Processo nº 125/2020 Data: 14.10.2020
(Autos de recurso jurisdicional)
Assuntos : Concessão de terrenos.
Caducidade.
Matéria de facto.
Princípios fundamentais de direito administrativo.
Acto vinculado.
SUMÁRIO
1. A competência do Tribunal de Última Instância para apreciar a “decisão proferida quanto à matéria de facto” é limitada pelo n.º 2 do art. 649° do C.P.C.M., (subsidiariamente aplicável por força do disposto no art. 1° do C.P.A.C.), nos termos do qual, “A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo se houver ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.
Nesta conformidade, o Tribunal de Última Instância, em recurso jurisdicional – como é o caso – não pode censurar a convicção formada pelas Instâncias quanto à prova; podendo, porém, reconhecer, (e declarar), que há obstáculo legal a que tal convicção se tivesse formado, (quando tenham sido violadas normas ou princípios jurídicos no julgamento da matéria de facto), sendo assim, uma censura que se confina à “legalidade do apuramento dos factos, e não respeita, directamente, à existência ou inexistência destes”.
2. Perante a falta de aproveitamento do terreno por culpa do concessionário no prazo (de aproveitamento) previamente estabelecido, a Administração está vinculada a praticar o acto administrativo, cabendo ao Chefe do Executivo declarar a caducidade da concessão.
No âmbito da actividade vinculada não releva a alegada violação dos princípios gerais do Direito Administrativo, incluindo os princípios da boa fé, da justiça e da igualdade, da adequação, da proporcionalidade e ainda da colaboração entre a Administração e os particulares.
Se a Administração, noutros procedimentos administrativos, ilegalmente, não declarou a caducidade de outras concessões, supostamente havendo semelhança dos mesmos factos essenciais, tal circunstância não aproveita, em nada, à concessionária em causa visto que os administrados não podem reivindicar um direito à ilegalidade.
O relator,
José Maria Dias Azedo
Processo nº 125/2020
(Autos de recurso jurisdicional)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. “COMPANHIA DE PRODUTOS PETROLÍFEROS VITÓRIA, LIMITADA”, com sede em Macau, interpôs, no Tribunal de Segunda Instância, recurso contencioso do despacho do CHEFE DO EXECUTIVO de 30.03.2015 que declarou a caducidade da concessão por arrendamento do terreno com a área de 973 m2, situado na Ilha da Coloane, na Estrada do Altinho de Ká Hó, devidamente identificado nos presentes autos; (cfr., fls. 2 a 76 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
*
Por Acórdão de 02.04.2020, (Proc. n.° 435/2015), foi o recurso julgado improcedente; (cfr., fls. 322 a 375-v).
*
Inconformada com o decidido, do mesmo traz a recorrente o presente recurso, alegando para, em conclusões, dizer o que segue:
“1. O TSI erra no julgamento sobre a matéria de facto porquanto não deu como provado ou não considerou factos alegados e provados, quer por prova plena, quer admitidos por acordo e não impugnados, e ainda outros de relevante importância para discussão da causa decorrentes daqueles.
2. Estão nessa circunstância os factos alegados nas peças processuais e coligidos nestas alegações no ponto 9 supra, todos constantes nos autos, designadamente no processo instrutor, em documentos legislativos e administrativos da RAEM, declarações públicas dos titulares de governo da RAEM e depoimentos de testemunha em audiência de julgamento.
3. (1º Bloco de Factos) O TSI erra no julgamento ao não considerar o acto de declaração de caducidade violador do princípio da boa fé e da tutela da confiança previsto no artigo 8º do CPA, porquanto:
a) a Administração até à declaração de caducidade não cumpriu as suas obrigações contratuais de: 1) demarcação e entrega do terreno à concessionária 2) proceder ao nivelamento do terreno, que estava (e ainda está) incrustado numa colina íngreme do monte de Seac Pai Van, e, 3) não ter construído as infra-estruturas públicas para o aproveitamento deste e de outros terrenos no âmbito do Plano Urbanístico de Seac Pai Van, que, obviamente, constituem razões impeditivas do aproveitamento do terreno desde data da celebração da concessão.
b) Sendo o aproveitamento do terreno simultaneamente uma obrigação contratual e um direito da concessionária ao aproveitamento do terreno, o seu exercício só poderia ser concretizado a partir do momento em que à Administração disponibilizasse o terreno apto a ser aproveitado, facto que nunca aconteceu durante a vigência do contrato de concessão.
c) No caso dos autos, é manifesto que, o concessionário não cumpriu o contrato porque, manifestamente a Administração não cumpriu as suas obrigações jurídicas como pré-condições para o cumprimento das obrigações da concessionária.
d) Pelo que, não pode o mesmo concedente, valendo-se do facto a que deu origem de o aproveitamento não ter sido concluído no prazo, vir, sem mais, declarar essa falta de aproveitamento como fundamento para a declaração de caducidade.
e) Essa é uma posição jurídica que lhe é negada pela proibição de actuação em abuso de direito e pelos ditâmes de conduta que lhe impõe a boa fé.
4. (2º Bloco de Factos) O TSI erra no julgamento ao não considerar o acto de declaração de caducidade violador do princípio da boa fé e da tutela da confiança previsto no artigo 8º do CPA (venire contra factum proprium), porquanto:
a) O envio envia um ofício à concessionária transmitindo a aceitação da justificação do incumprimento apresentada anteriormente (ponto 9 do parecer da Comissão de Terras), constitui uma conduta geradora de confiança.
b) A Administração, tendo aceitado as justificações da concessionária, não pode agora, vir usar essa sua posição jurídica contra a concessionária, dizendo nomeadamente que incumpriu o prazo de aproveitamento quando ela própria aceitando essas justificações desonerou o cumprimento da obrigação durante aquele período;
c) Assim sendo, não pode a Administração exercer uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente sobe pena de venire contra factum proprium, violadora da Lei.
5. (3° Bloco de Factos) O T5I erra no julgamento ao não considerar o acto de declaração de caducidade violador do princípio da boa fé e da tutela da confiança previsto no artigo 8° do CPA, porquanto:
a) A Administração reconheceu a existência de eventos fora do controlo dela própria e do concessionário durante o período de 1997 - 2003/2004 tais como 1) A crise financeira Asiática, 2) a SARS (síndrome respiratória aguda) e 3) o clima geral de insegurança vivido no período final da Administração Portuguesa como factores determinantes da crise económica de Macau 1997-2006.
b) Para a crise económica provocada por aqueles factores fora do controlo da Administração e dos cidadãos, a Administração tomou medidas legislativas, administrativas e estabeleceu em abstracto princípios e comportamentos de actuação com vista à protecção de bens, valores e interesses que se viram afectados por aqueles eventos fora de controlo, quer dela própria, quer dos concessionários.
c) No que toca aos contratos de concessões por arrendamento em vigor durante o período da crise económica referida, as circunstâncias da base económica dos contratos, da sua equação financeira foi alterada devido á crise financeira, nos quais se encontrava o contrato da concessionária;
d) Por isso, dezenas de contratos de concessão acabaram por não ser cumpridos, sem que a Administração penalizasse os respectivos concessionários, precisamente por haver um reconhecimento político-administrativo (vejam-se os factos provados) de uma alteração severa das circunstâncias da base contratual por causa não imputável e fora do controlo das partes.
e) Assim, a Administração ao vir declarar a caducidade da concessão, omitindo toda a ambiência do cumprimento dos contratos de concessão em Macau durante aquele período de crise económica, isto é, o reconhecimento político-administrativo (vejam-se os factos provados) da alteração severa das circunstâncias da base contratual das concessões devido à crise económica, que levou à não penalização generalizada dos concessionários por incumprimento, é um venire contra factum proprium violador do princípio da boa-fé.
6. (3°Bloco de Factos) O TSI erra, ainda; no julgamento ao não considerar o acto de declaração de caducidade violador do princípio da igualdade Artigo 5° do CPA, porquanto;
a) As justificações para o incumprimento contratual dos concessionários, atrás referidas, SARS, crise financeira, factos notórios, imprevisíveis e incontroláveis, foram aceites pelo concedente legalmente para outros concessionários, veja-se o Parecer n.° 473/CCP/2011 19 de Agosto de 2011 do assessor do Gabinete do Chefe do Executivo junto aos autos, mas recusadas para a recorrente;
b) Sendo os argumentos justificativos substancialmente idênticos, a sua não aceitação constitui uma medida discriminatória materialmente infundada, sem qualquer fundamento razoável ou sem qualquer justificação objectiva e racional, violadora do princípio da igualdade;
7. (4º Bloco de Factos) O TSI erra no julgamento ao não considerar o acto de declaração de caducidade violador do princípio da boa fé e da tutela da confiança previsto no artigo 8º do CPA, porquanto;
a) Apesar de Administração não ter disponibilizado o lote em condições para o exercício do direito de aproveitamento do terreno por parte da concessionária, o facto de ter iniciado um procedimento administrativo de apreciação e por fim aprovado o projecto de, à luz de um comportamento racional, na perspectiva de um homem médio - medianamente prudente, diligente e capaz - colocado na posição do concessionário o que a Administração está a dizer é que pretende cumprir o contrato de concessão, caso contrário não tinha aprovado projecto de construção;
b) Não tendo o prazo de aproveitamento inicial começado a correr por impedimentos ao exercício do direito ao aproveitamento da concessionária causados pela Administração, designadamente, o nivelamento do terreno, a construção das infra-estruturas publicas para o aproveitamento deste e de outros terrenos no âmbito do Plano Urbanístico de Seac Pai Van, e em especial, a transmissão da posse e demarcação do terreno, nunca qualquer pedido de prorrogação do prazo de aproveitamento poderia ser requerido por impossibilidade objectiva do exercício do direito.
