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Processo nº 131/2020 Data: 30.10.2020
(Autos de recurso jurisdicional)

Assuntos : Concessão de terrenos.
Declaração de caducidade.
Fundamentação.
Acto vinculado.
Princípios fundamentais de direito administrativos.



SUMÁRIO

1. A fundamentação, ao servir para enunciar as razões de facto e de direito que levaram o autor do acto a praticá-lo com certo conteúdo, encobre duas exigências de natureza diferente: a exigência de o órgão administrativo justificar a decisão, identificando a situação real ocorrida, subsumindo-a na previsão legal e tirando a respectiva consequência, e uma outra exigência, nas decisões discricionárias, de motivar a decisão, ou seja, explicar a escolha da medida adoptada, de forma a compreender-se quais os interesses e factores considerados na opção tomada, sendo uma exigência flexível e necessariamente adaptável às circunstâncias do acto em causa, nomeadamente, ao tipo e natureza do acto, devendo, em qualquer das circunstâncias, ser facilmente intelegível por um destinatário dotado de um mediana capacidade de apreensão e normalmente atento.

Para que uma (eventual) insuficiência de fundamentação equivalha à sua falta (absoluta), é preciso que seja “manifesta”, no sentido de ser tal que fiquem por determinar os factos ou as considerações que levaram o órgão a agir ou a tomar aquela decisão, ou então, que resulte, evidente, que o agente não realizou um exame sério e imparcial dos factos e das disposições legais, por não ter tomado em conta interesses necessariamente implicados.

Nos termos do art. 115°, n.° 1 do C.P.A., é (perfeitamente) admissível exprimir uma fundamentação por referência, feita com remissão de concordância e em que se acolhe as razões (de facto e de direito) informadas que passam a constituir parte integrante do acto administrativo praticado.

2. Perante a falta de aproveitamento do terreno por culpa do concessionário no prazo de aproveitamento previamente estabelecido, a Administração está vinculada a praticar o acto administrativo, cabendo ao Chefe do Executivo declarar a caducidade da concessão.

3. No âmbito da actividade vinculada não releva a alegada violação dos princípios gerais do Direito Administrativo, incluindo os princípios da boa fé, da justiça, da adequação, da proporcionalidade, da colaboração entre a Administração e os particulares e da igualdade, pois que se a Administração, noutros procedimentos administrativos, ilegalmente, não declarou a caducidade de outras concessões, supostamente havendo semelhança dos mesmos factos essenciais, tal circunstância não aproveita, em nada, à concessionária em causa visto que os administrados não podem reivindicar um direito à ilegalidade.

O relator,

José Maria Dias Azedo


Processo nº 131/2020
(Autos de recurso jurisdicional)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. “FÁBRICA DE ISQUEIROS CHONG LOI (MACAU), LIMITADA”, (“中來(澳門)投資有限公司”), sociedade comercial com sede em Macau, interpôs, no Tribunal de Segunda Instância, recurso contencioso do despacho do CHEFE DO EXECUTIVO de 23.03.2015 que declarou a caducidade da concessão por arrendamento do terreno com a área de 4.392 m², situado na Ilha da Taipa, no cruzamento da Estrada do Pac On com a Rua da Felicidade, designado por lote O1, devidamente identificado nos presentes autos; (cfr., fls. 2 a 60 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Por Acórdão de 23.04.2020, (Proc. n.° 385/2015), foi o recurso julgado improcedente; (cfr., fls. 1759 a 1802-v).

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Inconformada com o decidido, do mesmo traz a recorrente o presente recurso, alegando para produzir as conclusões seguintes:

