
–– No que toca ao “déficit de instrução”, a mesma se presenta a solução.
De facto, sobre esta questão, igualmente firme tem sido o entendimento desta Instância no sentido de que:
A competência do Tribunal de Última Instância para apreciar a “decisão proferida quanto à matéria de facto” é limitada pelo n.º 2 do art. 649° do C.P.C.M., (subsidiariamente aplicável por força do disposto no art. 1° do C.P.A.C.), nos termos do qual, “A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo se houver ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.
Nesta conformidade, o Tribunal de Última Instância, em recurso jurisdicional – como é o caso – não pode censurar a convicção formada pelas Instâncias quanto à prova; podendo, porém, reconhecer, (e declarar), que há obstáculo legal a que tal convicção se tivesse formado, (quando tenham sido violadas normas ou princípios jurídicos no julgamento da matéria de facto), sendo assim, uma censura que se confina à “legalidade do apuramento dos factos, e não respeita, directamente, à existência ou inexistência destes”; (cfr., v.g., entre outros, e para citar os mais recentes, os Acs. de 31.07.2020, Proc. n.° 57/2020, de 09.09.2020, Proc. n.° 56/2020, de 16.09.2020, Proc. n.° 85/2020 e de 23.09.2020, Proc. n.° 135/2020).
–– Por fim, quanto ao “errado enquadramento legal” da “matéria de facto apurada”, e em face do que desta consta e do que se deixou consignado, vista está a solução, pois que a solução a que se chegou, como já se referiu, corresponde, na íntegra, ao que por esta Instância tem vindo a ser considerado sobre a questão, (notando-se que na decisão recorrida se citam vários Acórdãos desta Instância, onde se tratou de idêntica matéria e questões, e que, por razões de economia processual, aqui se dão como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
Na verdade, e tal como resulta da factualidade dada como provada, a “concessão por arrendamento” do terreno em questão era para durar por “25 anos” contados a partir da outorga da respectiva escritura pública, (30.07.1991), e, como é bom de ver, expirado estando tal prazo, (o que sucedeu em 30.07.2016), sem que concluído estivesse o seu aproveitamento, legalmente correcta se apresenta a decisão do Chefe do Executivo que, em 03.05.2018, declarou a sua caducidade.
Com efeito, e como se já referiu, tem constituído entendimento firme e repetido deste Tribunal de Última Instância que:
“Se da factualidade apurada demonstrado estiver que decorrido está o prazo da concessão por arrendamento do terreno sem o seu aproveitamento, a Administração está “vinculada” a declarar a caducidade da concessão.
Nesta conformidade, sendo que o despacho do Chefe do Executivo que declarou a caducidade da concessão se apresenta como o “exercício de um poder administrativo vinculado”, evidente é que com a sua prolação, desrespeitado não foi qualquer dos “princípios” que regulam a “actividade administrativa discricionária”, não ocorrendo também nenhuma violação ao “direito de propriedade” consagrado na Lei Básica”; (cfr., os Acs. atrás referidos, e entre outros, os recentes Acs. de 09.09.2020, Proc. n.° 56/2020, 62/2020 e 63/2020 e de 16.09.2020, Proc. n.° 65/2020).
Decisão
4. Nos termos e fundamentos que se deixam expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, com a taxa de justiça de 10 UCs.
Registe e notifique.
Macau, aos 14 de Outubro de 2020
Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei
O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Álvaro António Mangas Abreu Dantas
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