8. (5º Bloco de Factos) O TSI erra no julgamento ao não considerar o acto de declaração de caducidade violador do princípio da boa fé e da tutela da confiança previsto no artigo 8º do CPA, porquanto;
a) Tendo a Administração imposto grandes alterações com impacto financeiro no contrato: Primeira: a elaboração do projecto e a execução das obras de estabilização dos taludes existentes na área, incluindo a construção de uma faixa envolvente, com a largura mínima de 30 metros (a seguir "faixa envolvente de 30 metros"); E a segunda: a construção do muro de suporte que deve ficar dentro da limitação futura do terreno;
b) Sendo o contrato de concessão por arrendamento o contrato de natureza formal, conforme artigos, 107º nº 3, 125 nº 3 da Lei nº 6/80/M e ainda 141º, nº 2 da Lei 10/2013, As alterações referidas supra careciam de uma revisão contratual, cuja a instrução cabia nos termos da Lei à Administração.
c) Não tendo, até ao momento da declaração de caducidade a concessionária não foi notificada da abertura de qualquer processo de revisão nem essa revisão foi feita, vir declarar a caducidade do contrato, prevalecendo-se de comportamentos omissivos e ilícitos seus, no caso, não proceder a revisão contratual imposta unilateralmente é, um manifesto e absoluto abuso do direito.
9. (6º e 7º Bloco de Factos) O TSI erra no julgamento ao não considerar o acto de declaração de caducidade violador do princípio da boa fé e da tutela da confiança previsto no artigo 8º do CPA, porquanto;
a) Para além dos comportamentos prévios em manifesto abuso do direito, designadamente, não entregar a posse e disponibilizar o lote de terreno em condições de ser aproveitado, e, não proceder à revisão do contrato para acomodar legal e contratualmente os novos encargos especiais, os 6º e 7º bloco de factos constituem manifestos comportamentos desleais como os caracterizados por venire contra factum proprium, comportamentos contraditórios, como é o caso concreto da Administração que durante aqueles anos, foi criando condutas criadoras de confiança na concessionária e, de repente, muda completamente de posição, pondo em causa toda a confiança e expectativas criadas no particular.
b) Mesmo que se admitisse como válido o raciocínio, que não é, que por mera hipótese de patrocínio se coloca, que o prazo de aproveitamento tinha terminado, é lícito perguntar, porque é que a Administração não declarou a caducidade desde logo, em vez de ter aceitado, apreciado e aprovado o projecto apresentado pelo concessionário, exigindo inclusivamente alterações ao mesmo com a emissão da PAO de 19.02.2001.
c) Estes comportamentos da Administração olhados na perspectiva da pessoa média, significam que a Administração pretende cumprir o contrato de concessão, caso contrário não tinha aceitado o projecto de construção, não tinha exigido alterações desse mesmo projecto e sobretudo não tinha emitidos as PAOs desde 2001 até 2009 impondo novos encargos especiais à concessionária.
d) Em contra-corrente quando a Administração vem em 26.02.2010 solicitar esclarecimentos à Recorrente sobre o incumprimento do prazo de aproveitamento que tinha expirado em 05.11.1998, e posteriormente tenha declarado a caducidade do contrato de concessão, a Administração está a violar a protecção de confiança da concessionária tendo comportamentos contraditórios ou incoerentes de venire contra factum proprium não observando uma conduta correcta, leal e sem reservas, violando assim a lei.
10. O TSI erra no julgamento ao não considerar o acto de declaração de caducidade violador do princípio da proporcionalidade previsto no 5° do CPA, porquanto;
a) A declaração de caducidade revela-se desnecessária, posto que, em concreto, existiam outras medidas que, com um menor sacrifício para a concessionária, se revelavam igualmente idóneas (e até mais eficientes) a um adequado e célere aproveitamento do terreno.
11. O TSI erra no julgamento ao não considerar o acto de declaração de caducidade violador do princípio da proporcionalidade previsto no 7º do CPA, porquanto
a) O relatório da Comissão de Terras e as informações dos Serviços que fundamentaram o acto de declaração de caducidade do concedente omitem por completo toda a factualidade e efeitos que foram acima relatados, veja-se, inter alia que o terreno objecto da concessão, nunca foi entregue à Concessionária porque não estava apto a ser aproveitado, uma vez que: 1) não houve demarcação do terreno, 2) não tinha sido nivelado e 3) não tinham sido realizadas as infra-estruturas publicas para o aproveitamento deste e de outros terrenos no âmbito do Plano de Seac Pai Van.
b) O Parecer da Comissão de Terras e as informações dos Serviços que fundamentaram o acto de declaração de caducidade omitem por completo que a Administração veio impor mais encargos especiais à concessionária na PAO de 19.01.2001, modificando unilateralmente o conteúdo das prestações por parte da concessionária, designadamente as constantes na cláusula sexta, imposição essa, que carecia de uma revisão contratual, para cuja instrução era competente à Administração nos termos da lei, e que nunca foi realizada até ao momento da declaração de caducidade da concessão.
c) O princípio da imparcialidade, na vertente positiva, obriga a Administração a ter em consideração e a ponderar todos os interesses públicos e privados que, à luz do fim legal a prosseguir e que sejam relevantes para a decisão (artigo 7.º do CPA), coisa que não o fez”; (cfr., fls. 383 a 424-v).
*
Em contra-alegações diz – essencialmente – a entidade recorrida o que segue:
“(…)
7.°
A declaração de caducidade da concessão do referido terreno teve como pressuposto a falta de aproveitamento do terreno no prazo contratualmente fixado para o efeito, imputável, a título de culpa, à concessionária e ora Recorrente.
8.°
A Lei n.° 10/2013 (Lei de terras) contém uma norma de direito transitório, o respectivo artigo 215.°, com o seguinte teor:
«A presente lei aplica-se às concessões provisórias anteriores à sua entrada em vigor, com as seguintes ressalvas:
(. . .)
3) Quando tenha expirado o prazo anteriormente fixado para o aproveitamento do terreno e este não tenha sido realizado por culpa do concessionário, aplica-se o disposto no n.° 3 do artigo 104.° e no artigo 166.°».
9.°
O artigo 166.° da Lei de terras, por sua vez, reporta-se à caducidade das concessões provisórias ou definitivas em fase de reaproveitamento de terrenos urbanos ou de interesse urbano.
10.°
Segundo esse normativo, as referidas concessões caducam quando se verifique, entre outras, a seguinte circunstância: não conclusão do aproveitamento ou reaproveitamento do terreno nos prazos e termos contratuais ou, sendo o contrato omisso, decorrido o prazo de 150 dias previsto no n.° 3 do artigo 104.° daquela Lei, independentemente de ter sido aplicada ou não a multa.
11.°
A caducidade da concessão por arrendamento prevista no referido artigo 166.° da Lei de terras surge associada, não ao simples decurso do tempo, mas a um incumprimento por parte do concessionário e a ele imputável de uma obrigação que deriva da lei e do contrato e que reveste carácter essencial na economia da própria concessão.
12.°
Trata-se da chamada caducidade-sanção, dado que aquilo que essencialmente está em causa não é estabilizar uma situação em virtude do não exercício de um direito por um determinado período de tempo mas, antes, sancionar o concessionário em virtude de um seu comportamento faltoso.
13.°
Assim, a partir da entrada em vigor da Lei n.° 10/2013 e relativamente a concessões provisórias anteriores, verificando-se que o prazo anteriormente fixado para o aproveitamento do terreno expirou sem que o aproveitamento tenha sido realizado por culpa do concessionário, a Administração estará legalmente vinculada a declarar a caducidade da concessão.
No caso em apreço,
14.°
O prazo fixado para a conclusão do aproveitamento do terreno terminou em 5 de Novembro de 1998, e acrescido de 120 do prazo da multa agravada terminou em 6 de Março de 1999, sendo que, até essa data, a concessionária e ora Recorrente não realizou o aproveitamento do terreno.
15.°
Incorreu, assim, em incumprimento da obrigação legal e contratual de aproveitar o terreno que sobre si impendia.
16.°
Além disso, essa inobservância da referida obrigação ficou a dever-se exclusivamente à Recorrente, a qual, devendo aproveitar o terreno e podendo fazê-lo no prazo que dispunha para o efeito, não o fez e nem sequer iniciou tal aproveitamento.
17.°
É, por isso, culposa a falta de aproveitamento do terreno.
18.°
De resto, a culpa do devedor presume-se (cfr. n.° 1 do artigo 788.° do Código Civil), cabendo-lhe, por isso, ilidir tal presunção.
