Processo n.º 9/2018
Recurso jurisdicional em matéria cível
Recorrente: A
Recorridos: Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual da Direcção dos Serviços de Economia e B
Data da conferência: 31 de Julho de 2020
Juízes: Song Man Lei (Relatora), José Maria Dias Azedo e Sam Hou Fai
Assuntos: - Marca
- Imitação de marca
- Concorrência desleal
SUMÁRIO
1. Vigora em matéria de marcas o princípio da novidade ou da especialidade, segundo o qual a marca há-de ser constituída por forma a que não se confunda com outra anteriormente adoptada para o mesmo produto ou semelhante.
2. No exame comparativo das marcas, deve considerar-se decisivo o juízo que emitiria o consumidor médio do produto ou produtos em questão.
3. No presente caso, não se pode olvidar a diferença evidente das marcas em causa, especialmente na sua primeira parte, que sobressai desde logo das respectivas pronúncias.
4. E a diferença, que não pode ser ignorada, também se verifica em ralação aos sinais gráficos, quando se põem em confronto as marcas, que consistem respectivamente em SIMILAC (e SIMILAC ISOMIL) e Sanilac.
5. Do ponto de vista global, nota-se sem dúvida a diferença das marcas, tanto na soletração como na pronúncia, que atinge, a nosso ver, um grau com capacidade suficiente para distinguir a marca da recorrida registanda das marcas da recorrente já registadas.
6. No quadro da concorrência desleal o acto só terá a natureza de desleal quando possa originar um prejuízo a outra pessoa, através da subtracção da sua clientela, efectiva ou potencial.
A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
1. Relatório
A, melhor identificada nos autos, interpôs recurso judicial do despacho do Senhor Chefe do Departamento de Propriedade Intelectual da Direcção dos Serviços de Economia, que concedeu à B o registo da marca nominativa Sanilac, com o n.º N/XXXXX.
O Tribunal Judicial de Base julgou procedente o recurso, revogando o despacho recorrido e determinando que fosse recusado do registo da marca em causa.
Inconformada com a decisão, recorreu B para o Tribunal de Segunda Instância, que por sua vez decidiu julgar procedente o recurso, revogando a sentença recorrida e mantendo a decisão da DSE que concedeu o registo à marca Sanilac.
Deste acórdão vem A recorrer para o Tribunal de Última Instância, apresentando nas suas alegações as seguintes conclusões:
i) O Tribunal de Segunda Instância não apresentou fundamentos suficientes para defender um entendimento diferente do Tribunal Judicial de Base, o qual concluiu de forma diligentemente fundamentada, de que em consciência não se poderia decidir noutro sentido que não o de imitação, pela Recorrida, das marcas anteriormente registadas em nome da Recorrente.
ii) O raciocínio delineado pelo Tribunal Judicial de Base em defesa da confundibilidade dos sinais, o qual se reproduz acima, parece-nos que foi gloriosamente fundamentado, e como tal, deverá ser mantido.
iii) Pelas razões objectivas decorrentes da operação comparativa operada pelo Tribunal a quo (reforçada e comprovada pelos resultados da sondagem submetida aos autos), não nos parece que, no cômputo geral, as marcas em confronto sejam distinguíveis, pelo contrário. Não é apenas a presença do sufixo “LAC” que torna as marcas confundíveis, mas também as semelhanças notórias, quer visuais quer auditivas, entre a primeira parte de ambas as marcas “SANI” e “SIMI”.
iv) Reitera-se que a probabilidade de confusão deve ser apreciada globalmente, levando em conta a prevalência das sílabas e pronúncias semelhantes, o que conduz à semelhança gráfica e fonética.
v) Visualmente, a marca “SIMILAC” da Recorrente contém sete letras “S”, “I”, “M”, “I”, “L”, “A” e “C”. A marca está registada em letras maiúsculas, mas tanto é usada em letras maiúsculas ou como “Similac”.