“1) Por douto Acórdão de 23 de Abril de 2020, proferido a fls._ dos autos em epígrafe, o douto Tribunal a quo julgou improcedente o recurso contencioso apresentado pela aqui Recorrente, confirmando o acto recorrido, a saber, o Despacho do Chefe do executivo da RAEM, datado de 23 de Março de 2015, exarado sobre o parecer do SOPT de 17 de Março de 2015, que concordou com o proposto no processo n.° 55/2013, e que declarou a caducidade da concessão do terreno dos autos, nos termos da cláusula 14ª, n.° 1, alínea a) do contrato de concessão e nos termos do artigo 166°, n.° 1, alínea a) da Lei n.° 10/2013, de 2 de Setembro (a "Nova Lei de Terras").
2) Salvo o devido respeito por opinião contrária, entende a Recorrente que o douto Tribunal a quo andou mal na resposta dada aos argumentos de direito expostos nos artigos 210 e seguintes das suas alegações facultativas constantes de fls._.
- Do vício de violação de lei por erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários
3) O douto Acórdão recorrido determinou que não existiu in casu justificação suficiente para o não aproveitamento do terreno objecto dos presentes autos por parte da ora Recorrente, acrescentando ainda que a demora na resposta sobre o pedido de alteração da finalidade não traduziria um consentimento quanto à alegada falta de aproveitamento do terreno, concluindo pela improcedência do recurso quanto a esta parte.
4) Ora, a declaração de caducidade do contrato de concessão tem subjacente o entendimento de que o não aproveitamento do terreno no prazo estipulado no n.° 1 da cláusula quinta do contrato se deve a culpa própria da concessionária, apesar de lhe ter sido autorizada a prorrogação do prazo de aproveitamento por duas vezes e de lhe ter sido dispensado o pagamento da multa em ambas as ocasiões.
5) O entendimento supra que a concedente terá feito dos factos constantes do processo instrutor resulta de uma apreciação subjectiva e que padece de erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários.
6) Em primeiro lugar, a prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno, por duas vezes, com dispensa do pagamento da multa em ambas as ocasiões, demonstrou cabalmente que a Administração considerou justificadas as razões invocadas pela concessionária em 3 de Março de 1997 e em 11 de Dezembro de 1998, tendo autorizado em 13 de Junho de 1997 e em 16 de Abril de 1999 a prorrogação do prazo de aproveitamento até 18 de Janeiro de 1999 e 18 de Janeiro de 2001, respectivamente (vide factos assentes 8 e 9).
7) Do mesmo modo, foi porque a Administração considerou que eram justificadas as razões invocadas pela concessionária nas datas referenciadas que autorizou a prorrogação dos prazos de aproveitamento, nos termos expostos, sem aplicação de multa, desde logo nos termos do número um da cláusula oitava do contrato de concessão.
8) Em segundo lugar, no requerimento apresentado em 16 de Janeiro de 2001 (T-306), através do qual solicitou autorização para a alteração da finalidade inicial da concessão do terreno do presente recurso, a concessionária e ora Recorrente explicou que só constatou que o projecto inicial teria ficado inviabilizado, pelas razões expostas, na fase final da preparação para o início do empreendimento, pelo que se afigura secundário que a concessionária apenas tenha submetido o pedido de alteração de finalidade do terreno dois dias antes do termo do prazo de aproveitamento e que a concessionária não tenha voltado a pedir a prorrogação desse prazo, atendendo aos interesses em causa e à conduta posterior da Administração.
9) Ainda que a concessionária tenha então solicitado a alteração da finalidade da concessão, a finalidade ínsita ao pedido da concessionária mantinha-se exactamente a mesma - industrial -, passando apenas de fabricação de isqueiros para armazém de produtos de risco especial, realidades que apresentam inúmeros pontos em comum, desde logo entre a natureza das matérias-primas necessárias à primeira e a natureza das mercadorias referentes à segunda.
10) A concessionária solicitou então autorização para alteração da finalidade da concessão, invocando para o efeito razões válidas e genuínas para o fazer e apresentado um projecto de interesse para a RAEM (como informou a DSE - cfr. Anexo 9 e Anexo 10 à Informação n.° 169/DSODEP/2002, de 21.11.2002) que se conformava com as condicionantes urbanísticos definidos na PAO e que cumpria a legislação em vigor no território (cfr. Anexo 9 e Anexo 10 à Informação n.° 169/DSODEP/2002, de 21.11.2002), pelo que estavam criadas as condições para que o procedimento resultasse em uma alteração ao contrato, prorrogando-se o prazo de aproveitamento em conformidade quando a alteração se realizasse.
11) Por outro lado, a Administração solicitou informações complementares à concessionária, através do Oficio n.° 056/6234.1/DSODEP/2001, de 9 de Fevereiro de 2001, solicitação à qual a mesma respondeu em 26 de Abril de 2001 (entrada n.° T-1334), tendo ainda apresentado à DSSOPT o estudo prévio do armazém de produtos de risco especial (cfr. entrada n.° T-1583) e informações complementares, em 12 de Julho de 2002 (cfr. entrada T-2440, de 12.07.2002 (vide factos assentes 10 e 11).
12) Toda a tramitação que se seguiu ao pedido da concessionária de 16 de Janeiro de 2001 (T-306) não apenas criou na concessionária a confiança de que os motivos especiais por si invocados eram justificados, nos termos e para os efeitos do número um da cláusula oitava e da alínea a) do número um da cláusula décima quarta do contrato de concessão, como impõe, salvo melhor opinião, concluir que houve uma aceitação tácita por parte da concedente desses mesmos motivos,
13) Tanto mais que, após toda a tramitação administrativa referenciada, que nunca chegou a culminar em decisão expressa notificada à concessionária, só passados quase quinze anos é que a Administração veio declarar a caducidade do contrato com fundamento em falta de aproveitamento do terreno em prazo que teria terminado em 18 de Janeiro de 2001 e em total contradição com o seu comportamento anterior.
14) Assim, impõe-se concluir também que, salvo melhor opinião, a decisão recorrida viola o princípio da boa-fé, o princípio da justiça e o princípio da proporcionalidade, ínsitos nos artigo 8°, 7.° e 5° do CPA, respectivamente.
15) Em terceiro lugar, diversamente do que se afirma na nota à Informação n.° 169/DSODEP/2002, de 21 de Novembro de 2002, após terem sido pedidos e obtidos diversos pareceres na sequência do pedido formulado pela concedente, nunca mais a Administração se dirigiu à concessionária.
16) Sem prejuízo do afirmado no parecer jurídico do DJUDEP (informação n.° 30/DJUDEP/2012, de 10 de Julho de 2012), o Eng. A não é, nem nunca foi, representante da concessionária, nem para efeitos do procedimento em causa, nem para efeitos estatutários, pelo que a concedente labora em erro manifesto, que inquina a presente decisão de ilegalidade, nos termos do artigo 21.°, n.° 1, al. d), do CPAC, quando-refere nas páginas 66 e 43 do Parecer n.° 50/2014, de 19 de Junho de 2014 já ter comunicado verbalmente ao representante da concessionária o parecer não concordante do CPSP.
17) Ainda, por Despacho de 8 de Janeiro de 2003, exarado na Informação n.° 169/DSODEP/2002, de 21 de Novembro de 2002, o SOPT determinou a devolução do processo à DSSOPT para estudo aprofundado (vide facto assente 26.20) e a Administração não deu qualquer seguimento a essa determinação - conduta esta que, certamente, não corrobora a tese da Administração, subjacente ao despacho recorrido, de que a falta de aproveitamento é totalmente imputável à Recorrente.
18) Em quinto lugar, é de conhecimento geral que, pelo menos, a partir do final de 2005, começaram a circular rumores que davam conta de que a Administração planeava alterar o planeamento urbanístico da zona do Pac On, onde se situa o terreno, passando toda aquela zona de uma finalidade industrial para não industrial - o que veio confirmar-se pela Informação 385/DPU/2006, de 12 de Outubro de 2006, constante de fIs._ dos autos (vide também Doc. n.° 3 junto à petição de recurso e Comunicação de Serviço Interno (CSI) N.° 00386/DPU/2009, de 6 de Maio de 2009, constante de fls. 622 do processo instrutor).
19) Acresce que a realidade veio a confirmar tais rumores, em particular pelo tratamento concreto que a Administração deu a outros terrenos na zona industrial do Pac On, de entre quais se destacam o Lote A, cuja finalidade passou de industrial para habitação (Doc. 4 da petição de recurso); o Lote J, cuja finalidade passou de industrial para casa memorial dos antepassados (Doc. 5 e Doc. 6 da petição de recurso); e o Lote F2, cuja finalidade inicial era a industrial tendo sido aproveitado para dormitório (Doc. 7, Doc. 8, Doc. 9 e Doc. 9A da petição de recurso).
20) Pelo exposto, deverá ter-se por justificada a opção da Recorrente de não dar imediato seguimento ao aproveitamento do terreno, após a emissão de uma PAO em Maio de 2005, que evidenciava a finalidade industrial do mesmo, tendo em 2 de Abril de 2009, em 18 de Março de 2010, em 19 de Outubro de 2010 e em 9 de Maio de 2011 insistido com a Administração para que desse algum seguimento ao processo (vide facto assente 17), sem que contudo tivesse qualquer resposta - violando, assim, a Administração o princípio da decisão, ínsito no artigo 11° do CPA.
21) Na verdade, como acima se explanou, nos termos da CSI N.° 00386/DPU/2009, de 6 de Maio de 2009, constante de fls. 622 do processo administrativo instrutor, o DPU, solicitado para o efeito pelo DSODEP, face às insistências da concessionária, pronunciou-se no sentido de que "Está em curso um Plano de Revisão do Pac On, até à conclusão e publicação do plano, não é aconselhável desenvolver o terreno de acordo com o plano inicial para não afectar o desenvolvimento do futuro plano de execução. Por isso, este departamento emite parecer desfavorável ao projecto de mudança de finalidade", o que também veio a confirmar a veracidade dos rumores aventados que se ouviam desde finais de 2005.
22) Em conclusão, a decisão do Chefe do Executivo da qual se recorreu padece, salvo melhor opinião, de erro manifesto, violando ainda os princípios da boa-fé, da justiça, da decisão e da imparcialidade, incorrendo ainda em total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, devendo em consequência o douto Acórdão a quo ser revogado por errada aplicação da lei substantiva e, bem assim, a decisão do Chefe do Executivo anulada nos termos legais, o que se requer.
- Do vício de forma por falta de fundamentação e da violação do princípio da igualdade
23) O douto Acórdão recorrido vem ainda refutar que existisse falta de fundamentação da decisão recorrida ou violação do princípio da igualdade, alegando que a Administração, ao verificar os pressupostos da falta de aproveitamento e a culpa da concessionária, não poderia deixar de declarar a caducidade, porquanto estaria sujeita a um poder vinculado, concluindo novamente pela improcedência do recurso quanto a esta parte.
24) Salvo o devido respeito, tal opinião peca por simplista, pois que a Administração não deixa de ter de subsumir aos pressupostos da falta de aproveitamento a situação em concreto - acaso a aplicação de tais pressupostos implicasse um resultado binário, como entende o douto Acórdão recorrido, não se entende porque existem casos excepcionados de tal declaração de caducidade ope legis.
25) De facto, e à data da elaboração da Informação 095/DSODEP/2010, de 12 de Maio de 2010, a mesma apresentava 112 terrenos por aproveitar na RAEM, sendo que em 44 casos o atraso era imputável aos concessionários, em 46 casos o atraso não era imputável aos concessionários e em 22 casos a responsabilidade ainda não estava apurada.
26) A data da apresentação do recurso contencioso, haveria ainda, pelo menos, 16 casos em tratamento pela concedente, cujo prazo de aproveitamento já terminou, tendo, no entanto sido decidido conceder um prazo adicional aos respectivos concessionários para aproveitarem os terrenos em causa, entre os quais se contam os casos descritos nos artigos 4° a 20° do recurso contencioso junto do Tribunal de Segunda Instância, para os quais se remete para os devidos efeitos legais.
27) A ora Recorrente, sabe que, à luz dos critérios contemplados na Informação 095/DSODEP/2010, de 12 de Maio de 2010, várias das situações descritas nos artigos 4° a 20° do recurso contencioso estão associadas a situações "graves" e "muito graves", os respectivos prazos de aproveitamento já passaram há muito e a Administração decidiu não declarar a caducidade em nenhum daqueles casos.
28) Acaso o entendimento vertido no douto Acórdão recorrido vingasse, nem seria necessário discutir os casos ora identificados, pois que bastaria verificar a falta de aproveitamento dos respectivos terrenos e a culpa das concessionárias nas situações classificadas de "graves" e "muito graves" para concluir que seria dado tratamento matemático aos mesmos, e a Administração, no âmbito de um poder vinculado, inelutavelmente declararia a caducidade de todas as concessões.
29) Ora, é a própria Administração que, procurando obedecer aos princípios da igualdade, imparcialidade e boa-fé que devem nortear a sua actuação, diferencia as situações em análise, não aplicando cegamente a lei mas examinando cada caso atendendo à situação concreta e à culpa do concessionário (e às suas próprias responsabilidades) na falta de aproveitamento.
30) Atendendo ao supra exposto, resulta evidente que cabe à Administração justificar os critérios e o processo de decisão utilizados em cada caso e, nos termos do artigo 114°, n.° 1, alínea e) do CPA, obedecer ao dever especial de fundamentação, no sentido de justificar por que razão foi dado um tratamento diferente à concessão do terreno dos autos, uma vez que se decidiu de modo diferente da prática seguida na resolução daqueles casos, em boa parte semelhantes ao presente, com base na interpretação e aplicação dos mesmos princípios e preceitos legais e contratuais.
31) Não o tendo feito, salvo melhor opinião, a decisão recorrida padece de vício de forma por falta de fundamentação, devendo por isso ser anulada nos termos legais.
32) Por outro lado, nas suas relações com os particulares, a Administração Pública deve reger-se pelo princípio da igualdade, nos termos do artigo 5° do CPA.
33) No caso de outros terrenos em que o aproveitamento não foi concluído ou iniciado, tem sido entendimento da Administração não declarar a caducidade do contrato e negociar com as concessionárias uma revisão do contrato de modo a permitir tal aproveitamento - o que fez a concessionária ter a confiança de que teria um tratamento por parte da concedente semelhante ao dado a outras concessionárias.
34) Vejam-se ainda, a título de exemplo, as situações dos terrenos concedidos (a) pelo Despacho n.° 77/SATOP/92, publicado no B.O. n.° 27, de 6.7.1992; (b) pelo Despacho n.° 80/SATOP/96, publicado no B.O. n.° 25, de 19.6.1996; (c) pelo Despacho n.° 93/84, publicado no B.O. n.° 25, de 7.4.1984; (d) pelo Despacho n.° 1/SATOP/97, publicado no B.O. n.° 2, de 8.1.1997; (e) pelo Despacho n.° 5/SATOP/94, publicado no B.O. n.° 5, de 2.2.1994; e (f) Despacho n.° 8/SATOP/96, publicado no B.O. n.° 3, de 17.1.1996.
35) Ora, estando em causa em todas as situações referidas supra, a alegada falta de aproveitamento dos terrenos concessionados, importaria, assim, a Administração tratar de forma igual o que é semelhante, conferindo, por isso, também à concessionária um prazo adicional para aproveitar o terreno concessionado, ou então alegar e provar, de forma objectiva, transparente e pública, que utilizou os mesmos critérios em todos os casos analisados e que apesar disso existiram razões válidas para tratá-los de forma diferente.
36) Não o tendo feito a Administração, o acto recorrido não só padece de vício de forma por falta de fundamentação, como também, em especial, viola o princípio da igualdade, o princípio da imparcialidade e o princípio da boa-fé, pelo que deverá em consequência o douto Acórdão a quo ser revogado por errada aplicação da lei substantiva e, bem assim, a decisão do Chefe do Executivo anulada nos termos legais, o que se requer a V. Exas.
37) Por fim, quanto à sujeição da Administração a um poder vinculado, cabendo-lhe declarar a caducidade da concessão logo que verificasse os pressupostos da falta de aproveitamento, é mister sublinhar que, na senda da opinião vertida no douto voto de vencido da decisão ora recorrida, tal declaração não se afigurava como a única solução para o caso em análise.
38) De facto, e para além de outros casos em que o aproveitamento de terrenos não foi concluído ou iniciado e nos quais a Administração não declarou a caducidade do contrato e, pelo contrário, negociou com as concessionárias uma revisão do contrato de modo a permitir tal aproveitamento, a Administração poderia lançar mão do disposto no artigo 104°, n.° 5 da Nova Lei de Terras, que permite a suspensão ou prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno por autorização do Chefe do Executivo, por motivo não imputável ao concessionário e que o Chefe do Executivo considere justificativo.
39) Neste sentido, o comportamento da Administração (que não apreciou o pedido de autorização para a alteração da finalidade inicial da concessão do terreno de 16 de Janeiro de 2001, tão-pouco os pedidos de esclarecimento apresentados em 2 de Abril de 2009,18 de Março de 2010,19 de Outubro de 2010 e 9 de Maio de 2011 - vide facto assente 17) traduz uma clara violação do princípio da boa-fé, bem como do princípio da decisão, no cumprimento do contrato de concessão sub judice.
40) Tal violação, por sua vez, consubstancia um caso de culpa por parte da Administração e, outrossim, um caso de motivo não imputável ao concessionário que justificaria a não caducidade da concessão do terreno em causa, mas sim a prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno nos termos do supracitado artigo 104, n.° 5 da Nova Lei de Terras.
41) Ainda, a verificação de motivos de força maior - a saber, uma situação de absoluta invencibilidade pela concessionária do obstáculo criado pela Administração à realização do aproveitamento -, que impediram a concessionária de exercer o seu direito, implica a suspensão do prazo de aproveitamento, nos termos do artigo 313°, n.° 1 do Código Civil de Macau, aplicável por força do artigo 1427°, n.° 3 do mesmo código, ambos por sua vez, aplicados ex vi artigo 41 ° da Nova Lei de Terras.
42) Assim, e salvo o devido respeito, não colhe o argumento apresentado pelo douto Acórdão recorrido quanto à impossibilidade da Administração se desviar de tal poder vinculado, pelo que o acto recorrido viola o princípio da igualdade, o princípio da imparcialidade e o princípio da boa-fé, pelo que deverá em consequência o douto Acórdão a quo ser revogado por errada aplicação da lei substantiva e, bem assim, a decisão do Chefe do Executivo anulada nos termos legais, o que se requer a V. Exas..
- Da violação da cláusula 14ª, n.° 1, alínea a) e da cláusula 8ª, n.° 1 do contrato de concessão
43) O douto Acórdão recorrido vem também sustentar que a obrigação de aplicação da multa prevista nas cláusulas l4a, n.° 1, alínea a) e 8ª, n.° 1 do contrato de concessão não resulta de forma clara e explícita como condição prévia para a declaração de caducidade, pelo que também por esta via defende a improcedência do recurso contencioso.
44) Ora, conforme refere o douto voto de vencido do Acórdão a quo, os contratos de concessão integram dois elementos, a saber, a concessão strictu sensu, que integra as estipulações unilaterais da Administração, enquanto entidade revestida de jus imperii, e a parte contratual da concessão, que resulta de um consenso entre as partes relativamente aos restantes aspectos do contrato, sujeitos aos princípios fundamentais do direito administrativo, mas também ao princípio pacta sunt servanda e ao princípio da boa-fé no comprimento do contrato.
45) Nestes termos, dispõe a cláusula 14a, n.° 1, alínea a) do contrato de concessão que o contrato caducará findo o prazo de multa agravada, previsto na cláusula 8a do referido contrato.
46) Por sua vez, a cláusula 8a, n.° 1 determina que "Salvo motivos especiais devidamente justificados, aceites pelo primeiro outorgante, pelo incumprimento dos prazos fixados na cláusula quinta, (…) o segundo outorgante fica sujeito a multa (…) por cada dia de atraso até sessenta dias; para além desse período e até ao máximo global de cento e vinte dias, fica sujeito a multa até ao dobro daquela importância" (negrito nosso).
47) Mais dispõe o n.° 2 da mesma cláusula que "O segundo outorgante fica exonerado da responsabilidade referida no número anterior em casos de força maior ou de outros factos relevantes, cuja produção esteja, comprovadamente, fora do seu controlo".
48) Salvo melhor opinião, ficou demonstrado, nos termos contratuais, que assistem à concessionária motivos justificados oportunamente e tacitamente aceites (que, fundamentalmente, correspondem a factos relevantes, cuja produção esteve, comprovadamente, fora do seu controlo) para não ter cumprido o prazo de aproveitamento do terreno, pelo que não pode, por esse motivo, ser declarada a caducidade do contrato de concessão, por falta de fundamento legal e contratual.
49) Por outro lado, o comportamento da Administração sempre indiciou que a Administração tinha aceite, implicitamente, os motivos especiais que levaram ao incumprimento dos prazos, a que se refere o n.° 1 da cláusula 8a do contrato de concessão, uma vez que nunca a concedente alertou a concessionária do contrário, até 31 de Maio de 2011, pelo ofício n.° 394/6234.02/DSODEP/2011.
50) Tal situação permite concluir que, ainda que, por hipótese, que não se concede, houvesse causa para declaração de caducidade com base nessa circunstância ela ter-se-ia sanado, sob pena de violação do princípio da boa-fé por parte da Administração.
51) Por outro lado, o n.° 1 al. a) da cláusula décima quarta do contrato de concessão determina que o contrato caduca findo o prazo de multa agravada - ora à concessionária nunca foi aplicada qualquer multa, simples ou agravada, por incumprimento dos termos do contrato de concessão.