19.°
Contudo, no presente processo, o que se verifica é que a Recorrente não logrou provar a ocorrência de quaisquer motivos, nomeadamente de força maior ou imputáveis à Administração, que a tenham impedido de aproveitar o terreno aqui em causa.
20.°
Na verdade, nenhum dos factos que a Recorrente alegou no sentido de demonstrar que a falta de aproveitamento do terreno não se deveu a culpa sua foi dado como provado pelo Tribunal a quo.
21.°
Deste modo, demonstrando-se, tal como já consta da fundamentação do acto recorrido, (i) que o prazo fixado para o aproveitamento do terreno expirou e que (ii) o aproveitamento do terreno não foi realizado por culpa da concessionária e ora Recorrente, a concessão caduca, limitando-se a Administração, no exercício de poderes vinculados, a declarar a caducidade, tal como decorre do disposto na alínea 3) do artigo 215.° e na alínea 1) do n.° 1 do artigo 166.°, ambos da Lei de terras.
22.°
No que concerne aos vícios invocados pela Recorrente, o Recorrido não pode deixar de acompanhar o douto Acórdão recorrido.
23.°
É evidente que não houve, ao contrário do que vem alegado pela Recorrente, violação dos princípios da boa fé e da tutela da confiança, da igualdade, da proporcionalidade e da imparcialidade, pois que, estando em causa uma actuação vinculada da Administração, torna-se irrelevante, como é pacífico, a alegada violação de tais princípios a qual, de resto, sempre se diga, não existiu.
24.°
Demonstra-se, assim, que o acto praticado pelo ora Recorrido está em absoluta conformidade com a Lei de terras, e daí que deva manter-se intocado na ordem jurídica, tal como muito doutamente decidiu o Tribunal de Segunda Instância.
(…)”; (cfr., fls. 429 a 435).
*
Na sequência das ditas contra-alegações da entidade recorrida pugnando pela improcedência do recurso, vieram os autos a este Tribunal, onde, em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:
“Nas alegações do presente recurso jurisdicional, a recorrente pediu a revogação do Acórdão do Venerando TSI, assacando os erros de julgamento respeitante à matéria de facto, bem como à arguição da violação dos princípios de boa fé, da igualdade e da proporcionalidade.
*
Ora, a recorrente arguiu que o TSI “não deu como provado ou não considerou provados alegados e provados, quer por prova plena, quer admitidos por acordo e não impugnados, e ainda outros de relevante importância para discussão da causa decorrentes daqueles.” (cfr. 1ª conclusão da dita alegações)
Repare-se que a “crise económica” alegada no recurso contencioso vê ponderada pelo Venerando TSI no Acórdão em questão, no sentido de julgar que tal crise económica seria irrelevante e desvirtuosa para efeitos de justificar o incumprimento pela recorrente do prazo de aproveitamento contratualmente estipulado, não podendo excluir a culpa dela.
Importa assinalar que todas as restantes matérias aludidas no art.8.º das supramencionadas alegações não se encontraram alegadas na petição inicial, pelo que se tratam de matérias novas. Daí decorre naturalmente que as quais não chegaram a ser analisadas pelo Tribunal a quo.
Bem, acreditamos, sem hesitação, ser brilhante a jurisprudência que inculca (cfr. Acórdão do TUI no Processo n.º32/2008): Os recursos jurisdicionais para o Tribunal de Última Instância não visam criar decisões sobre matérias novas, pelo que se a questão não foi suscitada no recurso contencioso, não se pode da mesma conhecer, a menos que se trate de matéria de conhecimento oficioso.
Em esteira dessa jurisprudência mais autorizada e na medida em que, parecendo-nos não haver sombra da dúvida, as sobreditas “restantes matérias” não são do conhecimento oficioso, tais matérias não podem constituir causa de pedir do recurso jurisdicional em apreço, nem podem ser conhecidas pelo Venerando TUI para fiscalizar o Acórdão em causa.
De outro lado, a interpretação articulada dos preceitos nos arts.67º e 76º do CPAC cauciona a inferir que basta, na sentença ou acórdão, especificar os factos relevantes para a justa decisão da causa, não sendo necessário elencar os factos que sejam impertinentes, embora provados.
E, convém acentuar que em 02/04/2020 que é a data do Acórdão em crise, encontrava pacífica e consolidada a jurisprudência no sentido de que a crise económica bem como outras circunstâncias menos favoráveis ocorridas desde 1996 a 2005 não podem servir de justificação para o não aproveitamento do terreno concedido. O que nos dão a conta os doutos arestos tirados pelo douto TSI nos seus Processos n.º433/2015 e n.º574/2016 e pelo Alto TUI nos Processos n.º38/2017 e n.º88/2018.
Repare-se que a jurisprudência mais autorizada inculca (a título exemplificativo, Acórdãos do TUI nos Processos n.º43/2018 e n.º16/2019): A omissão de selecção de factos provados, (na tese da recorrente) considerados relevantes na sentença do recurso contencioso, só procede se a recorrente indicar qual a relevância, para a apreciação do seu caso, dos factos que arrolou e que não terão sido considerados provados. Ou seja, só procede se a recorrente esclarecer qual a relevância, quanto aos vícios do acto administrativo que suscitou na petição inicial, dos factos que alega não terem sido considerados provados pelo acórdão recorrido. E se o tribunal de recurso concordar com tal relevância.
Tudo isto deixa-nos a firme convicção de que a crise económica e a síndrome respiratória aguda são decerto inócuas e indiferentes para a justa decisão da presente causa, e nesta medida, não se verifica, sem dúvida, in casu o arrogado erro de julgamento quanto à matéria de facto.
*
Ora, damos aqui por reproduzida a nossa opinião descrita no Parecer anterior, no sentido de que “2.2. Os factos referidos nos pontos 8 a 13 da Parecer n.º68/2014 da Comissão de Terras evidenciam inegavelmente que a recorrente cometeu já dois incumprimentos do prazo de aproveitamento antes do seu decurso em 5/11/1998, e é mais grave que ‘Pelo contrário, após a notificação de 23 de Março de 2001 para proceder a alteração ao projecto de alteração da obra de construção apresentado em 9 de Fevereiro de 2001, a concessionária nunca justificou a falta do aproveitamento do terreno nem apresentou qualquer pedido de prorrogação do prazo de aproveitamento, acabando por solicitar de uma forma repentina em Dezembro de 2009 que a DSSOPT emitisse a licença da obra de sondagem, não se tendo, todavia, vislumbrado nesse período superior a 8 anos qualquer início de cumprimento por parte da concessionária das disposições contratuais.’ (cfr. alínea 22.3 do Parecer n.º68/2014 da Comissão de Terras)”
Os incumprimentos atrás apontados levam-nos a extrair, com todo o sossego de espírito, que a Administração mostrava tolerante e vontade de colaboração, portanto o despacho em escrutínio não infringiu o princípio da boa fé, pelo contrário, o incumprimento pela recorrente do prazo do aproveitamento é inegavelmente culposo e imputável à mesma.
E assente e unânime que a culpa do concessionário, prevista na norma transitória da al. 3) do art.215.º da Lei de Terras nova, constitui um conceito indeterminado, que integra actividade vinculada, de mera interpretação da lei. (cfr. Acórdãos do TUI nos Processos n.º95/2018 e n.º62/2017).
E é igualmente pacífica que “1. Perante a falta de aproveitamento do terreno por culpa do concessionário no prazo de aproveitamento previamente estabelecido, bem como o decurso do prazo de arrendamento, a Administração está vinculada a praticar o acto administrativo, cabendo ao Chefe do Executivo declarar a caducidade de concessão do terreno. 2. No âmbito da actividade vinculada, não valem os vícios próprios de actos discricionários, como a violação de princípios gerais do Direito Administrativo, não sendo relevante a invocação de tais vícios, incluindo a violação do princípio da boa fé e do princípio de venire contra factum proprium.” (cfr. Acórdão do TUI no Processo n.º15/2020)
Com efeito, é praticamente consensual a douta tese que inculcando que “Havendo fundamento para declarar a caducidade de concessão de terreno urbano, porque houve culpa da concessionária no não aproveitamento do terreno no prazo fixado, tal constitui um acto vinculado para a Administração. Se esta, noutros procedimentos administrativos, ilegalmente, não declarou a caducidade de outras concessões, supostamente havendo semelhança dos mesmos factos essenciais, tal circunstância não aproveita, em nada, à concessionária em causa visto que os administrados não podem reivindicar um direito à ilegalidade.” (cfr. Acórdão do TUI no Processo n.º111/2018)
Ora bem, no actual ordenamento jurídico de Macau encontram-se irreversivelmente consolidadas a doutrina e jurisprudência, no sentido de que os princípios de igualdade, de proporcionalidade, da justiça e de boa fé se circunscrevem apenas ao exercício de poderes discricionários, sendo inoperante aos actos administrativos vinculados. (a título exemplificativo, cfr. Acórdãos do TUI nos Processos n.º32/2016, n.º79/2015 n.º46/2015, n.º14/2014, n.º54/2011, n.º36/2009, n.º40/2007, n.º7/2007, n.º26/2003 e n.º9/2000, a jurisprudência do TSI vem andar no mesmo sentido).