vi) Por outro lado, a marca registanda também contém sete letras “S”, “A”, “N”, “I”, “L”, “A” e “C”. As duas marcas são de igual comprimento, e cinco das sete letras são exactamente as mesmas e ocupam a mesma posição que as da marca da Recorrente. As marcas começam com a letra “S” e terminam com as letras “LAC”. Portanto, as marcas em confronto são extremamente semelhantes sob o ponto de vista visual, como se demonstra infra demonstra infra:
Marca da Recorrente
Marca Registando
SIMILAC
SANILAC
Similac
Sanilac
vii) Conceptualmente, ambas as marcas não têm um significado reconhecido.
viii) O sufixo comum das marcas em competição, ou seja, “LAC”, não tem significado no dicionário e não significa, necessariamente, produtos lácteos, como se afirma na decisão recorrida. No máximo, o sufixo “-LAC” é sugestivo de lactação, mas o Tribunal a quo não deve considerar o sufixo como um elemento “indistintivo” e ignorá-lo na avaliação da semelhança entre as marcas.
ix) Além disso, o Tribunal a quo considerou expressamente na decisão recorrida que havia uma diferença entre “LAC” e “lac”, contudo essa diferença tem somente a ver com a utilização de letras maiúsculas e minúsculas (“LAC” e “lac”), por isso são diferenças insignificantes na avaliação da semelhança das marcas.
x) As semelhanças visuais, auditivas e conceptuais das marcas concorrentes devem ser avaliadas por referência às impressões gerais criadas pelas marcas, tendo em conta seus componentes distintivos e dominantes, mas é somente quando todos os outros componentes de uma marca são insignificantes que é possível fazer a comparação apenas com base nos elementos dominantes – neste caso, como estamos em frente de marcas nominativas simples, as semelhanças visuais e fonéticas entre os sinais destacam-se, tornando-se óbvias.
xi) Do que se conclui que a confusão do consumidor é muito provável, principalmente devido ao facto de a lembrança ser por natureza imperfeita.
xii) É provável que os consumidores sejam enganados ou confundidos ao pensar que a marca registanda está conectada com a Recorrente ou a ela pertence.
xiii) Ou seja, não considerou a reputação da marca da Recorrente estabelecida através do uso efectivo da marca em Macau, o que é essencial para determinar a confusão do consumidor.
xiv) Contudo, as marcas SIMILAC e SIMILAC ISOMIL da Recorrente são marcas de nutrição pediátrica de renome em Macau (aliás facto provado na decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Base), onde os locais e turistas compram regularmente fórmula de leite em pó sob as marcas nas principais lojas de retalho, como Mannings, Watson e várias farmácias.
xv) Ora, esses factos foram provados no processo. Em contrapartida, nenhuma prova de uso da marca da Recorrida em Macau foi submetida. O Tribunal não tomou em consideração estes factos, que carregam um peso considerável na avaliação da confusão do consumidor, ou seja, a probabilidade de a confusão ser aumentada devido ao carácter distintivo inerente da marca quer através da utilização da marca da Recorrente.
xvi) Por conseguinte, é inegável que as marcas prioritárias da Recorrente gozam de elevada capacidade distintiva intrínseca, sendo perfeitamente injustificado o juízo comparativo das marcas em confronto delineado pelo Tribunal a quo.
xvii) Concomitantemente, parece-nos justo e adequado que se admita, através da operação de comparação que a lei requere que se aplique, que existe forte semelhança gráfica, figurativa e fonética entre “Sanilac” e “Similac”, bem como na estrutura dos vocábulos, constituídos por três sílabas.
xviii) Além da percepção individual da Recorrente, que demonstra uma conexão séria entre os sinais em comparação, solicitou à C para realizar sondagem de mercado em Macau, em Novembro de 2014 (bem como em Hong Kong, em Abril e Maio de 2015), cujos resultados foram juntos no recurso no Tribunal Judicial de Base, para mostrar o que seria a percepção coletiva, reforçando sua posição nos autos.
xix) Os resultados de sondagem, juntos pela Recorrente aos autos, que reforçam a conclusão pela confundibilidade entre os sinais em confronto, além de comprovarem a confundibilidade entre as marcas junto dos consumidores de Macau, também fazem concluir que a marca é muito conhecida de grande parte do público, o que releva para a qualificar como marca notória em Macau – território muito procurado por géneros alimentícios, designadamente leite em pó.