52) Acresce que a multa contratualmente prevista é obrigatória e não facultativa para o efeito de ser declarada a caducidade do contrato (tal como confessado pela Administração no Texto para Consulta das Propostas de Revisão Preliminar da Lei de Terras e dos Diplomas Complementares, constante do processo instrutor), uma vez que tem a função de interpelação admonitória, sem a qual não chega a existir incumprimento definitivo, mas apenas mora do devedor, nos termos do artigo 797°, n.° 1 al. b) do Código Civil).
53) Por outro lado, a Administração não pode alegar a perda do interesse na prestação, uma vez que esta é apreciada objectivamente (artigo 797°, n.° 1 al. a) e n.° 2) do Código Civil) e toda a sua conduta permite concluir, sem margem para dúvidas, que aquela manteve o interesse na prestação até 31 de Maio de 2011, data em que, em total contradição com o seu comportamento anterior, informou pretender declarar a caducidade do contrato de concessão.
54) O que implica que, também por este motivo, a Administração não possa, de um momento para o outro, declarar a caducidade do contrato de concessão, sob pena de violação do princípio da boa-fé.
55) Na verdade, conforme dispõe o artigo 8° do CPA, "no exercício da actividade administrativa, e em todas as suas formas e fases, a Administração Pública e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regras da boa-fé", devendo ''ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face das situações consideradas e, em especial (…) a confiança suscitada na contra parte pela actuação em causa" (negrito nosso).
56) Assim, a Administração violou a obrigação de aplicação da multa prevista nas cláusulas 14ª, n.° 1, alínea a) e 8ª, n.° 1 do contrato de concessão como condição prévia para a declaração de caducidade, violando ainda o princípio da boa-fé, inquinando assim o acto recorrido, pelo que deverá em consequência o douto Acórdão a quo ser revogado por errada aplicação da lei substantiva e, bem assim, a decisão do Chefe do Executivo anulada nos termos legais, o que se requer.
- Da violação do artigo 166°, n.° 1, alínea a) da Antiga Lei de Terras e do artigo 166°, n.° 1, alínea 1) da Nova Lei de Terras
57) O douto Acórdão recorrido vem, na senda do argumento supra, que também aqui inexiste obrigação de aplicação da multa como condição prévia para a declaração de caducidade, concluindo pela improcedência do recurso contencioso.
58) Por uma questão de economia processual, remete-se nesta sede para tudo o quanto foi exposto quanto à parte contratual da concessão, que resulta de um consenso entre as partes relativamente aos restantes aspectos do contrato e está sujeita aos princípios fundamentais do direito administrativo, mas também ao princípio pacta sunt servanda e ao princípio da boa-fé no comprimento do contrato e, bem assim, quanto à obrigatoriedade de aplicação de multa previamente à declaração de caducidade.
59) Salvo melhor opinião, ao caso dos autos deve ter-se por aplicável a Lei n.° 6/80/M, de 5 de Julho de 1980 (Antiga Lei de Terras), nos termos do artigo 11°, n.° 1 do Código Civil, porquanto os factos tidos por relevantes para efeitos do acto recorrido verificaram-se todos antes da entrada em vigor da Nova Lei de Terras.
60) Sem prejuízo do que antecede, quer se entenda que se aplica a Antiga Lei de Terras ou a Nova Lei de Terras, o acto recorrido viola o artigo 166°, n.° 1, alínea a) no primeiro caso, e o artigo 166°, n.° 1, alínea 1) no segundo.
61) Com efeito, o acto recorrido viola as referidas normas, uma vez que ambas remetem para os prazos e termos contratuais, que não são omissos a este respeito, e que, como se viu, determinam a necessidade de imposição de multas como pressuposto interpelatório, para que a mora se converta em incumprimento.
62) Acaso se argumente que, nos termos do artigo 166°, n.° 1, alínea 1) da Nova Lei de Terras, deixa de ser necessário que tenham sido aplicadas as multas como pressuposto da declaração de caducidade, é mister sublinhar que, por um lado, a Nova Lei de Terras não se aplica ao caso dos autos e, por outro, tal dispensa apenas vale para os casos em que os contratos de concessão não determinam a aplicação de multas - que não é o caso, como resulta da cláusula 8a do contrato de concessão.
63) Pelo exposto, o acto recorrido viola o artigo 166°, n.° 1, alínea a) da Antiga Lei de Terras ou, caso assim não se entenda, o que não se concede e apenas se admite a título de bom patrocínio, viola o artigo 166°, n.° 1, alínea 1) da Nova Lei de Terras, pelo que deverá o douto Acórdão a quo ser revogado por errada aplicação da lei substantiva e, bem assim, a decisão do Chefe do Executivo anulada nos termos legais, o que se requer.
- Da violação dos deveres de fiscalização jurídica por parte da Administração
64) O douto Acórdão recorrido defende ainda não compreender "como e em que medida a não exercitação, ou a deficiente exercitação, [da] competência de fiscalização interfere no acto [recorrido] e acarreta a sua invalidade", defendendo que a actividade fiscalizadora (ou falta dela) não afecta a validade do acto, concluindo também aqui pela improcedência do recurso contencioso.
65) Ainda que conclua in fine no sentido da falta de actividade fiscalizadora não afectar a validade do acto, o douto Acórdão recorrido parece implicitamente aceitar que a Administração não exerceu (ou exerceu insuficientemente) os poderes de direcção e fiscalização.
66) De facto, à Administração assistem poderes de direcção de execução do contrato, dos quais se destaca o direito de exigir a sua execução e não assistir passivamente à execução do mesmo pelo co-contratante privado ou mesmo ao seu incumprimento.
67) Assim, no desdobramento do poder de fiscalização, a Administração podia e devia usar a fiscalização financeira do contrato através de diligências como auditorias, perícias financeiras e contabilísticas à execução do contrato e à concessionária.
68) O mesmo se diga da fiscalização jurídica, sede na qual a Administração poderia e deveria proceder à fiscalização concreta de actos e contratos da concessionária que pudessem por em causa a execução do contrato administrativo,
69) E, por último, o poder de aplicação das sanções administrativas por incumprimento contratual, tais como as multas contratuais, que, in casu, eram condição precedente à declaração de caducidade do contrato de concessão.
70) Ou seja, numa perspectiva global, a Administração devia ser incisiva e activa na direcção e fiscalização do contrato, e nunca, durante mais de uma década, abster-se de qualquer uso dos seus poderes de conformação contratual previstos na lei.
71) Assim, a Administração nunca exerceu os poderes de direcção de execução do contrato sub judice (ou dos restantes contratos de concessão), sendo prova deste facto a informação n.° 095/DSODEP/201O, nos termos da qual se procura "reforçar a fiscalização do aproveitamento dos terrenos concedidos …", quando na realidade o que se pretende é fazer uma fiscalizacão a posteriori (e não durante o prazo de aproveitamento) do não aproveitamento dos alguns terrenos, sem apurar das responsabilidades da Administração na omissão dos seus poderes de conformação contratual.
72) Tal factualidade decorre, aliás, dos factos assentes 12, 22 e 26.20 constantes do douto Acórdão recorrido, para os quais se remete e os quais aqui se dá por reproduzidos para os devidos efeitos legais.
73) Pelo exposto, e ainda que se considere que a não exercitação, ou a deficiente exercitação da competência de fiscalização da Administração não acarreta a invalidade do acto recorrido, é inelutável concluir que a omissão dos poderes de conformação contratual e muitos dos comportamentos activos da Administração na relação contratual tiveram, obviamente, o contraponto de criar expectativas na concessionária, a frustração das quais viola o princípio da boa-fé, inquinando assim o acto recorrido.
- Da violação do princípio da boa-fé e da tutela da confiança
74) Por fim, o douto Acórdão recorrido sustenta que, quanto aos vícios de violação de lei por ofensa dos princípios da boa-fé e da tutela da confiança, da proporcionalidade, e ainda por falta de ponderação do interesse público na manutenção do contrato de concessão, alegados pela Recorrente, os mesmos não influem na decisão da Administração, porquanto a mesma estava sujeita a um poder vinculado, pelo que não poderia deixar de decidir como o fez, concluindo novamente pela improcedência do recurso contencioso.
75) Refira-se novamente que a Administração não deixa de ter de subsumir aos pressupostos da falta de aproveitamento a situação em concreto, por um lado, o que, também aqui, implica uma exegese da situação em concreto.
76) Por outro, e conforme referido supra, acaso a aplicação dos pressupostos de caducidade da concessão implicasse um resultado binário, como entende o douto Acórdão recorrido, não se entende porque existem casos excepcionados de tal declaração de caducidade ope legis.
77) Assim, a Administração, no respeito dos princípios da boa-fé e da tutela da confiança, da proporcionalidade, e ainda da ponderação do interesse público na manutenção do contrato de concessão, poderia e deveria ter sopesado os factos sob análise e, bem assim, a sua responsabilidade pelo alegado incumprimento por parte do particular, decidindo, como o fez noutros casos, no sentido de conceder um prazo adicional ao concessionário para aproveitar o terreno em causa ou, ainda, prorrogar o prazo de aproveitamento (como veremos infra).
78) No tocante à declaração de caducidade no caso sub judice, o parecer da Comissão das Terras n.° 50/2014, o qual incorpora todos os pareceres anteriores e fundamenta a declaração de caducidade da concessão, imputa o incumprimento contratual à concessionária pela não conclusão do aproveitamento do terreno dentro do prazo previsto no contrato.
79) Freitas do Amaral1 ensina que o princípio da boa-fé concretiza-se através de dois princípio: básicos "o princípio da tutela da confiança legítima e o princípio da materialidade subjacente" - desenvolvendo depois cada um destes princípios, o Professor identifica quatro pressupostos jurídicos no âmbito da tutela da confiança:
80) A existência de uma situação de confiança, traduzida na boa-fé subjectiva ou ética da pessoa lesada;
81) Uma justificação para essa confiança, isto é, a existência de elementos objectivos capazes de provocarem uma crença plausível;
82) O investimento de confiança, isto é, o desenvolvimento efectivo de actividades jurídicas assentes sobre a crença consubstanciada; e
83) A imputação da situação de confiança, implicando a existência de um autor a quem se deva a entrega confiante do tutelado.
84) Os pressupostos supra, segundo o autor, não são necessariamente cumulativos, pois que a falta de um pode ser compensada pela intensidade especial que assumam alguns - ou algum - dos restantes.
85) Da análise da fundamentação da declaração de caducidade verifica-se que a Administração desqualifica determinados factos constantes do procedimento que poderão, se não excluir a responsabilidade pelo incumprimento por parte do particular, pelo menos reduzi-la em grande medida.
86) Com efeito, depois do pedido de alteração da finalidade requerida pela concessionária não houve decisão final da Administração sobre a pretensão do particular - tal conclusão pode ser retirada do despacho do SOPT de 8 de Janeiro de 2003, que determinou a devolução do processo à DSSOPT para um estudo aprofundado (vide facto assente 12).
87) Pese embora uma das consultas externas tenha tido parecer negativo no âmbito do procedimento de alteração da finalidade, daí não se retira a negatividade do acto final, tanto que o despacho do SOPT de 8 de Janeiro de 2003 é bastante claro ao determinar a reanálise do processo, mantendo-se o procedimento em fase de instrução.
88) Note-se que estes actos procedimentais são desenvolvidos à margem do conhecimento da concessionária, não valendo aqui, juridicamente, o gesto voluntarista de dizer, como se diz na fundamentação da declaração de caducidade, que os Serviços (DSODEP) teriam comunicado a um representante da concessionária (Eng. A) o parecer desfavorável do CPSP (até porque, como se viu, o Eng. A não é nem nunca foi representante da concessionária).
89) Tal conduta afigura-se manifestamente ilícita, em primeiro lugar porque a DSODEP não tem competência para praticar actos finais, em segundo lugar porque o parecer externo é apenas um acto preparatório do acto final e, em terceiro lugar, as notificações têm que ser feitas de forma escrita, com o conteúdo integral do acto e sua fundamentação, nos termos do artigo 68° e seguintes do CPA, para efeitos garantísticos dos particulares.
90) Não se encontrando o procedimento de alteração da finalidade fechado ou extinto2, o procedimento ficou em aberto, pelo que não é atendível o alegado no ponto 26.32 do parecer n.° 50/2014 da Comissão de Terras.
91) No fundo, o que Administração vem dizer é que, perante o seu silêncio o particular deveria assumir tal conduta como indeferimento tácito da sua pretensão para exercer o respectivo meio legal de impugnação - contudo, do contexto e de todo o procedimento fica-se sem saber o que significa para a Administração o indeferimento tácito da sua pretensão, para exercer o respectivo meio legal de impugnação.
92) Certo é que, para a concessionária, a solução legislativa não visa a produção de efeitos jurídico-administrativos substantivos, mas tem, outrossim, o propósito de conceder ao interessado a faculdade de presumir indeferida a sua pretensão «para poder exercer o respectivo meio legal de impugnação».
93) Assim, salvo melhor opinião, trata-se manifestamente de um expediente técnico-jurídico para assegurar o acesso à jurisdição administrativa, mas nunca visando a produção de um efeito substantivo na esfera jurídica do requerente.
94) Ou, se quisermos, a Administração não tem autotutela declarativa através de comportamentos omissivos, assim como de tal não decorre a consolidação das situações de indeferimento material de pretensões requeridas.
95) Como consequência do referido, o facto de a Administração não se ter pronunciado nem decidido3 sobre a pretensão do particular não significa que a mesma tenha sido indeferida materialmente, isto é, que o pedido de alteração da finalidade tenha sido indeferido.
96) Por outro lado, ao mesmo tempo que a Administração foi criando uma conduta de confiança na concessionária com a sua não resposta e não pronúncia, foi, internamente, desenrolando certos actos procedimentais, onde, "escondendo o jogo", violou claramente o princípio da boa-fé. Senão vejamos:
97) Com efeito, antes do ofício da DSSOPT de 31.05.2011, pedindo esclarecimentos à concessionária sobre o incumprimento do contrato, a concessionária tinha feito quatro requerimentos (2 de Abril de 2009, 18 de Março de 2010, 19 de Outubro de 2010 e 9 de Maio de 2011), questionando sobre o pedido de alteração da finalidade do terreno, mas em nenhuma delas obteve resposta (vide facto assente 17).
98) Durante este período, a Administração não respondeu à concessionária, mas também não se manteve "parada", tendo invertido, por duas vezes, o seu comportamento: primeiro veio dizer, através de comunicação de serviço interno, que "Está em curso um Plano de Revisão do Pac On, até à conclusão e publicação do plano, não é aconselhável desenvolver o terreno de acordo com o plano inicial para não afectar o desenvolvimento do futuro plano de execução. Por isso, este departamento emite parece desfavorável ao projecto de mudança de finalidade"; segundo, não obstante o mencionado, veio desencadear o processo de declaração de caducidade.
99) Assim, o padrão de comportamento externo da Administração é um, ao passo que o padrão de comportamento interno é outro - enquanto externamente passa um comportamento criador de confiança, internamente a Administração não tem uma conduta correcta, leal e sem reservas.
100) Começando pelo padrão de comportamento externo, o comportamento da Administração indicia claramente uma conduta criadora de confiança - com o despacho do SOPT de 8 de Janeiro de 2003 a Administração transmite uma mensagem à concessionária no sentido de ainda não existir decisão final, ao qual acresce, com a emissão da PAO, a ideia de que a alteração da finalidade não se encontra "fechada", ou seja, a Administração manter-se-ia pelo menos aberta quanto à manutenção da finalidade inicial, o que revela uma conduta criadora de confiança que se mantém até 2009.
101) No tocante ao padrão de conduta interno, a Administração claramente revela um comportamento desleal e sob reserva - se Administração estava a elaborar um plano urbanístico para a zona do Pac On, no âmbito da sua discricionariedade de planeamento, então, deveria ter indeferido a pretensão substantiva do particular logo quando iniciou a elaboração do plano4, ou, no mínimo, ter-se pronunciado, no âmbito da sua apreciação discricionária. pela inoportunidade de decidir a pretensão do particular naquele momento, mas nunca deixar "em lume brando" toda a expectativa e confiança que suscitou na concessionária no tocante à solicitada alteração, ou, no mínimo, de manutenção da finalidade originária do lote.
102) Sublinhe-se que neste período a concessionária veio submeter quatro requerimentos ao processo administrativo, pedindo esclarecimentos sobre o andamento da alteração da finalidade e aos quais não obteve qualquer resposta (vide factos assentes 17 e 22).
103) Na verdade, e tal como oportunamente indicado em sede de recurso contencioso, é possível questionar se o silêncio da Administração, criador de confiança, não terá sido feito sob reserva mental, no contexto do qual a omissão de pronúncia e decisão, quanto aos requerimentos da concessionária, serviu apenas para ocultar as reais intenções da Administração.
104) Assim, estes comportamentos consubstanciam violações do princípio da boa-fé e da tutela da confiança por parte da Administração, contribuindo decisivamente para o alegado incumprimento das obrigações contratuais da concessionária, alegação que expressamente se rejeita.
105) Tendo a Administração violado o princípio da boa-fé, feriu assim o acto recorrido de ilegalidade, pelo que deverá em consequência o douto Acórdão a quo ser revogado por errada aplicação da lei substantiva e, bem assim, a decisão do Chefe do Executivo anulada nos termos legais, o que se requer.
- Da violação do princípio da proporcionalidade
106) Na senda do referido supra, o acto do Chefe do Executivo também violou o princípio da proporcionalidade - a este respeito, Freitas do Amaral5 sustenta que o princípio da proporcionalidade é o princípio segundo o qual a limitação de bens ou interesses privados por actos dos poderes públicos deve ser adequada e necessária aos fins concretos que tais actos prosseguem, bem como tolerável quando confrontada com aqueles fins.
107) A definição encerra as três dimensões essenciais do princípio: i) Adequação - a medida a tomar deve ser causalmente ajustada ao fim que se propõe atingir, ou doutra forma a medida em causa é capaz de conduzir ao objectivo que se visa, ii) Necessidade - para além de idónea para o fim que se propõe alcançar, a medida administrativa deve ser, dentro do universo das medidas abstractamente idóneas (por comparação), aquela que, em concreto, lese em menor medida os direitos e interesses dos particulares e iii) Equilíbrio - ou da proporcionalidade em sentido estrito, exige que os beneficias que se espera alcançar com uma medida administrativa adequada e necessária suplantem, à luz de certos parâmetros materiais, os custos que ela por certo acarretará.
108) Interessam aqui, as duas primeiras dimensões - por um lado, a medida será adequada se for idónea ao fim que se propõe alcançar; por outro, será necessária quando, para além de idónea para o fim que se propõe alcançar, a medida administrativa é, dentro do leque das abstractamente idóneas, a que lese em menor medida os direitos e interesses dos particulares.
109) Neste sentido, a Administração encontra-se vinculada a seguir um iter decidendi que evite a proibição de excesso, cabendo comparar as diferentes medidas adequadas a prosseguir o fim pretendido, para que, de entre elas, se escolha a que se afigure menos lesiva para o particular.
110) A declaração de caducidade é, entre outras formas, uma das possíveis sanções a aplicar à concessionária, pelo que, não se afigura como a única medida idónea a atingir o fim proposto, sendo este sancionar o eventual incumprimento contratual por parte da concessionária.
111) Tendo em conta todas as explicações fornecidas pela concessionária e, bem assim, todo o comportamento da Administração, em especial através do despacho do SOPT de 8 de Janeiro de 2003, o qual determinou a devolução do processo à DSSOPT para um estudo aprofundado, a emissão da PAO em 10 de Junho de 2005, mencionando a finalidade inicial, e a já referenciada CSI n.° 00386/DPU/2009, do DPU para o Departamento de Solos, de 6 de Maio de 2009, a declaração de caducidade não se afigurava como sendo a medida mais adequada e proporcional, atendendo ao fim visado pela Administração.
112) Acaso se considere existir incumprimento contratual por parte da concessionária, o que não se concede, sempre se dirá que este apenas terá existido em função do comportamento complacente da Administração, o qual, quer antes quer agora, poderia ter seguido a aplicação de outro tipo de sanções menos gravosas à concessionária, tais como, por exemplo, multas contratuais, as quais se revelariam essenciais à declaração de caducidade, nos termos expostos, mas também como um sinal de aviso à concessionária pelo hipotético incumprimento, em vez da aplicação imediata da mais gravosa das sanções, sendo a declaração de caducidade.
113) Como foi referido supra, e atendendo à culpa da Administração no eventual atraso da Recorrente no aproveitamento do terreno sub judice, o prazo para a caducidade da concessão encontrava-se suspenso, nos termos do artigo 313° do Código Civil de Macau, aplicável por força do artigo 1427°, n.° 3 do mesmo código, ambos ex vi artigo 41° da Lei de Terras.
114) Outrossim, a Administração poderia também lançar mão da prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno nos termos do supracitado artigo 104°, n.° 5 da Nova Lei de Terras, como já foi referido supra.
115) Não o tendo feito, o acto recorrido violou o princípio da proporcionalidade, pelo que o douto Acórdão a quo deverá, consequentemente, ser revogado por errada aplicação da lei substantiva e, bem assim, a decisão do Chefe do Executivo anulada nos termos legais, o que se requer”; (cfr., fls. 1810 a 1867).