Na mesma linha de consideração, e na medida em que o despacho impugnado assume a natureza de acto vinculado, não podemos deixar de entender que o qual não ofende os princípios arrogados pela recorrente, a saber, de boa fé, da igualdade e da proporcionalidade.
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso contencioso”; (cfr., fls. 445 a 447).
*
Cumpre apreciar.
Fundamentação
Dos factos
2. O Tribunal de Segunda Instância deu como “provada” a seguinte matéria de facto:
“1. Em conformidade com o Despacho n.º 202/GM/89, publicado no 4.º suplemento ao Boletim Oficial de Macau n.º 52, de 29 de Dezembro de 1989 e por escritura pública celebrada em 7 de Dezembro de 1990, foi titulado o contrato de concessão, por arrendamento e com dispensa de concurso público, do terreno com a área de 964m2, situado na ilha de Coloane, na Rotunda de Seac Pai Van, a favor da “Companhia de Produtos Petrolíferos Vitória, Limitada”, para ser aproveitado com a construção de um posto de abastecimento de combustíveis e uma estação de serviço.
2. No entanto, devido à alteração das condicionantes urbanísticas definidas para a zona envolvente ao terreno em causa, nomeadamente uma série de problemas de trânsito resultantes da instalação no local de um posto de abastecimento de combustíveis, a Administração decidiu a transferência do terreno em causa para um outro terreno, com a área de 973m2, situado na ilha de Coloane, junto à Estrada do Altinho de Ká-Hó.
3. Nestas circunstâncias, por Despacho n.º 152/SATOP/96, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 45, II Série, de 6 de Novembro de 1996, foram autorizadas a desistência por parte da “Companhia de Produtos Petrolíferos Vitória, Limitada” (doravante designada simplesmente por concessionária) do terreno com a área de 964m2 situado na ilha de Coloane, na Rotunda de Seac Pai Van, bem como a concessão, com o mesmo regime (arrendamento), de um outro terreno com a área de 973m2, situado na ilha de Coloane, junto à Estrada do Altinho de Ká-Hó, destinado à troca com o primeiro terreno, para ser aproveitado com a construção de um posto de abastecimento de combustíveis e uma estação de serviço.
4. Conforme o estipulado nas cláusulas segunda e quinta do contrato da concessão supra mencionado, o prazo do arrendamento do terreno é de 25 anos, contados a partir da data da publicação no Boletim Oficial de Macau do Despacho regulador do contrato em causa, ou seja, o prazo de arrendamento terminaria no dia 5 de Novembro de 2021; o prazo global do aproveitamento do terreno é de 24 meses, contados a partir da data de publicação no Boletim Oficial de Macau do despacho em apreço, ou seja, terminou em 5 de Novembro de 1998.
5. De acordo com o estipulado na cláusula sexta do contrato da concessão supra mencionado, a concessionária devia responsabilizar-se pela elaboração dos projectos das obras de infra-estruturas (saneamento, iluminação e ligações às vias existentes) e pela execução das mesmas, devendo a licença de obra relativa ao aproveitamento do terreno ser emitida só após a conclusão das obras de infra-estruturas.
6. De acordo com o estipulado na cláusula nona do contrato da concessão supra mencionado, relativamente ao prémio do contrato, a concessionária devia pagar o prémio de MOP192.800,00 fixado na respectiva cláusula do contrato titulado pela escritura pública de 7 de Dezembro de 1990, devendo pagar ainda em numerário o prémio adicional de MOP1.120.604,00.
7. Da leitura das informações da Folha de Acompanhamento Financeiro, a concessionária já pagou a totalidade do prémio previsto no contrato.
8. Uma vez que a concessionária não apresentou no prazo previsto na cláusula quinta do contrato de concessão qualquer projecto relativo ao aproveitamento do terreno, deste modo, a DSSOPT solicitou-lhe, através do ofício n.º 136/8072.2/DSODEP/98, de 2 de Março de 1998, que apresentasse a sua justificação.
9. Em resposta ao solicitado, apresentada em 26 de Março de 1998, a concessionária manifestou que o atraso na apresentação dos projectos relativos ao aproveitamento do terreno se deveu ao facto de haver necessidade de pré-seleccionar a empresa multinacional fornecedora do produto combustível e de ter tido ainda em consideração as normas técnicas e de segurança aplicáveis à empresa fornecedora e ao então Território de Macau, pelo que a mesma solicitava a dispensa da aplicação de multa e se comprometia ainda a apresentar o mais rapidamente possível os respectivos projectos.
10. Por despacho do então Secretário-Adjunto para os Transportes e Obras Públicas (SATOP) de 23 de Abril de 1998, exarado na informação n.º 093/DSODEP/98 da DSSOPT, foi aceite a justificação apresentada pela concessionária, ficando no entanto a mesma sujeita à aplicação de multa caso o prazo global de aproveitamento previsto no respectivo contrato não fosse cumprido.
11. Uma vez que o prazo global de aproveitamento do terreno tinha terminado (em 5 de Novembro de 1998), a DSSOPT, através do ofício n.º 320/8072.2/DSODEP/99, de 2 de Agosto de 1999, solicitou novamente que a concessionária apresentasse a sua justificação pela falta de apresentação dos projectos e não execução do aproveitamento do terreno, sob pena de lhe ser aplicada uma multa nos termos da Lei n.º 6/80/M, de 5 de Julho (antiga Lei de Terras) e do respectivo contrato de concessão.
12. Por carta apresentada em 7 de Setembro de 1999, a concessionária veio comunicar que devido aos problemas de coordenação e entendimento entre os projectistas de várias especialidades, tornou-se necessário reformular os respectivos projectos, no entanto, os projectos de especialidade encontravam-se na fase de finalização e poderiam brevemente ser submetidos.
13. Relativamente à justificação apresentada pela concessionária, e pese embora a DSSOPT não se tenha pronunciado, facto é que a concessionária não deu qualquer seguimento ao processo em causa nem apresentou qualquer pedido de prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno ou sequer outra justificação relativa ao atraso no aproveitamento do terreno.
14. Nas fotografias aéreas tiradas em 2009 e obtidas por download na Rede de Informação Cadastral, verificou-se que a concessionária nunca deu início a qualquer obra relativa ao aproveitamento do terreno.
15. Com o intuito de reforçar a fiscalização da situação de aproveitamento dos terrenos concedidos e optimizar a gestão dos solos, pelo Despacho n.º 07/SOPT/2010, de 8 de Março de 2010, o Secretário para os Transportes e Obras Públicas determinou que a DSSOPT procedesse à notificação de todos os concessionários de terrenos cujo aproveitamento não fora concluído de acordo com o prazo fixado no respectivo contrato para justificarem o facto por escrito, no prazo de 1 mês a contar da data da recepção da notificação, bem como que a que a DSSOPT procedesse, após a entrega das justificações, à sua análise e definição de um plano de tratamento das situações e da ordem de prioridade no tratamento.
16. O Departamento de Gestão de Solos (DSODEP) da DSSOPT, tendo discutido várias vezes e analisado o assunto relativo ao tratamento de terrenos não aproveitados com o Gabinete do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, estabeleceu critérios de classificação para a situação dos terrenos concedidos mas não aproveitados, a classificação do grau de gravidade do não cumprimento das cláusulas contratuais e os critérios de tratamento do processo, bem como elaborou a respectiva lista; e, em 12 de Maio de 2010, submeteu à consideração superior a informação n.º 095/DSODEP/2010, a fim de estabelecer orientações claras e precisas para o tratamento dessas situações. A classificação e critérios propostos na referida informação mereceram a concordância do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, tendo os mesmos sido aprovados por despacho do Chefe do Executivo, de 31 de Maio do mesmo ano.
17. De acordo com os critérios de classificação relativos aos terrenos concedidos mas não aproveitados estabelecidos na informação acima referida, o DSODEP considerou que na concessão em apreço se verifica uma situação qualificada de "grave" (prazo de aproveitamento do terreno expirado, falta de apresentação do pedido de prorrogação dentro do prazo e incumprimento dos requisitos técnicos da DSSOPT a longo prazo, não tendo apresentado o projecto de alteração de aproveitamento do terreno). Nestas circunstâncias, o DSODEP, através de ofício de 12 de Abril de 2010, solicitou que a concessionária apresentasse uma justificação pelo atraso no aproveitamento do terreno e todos os elementos que julgasse oportunos para efeitos de esclarecimento.