xx) A Recorrente teve o cuidado de diligenciar a realização da sondagem junta aos autos, cujos resultados são favoráveis à confundibilidade dos sinais e indiciam a notoriedade da marca “SIMILAC”, pelo que a sentença recorrida deveria ter pelo menos feito referência aos seus resultados, justificando por que se defende opinião diferente.
xxi) Em face aos indícios de semelhança apontados pelo Tribunal a quo, essa semelhança permite, ainda assim, certamente, inferir uma situação objectiva de concorrência desleal, que o art. 1º do RJPI não tolera e que o art. 9º nº 1, al. c) reprime.
xxii) Se é certo que o direito industrial se move num quadro de concorrência, certo é também que determinadas práticas são reprimidas desde que os intervenientes, os agentes económicos, não estejam no mercado em plano de igualdade.
xxiii) Estamos, pois, em crer que o aparecimento de uma marca nova com as características da marca registanda em particular, com tantos pontos de semelhança com a marca da Recorrente atenta contra a lealdade da concorrência e, bastaria isso para a recusa.
xxiv) E esta singela realidade, revela intencionalidade de actuação por parte da Recorrida, a qual deve ser reprimida, por pretender sugerir no público a ideia de que aqueles produtos da classe 5 e que a Recorrida poderá colocar no mercado têm a mesma proveniência dos da Recorrente com a marca “Similac”. Ou seja, parece prefigurar uma vontade de aproveitamento da reputação empresarial da Recorrente.
xxv) No entender da Recorrente os resultados da sondagem realizada em Macau deveriam ter sido levados em conta pelo Meritíssimo Juiz precisamente na medida da amostra de pessoas sobre que a sondagem incidiu, a qual deveria, por espelhar a opinião de várias pessoas do território de Macau num determinado sentido (no sentido da confusão), substituir a sua opinião individual, assim prevalecendo, como deveria, a percepção colectiva em relação à existência de confusão no consumidor.
xxvi) Claramente, a sondagem junta aos autos não foi levada em consideração pelo Tribunal.
xxvii) O registo da marca pela Recorrida é muitíssimo prejudicial para a Recorrente, contribuindo mesmo para a diluição do carácter distintivo da sua marca.
xxviii) A Recorrente está extremamente descontente com o veredicto pois é sucinto em demasia e, sobretudo, omisso.
xxix) No entender da Recorrente o Tribunal a quo não analisou condignamente a posição exposta pela mesma nos autos – ignorando prova pertinente junta aos autos que aquela trouxe em apoio das suas alegações na primeira instância – pelo que deve a mesma prova ser analisada por esse Tribunal superior.
xxx) A falta de profundidade da decisão recorrida e a ausência de qualquer referência aos resultados da sondagem realizada em Macau são, de facto, notórias, e não podem passar despercebidas, mormente quando a matéria de imitação dos sinais, de pendor altamente subjectivo, se tenha objectivado nos resultados de uma sondagem realizada em Macau pela Recorrente, junta aos autos com a perspetiva de materializar essa análise, a qual foi liminarmente ignorada pelo Tribunal. Como referido supra, a opinião subjetiva do juiz deveria dar lugar à percepção colectiva da amostra da sondagem junta aos autos.
xxxi) Salvo o devido respeito, estamos em crer que a opinião contida na decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Base propugna uma visão mais realística dos factos, rigorosa na sua fundamentação (concretizada nos resultados da sondagem) demonstrando apreensão da totalidade da situação controvertida, devendo ser revisitada e mantida pelo Tribunal ad quem.
2. Os Factos
Nos autos foram dados como assentes os seguintes factos:
- A ora Recorrente é titular do registo das marcas n.º P/XXXXX e P/XXXXX , a primeira registada desde 7 de Julho de 1994 e a segunda desde 26 de Janeiro de 1993, ambas para a classe 5º.
- Por despacho publicado no Boletim Oficial de 20 de Agosto de 2014 a DSE concedeu à parte contrária a marca com o n.º N/XXXXX e para a classe 5ª, entendendo não se verificar a previsão vertida no art.º 214 n.º 2, al. b e 215 n.º 1 al. c) do RJPI.