*

Em contra-alegações diz, essencialmente, a entidade recorrida o que segue:

“(…)
7.°
O artigo 166.° da Lei de terras, por sua vez, reporta-se à caducidade das concessões provisórias ou definitivas em fase de reaproveitamento de terrenos urbanos ou de interesse urbano.
8.°
Segundo esse normativo, as referidas concessões caducam quando se verifique, entre outras, a seguinte circunstância: não conclusão do aproveitamento ou reaproveitamento do terreno nos prazos e termos contratuais ou, sendo o contrato omisso, decorrido o prazo de 150 dias previsto no n.° 3 do artigo 104.° daquela Lei, independentemente de ter sido aplicada ou não a multa.
9.°
A caducidade da concessão por arrendamento prevista no referido artigo 166.° da Lei de terras surge associada, não ao simples decurso do tempo, mas a um incumprimento por parte do concessionário e a ele imputável de uma obrigação que deriva da lei e do contrato e que reveste carácter essencial na economia da própria concessão.
10.°
Trata-se da chamada caducidade-sanção, dado que aquilo que essencialmente está em causa não é estabilizar uma situação em virtude do não exercício de um direito por um determinado período de tempo mas, antes, sancionar o concessionário em virtude de um seu comportamento faltoso.
11.°
Assim, a partir da entrada em vigor da Lei n.° 10/2013 e relativamente a concessões provisórias anteriores, verificando-se que o prazo anteriormente fixado para o aproveitamento do terreno expirou sem que o aproveitamento tenha sido realizado por culpa do concessionário, a Administração estará legalmente vinculada a declarar a caducidade da concessão.
No caso em apreço,
12.°
O prazo fixado para a conclusão do aproveitamento do terreno terminou em 18 de Janeiro de 2001, sendo que, até essa data, a concessionária e ora Recorrente não realizou o aproveitamento do terreno.
13.°
Incorreu, assim, em incumprimento da obrigação legal e contratual de aproveitar o terreno que sobre si impendia.
14.°
Além disso, essa inobservância da referida obrigação ficou a dever-se exclusivamente à Recorrente, a qual, devendo aproveitar o terreno e podendo fazê-lo no prazo que dispunha para o efeito, não o fez e nem sequer iniciou tal aproveitamento.
15.°
É, por isso, culposa a falta de aproveitamento do terreno.
16.°
De resto, a culpa do devedor presume-se (cfr. n.° 1 do artigo 788.° do Código Civil), cabendo-lhe, por isso, ilidir tal presunção.
17.°
Contudo, no presente processo, o que se verifica é que a Recorrente não logrou provar a ocorrência de quaisquer motivos, nomeadamente de força maior ou imputáveis à Administração, que a tenham impedido de aproveitar o terreno aqui em causa.
18.°
Na verdade, nenhum dos factos que a Recorrente alegou no sentido de demonstrar que a falta de aproveitamento do terreno não se deveu a culpa sua foi dado como provado pelo Tribunal a quo.
19.°
Deste modo, demonstrando-se, tal como já consta da fundamentação do acto recorrido, (i) que o prazo fixado para o aproveitamento do terreno expirou e que (ii) o aproveitamento do terreno não foi realizado por culpa da concessionária e ora Recorrente, a concessão caduca, limitando-se a Administração, no exercício de poderes vinculados, a declarar a caducidade, tal como decorre do disposto na alínea 3) do artigo 215.° e na alínea 1) do n.° 1 do artigo 166.°, ambos da Lei de terras.
20.°
No que concerne aos vícios invocados pela Recorrente, o Recorrido não pode deixar de acompanhar o douto Acórdão recorrido.
21.°
Com efeito, o ora Recorrido, chamado a praticar o acto final do procedimento tendente à declaração da caducidade da concessão em apreço, estava legalmente vinculado a declarar essa caducidade, uma vez que, como vimos, estavam verificados os respectivos pressupostos.
22.°
E, por isso, estando em causa uma actuação legalmente vinculada e não discricionária, torna-se irrelevante a alegação de que houve violação de lei por erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários.
23.°
Como também é irrelevante a invocada violação dos princípios da igualdade, da boa-fé, da justiça, da decisão-e da proporcionalidade por parte da Administração.
24.°
Dado que a violação de tais princípios, que se rejeita que tenha ocorrido no caso presente, só assume relevância no domínio da actuação discricionária da Administração, encontrando-se, no exercício da actividade vinculada, a prossecução de tais princípios assegurada pelo princípio da legalidade, tal como esse Venerando Tribunal tem vindo a decidir reiteradamente.
25.°
Também improcedem o alegado vício de forma derivado de falta de fundamentação dado que a Recorrente não logrou demonstrar que a Administração deu um tratamento diferente à concessão em apreço.
26.°
No confronto com as exigências impostas pelos artigos 114.° e 115.° do Código do Procedimento Administrativo, não podem restar dúvidas de que o dever de fundamentação do acto recorrido foi inteiramente observado pela Administração.
27.°
Por outro lado, a Administração nunca aceitou, expressa ou implicitamente, os motivos que levaram ao incumprimento dos prazos, pela singela razão de que tais motivos inexistem.
28.°
Não ocorreu qualquer "sanação" da causa de declaração de caducidade pelo decurso do prazo.
29.°
A Recorrente também não tem razão quando alega que a aplicação de multa é obrigatória para o efeito de se declarar a caducidade, desempenhando a função de interpelação admonitória.
30.°
A alínea 1) do n.° 1 do artigo 166.° da Lei de terras não dá espaço para dúvidas: a caducidade da concessão em virtude do não aproveitamento do terreno não depende de ter sido aplicada ou não a multa.

31.°
Com o devido respeito, parece-nos que não faz qualquer sentido falar da necessidade de uma interpelação admonitória no quadro de uma obrigação contratual e legal sujeita a termo essencial para cujo incumprimento a lei comina a consequência da caducidade.
32.°
A Administração nunca considerou que a situação existente e o incumprimento reiterado da Recorrente, no que à obrigação de aproveitamento do terreno se refere, fosse legal e, portanto, nunca criou na Recorrente qualquer expectativa ou convicção.
33.°
Ora, como abundantemente já referimos, o Recorrido estava legalmente vinculado a declarar a caducidade da concessão aqui em causa e, como tal, é irrelevante a invocada violação do princípio da boa-fé e da tutela da confiança, tal como dos princípios da igualdade, da justiça e da proporcionalidade, a qual, reitera-se, não existiu.
34.°
Demonstra-se, assim, que o acto praticado pelo ora Recorrido está em absoluta conformidade com a Lei de terras, e daí que deva manter-se intocado na ordem jurídica, tal como muito doutamente decidiu o Tribunal de Segunda Instância.
(…)”; (cfr., fls. 1873 a 1881).

*

Na sequência das contra-alegações da entidade recorrida pugnando pela improcedência do recurso, vieram os autos a este Tribunal, onde, em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Nas alegações do presente recurso jurisdicional, a recorrente pediu a revogação do Acórdão do Venerando TSI e, em consequência disso, a anulação do despacho impugnado no recurso contencioso, assacando o erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, a violação dos princípios da boa fé, da justiça, da decisão e da igualdade, a violação das cláusulas 14ª, n.º1, alínea a) e 8ª, n.º1 do contrato de concessão, a violação da alínea a) do n.º1 do art.166.º da antiga Lei de Terras e da alínea 1) do n.º1 do art.166.º da nova Lei de Terras, o vício de forma por falta de fundamentação bem como a violação dos deveres de fiscalização jurídica por parte da Administração.
*
Ora, é assente e unânime que a culpa do concessionário, prevista na norma transitória da al. 3) do art.215.º da Lei de Terras nova, constitui um conceito indeterminado, que integra actividade vinculada, de mera interpretação da lei. (cfr. Acórdãos do TUI nos Processos n.º95/2018 e n.º62/2017).
E é igualmente pacífica que “1. Perante a falta de aproveitamento do terreno por culpa do concessionário no prazo de aproveitamento previamente estabelecido, bem como o decurso do prazo de arrendamento, a Administração está vinculada a praticar o acto administrativo, cabendo ao Chefe do Executivo declarar a caducidade de concessão do terreno. 2. No âmbito da actividade vinculada, não valem os vícios próprios de actos discricionários, como a violação de princípios gerais do Direito Administrativo, não sendo relevante a invocação de tais vícios, incluindo a violação do princípio da boa fé e do princípio de venire contra factum proprium.” (cfr. Acórdão do TUI no Processo n.º15/2020)
Com efeito, é praticamente consensual a douta tese que inculcando que “Havendo fundamento para declarar a caducidade de concessão de terreno urbano, porque houve culpa da concessionária no não aproveitamento do terreno no prazo fixado, tal constitui um acto vinculado para a Administração. Se esta, noutros procedimentos administrativos, ilegalmente, não declarou a caducidade de outras concessões, supostamente havendo semelhança dos mesmos factos essenciais, tal circunstância não aproveita, em nada, à concessionária em causa visto que os administrados não podem reivindicar um direito à ilegalidade.” (cfr. Acórdão do TUI no Processo n.º111/2018)
Ora bem, no actual ordenamento jurídico de Macau encontram-se irreversivelmente consolidadas a doutrina e jurisprudência, no sentido de que os princípios de igualdade, de proporcionalidade, da justiça e de boa fé se circunscrevem apenas ao exercício de poderes discricionários, sendo inoperante aos actos administrativos vinculados. (a título exemplificativo, cfr. Acórdãos do TUI nos Processos n.º32/2016, n.º79/2015 n.º46/2015, n.º14/2014, n.º54/2011, n.º36/2009, n.º40/2007, n.º7/2007, n.º26/2003 e n.º9/2000, a jurisprudência do TSI vem andar no mesmo sentido).
Tais jurisprudências mais autorizadas caucionam-nos a concluir que o despacho objecto do recurso contencioso tem, sem sombra de dúvida, o carácter de acto vinculado, daí é manifesta e fatalmente despropositada a arguição do “erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários”, por ser incompatível com a natureza das coisas.
Tomando como escora as mesmas jurisprudências, não podemos deixar de entender que o supramencionado despacho não ofende nenhum dos princípios arrogados pela recorrente, a saber, de boa fé e da tutela da confiança, da justiça, da decisão, da igualdade e da proporcionalidade.
*
Cremos ser inspirativa a jurisprudência que enuncia (cfr. Acórdão do STA no Processo n.º44302): A fundamentação é um conceito relativo que depende do tipo legal do acto, dos seus termos e das circunstâncias em que foi proferido, devendo dar a conhecer ao seu destinatário as razões de facto e de direito em que se baseou o seu autor para decidir nesse sentido e não noutro, não se podendo abstrair da situação específica daquele e da sua possibilidade, face às circunstâncias pessoais concretas, de se aperceber ou de apreender as referidas razões, mormente que intervém no procedimento administrativo impulsionando o itinerário cognoscitivo da autoridade decidente.
Em esteira dessa boa jurisprudência, e de acordo com a doutrina de que nenhum administrado pode reivindicar um direito à ilegalidade (cfr. Ac. do TUI no Processo n.º111/2018), temos por indiscutível que a Administração não ficava obrigada a aclarar/fundamentar, à ora recorrente, a não declaração da caducidade de concessões cujos concessionários também incumpriu culposamente o prazo de aproveitamento contratualmente estipulado. Daí decorre, sem dúvida, a inexistência da arrogada falta de fundamentação.
*
Proclama o Venerando TUI (cfr. Acórdão do TUI no Processo n.º38/2017): Por força do preceito na alínea 3) do art.215.º da actual Lei de Terras, no que respeite às concessões provisórias, as alíneas 1) e 2) do n.º1 do art.166.º desta Lei prevalecem sobre as alíneas a) e b) do n.º1 do art.166.º da antiga Lei de Terras, como sobre as cláusulas dos contratos de concessão.
Essa orientação jurisprudencial mais autorizada significa concludentemente que o caso sub judice se rege pelas alíneas 1) e 2) do n.º1 do art.166.º da Lei n.º10/2013. Nos termos da expressa e peremptória disposição legal de “independentemente de ter sido aplicada ou não a multa” no n.º1 atrás referida, estamos convictos de ser sã e impecável a tese de que “Desde que verificada a culpa do concessionário no não aproveitamento atempado dentro do prazo contratualmente estabelecido, a Administração, mesmo que não tenha aplicado a multa contratual, está vinculada a declarar a caducidade-sanção por incumprimento, face ao disposto no art.166º, nº1, al.1), da Lei nº10/2013.” (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º433/2015).
Tudo isto assegura-nos a inferir que é inconsistente a arguição de que o despacho declarativo da caducidade da concessão impugnado nestes autos infringiu as cláusulas 14ª, n.º1, alínea a) e 8ª, n.º1 do contrato de concessão, a violação da alínea a) do n.º1 do art.166.º da antiga Lei de Terras e da alínea 1) do n.º1 do art.166.º da nova Lei de Terras.
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O acima exposto torna descabido o ponto de vista aduzido pela recorrente na conclusão 43 da petição inicial, traduzido em considerar que as multas eram in casu condição precedente à declaração da caducidade do contrato de concessão. Pois bem, a aplicação das multas previstas tanto no correspondente contrato de concessão como no n.º3 do art.104.º da Lei nº10/2013 é, por definição legal, um poder da Administração para com o contraente privado (art.167.º, alínea e) do CPA), e simultaneamente um dever para com o interesse público, mas não constituindo condição imprescindível para declaração da caducidade de contrato de concessão.
À luz da regra jurídica e da ética, a tolerância da Administração e a sua culposa inércia no exercício/cumprimento dos poderes/deveres de fiscalização sobre os contratos de concessão não pode ser legítimo berço da expectativa ou confiança da renovação desses contratos.
Tedo isto leva-nos a subscrever a douta conclusão do ilustre colega no sentido de que a arrogada “violação dos deveres de fiscalização jurídica por parte da Administração” não pode intervir no despacho contenciosamente recorrido ou acarretar a sua invalidade, dado que “Nem os pressupostos do acto nem a estatuição deste tem qualquer relação com a actividade fiscalizadora da execução do contrato, que lhes é estranha e nenhuma influência pode projectar na sua validade.”
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso jurisdicional”; (cfr., fls. 1891 a 1893).