18. Em 18 de Maio de 2010, A e B, em representação da concessionária, apresentaram à DSSOPT diversos documentos, nomeadamente as certidões do registo comercial e do registo predial, bem como uma justificação pela situação da falta de aproveitamento atempado do terreno, tendo alegado o seguinte:
18.1 A concessionária já tinha apresentado nas suas respostas solicitadas pela DSSOPT em 1998 e 1999 as razões para justificar a falta de apresentação dos projectos nos prazos previstos no contrato e o não aproveitamento do terreno;
18.2 Antes da transferência da Administração de Macau, vivia-se um clima de insegurança pública e de incerteza económica, tendo ocorrido a crise financeira asiática, o que dificultou o desenvolvimento dos diversos sectores. No entanto, após o estabelecimento da RAEM, a liberalização do jogo e a política de fixação de residência por aquisição de bens imóveis melhoraram essa péssima situação económica;
18.3 Em 2000 e 2001, a concessionária apresentou à DSSOPT um projecto da obra de construção e um projecto de alteração da obra de construção, os quais necessitaram de ser alterados;
18.4 Em 23 de Julho de 2009, a concessionária apresentou à Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro (DSCC), através de serviço "one stop", um pedido de emissão da PAO, e ficou a aguardar a publicação do novo plano urbanístico definido para a zona de Seac Pai Van, no sentido de definir, em articulação com o referido plano, uma cota de nível para a escavação da encosta e os métodos de construção dos muros de suporte, tendo apresentado ainda em 14 de Dezembro do mesmo ano um pedido de emissão da licença da obra de sondagem;
18.5 A concessionária alegou que tem prestado atenção ao desenvolvimento do empreendimento em apreço e promovido o mesmo com uma atitude activa e que nunca arranjou pretexto para atrasar o cumprimento das obrigações contratuais;
18.6 Finalmente, a concessionária manifestou que podia apresentar em poucos meses, após a aprovação da prorrogação do prazo de aproveitamento, um novo projecto de alteração da obra de construção e um calendário de execução da mesma, e que os encargos especiais ficariam concluídos em simultâneo com a conclusão da referida obra.
A concessionária apresentou, juntamente com a carta de justificação, uma carta de resposta emitida pela sucursal de Macau do Banco da China, na qual se declarava que o referido banco tinha concordado em princípio com a aceitação da concessão a favor da concessionária de um empréstimo destinado a financiamento, para efeitos de desenvolvimento do projecto da concessão em apreço.
19. No intuito de proceder a uma análise completa do processo de concessão do terreno, através da comunicação interna, o DSODEP solicitou ao Departamento de Urbanização (DURDEP) que lhe fossem fornecidas informações pormenorizadas relativas à análise do procedimento de apreciação e aprovação.
20. Pela comunicação interna n.º 691/DURDEP/2010, de 4 de Junho de 2010, o DURDEP deu a sua resposta, referindo que em 1994 a concessionária apresentou um estudo prévio que mereceu um parecer de viabilidade condicionada e que só em 2000 e 2001 é que a concessionária apresentou os projectos das obras de construção, os quais ficaram, no entanto, sujeitos a alterações, tendo a mesma solicitado em 2009 a emissão da licença de obra (de sondagem), pedido esse que não foi deferido visto que, após ter terminado o prazo de aproveitamento do terreno, a concessionária nunca chegou a apresentar qualquer projecto.
21. Conforme as informações cadastrais obtidas por download na Rede de Informação Cadastral, o terreno encontra-se descrito sob o n.º 23 287 na Conservatória do Registo Predial; além disso, segundo o download das informações relativas ao registo predial feito em 23 de Setembro de 2011, através da "Plataforma de Serviços Registais e Notariais via Internet" da Direcção dos Serviços de Assuntos de Justiça (DSAJ), o terreno acha-se inscrito na referida Conservatória a favor da concessionária sob o n.º 32 716F, sem registo de qualquer hipoteca.
22. O DSODEP da DSSOPT, através da informação n.º 238/DSODEP/2011, de 30 de Setembro de 2011, informou ao superior sobre a situação do processo, considerando ainda que a culpa pelo não aproveitamento do terreno deveria ser integralmente imputada à concessionária com base nas seguintes razões:
22.1 Embora o então Secretário-Adjunto para os Transportes e Obras Públicas (SATOP) tenha aceite em 1998 a justificação apresentada pela concessionária pelo atraso na apresentação dos projectos relativos ao aproveitamento do terreno, isso não significava, no entanto, que a concessionária não necessitava de cumprir o prazo global de aproveitamento do terreno. Para além disso, a DSSOPT, aquando da notificação à concessionária do respectivo despacho, já tinha mencionado expressamente que a mesma ficaria sujeita à aplicação de multa caso houvesse incumprimento do prazo global de aproveitamento previsto no respectivo contrato;
22.2 Relativamente à justificação apresentada pela concessionária em Setembro de 1999 pela não apresentação dos projectos no respectivo prazo de aproveitamento, considerou-se que a falta de resposta por parte da Administração não implicava que a respectiva justificação tivesse sido aceite, pelo que a concessionária deveria continuar a dar seguimento ao processo;
22.3 Pelo contrário, após a notificação de 23 de Março de 2001, para proceder a alterações ao projecto da obra de construção apresentado em 9 de Fevereiro de 2001, a concessionária nunca deu seguimento ao processo, não apresentou qualquer projecto de alteração, não justificou a falta do aproveitamento do terreno nem apresentou qualquer pedido de prorrogação do prazo de aproveitamento, acabando por solicitar de uma forma repentina, em Dezembro de 2009, que a DSSOPT emitisse a licença da obra de sondagem, não se tendo, todavia, vislumbrado nesse período superior a 8 anos qualquer indício de cumprimento das disposições contratuais por parte da concessionária;
22.4 Relativamente ao referido facto, a concessionária só deu uma resposta simples e geral, tendo alegado apenas que antes da transferência da Administração de Macau se vivia num clima de insegurança pública e de incerteza económica, bem como a crise financeira asiática, nunca tendo referido, no entanto, quais as influências concretas das referidas situações no seu empreendimento, pelo que o que foi alegado não poderia ser considerado como justificação razoável nem como caso de força maior;
22.5 De facto, comparativamente com os empreendimentos imobiliários em geral, o posto de abastecimento de combustíveis foi um dos sectores menos afectados pelas más condições ao nível da segurança no seio da sociedade e ao nível da economia. Além disso, como investidor, deveria ter procedido a uma avaliação prévia dos riscos em que o seu investimento projectado incorria, no sentido de estar bem preparado para enfrentar situações económicas ou crises quaisquer que elas fossem, não podendo aproveitar-se das mesmas como pretexto para se esquivar da responsabilidade do cumprimento das obrigações contratuais;
22.6 Relativamente à alegação de que a concessionária necessitava de aguardar a publicação do novo plano urbanístico definido para a zona de Seac Pai Van, no sentido de definir, em articulação com o referido plano, uma cota de nível para a escavação da encosta e métodos de construção de muros de suporte, considera-se isto apenas um pretexto para se esquivar da responsabilidade do cumprimento das obrigações contratuais, uma vez que a concessionária nunca apresentou os projectos das obras de construção das infra-estruturas (saneamento, iluminação e ligações às vias existentes) referidas na cláusula sexta do contrato de concessão, nem solicitou à Administração quaisquer informações relativas ao plano urbanístico, informações essas necessárias para a elaboração dos mesmos;
22.7 Por tudo o que foi exposto, é evidente que a falta de aproveitamento atempado do terreno deve ser atribuída à falta de interesse da concessionária na realização do respectivo empreendimento, não podendo a concessionária em caso algum arranjar como pretextos a situação económica pois esta possui um carácter objectivo ou a espera da publicação do plano urbanístico, para se esquivar da responsabilidade do aproveitamento do terreno previsto no respectivo contrato.
23. O DSODEP indicou ainda na referida informação que devido à responsabilidade pelo atraso no aproveitamento do terreno ter sido inteiramente imputada à concessionária, e porque o prazo de aproveitamento previsto no contrato de concessão do terreno já tinha terminado, o Chefe do Executivo poderia declarar a caducidade da concessão nos termos do disposto no n.º 1 da cláusula décima terceira (caducidade) do contrato de concessão do terreno e no n.º 2 do artigo 166.º e 167.º da Lei n.º 6/80/M (Lei de Terras), de 5 de Julho. Contudo, devido à complexidade do processo, propôs-se na referida informação que se enviasse o processo ao Departamento Jurídico (DJUDEP), para efeitos de parecer relativamente ao facto de a concessionária já ter pago em numerário a totalidade do prémio e o Departamento de Planeamento Urbanístico (DPUDEP) ter emitido à concessionária em 21 de Agosto de 2009 uma PAO, no sentido de ver se estavam reunidas as condições suficientes para desencadear o procedimento de devolução do terreno, tendo o director da DSSOPT manifestado a sua concordância.