- A Recorrente é conhecida por se dedicar à nutrição pediátrica e médica há mais de 100 anos, sendo uma das empresas de produtos médicos de maior reputação, líder na investigação, desenvolvimento e produção de produtos de cuidados médicos.
- A Recorrente iniciou a sua expansão internacional no início de Século XX, quando a A abriu o seu primeiro escritório em Londres, e, em 1962, já tinha chegado a países como o Canadá, Itália e França, como formou uma joint venture com a empresa nipónica D, para a produção de rádio-fármacos.
- A Recorrente é uma das empresas farmacêuticas mais importante em todo o mundo na área da pesquisa, produção, investigação, desenvolvimento e comercialização de produtos farmacêuticos, médicos e nutricionais.
- No âmbito da indústria farmacêutica a Recorrente dedica-se, entre outras áreas, à oncologia, anestesia, neurociência sendo que, relativamente aos produtos médicos se foca, exemplificando, na hematologia e saúde dos animais e, quanto à nutrição, opera no âmbito da nutrição pediátrica e médica, sendo “Similac” e “Similac Isomil” alguns dos produtos comercializados pela mesma.
- Actualmente a Recorrente faz chegar os seus produtos a mais de 130 países e territórios, tais como o Egipto, as Filipinas, a Alemanha, a República Popular da China, Hong Kong, Macau, estando cotada na Bolsa de Nova Iorque e empregando mais de 50.000 pessoas em todo o mundo.
3. O Direito
Coloca a recorrente duas questões, respeitantes respectivamente à violação das normas de propriedade industrial, nomeadamente do disposto no art.º 214.º n.º 1, al. b) e n.º 2 ex vi art.º 215.º n.º 1 do RJPI, e à concorrência desleal.
3.1. Da imitação de marca
Nos presentes autos, estão em causa as seguintes marcas: e , pertencentes à ora recorrente e registadas desde 7 de Julho de 1994 e 26 de Janeiro de 1993, respectivamente, ambas para a classe 5º, por um lado; e por outro, , marca registanda, conforme a pretensão da recorrida, também para a classe 5ª.
A questão suscitada reside em saber se a marca , que a recorrida pretendia registar, constitui imitação daquelas duas marcas anteriormente registadas da recorrente, todas três marcas para a classe 5ª.
Constata-se nos autos que a DSE decidiu conceder à ora recorrida a marca , por entender não verificada a previsão vertida nos art.ºs 214.º n.º 2, al. b) e 215.º n.º 1, al. c) do RJPI, decisão esta que foi revogada pela sentença do Tribunal Judicial de Base.
E no recurso interposto dessa sentença, o Tribunal de Segunda Instância julgou procedente o recurso, revogando a sentença do TJB e mantendo a decisão da DSE que concedeu o registo à marca .
Ora, como se sabe, a marca é um dos direitos de propriedade industrial, que confere ao respectivo titular a plena e exclusiva fruição, utilização e disposição das invenções, criações e sinais distintivos, dentro dos limites, condições e restrições fixados na lei – art.º 5.º do RJPI.
Nos termos do art.º 197.º do RJPI, que prevê o objecto da protecção da marca, “Só podem ser objecto de protecção ao abrigo do presente diploma, mediante um título de marca, o sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas”.
Daí que a marca deve ser adequada a distinguir produtos ou serviços, sendo ela “um sinal distintivo de coisas, há-de ela ser dotada, para o bom desempenho da sua função, de eficácia ou capacidade distintiva, isto é, há-de ser apropriada para diferenciar o produto marcada de outros idênticos ou semelhantes”1.
Ora, vigora em matéria de marcas o princípio da novidade ou da especialidade, segundo o qual a marca há-de ser constituída por forma a que não se confunda com outra anteriormente adoptada para o mesmo produto ou semelhante.
Tal como se estabelece na al. b) do n.º 2 do art.º 214.º do RJPI, o pedido de registo também é recusado sempre que a marca ou algum dos seus elementos contenha: “b) Reprodução ou imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem, para produtos ou serviços idênticos ou afins, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor, ou que compreenda o risco de associação com a marca registada ”.