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Cumpre apreciar.

Fundamentação

Dos factos

2. O Tribunal de Segunda Instância deu como provada a seguinte matéria de facto:

“1. Pelo Despacho n.º 4/SATOP/95, publicado no Boletim Oficial (BO) de Macau n.º 3, II Série, de 18 de Janeiro de 1995, foi titulada a concessão, por arrendamento, e com dispensa de hasta pública, a favor da sociedade «Fábrica de Isqueiros Chong Loi (Macau), Limitada», do terreno com a área de 4.392 m2, sito na ilha da Taipa, no cruzamento da Estrada do Pac On com a Rua da Felicidade, designado por lote «O1», não descrito na Conservatória do Registo Predial.
2. De acordo com a cláusula segunda do contrato de concessão, o prazo do arrendamento foi fixado em 25 anos, contados a partir data da publicação no BO do despacho que titulou a concessão, terminando, assim, em 17 de Janeiro de 2020.
3. Conforme a cláusula terceira do contrato de concessão, o terreno era destinado para construção de um edifício industrial, de 4 pisos, para instalação de uma unidade fabril destinada à fabricação de isqueiros, a explorar directamente pela concessionária.
4. O prazo global de aproveitamento do terreno, de acordo com o n.º 1 da cláusula quinta do contrato de concessão, foi estipulado em 24 meses, contados a partir data da publicação no BO do despacho que titulou a concessão, terminando, assim, em 17 de Janeiro de 1997.
5. Constituíam encargos especiais a suportar exclusivamente pela concessionária, a desocupação do terreno e remoção do mesmo de todas as construções e materiais porventura lá existentes.
6. A concessionária pagou a totalidade do prémio no montante de MOP2,862,081.00.
7. Através de requerimento de 3 de Março de 1997, ou seja, já depois de expirado o prazo global de aproveitamento, a concessionária requereu à então DSSOPT a prorrogação do prazo de aproveitamento, uma vez que, desde meado de 1996, a União Europeia começou a questionar sobre os isqueiros fabricados em Macau, bem como duvidou o certificado de origem dos mesmos, afectando o pedido de empréstimo apresentado pela referida sociedade aos bancos de Macau, a par disso, devido ao declínio industrial e à concessão de grande quantidade de terrenos industriais pelo Governo de Macau, a sociedade em causa não foi capaz de aproveitar o terreno.
8. Por despacho, de 13 de Junho de 1997, do então Secretário-Adjunto para os Transportes e Obras Públicas, exarado na informação n.º 027/SOLDEP/97, de 27 de Maio de 1997, foi autorizada a prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno por 24 meses, até 18 de Janeiro de 1999, sem aplicação de qualquer multa.
9. A seguir, em 11 de Dezembro de 1998, através do requerimento, a concessionária requereu a nova prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno até 2001, por ter sido interrompido um negócio existente entre a mesma e uma instituição financeira devido aos impactos causados pela crise financeira asiática a Macau. Por despacho, de 16 de Abril de 1999, do então Secretário-Adjunto para os Transportes e Obras Públicas, exarado na informação n.º 034/DSODEP/99, de 10 de Fevereiro de 1999, foi autorizada a prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno até 18 de Janeiro de 2001, sem aplicação de qualquer multa.
10. Em 16 de Janeiro de 2001, dois dias antes do termo do último prazo de aproveitamento autorizado, a concessionária apresentou um requerimento à DSSOPT, pedindo ao Chefe do Executivo que autorizasse a alteração de finalidade da concessão para a construção de um armazém de produtos de risco especial em vez de fábrica de isqueiros, e, em 26 de Abril de 2001, apresentou as respectivas informações suplementares.
11. Posteriormente, em 25 de Abril de 2002, a concessionária apresentou à entidade em apreço o estudo prévio referente à construção de um armazém de produtos de risco especial, bem como, em 12 de Julho de 2002, revelou as espécies dos produtos de risco especial e apresentou as demais informações.
12. Tendo ouvido os pareceres de várias entidades competentes, o CPSP emitiu parecer desfavorável, por conseguinte, em 21 de Novembro de 2002, através da informação n.º 169/DSODEP/2002, o Departamento de Gestão de Solos da DSSOPT, propôs ao superior que indeferisse o pedido de alteração de finalidade do terreno supra mencionado. Em 8 de Janeiro de 2003, o então Secretário para os Transportes e Obras Públicas ordenou reenviar o processo à DSSOPT para efectuar um estudo mais profundo sobre o caso.
13. Segundo as fotografias do local em causa tiradas em 9 de Outubro de 2011, não obstante os materiais que lá existiam terem sido retirados, o terreno estaria a ser utilizado para estacionamento de viaturas pesadas e colocação de contentores, a par disso, tal terreno ainda não está aproveitado de acordo com o contrato.
14. Com o intuito de reforçar a fiscalização da situação de aproveitamento dos terrenos concedidos e optimizar a gestão dos solos, pelo Despacho n.º 07/SOPT/2010, de 8 de Março de 2010, o Secretário para os Transportes e Obras Públicas determinou que a DSSOPT procedesse à notificação de todos os concessionários de terrenos cujo aproveitamento não fora concluído de acordo com o prazo fixado no respectivo contrato para justificarem o facto por escrito, no prazo de 1 mês a contar da data da recepção da notificação, bem como que a que a DSSOPT procedesse, após a entrega das justificações, à sua análise e definição de um plano de tratamento das situações e da ordem de prioridade no tratamento.
15. O Departamento de Gestão de Solos (DSODEP) da DSSOPT, tendo discutido várias vezes e analisado o assunto relativo ao tratamento de terrenos não aproveitados com o Gabinete do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, estabeleceu critérios de classificação para a situação dos terrenos concedidos mas não aproveitados, a classificação do grau de gravidade do não cumprimento das cláusulas contratuais e os critérios de tratamento do processo, bem como elaborou a respectiva lista; e, em 12 de Maio de 2010, submeteu à consideração superior a informação n.º 095/DSODEP/2010, a fim de estabelecer orientações claras e precisas para o tratamento dessas situações. A classificação e critérios propostos na referida informação mereceram a concordância do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, tendo os mesmos sido aprovados por despacho do Chefe do Executivo, de 31 de Maio do mesmo ano.
16. De acordo com os critérios de classificação relativos aos terrenos concedidos mas não aproveitados estabelecidos na informação acima referida, neste caso verificaram-se duas situações qualificadas de "grave" (falta de seguimento do assunto após a expiração do prazo de apreciação dos projectos; falta de requerimento de licença de obra e de iniciação de obra após a autorização do plano do projecto de construção; falta de aproveitamento do terreno de acordo com o contrato depois de mais de uma prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno). Nestas circunstâncias, a DSSOPT, através de ofício de 31 de Maio de 2011, solicitou que a concessionária apresentasse uma justificação e justa causa pela falta de aproveitamento do terreno.
17. Deste modo, em 22 de Junho de 2011, a concessionária apresentou uma carta de justificação: em 1997 e 1999, após ter sido autorizado o pedido de prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno pela Administração, a referida sociedade, devido às necessidades da sua estratégia de desenvolvimento, em Janeiro de 2001, pediu a alteração de finalidade do terreno para construção de um armazém de produtos de risco especial, porém nunca teve a resposta da Administração, pelo que, em 2 de Abril de 2009, 18 de Março e 19 de Outubro de 2010, e 9 de Maio de 2011, remeteu cartas à Administração, pedindo-lhe que desse instruções expressas sobre o requerimento de alteração de finalidade do terreno, mas ainda não obteve quaisquer instruções expressas ou resposta quanto ao assunto, não podendo a sociedade cumprir o contrato de concessão. Nesta conformidade, a concessionária requereu à Administração que lhe permitisse cumprir as disposições já estipuladas no contrato, bem como prometeu que concluiria o aproveitamento do terreno no prazo de 20 meses contados da data da nova autorização da obra de construção. Ademais, ainda propôs que o novo projecto de arquitectura fosse entregue no prazo de 50 dias, o projecto de obra fosse entregue no prazo de 70 dias, a execução de obra fosse iniciada dentro de 40 dias após a aprovação do projecto, bem como prometeu que cumpriria os deveres estipulados nos encargos especiais.
18. No intuito de proceder a uma análise completa do processo de concessão do terreno, através da comunicação interna de 24 de Junho e de 1 de Julho de 2011, o DSODEP da DSSOPT solicitou ao Departamento de Urbanização (DURDEP) e ao Departamento de Planeamento Urbanístico (DPU) que lhe fossem fornecidas informações pormenorizadas do processo.
19. Pela comunicação interna n.º 1042/DPU/2011, de 22 de Julho de 2011, o DPU deu a sua resposta, referindo que tanto na primeira Planta de Alinhamento Oficial (PAO) emitida em 23 de Abril de 1993 como na nova PAO emitida em 10 de Junho de 2005 por esse Departamento a pedido da concessionária estipulou-se que o terreno se destina a finalidade industrial.
20. Em 26 de Julho de 2011, pela comunicação interna n.º 753/DURDEP/2011, o DURDEP forneceu ao DSODEP as informações do processo relativas à apreciação do projecto de arquitectura, referindo que, em 25 de Abril e 12 de Julho de 2002, a concessionária apresentou um estudo prévio (armazém de produtos de risco especial) que mereceu um parecer inviável, e, posteriormente, jamais apresentou qualquer projecto de aproveitamento.
21. A par disso, conforme as informações de registo predial disponibilizadas pela Conservatória do Registo Predial, o terreno encontra-se descrito sob o n.º 23156 na Conservatória do Registo Predial e o direito resultante da concessão do terreno acha-se inscrito na referida Conservatória a favor da concessionária sob o n.º 30369F, sem registo de qualquer hipoteca voluntária.
22. Pela informação n.º 345/DSODEP/2011, de 13 de Dezembro de 2011, o DSODEP informou sobre a situação do processo, relatando que, desde a publicação do despacho n.º 4/SATOP/95, o terreno nunca foi aproveitado; de acordo com a justificação da concessionária, devido ao declínio industrial e à mudança do ambiente económico, a concessionária alterou a sua estratégia de desenvolvimento, pelo que apresentou o pedido de alteração de finalidade do terreno em 2001, no sentido de passar a construir um armazém de produtos de risco especial, mas ainda não teve a resposta da Administração. Como acima mencionado, o então Secretário para os Transportes e Obras Públicas apenas proferiu despacho, decidindo reenviar o processo à DSSOPT para efectuar um estudo mais profundo sobre o caso e não proferiu o despacho final, portanto, até o presente momento, a DSSOPT ainda não respondeu por escrito ao pedido de alteração de finalidade do terreno.
23. Apesar disso, o prazo de aproveitamento do terreno tinha sido prorrogado duas vezes, sem aplicação de qualquer multa, mas a concessionária ainda não aproveitou o terreno em conformidade com o contrato de concessão, bem como deixou de pedir a prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno após o término do dito prazo.
24. Além do mais, a concessionária não aproveitou o terreno de acordo com o projecto de arquitectura aprovado em 28 de Março de 1995, bem como, depois de expirado o prazo de aprovação do projecto, não requereu a licença de obra nem iniciou a obra; pelo contrário, em 2001, pediu a alteração de finalidade do terreno para a construção de um armazém de produtos de risco especial. Na verdade, a nova finalidade requerida não é compatível com o preâmbulo e a cláusula terceira do despacho n.º 4/SATOP/95; o empreendimento industrial favorecia ao desenvolvimento de Macau, por isso, a concessão foi efectuada com dispensa de concurso público, sendo esta a intenção inicial do Governo em incentivar a indústria, nesta conformidade, a responsabilidade pelo incumprimento do aproveitamento do terreno pode ser integralmente imputada à concessionária.
25. De acordo com “os critérios de classificação do grau de gravidade” relativos aos terrenos concedidos mas não aproveitados, neste caso verificaram-se duas situações qualificadas de "grave". Deste modo, o DSODEP propôs que se enviasse o processo ao Departamento Jurídico (DJUDEP), para efeitos de parecer relativamente ao facto de haver condições suficientes para desencadear o procedimento de devolução do terreno, tendo o director da DSSOPT manifestado a sua concordância.
26. Em 10 de Julho de 2012, o DJUDEP, através da informação n.º 30/DJUDEP/2012, emitiu o seguinte parecer jurídico:
26.1 Face a um terreno concedido, por arrendamento, a favor da sociedade «Fábrica de Isqueiros Chong Loi (Macau), Limitada», com a área de 4.392 m2, sito na ilha da Taipa, no cruzamento da Estrada do Pac On com a Rua da Felicidade, designado por lote «O1», destinado para construção de um edifício industrial, de 4 pisos, para instalação de uma unidade fabril destinada à fabricação de isqueiros, a explorar directamente pela concessionária, através da comunicação interna n.º 72/6234.02/2011, de 16 de Dezembro, e na execução do despacho, de 15 de Dezembro de 2011, do director, o DSODEP, conforme o despacho n.º 7/SOPT/2010, de 8 de Março de 2010, relativo ao reforço da fiscalização da situação de aproveitamento dos terrenos concedidos e à optimização do processo da gestão dos solos, solicitou a emissão de parecer jurídico para saber se é possível a declaração da caducidade da concessão em apreço por incumprimento do prazo de aproveitamento de terreno e dos encargos especiais estabelecidos, respectivamente, nas cláusulas quinta e sexta do contrato de concessão titulado pelo despacho n.º 4/SATOP/95;
26.2 Cumpre-se emitir o parecer requerido;
26.3 O arrendamento do terreno é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir de 18 de Janeiro de 1995, data em que foi publicado no Boletim Oficial de Macau o despacho que titula a presente concessão, ou seja, o prazo terminou em 17 de Janeiro de 2020;
26.4 Em 17 de Dezembro de 1994, a concessionária apresentou um projecto de arquitectura relativo ao edifício a construir no terreno em apreço; em 28 de Março de 1995, o então director da DSSOPT aprovou condicionalmente o referido projecto; e, em Março de 1995, do assunto foi notificada a concessionária através do ofício n.º 2017/DEUDEP/95;
26.5 Conforme a cláusula terceira do contrato, o terreno é destinado para construção de um edifício industrial, de 4 pisos, para instalação de uma unidade fabril destinada à fabricação de isqueiros, a explorar directamente pela concessionária;
26.6 O prazo global do aproveitamento do terreno foi estipulado em 24 meses, contados a partir de 18 de Janeiro de 1995, data em que foi publicado no Boletim Oficial de Macau o despacho que titula o contrato, tendo terminado em 18 de Janeiro de 1997;
26.7 O então director da DSSOPT provou que a concessionária não tinha cumprido o prazo de aproveitamento do terreno estipulado no contrato de concessão, pelo que, usando da faculdade de fiscalização do contrato de concessão, em 17 de Fevereiro de 1997, solicitou à concessionária que justificasse a falta de cumprimento do contrato;
26.8 Através de requerimento de 3 de Março de 1997, ou seja, já depois de expirado o prazo global de aproveitamento, a concessionária requereu a prorrogação do prazo de aproveitamento e a dispensa de aplicação da multa devida pelo atraso no início da obra;
26.9 Esse pedido foi autorizado, tendo-lhe sido concedidos mais 24 meses e fixado novo prazo de aproveitamento do terreno - até 18 de Janeiro de 1999 -, sem aplicação de qualquer multa;