24. Nestas circunstâncias, o DJUDEP analisou o processo, através da informação n.º 51/DJUDEP/2011, de 14 de Outubro de 2011, emitindo parecer sobre:
24.1 Face a um terreno concedido, por arrendamento, com a área de 973m2, situado na ilha de Coloane, junto à Estrada do Altinho de Ká-Hó, a favor da “Companhia de Produtos Petrolíferos Vitória, Limitada”, através da comunicação interna n.º 534/8072.03/2011, de 7 de Outubro de 2011, e por despacho, de 4 de Outubro de 2011, do director substituto, o DSODEP solicitou a emissão de parecer jurídico para saber se é possível a declaração da caducidade da concessão em apreço por incumprimento do prazo de aproveitamento de terreno e dos encargos especiais estabelecidos, respectivamente, nas cláusulas quinta e sexta do contrato de concessão regulado pelo Despacho n.º 152/SATOP/96;
24.2 Em resposta à referida solicitação, emite-se o parecer;
24.3 O arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da publicação no Boletim Oficial de Macau do Despacho regulador do contrato em causa, ou seja, a partir do dia 6 de Novembro de 1996, prazo esse terminaria no dia 5 de Novembro de 2021;
24.4 Segundo o estipulado nas cláusulas terceira e quinta do contrato de concessão, o terreno em causa é aproveitado com a construção de um posto de abastecimento de combustíveis e uma estação de serviço, de acordo com a Planta de Alinhamento Oficial n.º 93A006 emitida, em 5 de Março de 1994, pela DSSOPT;
24.5 De acordo com o estipulado na cláusula sexta, os encargos especiais da concessionária consistem na elaboração dos projectos e na execução das obras de infra-estruturas (saneamento, iluminação e ligações às vias existentes);
24.6 As informações da concessão em causa foram detalhadamente descritas na informação n.º 238/DSODEP/2011, de 30 de Setembro de 2011, pelo que apenas discutimos sobre a existência ou não dos pressupostos da declaração da caducidade da presente concessão;
24.7 Segundo o estipulado na alínea a) do n.º 1 da cláusula décima terceira do contrato, o contrato caduca findo o prazo da multa agravada previsto na cláusula oitava. À concessionária é aplicada a multa prevista na cláusula oitava se se verificar o incumprimento, pela mesma, do prazo de aproveitamento estipulado na cláusula quinta;
24.8 A DSSOPT detectou a falta de cumprimento, por parte da concessionária, dos prazos de aproveitamento estipulados na cláusula quinta do contrato de concessão, pelo que, em 2 de Março de 1998, através do ofício n.º 136/8072.2/DSODEP/98, solicitou à concessionária que justificasse a não apresentação de qualquer projecto;
24.9 Em 26 de Março de 1998, pelo requerimento registado sob o número T-1325, a concessionária informou à DSSOPT que o atraso na apresentação dos projectos relativos ao aproveitamento do terreno se deveu ao facto de existir diferença entre parte dos critérios adoptados pela empresa fornecedora do produto combustível e os exigidos em Macau, consequentemente, era necessário pre-seleccionar a empresa multinacional fornecedora e cooperar na elaboração dos projectos, com vista a conjugar as normas técnicas e de segurança aplicáveis à empresa fornecedora com as especificações técnicas e regulamentares vigentes em Macau”, bem como requereu a não aplicação da multa por incumprimento dos prazos de aproveitamento prevista no contrato;
24.10 Na sequência do referido requerimento, por ofício n.º 262/8072.2/DSODEP/98, de 29 de Abril de 1998, a DSSOPT respondeu à concessionária que, por despacho do então Secretário-Adjunto para os Transportes e Obras Públicas, foi aceite a justificação do atraso na apresentação dos projectos, porém, em caso de incumprimento do prazo global do aproveitamento estipulado no contrato de concessão, teria lugar a aplicação da multa;
24.11 O prazo global do aproveitamento foi estipulado em 24 meses, contados a partir da data da publicação no Boletim Oficial do despacho que titula o contrato - 6 de Novembro de 1996 - tendo terminado em 5 de Novembro de 1998;
24.12 O prazo global de aproveitamento do terreno, acrescido de 120 dias do prazo da multa agravada, terminou em 6 de Março de 1999.
Assim sendo, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 da cláusula décima terceira, o contrato foi caducado na aludida data devido ao atraso no aproveitamento do terreno;
24.13 Todavia, a falta de aproveitamento do terreno no prazo determinado não é a única obrigação contratual violada pela concessionária, esta também não cumpriu os encargos especiais estipulados na cláusula sexta do contrato;
24.14 De acordo com o estipulado na cláusula sexta, a concessionária devia concluir as obras de infra-estruturas (saneamento, iluminação e ligações às vias existentes), caso contrário, poderia a entidade concedente extinguir o contrato, ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 1 da cláusula décima quarta;
24.15 A entidade concedente descobriu factos que podiam causar rescisão razoável ou declaração da caducidade da presente concessão, pelo que, em 2 de Agosto de 1999, através do ofício n.º 320/8072.2/DSODEP/99, pediu novamente à concessionária que apresentasse a justificação de não execução do aproveitamento do terreno, mormente pela falta de apresentação dos projectos;
24.16 Pelo requerimento de 7 de Setembro de 1999, registado sob o número T-2633, a concessionária revelou que “devido aos problemas de coordenação e entendimento entre os projectistas de várias especialidades, tornou-se necessário reformular os respectivos projectos, no entanto, os projectos de especialidade encontravam-se na fase de finalização e poderiam brevemente ser submetidos à apreciação”;
24.17 Face à justificação apresentada pela concessionária e ao término do prazo de aproveitamento, a DSSOPT não respondeu ao requerimento formulado pela concessionária nem instaurou o procedimento de aplicação de multa pelo atraso em causa.
24.18 Constatou-se que a concessionária não tomou uma atitude activa no tratamento do presente assunto, já que esta nunca requereu um novo prazo do aproveitamento do terreno e até ignorou completamente o caso;
24.19 Ora, visando salvaguardar o contraditório da concessionária e deixá-la apresentar mais argumentos, em 12 de Abril de 2010, a DSSOPT, através do ofício n.º 247/8072.02/DSODEP/2010, solicitou à concessionária, “Companhia de Produtos Petrolíferos Vitória, Limitada”, que justificasse, com claridade, as situações de que resultou o incumprimento e apresentasse as soluções do aproveitamento do terreno viáveis;
24.20 Pelo requerimento de Maio de 2010, registado sob o número T-5215, a concessionária apresentou justificação pelo incumprimento do contrato, cujo teor segue transcrito sucintamente:
- Em 1998, apresentámos justificação pelo atraso na entrega dos projectos, o que foi aceite pela DSSOPT;
- Em 1999, a DSSOPT exigiu novamente a justificação pelo incumprimento e apresentámos a respectiva justificação;
- Em 10 de Fevereiro de 2000, pelo requerimento registado sob o número T-657, apresentámos o projecto da obra de construção à DSSOPT para efeito de apreciação, o qual necessitou de ser alterado;
- Em 9 de Fevereiro de 2001, pelo requerimento registado sob o número T-605, apresentámos o projecto da obra de construção alterado, mas a DSSOPT considerou que deveria o aludido projecto ser alterado de novo por não reunir condições necessárias para a sua aprovação;
- Por outro lado, antes da transferência da Administração de Macau, vivia-se um clima de insegurança pública e ocorreu o tsunami financeiro asiático, prejudicando a situação económica, pelo que a concessionária não tinha condições para investir no empreendimento em causa; a situação só melhorou após o estabelecimento da RAEM;
- Em 23 de Setembro de 2009, a concessionária pediu a emissão da PAO, através de serviço "one stop";
- O pedido ainda está pendente, uma vez que é necessário aguardar que a Administração finalize o novo plano urbanístico definido para a zona de Seac Pai Van, para poder definir o alinhamento oficial do terreno e construir os muros de suporte;
- Em 14 de Dezembro de 2009, pelo requerimento registado sob o número T-8352, a concessionária pediu à DSSOPT a emissão da licença da obra de sondagem;
- Entendeu a concessionária que ela nunca tinha perdido a intenção do aproveitamento do terreno;
- A concessionária esperou que a DSSOPT aceitasse as justificações apresentadas sobre o incumprimento do aproveitamento do terreno e prolongasse o prazo do aproveitamento do terreno, a par disso, esta prometeu que alteraria o projecto da obra de construção e cumpriria os encargos especiais estabelecidos no contrato de concessão.