E quanto à reprodução ou imitação de marca, dispõe o art.º 215.º do RJPI o seguinte:
“1. A marca registada considera-se reproduzida ou imitada, no todo ou em parte, por outra, quando, cumulativamente:
a) A marca registada tiver prioridade;
b) Sejam ambas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins;
c) Tenham tal semelhança gráfica, nominativa, figurativa ou fonética com outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto.
2. Considera-se reprodução ou imitação parcial de marca, a utilização de certa denominação de fantasia que faça parte de marca alheia anteriormente registada, ou somente do aspecto exterior do pacote ou invólucro com as respectivas cores e disposição de dizeres, medalhas e recompensas, de modo que pessoas analfabetas os não possam distinguir de outras adoptadas por possuidor de marcas legitimamente utilizadas.”
Como explica FERRER CORREIA2,《A marca não pode, portanto, ser igual ou semelhante a outra já anteriormente registada. O grau de semelhança que a marca não deve ter com outra registada anteriormente é definido por este elemento: possibilidade de confusão de uma com outra no mercado. Mas não pode haver confusão entre a marca adoptada para certo produto e a marca adoptada para outro que daquele seja completamente distinto. Por isso a lei restringe o princípio da especialidade da marca aos produtos da mesma espécie ou afins, nessa conformidade tendo substituído ao sistema do registo por classes o sistema de registo por produtos.
Vejamos, com mais pormenor, em que termos se deve aplicar o princípio da novidade.
Importa referir, antes de mais, que este princípio se refere às marcas e não aos produtos. O princípio da novidade deve ser respeitado mesmo quando os produtos a assinalar com determinada marca se possam distinguir (v.g., pelas dimensões. pelo peso, pelo tipo de embalagem) dos produtos congéneres assinalados com marca idêntica ou semelhante. Além de outras razões, fáceis de intuir, pode invocar-se neste sentido a própria letra da lei.
Por outro lado, a imitação de uma marca por outra existira, obviamente, quando, postas em confronto, elas se confundam. Mas existirá ainda, convém sublinhá-lo, quando, tendo-se à vista apenas a marca a constituir, se deva concluir que ela é susceptível de ser tomada por outra de que se tenha conhecimento. Este processo de aferição da novidade é o que melhor tutela o interesse que a lei visa proteger – o interesse em que se não confundam, através da marca, mercadorias idênticas ou afins pertencentes a empresários diversos. Com efeito, o consumidor, quando compra determinado produto marcado com um sinal semelhante a outro que já conhecia, não tem ã vista (em regra) as duas marcas, para fazer delas um exame comparativo. Compra o produto por se ter convencido de que a marca que o assinala é aquela que retinha na memória.
No exame comparativo das marcas, feito nestes termos, deve considerar-se decisivo o juízo que emitiria o consumidor médio do produto ou produtos em questão. Se, por exemplo, se trata de um produto consumido, em regra, por pessoas com certo grau de cultura, a confusão de marcas com alguns elementos comuns não será tão fácil como nos casos em que determinado produto se destine de preferência a camadas sociais de cultura rudimentar.
Concretizemos, por último, a aplicação destas directrizes aos vários tipos de marca.
Tratando-se de marcas nominativas, deverá abstrair-se das palavras ou elementos de palavras de natureza descritiva ou de uso comum3, limitando a apreciação à parte restante. A marca não será nova quando, em confronto gráfico ou fonético com outra mais antiga, seja de molde a provocar confusão, nos termos já referidos. Alguns exemplos (extraídos da jurisprudência nacional e estrangeira): são confundíveis as marcas “Pertax” e “Perlax”; “Paludrine” e “Paludina”; “Palmóleo” e “Palmeol”; “Dentol” e “Dental”; “Electra” e “Elettra”4.》
No presente caso, as marcas em causa são chamadas marcas nominativas, constituídas por um sinal ou conjunto de sinais nominativos.
As marcas da recorrente, já anteriormente registadas, são e , enquanto a marca registanda da recorrida é .
Na tese da recorrente, as marcas em confronto não são distinguíveis e não é apenas a presença do sufixo “LAC” que torna as marcas confundíveis, mas também as semelhanças notórias, quer visuais quer auditivas, entre a primeira parte de ambas as marcas “SANI” e “SIMI”, sendo que a probabilidade de confusão deve ser apreciada globalmente, levando em conta a prevalência das sílabas e pronúncias semelhantes, o que conduz à semelhança gráfica e fonética.