26.10 Em 11 de Dezembro de 1998, praticamente no termo do prazo de aproveitamento, a concessionária requereu nova prorrogação desse prazo e a dispensa de aplicação de multa. Por despacho do então Secretário-Adjunto para os Transportes e Obras Públicas, de 16 de Abril de 1999, foi autorizada a prorrogação do prazo até 18 de Janeiro de 2001, sem aplicação de qualquer multa, de que foi notificada a concessionária em 20 de Abril de 1999 através do ofício n.º 185/6234.1/DSODEP/99;
26.11 Nos termos da cláusula sexta do contrato, constituíam encargos especiais a suportar exclusivamente pela concessionária, a desocupação do terreno e remoção do mesmo de todas as construções e materiais porventura lá existentes; no vertente caso, a concessionária já pagou a totalidade do prémio previsto na cláusula décima do contrato;
26.12 Segundo as fotografias recentes do local em causa, não obstante os materiais que lá existiam terem sido retirados, o terreno estaria a ser utilizado para estacionamento de viaturas pesadas e colocação de contentores;
26.13 Todavia, nos termos do disposto no art.º 39º da Lei n.º 6/80/M (Lei de Terras), de 5 de Julho, à partida, a concessão é de carácter provisório, cujo prazo é estabelecido no contrato de acordo com a característica do seu aproveitamento, e só pode ser convertida em definitiva se se verificar o seu aproveitamento;
26.14 Por outro lado, o titular da concessão é vinculado por um aproveitamento de uso ou de determinada finalidade. A concessão permite o aproveitamento do terreno (cfr. art.º 103º da Lei de Terras), isto “consiste na execução do plano de exploração aprovado ou, não o havendo, na utilização exigida para o respectivo tipo de concessão, pelo contrato ou pelos regulamentos” (cfr. n.º 1 do art.º 104º da Lei de Terras);
26.15 Mesmo que a concessão seja convertida em definitiva, o titular desta não pode alterar a forma e a natureza da coisa, bem como deve respeitar a finalidade económica (finalidade) que lhe foi conferida (cfr. artigos 107º e 169º, n.º 1, al. b) da Lei de Terras);
26.16 In casu, a concessão é de carácter provisório e a entidade concedente não autorizou a alteração da finalidade do terreno estipulada no contrato, sendo este o motivo de caducidade previsto na alínea b) do n.º 1 da cláusula décima quarta do contrato;
26.17 Em 16 de Janeiro de 2001, dois dias antes do termo do prazo de aproveitamento, a concessionária apresentou o requerimento de alteração de finalidade da concessão para a construção de um armazém de produtos de risco especial, posteriormente, em 26 de Abril de 2001, esclareceu os detalhes da pretendida alteração de finalidade e, em 25 de Abril e 12 de Julho de 2002, submeteu à apreciação da DSSOPT o estudo prévio referente a essa nova finalidade, bem como os documentos referentes à classe e categoria dos produtos a armazenar;
26.18 É de reafirmar que, desde o término do prazo de aproveitamento, ou seja, a partir de 18 de Janeiro de 2001, a concessionária nunca apresentou requerimento de prorrogação do referido prazo;
26.19 Face ao aludido requerimento de alteração de finalidade, pela informação n.º 169/DSODEP/2002, de 21 de Novembro, o DSODEP referiu que, tendo em consideração os pareceres solicitados, mormente o parecer desfavorável emitido pela Secção de Inactivação de Engenhos Explosivos Improvisados da UTIP do CPSP, no qual se revelava que “a localização do terreno em causa não é adequada para a construção de um armazém de produtos de risco especial”, pelo que propôs ao superior que fosse indeferido o requerimento;
26.20 Por despacho de 8 de Janeiro de 2003, o então Secretário para as Obras Públicas e Transportes determinou a devolução do processo à DSSOPT para estudo aprofundado;
26.21 Contudo, o DSODEP notificou verbalmente o representante da concessionária, Eng. A do conteúdo do ponto 15 da proposta, relativo ao parecer desfavorável do CPSP (vide despacho de 10 de Janeiro de 2003, do chefe do Departamento de Gestão de Solos, exarado na informação n.º 169/DSODEP/2002 );
26.22 Pelos requerimentos apresentados em 2 de Abril de 2009, 18 de Março e 19 de Outubro de 2010, e 9 de Maio de 2011, decorridos 8 anos sobre a data do pedido inicial, a concessionária insistiu no pedido de alteração de finalidade, mas a DSSOPT não deu nenhuma resposta aos aludidos requerimentos;
26.23 Todavia, não devemos olvidar que, na altura, tratámos dum processo instaurado a pedido da concessionária (requerimento de alteração de finalidade apresentado à DSSOPT em 16 de Janeiro de 2001), em seguida, a DSSOPT deve instruir o processo, realizar a análise e fornecer informações (cfr. art.º 112º da Lei de Terras e alínea b) do n.º 2 do art.º 7º da Lei Orgânica da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 27/97/M, de 7 de Julho), bem como efectuar a proposta de autorização ou de não autorização, cabendo ao Chefe do Executivo a proferir a decisão final (cfr. alínea d) do art.º 41º da Lei de Terras), pelo que, em caso de falta da referida decisão dentro de 90 dias, é conferida à concessionária a faculdade de presunção de indeferimento do pedido formulado, para que esta possa usar o método de impugnação previsto na lei (cfr. art.º 102º do Código do Procedimento Administrativo), ou, pelo menos, deve a mesma pedir informações à DSSOPT sobre o andamento do procedimento;
26.24 Embora a concessionária tenha pedido em Maio de 2005 a emissão de uma PAO, certo é que esta apenas insistiu novamente no pedido de alteração de finalidade em 2009 (decorridos 8 anos). Isto mostra que a concessionária não estava interessada no processo e no aproveitamento do terreno;
26.25 Deste modo, provou-se o facto inteiro da caducidade da concessão em causa, nos termos do disposto no despacho n.º 7/SOPT/2010, de 8 de Março de 2010, por ofício n.º 394/6234.02/DSODEP/2011, de 31 de Maio, foi notificada a concessionária, Fábrica de Isqueiros Chong Loi (Macau), Limitada, para apresentar, no prazo de 30 dias, justificação pelo incumprimento, sobretudo, do prazo de aproveitamento e dos encargos especiais estabelecidos nas cláusulas terceira, quinta e sexta do contrato de concessão titulado pelo despacho n.º 4/SATOP/95, bem como todos os documentos e informações considerados relevantes;
27. Por outro lado, o Grupo de Trabalho Jurídico (GTJ), estabelecido pelo Despacho do Chefe do Executivo, através da informação n.º 23/GTJ/2012, de 10 de Julho de 2012, analisou o processo e manifestou a sua concordância com o parecer emitido pelo DJUDEP na informação supra mencionada, propondo ao superior que autorizasse o seguimento do procedimento de declaração da caducidade da concessão do terreno, ao abrigo do contrato de concessão do terreno e das correspondentes disposições da Lei de Terras, e se procedesse a uma audiência prévia da concessionária face à intenção da decisão, bem como ao envio do processo à Comissão de Terras para efeitos de análise, emissão de parecer e de prosseguimento dos trâmites ulteriores depois de concluído o procedimento da respectiva audiência.
28. Tendo em conta os pareceres jurídicos emitidos pelo DJUDEP e GTJ, o DSODEP da DSSOPT elaborou a informação n.º 289/DSODEP/2012, de 17 de Outubro de 2012, referindo que a responsabilidade pelo incumprimento do aproveitamento do terreno devia ser integralmente imputada à concessionária e foi terminado o prazo de aproveitamento previsto no contrato de concessão do terreno, pelo que, nos termos do disposto no contrato de concessão do terreno e na Lei de Terras, deveria o Chefe do Executivo declarar a caducidade da concessão do terreno, bem como, nos termos do art.º 13º do Regulamento Administrativo n.º 16/2004, a concessionária perderia, a favor da RAEM, a totalidade das prestações do prémio e dos juros já pagos (no valor total de MOP2.897.081,00), além disso, nos termos do disposto no n.º 3 da cláusula décima quarta do contrato de concessão, a caducidade da concessão determinaria a reversão do terreno para a posse do Estado e todas as benfeitorias ali introduzidas seriam perdidas a favor da RAEM, sem direito a qualquer indemnização à concessionária. Deste modo, propôs-se na informação que se desencadeasse o procedimento de declaração da caducidade da concessão do terreno, bem como se enviasse o processo à Comissão de Terras para efeitos de emissão de parecer e de prosseguimento dos trâmites ulteriores depois de concluído o procedimento da audiência.
29. Após o director da DSSOPT e o Secretário para os Transportes e Obras Públicas terem emitido os seus pareceres favoráveis, em 13 de Novembro de 2012, o Chefe do Executivo também manifestou a sua concordância com a proposta.
30. Em 22 de Novembro de 2012, pelo ofício n.º 0834/6234.02/DSODEP/2012, a DSSOPT notificou a concessionária da intenção da decisão, podendo a mesma pronunciar-se por escrito sobre a aludida intenção da decisão no prazo de 10 dias contados a partir da data da notificação, ao abrigo do disposto nos artigos 93º e ss. do Código do Procedimento Administrativo.
31. Em 5 de Dezembro de 2012, a concessionária apresentou uma carta à DSSOPT, dando resposta à audiência escrita, na qual ela não concordou que se responsabilizasse pelo não aproveitamento do terreno, uma vez que a Administração só lhe oficiou em 31 de Maio de 2011 para solicitar a apresentação da justificação pela falta de aproveitamento do terreno, mas, antes disso, não tinha dado instruções expressas ou resposta ao requerimento de alteração de finalidade do terreno apresentado em 2001, bem como nunca emitiu qualquer advertência ou solicitou a justificação pelo não aproveitamento do terreno, nem desencadeou o procedimento de aplicação de multa; aliás, como é sabido, após a transferência de soberania em 1999, o Governo da RAEM realizou o novo planeamento do Aterro de Pac On, mas ainda não foi oficialmente publicado; ao longo desses 10 anos, foi congelada a emissão da PAO do referido Aterro, impossibilitando o aproveitamento dos terrenos concedidos do dito Aterro em conformidade com o contrato inicial. Para além das alegações factuais acima expostas, a concessionária ainda apresentou os argumentos relativos aos princípios e interpretação jurídicos.
32. Assim sendo, em 2 de Março de 2013, o DSODEP, através da informação n.º 93/DSODEP/2013, analisou as alegações factuais da concessionária. O CPSP emitiu um parecer inviável face ao requerimento de alteração de finalidade do terreno apresentado em 2001 (construção de um armazém de produtos de risco especial) e ao respectivo estudo prévio, pelo que, em 21 de Novembro de 2002, o DSODEP, através da informação n.º 169/DSODEP/2002, propôs ao superior que indeferisse o requerimento em apreço. Conforme a declaração, de 10 de Janeiro de 2003, do então chefe do departamento, exarada na informação, do parecer emitido pelo CPSP foi verbalmente notificado o representante da concessionária. De facto, a concessionária recebeu o ofício em 7 de Novembro de 2002, por qual foi notificada que deveria remover do terreno todas as matérias perigosas, por isso, mesmo que a Administração ainda não tenha respondido por escrito ao requerimento de alteração de finalidade do terreno, na verdade, a concessionária já está ciente de que o terreno em causa não pode ser destinado à construção de um armazém de produtos de risco e que não será deferido o referido requerimento.
33. Por outro lado, conforme as informações constantes do processo, em 13 de Maio de 2005, a concessionária pediu à DSSOPT que lhe emitisse a PAO do terreno em causa e, em 13 de Junho do mesmo ano, foi a mesma notificada para levantar a PAO. Na PAO n.º 92A107 emitida pela DSSOPT em 10 de Junho de 2005 estipulou-se que o terreno se destina exclusivamente a finalidade industrial. Deste modo, o DSODEP propôs ao superior que se reenviasse o processo ao DJUDEP, para efeitos de elaboração do relatório de audiência face aos argumentos relativos aos princípios e interpretação jurídicos. O director da DSSOPT autorizou a proposta.
34. Posteriormente, o chefe do DJUDEP, através da comunicação interna n.º 203/ DJUDEP/2013, de 9 de Agosto de 2013, comunicou ao DSODEP que o relatório em apreço tinha sido analisado pelo GTJ, solicitando-lhe que procedesse ao seguimento do respectivo procedimento e elaborasse a proposta para remeter o processo à Comissão de Terras para efeitos de emissão de parecer.
35. Nesta conformidade, em 8 de Outubro de 2013, o DSODEP, através da proposta n.º 286/DSODEP/2013, propôs ao superior que autorizasse o envio do processo à Comissão de Terras para efeitos de emissão de parecer e seguimento de procedimentos ulteriores. O director da DSSOPT proferiu despacho concordante em 8 de Outubro de 2013.
37.(sic) Tendo-se em conta que o facto de cessação da vigência da Lei n.º 6/80/M (Lei de Terras) se fundamenta na entrada em vigor da Lei n.º 10/2013 (nova Lei de Terras) em 1 de Março, portanto, ainda não se consegue formar a conclusão do procedimento da caducidade, a par disso, presentemente, é necessário saber se a aludida lei é aplicável a este caso.
38. Pelo exposto, tendo analisado o processo, a Comissão de Terras entendeu que a culpa deveria ser imputada à concessionária por não ter concluído o aproveitamento do terreno no prazo estipulado no contrato. Após ter obtido a concessão do terreno, a concessionária não realizou a construção dum edifício industrial destinado à fabricação de isqueiros, a explorar pela mesma. Embora o prazo de aproveitamento do terreno tenha sido prorrogado duas vezes, sem aplicação de qualquer multa, a concessionária nunca aproveitou o terreno. Só em dois dias antes do termo do último prazo de aproveitamento autorizado, a concessionária apresentou o requerimento de alteração de finalidade do terreno (construção de um armazém de produtos de risco especial), bem como tentou usar a falta da resposta da Administração ao referido requerimento como pretexto para deixar de cumprir o contrato. Na realidade, a Administração já notificou verbalmente o representante da concessionária do parecer desfavorável emitido pelo CPSP. A nova finalidade requerida pela concessionária é completamente incompatível com a intenção inicial da concessão, já que a concessão foi efectuada com dispensa de concurso público por esse projecto de investimento favorecer ao desenvolvimento industrial de Macau, sendo este um dos projectos de incentivo da indústria implementados pelo Governo.
Assim sendo, a Comissão de Terras concordou com a proposta da DSSOPT, não se opondo à declaração da caducidade da concessão dum terreno titulado pelo despacho n.º 4/SATOP/95, com a área de 4.932m2, situado na ilha da Taipa, no cruzamento da Estrada do Pac On com a Rua da Felicidade, designado por lote «O1», concedido, por arrendamento, a favor da Fábrica de Isqueiros Chong Loi (Macau), Lda., nos termos da alínea a) do n.º 1 da cláusula décima quarta do contrato da concessão do terreno e da alínea 1) do n.º 1 do artigo 166.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de Terras), e concordando que, nos termos do artigo 13.º do Regulamento Administrativo n.º 16/2004, a concessionária perderia, a favor da RAEM, a totalidade das prestações do prémio e dos juros já pagos (no valor total de MOP2.897.081,00), além disso, nos termos do disposto no n.º 3 da cláusula décima quarta do referido contrato, a caducidade da concessão determinaria a reversão do terreno para a posse do Estado e todas as benfeitorias ali introduzidas seriam perdidas a favor da RAEM.
Além do mais, por força do n.º 2 da cláusula décima quarta do mesmo contrato e do art.º 167.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de Terras), a caducidade da concessão é declarada por despacho do Chefe do Executivo, publicado no Boletim Oficial da RAEM”; (cfr., fls. 1775-v a 1779-v e 4 a 25 do Apenso).