24.21 Ora, vejamos a justificação apresentada pela concessionária pelo incumprimento do prazo fixado para aproveitamento do terreno (com um atraso superior a 10 anos), a fim de verificar se isto deve ser considerado como caso de força maior ou existem outras situações relevantes que sejam provadas como incontroláveis pela mesma;
24.22 Em 1998, a entidade concedente aceitou a justificação apresentada pela concessionária pelo atraso na apresentação dos projectos, isso não significava, no entanto, que a concessionária não necessitava de cumprir o prazo global de aproveitamento do terreno, a par disso, do assunto foi expressamente notificada a concessionária, através do ofício n.º 136/8072.2/DSODEP/98, de 2 de Março de 1998;
24.23 Face à falta de resposta por parte da DSSOPT à justificação pela não entrega dos projectos apresentada pela concessionária no seu requerimento em Setembro de 1999, a concessionária não podia considerar que a sua justificação tivesse sido aceite em consequência da falta de resposta por parte da entidade concedente. Pelo contrário, conforme as disposições gerais do art.º 102º do Código do Procedimento Administrativo, a falta de decisão final sobre pretensão dirigida a órgão administrativo competente confere ao interessado a faculdade de presumir indeferida essa pretensão, por conseguinte, a concessionária tem o dever e direito de insistir a resposta da DSSOPT;
(…)
25. Posteriormente, na informação, o chefe do DJUDEP ainda se pronunciou:
Concordo com a análise e conclusão expostas na presente informação quanto ao incumprimento do contrato de concessão, concretamente ao não aproveitamento do terreno e incumprimento dos encargos especiais no prazo estipulado. A culpa pelo incumprimento do contrato deve ser imputada à concessionária, pelo que a Companhia em causa deve responder pela sua conduta e não pode ilidir a respectiva presunção de culpa;
26. Posteriormente, o DSODEP elaborou a informação n.º 280/DSODEP/2011, de 28 de Outubro de 2011, referindo que em virtude do prazo de aproveitamento previsto no contrato da concessão do terreno já ter terminado e a responsabilidade pelo incumprimento do aproveitamento do terreno ter sido integralmente imputada à concessionária, o Chefe do Executivo poderia declarar, por isso, a caducidade da concessão do terreno nos termos da alínea a) do n.º 1 da cláusula décima terceira (caducidade) do contrato da concessão do terreno titulado pelo Despacho n.º 152/SATOP/96 e da alínea a) do n.º 1 e n.º 2 do artigo 166.º da Lei n.º 6/80/M (antiga Lei de Terras), de 5 de Julho, e que nos termos do artigo 13.º do Regulamento Administrativo n.º 16/2004, no caso de ser declarada a caducidade da concessão, a concessionária perderia, a favor da RAEM, a totalidade das prestações do prémio já pagas (no valor total de MOP1.313.404,00), além disso, nos termos do disposto no n.º 3 da cláusula décima terceira do mesmo contrato, a caducidade da concessão determinaria a reversão do terreno para a posse da RAEM com todas as benfeitorias ali introduzidas, sem direito a qualquer indemnização à concessionária, deste modo, o referido departamento propôs que ficasse à consideração superior a autorização para o desencadeamento do procedimento de declaração da caducidade da respectiva concessão do terreno, bem como o envio do processo à Comissão de Terras para efeitos de análise e parecer depois de realizado o procedimento da respectiva audiência, tendo o director da DSSOPT manifestado a sua concordância.
27. Por outro lado, o Grupo de Trabalho Jurídico (GTJ), estabelecido pelo Despacho do Chefe do Executivo, manifestou, através da informação n.º 02/GTJ/2012, de 14 de Fevereiro de 2012, a sua concordância com a análise e o parecer do DJUDEP, tendo proposto que se desencadeasse o procedimento de declaração da caducidade da concessão do terreno e se procedesse a uma audiência da concessionária, bem como ao envio do processo à Comissão de Terras para efeitos de análise, emissão de parecer e de prosseguimento dos trâmites ulteriores depois de concluído o procedimento da respectiva audiência, tendo também o Chefe do Executivo emitido em 9 de Março de 2012 o seu despacho concordante.
28. Face ao exposto, o DSODEP, através do ofício n.º 0132/8072.03/DSODEP/2012, de 15 de Março de 2012, notificou a concessionária do sentido da decisão e de que a mesma poderia apresentar a respectiva resposta por escrito no prazo de 10 dias, contados a partir da recepção da notificação, de acordo com o disposto no artigo 93.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo.
29. Em sede da audiência escrita supra mencionada, a concessionária apresentou à DSSOPT em 28 de Março de 2012 uma carta resposta, na qual, não só alegou novamente os assuntos similares aos descritos no ponto 18, mas também reafirmou as causas do incumprimento do contrato.
30. A Comissão de Terras concordou com a proposta da DSSOPT, não se opondo à declaração da caducidade da concessão dum terreno titulado pelo Despacho n.º 152/SATOP/96, com a área de 973m2, situado na ilha de Coloane, junto à Estrada do Altinho de Ká-Hó, concedido, por arrendamento e com dispensa de concurso público, a favor da “Companhia de Produtos Petrolíferos Vitória, Limitada”, nos termos da alínea a) do n.º 1 da cláusula décima terceira do contrato da concessão do terreno e da alínea 1) do n.º 1 do artigo 166.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de Terras), e concordando que, nos termos do artigo 13.º do Regulamento Administrativo n.º 16/2004, a concessionária perderia, a favor da RAEM, a totalidade das prestações do prémio já pagas (no valor total de MOP1.313.404,00). A Comissão ainda concordou que, nos termos do n.º 3 da cláusula décima terceira do mesmo contrato e do n.º 1 do art.º 168.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de Terras), declarada a caducidade da concessão, revertem para a RAEM os prémios pagos e as benfeitorias por qualquer forma incorporadas no terreno, não tendo a concessionária direito a ser indemnizada ou compensada.
Além do mais, por força do n.º 2 da cláusula décima terceira do mesmo contrato e do art.º 167.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de Terras), a caducidade da concessão é declarada por despacho do Chefe do Executivo, publicado no Boletim Oficial da RAEM.
- Depois foi publicado o despacho com o seguinte teor:
Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 35/2015
Considerando que a sociedade «Companhia de Produtos Petrolíferos Vitória, Limitada», com sede em Macau, na Avenida do Dr. Rodrigo Rodrigues, n.º 422, Edifício Veng Tai, r/c — B, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o n.º 1506 a folhas 177 do livro C-4, é titular do direito resultante da concessão, por arrendamento, do terreno com a área de 973m2, situado na ilha de Coloane, junto à Estrada do Altinho de Ká-Hó, descrito na Conservatória do Registo Predial, sob n.º 23287, para ser aproveitado com a construção de um posto de abastecimento de combustíveis e de uma estação de serviço, de acordo com a Planta de Alinhamento Oficial n.º 93A006, emitida pela DSSOPT, em 5 de Março de 1994.
Considerando que a sobredita concessionária não cumpriu com a obrigação de realizar o aproveitamento do terreno no prazo estipulado na alínea a) do número um da cláusula décima terceira do contrato que rege a concessão, adiante designado por contrato de concessão, titulado pelo Despacho n.º 152/SATOP/96, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 45, II Série, de 6 de Novembro de 1996.
Considerando que as razões justificativas expostas pela concessionária na resposta à audiência escrita não lograram alterar o sentido da decisão de declarar a caducidade da concessão por falta de realização do aproveitamento do terreno nas condições contratualmente definidas imputável à concessionária, estando portanto preenchidos os pressupostos previstos na alínea a) do número um da cláusula décima terceira do contrato de concessão e na alínea 1) do n.º 1 do artigo 166.º, por força do artigo 215.º, ambos da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras).
Assim,
Usando da faculdade conferida pelo artigo 64.º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau e nos termos do artigo 167.º e do artigo 215.º, ambos da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), o Secretário para os Transportes e Obras Públicas manda:
1. Tornar público que por despacho do Chefe do Executivo de 30 de Março de 2015, exarado sobre o seu parecer de 17 de Março de 2015, que concordou com o proposto no processo n.º 62/2013 da Comissão de Terras, pelas razões nele indicadas, foi declarada a caducidade da concessão do terreno com a área de 973m2, situado na ilha de Coloane, junto à Estrada do Altinho de Ká-Hó, descrito na CRP sob o n.º 23287, ao abrigo da alínea a) do número um da cláusula décima terceira do contrato de concessão e nos termos da alínea 1) do n.º 1 do artigo 166.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras).
2. Em consequência da caducidade referida no número anterior, as benfeitorias por qualquer forma incorporadas no terreno revertem, livre de quaisquer ónus ou encargos, para a Região Administrativa Especial de Macau, sem direito a qualquer indemnização por parte da concessionária, destinando-se o terreno a integrar o domínio privado do Estado.
3. Do acto de declaração de caducidade cabe recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância, no prazo de 30 dias, contado a partir da publicação do presente despacho, nos termos da subalínea (1) da alínea 8) do artigo 36.º da Lei n.º 9/1999, republicada integralmente pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 265/2004, e da alínea a) do n.º 2 do artigo 25.º e da alínea b) do n.º 2 do artigo 26.º, ambos do Código de Processo Administrativo Contencioso, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 110/99/M, de 13 de Dezembro.
4. A concessionária pode ainda reclamar para o autor do acto, Chefe do Executivo, no prazo de 15 dias, nos termos do n.º 1 do artigo 148.º e do artigo 149.º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 57/99/M, de 11 de Outubro.
5. O processo da Comissão de Terras pode ser consultado pelos representantes da concessionária na Divisão de Apoio Técnico da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, sita em Macau, na Estrada de D. Maria II, n.º 33, 16.º andar, durante as horas de expediente, podendo ser requeridas certidão, reprodução ou declaração autenticada dos respectivos documentos, mediante o pagamento das importâncias que forem devidas, nos termos do artigo 64.º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 57/99/M, de 11 de Outubro.
6. O presente despacho entra imediatamente em vigor.
31 de Março de 2015.
O Secretário para os Transportes e Obras Públicas, Raimundo Arrais do Rosário.
Gabinete do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, 1 de Abril de 2015. – A Chefe do Gabinete, C”; (cfr., fls. 346 a 352-v e 5 a 30 do Apenso).
Do direito
3. Inconformada com o pelo Tribunal de Segunda Instância decidido no âmbito do seu (anterior) recurso contencioso, traz a recorrente o presente recurso (jurisdicional), pedindo que se revogue o Acórdão recorrido com as suas legais e naturais consequências em relação ao despacho do Chefe do Executivo que declarou a “caducidade da concessão” por arrendamento do terreno identificado nos autos.