Do direito

3. Inconformada com o pelo Tribunal de Segunda Instância decidido no âmbito do seu (anterior) recurso contencioso, traz a recorrente o presente recurso (jurisdicional), pedindo que se revogue o Acórdão recorrido com as suas legais e naturais consequências em relação ao despacho do Chefe do Executivo que declarou a “caducidade da concessão” por arredamento do terreno identificado nos autos.

Nada obstando o conhecimento do recurso, vejamos, começando-se, por nos parecer oportuno, com duas breves “notas”.

A primeira, para se dizer que, para uma boa, (melhor), compreensão do que em causa está nos presentes autos, adequado se apresenta de transcrever o teor do Parecer n.° 55/2013, de 17.03.2015, do S.O.P.T., no qual foi exarado o “despacho (concordante)” do Chefe do Executivo com o qual se declarou a caducidade da concessão por arrendamento do terreno atrás já identificado.

Tem, pois, o teor seguinte:

“Proc. n.° 55/2013 - Proposta de declaração de caducidade da concessão provisória, por arrendamento, do terreno com a área de 4 392m2, situado na ilha da Taipa, no cruzamento da Estrada do Pac On com a Rua da Felicidade, designado por lote «O1», a favor da sociedade Fábrica de Isqueiros Chong Loi (Macau), Limitada, pelo incumprimento das condições contratuais referente ao aproveitamento do terreno no prazo fixado, cuja concessão foi titulada pelo Despacho n.° 4/SATOP/95.
1. Pelo Despacho n.° 4/SATOP/95, publicado no Boletim Oficial de Macau, n.° 3, II Série, de 18 de Janeiro de 1995, foi concedido, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, um terreno não descrito na Conservatória do Registo Predial (CRP), com a área de 4 392m2, situado na ilha da Taipa, no cruzamento da Estrada do Pac On com a Rua da Felicidade, designado por lote «O1», a favor da sociedade Fábrica de Isqueiros Chong Loi,(Macau), Limitada.
2. De acordo com o estipulado na cláusula segunda do contrato da concessão, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da publicação no Boletim Oficial de Macau do despacho que titula o contrato, ou seja, até 17 de Janeiro de 2020.
3. De acordo com o estipulado na cláusula terceira do contrato da concessão, o terreno seria aproveitado com a construção de um edifício industrial de quatro pisos, destinado à fabricação de isqueiros, a explorar directamente pela concessionária.
4. De acordo com o estipulado no n.° 1 da cláusula quinta do contrato da concessão, o prazo global de aproveitamento do terreno é de 24 meses, contados a partir da publicação no Boletim Oficial de Macau do despacho que titula o contrato, ou seja, até ao dia 17 de Janeiro de 1997.
5. Constituem encargos especiais a suportar exclusivamente pela concessionária a desocupação do respectivo terreno concedido e a remoção do mesmo de todas as construções e materiais porventura aí existentes.
6. O prémio do contrato no valor de $2 862 081,00 patacas foi liquidado integralmente pela concessionária.
7. A concessionária só após o prazo de aproveitamento ter terminado é que apresentou à Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT), em 3 de Março de 1997, um pedido a solicitar autorização para a prorrogação do prazo de aproveitamento, alegando que desde meados de 1996 a União Europeia tinha começado a levantar problemas com os isqueiros produzidos em Macau e com a certificação de origem dos produtos, o que prejudicou o pedido de empréstimo a um banco em Macau efectuado pela respectiva sociedade. Referiu também que a situação desfavorável do sector da indústria de Macau estava relacionada com os inúmeros terrenos concedidos pelo Governo de Macau para fins industriais, impossibilitando o aproveitamento do terreno pela sociedade.
8. De acordo com o despacho de 13 de Junho de 1997 do então Secretário-Adjunto para os Transportes e Obras Públicas (SATOP), exarado sobre a informação n.° 027/SOLDEP/97, de 27 de Maio de 1997, foi autorizada a prorrogação do prazo do aproveitamento do terreno por mais 24 meses, ou seja, até 18 de Janeiro de 1999 e sem aplicação de multa.
9. Posteriormente, a concessionária por requerimento datado de 11 de Dezembro de 1998, solicitou uma nova prorrogação do prazo de aproveitamento até ao ano 2001, em virtude da crise económica que estava a afectar o Território e que tinha provocado a interrupção das negociações com uma instituição financeira. De acordo com o despacho de 16 de Abril de 1999 do então SATOP exarado na informação n.° 034/DSODEP/99, de 10 de Fevereiro de 1999, foi autorizada a prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno até 18 de Janeiro de 2001 e sem aplicação de multa.
10. Dois dias antes do termo da segunda prorrogação do prazo de aproveitamento aprovada, ou seja, em 16 de Janeiro de 2001, a concessionária apresentou um requerimento à DSSOPT, solicitando ao Chefe do Executivo autorização para alteração da finalidade inicial do terreno de fábrica de isqueiro para armazém de produtos de risco especial, tendo as respectivas informações complementares sido entregues em 26 de Abril de 2001.
11. Posteriormente, a concessionária apresentou à mesma entidade, em 25 de Abril de 2002, o estudo prévio do referido armazém de produtos de risco especial e, em 12 de Julho de 2002, indicou o tipo de produtos de risco especial e entregou as respectivas informações complementares.
12. Ouvidos os pareceres das várias entidades competentes e como o Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP) tinha emitido parecer desfavorável, o Departamento de Gestão de Solos (DSODEP) da DSSOPT, através da informação n.° 169/DSODEP/2002, de 21 de Novembro, propôs superiormente o indeferimento do pedido de alteração da finalidade do terreno acima referido. Por despacho de 08 de Janeiro de 2003, exarado pelo então SOPT na respectiva informação, foi determinada a devolução do processo à DSSOPT.
13. De acordo com as fotografias tiradas in loco no dia 9 de Outubro de 2011, embora os materiais existentes no terreno já tivessem sido retirados, o mesmo estava ocupado pelos veículos pesados e recipientes de armazenamento. No entanto, o terreno até essa altura ainda não tinha sido aproveitado de acordo com o estipulado no contrato.
14. A DSSOPT através de ofício, de 31 de Maio de 2011, solicitou à concessionária a apresentação de esclarecimentos e motivos razoáveis que justificassem o incumprimento do prazo de aproveitamento.
15. Para isso, a concessionária, por meio de carta de 22 de Junho de 2011, justificou que os requerimentos dirigidos à Administração para a prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno em 1997 e 1999 tinham sido aceites. Posteriormente, em virtude da política de desenvolvimento da sociedade em causa, solicitou-se em Janeiro de 2001 a alteração da finalidade do terreno para a construção de um armazém de produtos de risco especial. Como nunca chegou a receber uma resposta da Administração, submeteu então cartas à mesma em 2 de Abril de 2009, 18 de Março de 2010, 19 de Outubro de 2010 e 9 de Maio de 2011, solicitando indicações claras sobre o pedido de alteração da finalidade do terreno. Porém, até essa altura não chegou a receber nenhuma indicação clara nem resposta e por esta razão a respectiva sociedade não cumpriu o contrato de concessão. Face ao exposto, a concessionária solicitou à Administração autorização para que pudesse cumprir o estipulado no contrato inicial e comprometeu-se a concluir o aproveitamento do terreno dentro de 20 meses contados a partir da data da nova aprovação da construção da obra. Propôs ainda a apresentação de um novo projecto de arquitectura dentro de 50 dias e de um novo projecto de obras dentro de 70 dias, o início da execução das obras dentro de 40 dias após a aprovação dos projectos e comprometeu-se ainda a cumprir os encargos especiais a tempo.
16. O DSODEP, através da informação n.° 345/DSODEP/2011, de 13 de Dezembro, descreveu a situação do processo, informando que desde a publicação do Despacho n.° 4/SATOP/95, o terreno nunca chegou a ser aproveitado. Afirmou ainda que, de acordo com a justificação da concessionária, o atraso se deveu à crise no sector industrial e à modificação da conjuntura económica, assim como às suas estratégias de desenvolvimento, fazendo com que a respectiva sociedade tivesse que alterar, pelo que em 2001 efectuou o pedido de modificação do aproveitamento do terreno para a construção de um armazém de produtos de risco especial, não tendo, no entanto, recebido qualquer resposta da Administração. Conforme o que foi em cima referido, o então SOPT apenas exarou despacho a determinar o reenvio do processo à DSSOPT para se proceder a um estudo profundo do mesmo, não tendo exarado um despacho final, por isso, até agora a referida Direcção de Serviços não chegou a dar uma resposta por escrito ao respectivo pedido.
17. Não obstante, mesmo que não tendo ainda realizado o aproveitamento de acordo com o previsto no contrato de concessão nem solicitado a prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno após o termo do respectivo prazo, tinha sido autorizado à concessionária por duas vezes a prorrogação do prazo de aproveitamento do mesmo e com dispensa de pagamento da multa.
18. Além disso, a concessionária nunca procedeu ao aproveitamento do terreno de acordo com o projecto de arquitectura aprovado em 28 de Março de 1995 e decorrido o período de validade do projecto aprovado, a mesma não solicitou a emissão da respectiva licença para o início das obras. Pelo contrário, em 2001 solicitou a alteração da finalidade do terreno para armazém de produtos de risco especial e na realidade a nova finalidade solicitada não obedecia em nada à parte preambular e ao disposto na cláusula terceira do Despacho n.° 4/SATOP/95, uma vez que a concessão tinha sido atribuída com dispensa de concurso público por se tratar de um empreendimento de interesse para o desenvolvimento da RAEM e pertencer a um empreendimento industrial estimulado pelo governo, pelo que as responsabilidades pelo incumprimento de aproveitamento do terreno poderão ser inteiramente imputadas à concessionária.
19. Em 10 de Julho de 2012, o DJUDEP, através da informação n.° 30/DJUDEP/2012, emitiu parecer jurídico.
20. Por outro lado, o Grupo de Trabalho Jurídico (GTJ) criado por despacho do Chefe do Executivo através da informação n.° 23/GTJ/2012, de 10 de Julho de 2012, procedeu a uma análise sobre o processo e concordou com o parecer constante da informação do DJUDEP supramencionada, propondo autorização superior que se prosseguisse com o procedimento de declaração da caducidade da concessão do terreno, ao abrigo das respectivas disposições do contrato e da Lei de Terras, se realizasse a audiência prévia da concessionária sobre o projecto de decisão, e posteriormente se enviasse o processo à Comissão de Terras para análise e parecer e prosseguimento dos trâmites ulteriores após a conclusão do processo de audiência.
21. ADSSOPT através do ofício n.° 0834/6234.02/DSODEP/2012, de 22 de Novembro de 2012, notificou a concessionária do respectivo projecto de decisão, devendo a mesma no prazo de dez dias contados a partir da recepção dessa notificação pronunciar-se por escrito relativamente ao projecto de decisão, conforme o artigo 93.° e seguintes do Código de Procedimento Administrativo (CPA).
22. A concessionária apresentou uma carta à DSSOPT em 5 de Dezembro de 2012 referente à audiência escrita, na qual discorda que a responsabilidade pelo incumprimento do aproveitamento do terreno seja assumida pela mesma, mas os argumentos invocados não alteraram o sentido da decisão.
23. Em consequência disto, o DSODEP através da proposta n.° 286/DSODEP/2013, de 8 de Outubro de 2013, propôs superiormente autorização para o envio do processo à Comissão de Terras para emissão de parecer e prosseguimento das tramitações ulteriores, tendo o director da DSSOPT proferido o seu despacho concordante em 8 de Outubro de 2013.
24. Reunida em sessão de 19 de Junho de 2014, a Comissão de Terras, analisado o processo e tendo em consideração as informações n.° 345/DSODEP/2011, de 13 de Dezembro de 2011, n.° 30/DJUDEP/2012, de 10 de Julho de 2012, n.° 23/GTJ/2012, de 10 de Julho de 2012, n.° 289/DSODEP/2012, de 17 de Outubro de 2012, n.° 93/DSODEP/2013, de 22 de Março de 2013, e n.° 39/DJUDEP/2013, de 26 de Junho de 2013, e a proposta n.° 286/DSODEP/2013, de 8 de Outubro de 2013, os pareceres nelas emitidos, os despachos exarados na informação n.° 289/DSODEP/2012 pelo SOPT em 9 de Novembro de 2012 e pelo Chefe do Executivo em 13 de Novembro de 2012, considera que deverá ser declarada a caducidade de concessão, por arrendamento, a favor da sociedade Fábrica de Isqueiros Chong Loi (Macau), Limitada, de um terreno com a área de 4 392m2, situado na ilha da Taipa, no cruzamento da Estrada do Pac On com a Rua da Felicidade, designado por lote «O1», titulada pelo Despacho n." 4/SATOP/95, nos termos da alínea a) do n.° 1 da cláusula décima quarta do respectivo contrato de concessão do terreno e da alínea 1) do n.° 1 do artigo 166° da Lei n.° 10/2013 (Lei de Terras). Concorda ainda que a concessionária perderá, a favor da RAEM, a totalidade das prestações do prémio e respectivos juros (num valor total de $2 897 081,00 patacas) já pagas, ao abrigo do artigo 13° do Regulamento Administrativo n.° 16/2004, bem como que, nos termos do n.° 3 da cláusula décima quarta do respectivo contrato, a caducidade de concessão determinará a reversão do terreno para o Estado e a reversão para a RAEM de todas as benfeitorias nele introduzidas, sem direito a qualquer indemnização por parte da concessionária.
Consultado o processo supra mencionado e concordando com o que vem proposto pelas razões indicadas naquele, solicito a Sua Excelência o Chefe do Executivo que declare a caducidade da concessão do referido terreno”; (cfr., fls. 587 a 592 do Apenso).

Aqui chegados, passemos à segunda nota para se consignar que o presente “recurso” implica a abordagem duma “matéria” que, nos últimos anos tem suscitado a atenção e opinião pública local; (cfr., v.g., sobre o tema Maria de Nazaré Saias Portela in, “A Caducidade no Contrato de Concessão de Terras”, Comunicação apresentada nas 3as Jornadas de Direito e Cidadania da Assembleia Legislativa da R.A.E.M., Janeiro 2011, pág. 419 e segs., o “Relatório” do C.C.A.C. sobre a matéria, datado de 15.12.2015, dando conta de mais de uma centena de lotes de terrenos em situações de não aproveitamento, notando-se, também, o recente trabalho de Paulo Cardinal, “Estudos Relativos à Lei de Terras de Macau”, 2019, onde se dedica ao tema um dos seus capítulos com o sugestivo título de: “Caducidades: Breves notas sobre a Polissemia da «Caducidade» na Lei de Terras de Macau”, cfr., pág. 251 e segs.).

Aliás, a reduzida extensão territorial da R.A.E.M., a conhecida (e muitas vezes, feroz) especulação imobiliária, a (cada vez mais) elevada densidade populacional, e a existência de um grande número de terrenos concedidos e que acabaram por não ser objecto de desenvolvimento nos termos das respectivas cláusulas contratuais, (cfr., o citado Relatório do C.C.A.C.), só podia dar lugar a um “aceso debate” sobre a situação, as suas soluções, assim como da (eventual) necessidade de alteração do seu regime legal.

Por sua vez, é também de várias dezenas o número de processos em que esta Instância se tem ocupado, apreciado e emitido pronúncia sobre a questão da “caducidade das concessões de terrenos”, sendo, em nossa opinião, se bem ajuizamos, e tanto quanto nos foi possível apurar, (legalmente) justa e adequada a solução a que se chegou, e que, por isso, desde já se mantém; (cfr., v.g., os Acs. deste T.U.I. de 11.10.2017, Proc. n.° 28/2017; de 07.03.2018, Proc. n.° 1/2018; de 23.05.2018, Proc. n.° 7/2018; de 06.06.2018, Proc. n.° 43/2018; de 15.06.2018, Proc. n.° 30/2018; de 31.07.2018, Procs. n°s 69/2017 e 13/2018; de 05.12.2018, Proc. n.° 98/2018; de 12.12.2018, Proc. n.° 90/2018; de 19.12.2018, Proc. n.° 91/2018; de 23.01.2019, Proc. n.° 95/2018; de 31.01.2019, Procs. n°s 62/2017 e 103/2018; de 20.02.2019, Proc. n.° 102/2018; de 27.02.2019, Proc. n.° 2/2019; de 13.03.2019, Proc. n.° 16/2019; de 27.03.2019, Proc. n.° 111/2018; de 04.04.2019, Proc. n.° 2/2019; de 10.07.2019, Procs. n°s 12/2019 e 13/2019; de 24.07.2019, Proc. n.° 75/2019; de 30.07.2019, Proc. n.° 72/2019; de 18.09.2019, Proc. n.° 26/2019; de 04.10.2019, Proc. n.° 11/2017; de 29.11.2019, Procs. n°s 81/2017 e 118/2019; de 26.02.2020, Proc. n.° 106/2018; de 03.04.2020, Procs. n°s 7/2019 e 15/2020; de 29.04.2020, Proc. n.° 22/2020; de 06.05.2020, Proc. n.° 31/2020; de 13.05.2020, Proc. n.° 29/2020; de 10.06.2020, Proc. n.° 35/2020; de 26.06.2020, Proc. n.° 53/2020; de 01.07.2020, Proc. n.° 55/2020; de 10.07.2020, Proc. n.° 38/2020; de 22.07.2020, Proc. n.° 54/2020; de 31.07.2020, Proc. n.° 18/2020; de 09.09.2020, Procs. n°s 56/2020, 62/2020 e 63/2020; de 16.09.2020, Procs. n°s 65/2020, 85/2020 e 94/2020; de 23.09.2020, Procs. n°s 104/2020, 119/2020 e 135/2020 e de 14.10.2020, Proc. n.° 125/2020).

Não nos parecendo ser este o local para se elaborar ou tecer grandes considerações sobre o tema, tentar-se-á dar cabal resposta às questões colocadas.

Pois bem, percorrendo a alegação de recurso apresentada e as longas conclusões pela recorrente aí, a final, produzidas, (em número de “115”), constata-se que imputa a mesma ao Acórdão recorrido as maleitas seguintes:
- vício de violação de lei por erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários;
- vício de forma por falta de fundamentação e da violação do princípio da igualdade;
- violação da cláusula 14ª, n.° 1, alínea a) e da cláusula 8ª, n.° 1 do contrato de concessão;
- violação do artigo 166°, n.° 1, alínea a) da Antiga Lei de Terras e do artigo 166°, n.° 1, alínea 1) da Nova Lei de Terras;
- violação dos deveres de fiscalização jurídica por parte da Administração;
- violação do princípio da boa-fé e da tutela da confiança; e
- violação do princípio da proporcionalidade.

Ora, sem prejuízo do muito respeito devido, cabe aqui referir que estas (idênticas) “questões” foram já no Acórdão pelo Tribunal de Segunda Instância proferido tratadas e solucionadas de forma que se nos mostra adequada e em sintonia com o que sobre a matéria tem esta Instância vindo a considerar – v.g. – nos veredictos atrás citados, sendo de se notar também que nas contra-alegações da entidade recorrida e Parecer do Ministério Público se dá clara e cabal resposta à pretensão da recorrente, a qual, desde já se consigna que não se apesenta conceder provimento, muito não se mostrando de consignar para o demonstrar.

Seja como for, não se deixa de dizer o que segue.

–– Comecemos, como nos parece lógico pela assacada “falta de fundamentação”.

Ora, como (cremos que) sem esforço se vê, manifesta é a falta de razão da ora recorrente.

Como se evidencia pelo que atrás se deixou relatado, a “decisão administrativa” em questão, (cabendo notar que o presente recurso tem como objecto o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância e não aquela), é um “despacho concordante” do Chefe do Executivo, (“Concordo”), e que – como tem constituído entendimento pacífico, firme e repetido – faz seus os argumentos e fundamentos de facto e de direito enunciados nos expedientes que lhe antecedem, (cabendo aqui destacar o parecer do S.T.O.P. que atrás se deixou transcrito), e que, por sua vez, são claros e bastantes quanto às razões de facto e de direito do decidido.

Como recentemente, (acompanhando-se igualmente entendimento firme), se decidiu:

“A fundamentação, ao servir para enunciar as razões de facto e de direito que levaram o autor do acto a praticá-lo com certo conteúdo, encobre duas exigências de natureza diferente: a exigência de o órgão administrativo justificar a decisão, identificando a situação real ocorrida, subsumindo-a na previsão legal e tirando a respectiva consequência, e uma outra exigência, nas decisões discricionárias, de motivar a decisão, ou seja, explicar a escolha da medida adoptada, de forma a compreender-se quais os interesses e factores considerados na opção tomada, sendo uma exigência flexível e necessariamente adaptável às circunstâncias do acto em causa, nomeadamente, ao tipo e natureza do acto, devendo, em qualquer das circunstâncias, ser facilmente intelegível por um destinatário dotado de um mediana capacidade de apreensão e normalmente atento.
Para que uma (eventual) insuficiência de fundamentação equivalha à sua falta (absoluta), é preciso que seja “manifesta”, no sentido de ser tal que fiquem por determinar os factos ou as considerações que levaram o órgão a agir ou a tomar aquela decisão, ou então, que resulte, evidente, que o agente não realizou um exame sério e imparcial dos factos e das disposições legais, por não ter tomado em conta interesses necessariamente implicados.
Nos termos do art. 115°, n.° 1 do C.P.A., é (perfeitamente) admissível exprimir uma fundamentação por referência, feita com remissão de concordância e em que se acolhe as razões (de facto e de direito) informadas que passam a constituir parte integrante do acto administrativo praticado”; (cfr., v.g., o citados Acs. desta Instância de 10.06.2020, Proc. n.° 35/2020, de 16.09.2020, Proc. n.° 85/2020 e de 23.09.2020, Proc. n.° 135/2020).

Por sua vez, cabe dizer que a colocada questão, não deixa de constituir uma “falsa questão” pois que a mesma já foi objecto de expressa e adequada apreciação e decisão pelo Acórdão do Tribunal de Segunda Instância – e embora seja esta a “decisão” que (agora) constitui o objecto do presente recurso (jurisdicional) para esta Instância – verifica-se que se limita a recorrente a repetir o antes já alegado no seu anterior recurso contencioso que tinha como objecto o “acto administrativo” a que se refere, mais não se mostrando de dizer, porque, ocioso.

–– Quanto aos restantes “vícios” pela recorrente assacados ao Acórdão recorrido e atrás identificados, e que, em nossa opinião, se podem considerar como “erros na aplicação do direito” e “violações aos princípios fundamentais de direito administrativo”, em especial, o da “igualdade”, da “boa fé”, da “tutela da confiança”, e da “proporcionalidade”, a mesma se nos apresenta que deve ser a solução.

Com efeito, e como atrás já se deixou assinalado, tem constituído entendimento repetido e firme deste Tribunal de Última Instância que:

“Perante a falta de aproveitamento do terreno por culpa do concessionário no prazo de aproveitamento previamente estabelecido, a Administração está vinculada a praticar o acto administrativo, cabendo ao Chefe do Executivo declarar a caducidade da concessão”, sendo de realçar que “No âmbito da actividade vinculada não releva a alegada violação dos princípios gerais do Direito Administrativo, incluindo os princípios da boa fé, da justiça e da igualdade, da adequação, da proporcionalidade e ainda da colaboração entre a Administração e os particulares”, pois que “Se a Administração, noutros procedimentos administrativos, ilegalmente, não declarou a caducidade de outras concessões, supostamente havendo semelhança dos mesmos factos essenciais, tal circunstância não aproveita, em nada, à concessionária em causa visto que os administrados não podem reivindicar um direito à ilegalidade”; (cfr., v.g., entre muitos, os recentes Acs. desta Instância de 10.06.2020, Proc. n.° 35/2020 e de 10.07.2020, Proc. n.° 38/2020, de 16.09.2020, Proc. n.° 85/2020, de 23.09.2020, Proc. n.° 104/2020 e de 14.10.2020, Proc. n.° 125/2020).

Nesta conformidade, resultando da factualidade provada que o “prazo de aproveitamento do terreno” concedido terminou em 18.01.2001, (isto, após duas prorrogações de 2 anos cada), e que o despacho da entidade recorrida é datado de 22.03.2015, evidente se nos apresenta que ocorreu um “arrastamento processual” que não pode deixar de ser imputado à recorrente, que mais não fez do que apresentar sucessivos pedidos de “alterações”, de “novos projectos” e “justificações” que, pelos motivos atrás expostos, não foram aceites.

Daí, e sem necessidade de mais alongadas considerações, a solução que segue.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos que se deixam expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente, com a taxa de justiça de 10 UCs.

Registe e notifique.

Macau, aos 30 de Outubro de 2020


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Álvaro António Mangas Abreu Dantas
1 In Manual de Direito Administrativo Vol. 2, pag. 136
2 Veja-se, neste sentido, a emissão da Planta de Alinhamento Oficial, em 10 de Junho de 2005, com a finalidade inicial.
3 Sobre o dever de pronúncia e dever de decisão, veja-se o CPA Anotado (Mário Esteves de Oliveira e outros), Almedina, 1997 pags. 125 e ss.
4 Plano este sobre o qual nada se sabe, e.g. data de início da sua elaboração, se o mesmo se encontra concluído, etc.
5 Curso de Direito Administrativo Vol. 2,2011, pág. 141 e segs.
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