Nada obstando o conhecimento do recurso, vejamos, começando-se, por nos parecer oportuno, com uma breve “nota introdutória”.
O presente “recurso” implica a abordagem duma “matéria” que, nos últimos anos tem suscitado a atenção e opinião pública local; (cfr., v.g., sobre o tema Maria de Nazaré Saias Portela in, “A Caducidade no Contrato de Concessão de Terras”, Comunicação apresentada nas 3as Jornadas de Direito e Cidadania da Assembleia Legislativa da R.A.E.M., Janeiro 2011, pág. 419 e segs., o “Relatório” do C.C.A.C. sobre a matéria, datado de 15.12.2015, dando conta de mais de uma centena de lotes de terrenos em situações de não aproveitamento, notando-se, também, o recente trabalho de Paulo Cardinal, “Estudos Relativos à Lei de Terras de Macau”, 2019, onde se dedica ao tema um dos seus capítulos com o sugestivo título de: “Caducidades: Breves notas sobre a Polissemia da «Caducidade» na Lei de Terras de Macau”, cfr., pág. 251 e segs.).
Aliás, a reduzida extensão territorial da R.A.E.M., a conhecida (e muitas vezes, feroz) especulação imobiliária, a (cada vez mais) elevada densidade populacional, e a existência de um grande número de terrenos concedidos e que acabaram por não ser objecto de desenvolvimento nos termos das respectivas cláusulas contratuais, (cfr., o citado Relatório do C.C.A.C.), só podia dar lugar a um “aceso debate” sobre a situação, as suas soluções, assim como da (eventual) necessidade de alteração do seu regime legal.
Por sua vez, é também de várias dezenas o número de processos em que esta Instância se tem ocupado, apreciado e emitido pronúncia sobre a questão da “caducidade das concessões de terrenos”, sendo, em nossa opinião, se bem ajuizamos, e tanto quanto nos foi possível apurar, (legalmente) justa e adequada a solução a que se chegou, e que, por isso, desde já se mantém; (cfr., v.g., os Acs. deste T.U.I. de 11.10.2017, Proc. n.° 28/2017; de 07.03.2018, Proc. n.° 1/2018; de 23.05.2018, Proc. n.° 7/2018; de 06.06.2018, Proc. n.° 43/2018; de 15.06.2018, Proc. n.° 30/2018; de 31.07.2018, Procs. n°s 69/2017 e 13/2018; de 05.12.2018, Proc. n.° 98/2018; de 12.12.2018, Proc. n.° 90/2018; de 19.12.2018, Proc. n.° 91/2018; de 23.01.2019, Proc. n.° 95/2018; de 31.01.2019, Procs. n°s 62/2017 e 103/2018; de 20.02.2019, Proc. n.° 102/2018; de 27.02.2019, Proc. n.° 2/2019; de 13.03.2019, Proc. n.° 16/2019; de 27.03.2019, Proc. n.° 111/2018; de 04.04.2019, Proc. n.° 2/2019; de 10.07.2019, Procs. n°s 12/2019 e 13/2019; de 24.07.2019, Proc. n.° 75/2019; de 30.07.2019, Proc. n.° 72/2019; de 18.09.2019, Proc. n.° 26/2019; de 04.10.2019, Proc. n.° 11/2017; de 29.11.2019, Procs. n°s 81/2017 e 118/2019; de 26.02.2020, Proc. n.° 106/2018; de 03.04.2020, Procs. n°s 7/2019 e 15/2020; de 29.04.2020, Proc. n.° 22/2020; de 06.05.2020, Proc. n.° 31/2020; de 13.05.2020, Proc. n.° 29/2020; de 10.06.2020, Proc. n.° 35/2020; de 26.06.2020, Proc. n.° 53/2020; de 01.07.2020, Proc. n.° 55/2020; de 10.07.2020, Proc. n.° 38/2020; de 22.07.2020, Proc. n.° 54/2020; de 31.07.2020, Proc. n.° 18/2020; de 09.09.2020, Procs. n°s 56/2020, 62/2020 e 63/2020; de 16.09.2020, Procs. n°s 65/2020, 85/2020 e 94/2020 e de 23.09.2020, Procs. n°s 104/2020, 119/2020 e 135/2020).
Não nos parecendo ser este o local para se elaborar ou tecer grandes considerações sobre o tema, tentar-se-á dar (cabal) resposta às questões colocadas.
Pois bem, percorrendo a alegação de recurso apresentada e as conclusões pela recorrente aí, a final, produzidas, constata-se que – em síntese – pela mesma vem suscitada a questão da “falta de inclusão e ponderação de matéria de facto considerada relevante” e “erro no julgamento por violação dos princípios da boa fé, da tutela da confiança, da igualdade e da proporcionalidade”.
Sem prejuízo do muito respeito por outro entendimento, e atento o que em sede de recursos análogos tem-se vindo a entender, não se mostra de acolher o pela recorrente considerado.
Vejamos.
–– Comecemos pela questão relacionada com a “matéria de facto”.
Pois bem, abordando idêntica questão à ora em apreciação tem este Tribunal considerado que a competência do Tribunal de Última Instância para apreciar a “decisão proferida quanto à matéria de facto” é limitada pelo n.º 2 do art. 649° do C.P.C.M., (subsidiariamente aplicável por força do disposto no art. 1° do C.P.A.C.), nos termos do qual, “A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo se houver ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.
Nesta conformidade, o Tribunal de Última Instância, em recurso jurisdicional – como é o caso – não pode censurar a convicção formada pelas Instâncias quanto à prova; podendo, porém, reconhecer, (e declarar), que há obstáculo legal a que tal convicção se tivesse formado, (quando tenham sido violadas normas ou princípios jurídicos no julgamento da matéria de facto), sendo assim, uma censura que se confina à “legalidade do apuramento dos factos, e não respeita, directamente, à existência ou inexistência destes”; (cfr., v.g., entre outros, e para citar os mais recentes, os Acs. de 31.07.2020, Proc. n.° 57/2020, de 09.09.2020, Proc. n.° 56/2020, de 16.09.2020, Proc. n.° 85/2020 e de 23.09.2020, Proc. n.° 135/2020).
Motivos não havendo para se divergir do entendimento que se tem vindo a assumir, mais não se mostra necessário consignar para se concluir pela improcedência do recurso na parte em questão.
Seja como for, não se deixa de dizer que ainda que se fosse a atender à “matéria pela ora recorrente considerada em falta”, a mesma seria a solução a que se chegou.
De facto, em relação à alegada “crise económica”, firme tem sido o entendimento que a mesma não constitui “justificação” para o não cumprimento da obrigação de aproveitamento do terreno no prazo acordado, (cfr., v.g., entre outros, o Ac. de 05.12.2018, Proc. n.° 88/2018), sendo de notar, igualmente que, in casu, o dito “prazo” chegou ao seu términus em 06.11.1998, e que o despacho que declarou a caducidade da concessão foi (apenas) proferido em 30.03.2015, o que não deixa de demonstrar o indevido (e excessivo) “arrastamento processual” que ocorreu, o que torna, em nossa opinião, evidente, a solução a que se chegou.
–– Quanto à invocada “violação dos princípios da boa fé, da tutela da confiança, da igualdade e da proporcionalidade”, manifesto se nos apresenta que não ocorreu.
Aliás, no Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, ora recorrido, efectuou-se adequada apreciação destes alegados vícios, e em sede das contra-alegações e do transcrito Parecer do Ministério Público se demonstra também da falta de razão da ora recorrente.
Com efeito, e como tem constituído entendimento deste Tribunal de Última Instância:
“Perante a falta de aproveitamento do terreno por culpa do concessionário no prazo de aproveitamento previamente estabelecido, a Administração está vinculada a praticar o acto administrativo, cabendo ao Chefe do Executivo declarar a caducidade da concessão”, sendo de realçar que “No âmbito da actividade vinculada não releva a alegada violação dos princípios gerais do Direito Administrativo, incluindo os princípios da boa fé, da justiça e da igualdade, da adequação, da proporcionalidade e ainda da colaboração entre a Administração e os particulares”, pois que “Se a Administração, noutros procedimentos administrativos, ilegalmente, não declarou a caducidade de outras concessões, supostamente havendo semelhança dos mesmos factos essenciais, tal circunstância não aproveita, em nada, à concessionária em causa visto que os administrados não podem reivindicar um direito à ilegalidade”; (cfr., v.g., entre muitos, os recentes Acs. desta Instância de 10.06.2020, Proc. n.° 35/2020 e de 10.07.2020, Proc. n.° 38/2020, de 16.09.2020, Proc. n.° 85/2020 e de 23.09.2020, Proc. n.° 104/2020).
Decisão
4. Nos termos e fundamentos que se deixam expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, com a taxa de justiça de 10 UCs.
Registe e notifique.
Macau, aos 14 de Outubro de 2020
Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei
O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Álvaro António Mangas Abreu Dantas
Proc. 125/2020 Pág. 42
Proc. 125/2020 Pág. 17