Ora, não nos parece muito relevante nem significante a diferença entre “LAC” e “lac”, derivada da utilização de letras maiúsculas e minúsculas, pois as marcas da recorrente também podem ser usadas com letras minúsculas e a pronúncia é a mesma.
Uma vez que ambas as marcas postas em confronto têm o mesmo sufixo “LAC”, há que ver se as restantes partes de cada uma das marcas (“SIMI” e “Sani”, respectivamente), conjugadas com aquele sufixo, são susceptíveis de confusão.
Afigura-se-nos que a resposta deve ser negativa.
Por um lado, normalmente os elementos fonéticos das marcas são mais idóneos para perdurar na memória do público do que os elementos gráficos ou figurativos5.
Daí que permite dizer que, para efeito de distinguir, o aspecto fonético das marcas tem uma maior relevância.
No presente caso, não se pode olvidar a diferença evidente das marcas em causa, especialmente na sua primeira parte, que sobressai desde logo das respectivas pronúncias.
E a diferença, que não pode ser ignorada, também se verifica em ralação aos sinais gráficos, quando se põem em confronto as marcas, que consistem respectivamente em SIMILAC (e SIMILAC ISOMIL) e Sanilac, ainda que ambas contenham cinco letras iguais.
Na realidade e do ponto de vista global, nota-se sem dúvida a diferença das marcas, tanto na soletração como na pronúncia, que atinge, a nosso ver, um grau com capacidade suficiente para distinguir a marca da recorrida registanda das marcas da recorrente já registadas.
Por outro lado, a marca não será nova quando, em confronto gráfico ou fonético com outra mais antiga, seja de molde a provocar confusão nos consumidores médios do mercado.
O que se deve atentar é o mercado de Macau, onde os locais e turistas compram regularmente fórmula de leite em pó sob as marcas nas principais lojas de retalho, como Mannings, Watson e várias farmácias, tal como alega a recorrente.
No entanto, é de salientar que Macau é um pequeno território, cuja população é maioritariamente chinesa, bem como os turistas que o visitam.
E sem intenção de ignorar o alegada resultado da sondagem realizada em Macau, é de conhecimento comum que os consumidores médios desse mercado, incluindo os locais e os vindos de fora, nomeadamente do Interior da China, conhecem e identificam o produto (leite em pó) por seu nome chinês (resultante da tradução da língua estrangeira original para a chinesa), mesmo que seja produto estrangeiro.
Uma vez que os consumidores médios compram em farmácias o produto, identificando-o por seu nome chinês, não parece muito relevante a indicação do mesmo produto por uma língua estrangeira, ainda que pela língua inglesa que é muito vulgarmente utilizado no mundo.
Repare-se que nem a própria recorrente chegou a indicar o nome chinês do seu produto.
Não obstante se poder constatar no relatório da DSE (fls. 29 dos autos) uma expressão chinesa (“心美力”) correspondente à marca da recorrente, certo é que não resulta dos autos que os consumidores médios de Macau associam tal expressão à marca SIMILAC.
Daí que se inclina para concluir que não está em causa uma marca (Sanilac) que possa confundir os consumidores, fazendo-os a pensar que a marca registanda está conectada com a recorrente ou a ela pertence, ao contrário à tese da recorrente.
Invoca ainda a recorrente a disposição da al. b) do n.º 1 do art.º 214.º do RJPI, segundo o qual o registo de marca é recusado “a marca constitua, no todo em parte essencial, reprodução, imitação ou tradução de outra notoriamente conhecida em Macau, se for aplicada a produtos ou serviços idênticos ou afins e com ela possa confundir-se, ou que esses produtos possam estabelecer ligação com o proprietário da marca notória”.
Parece que a recorrente pretende invocar a notoriedade da sua marca.
Ora, é de frisar que, no seu recurso interposto para o Tribunal Judicial de Base da decisão da DSE no sentido de conceder à ora recorrida a marca “Sanilac”, não se constata que chegou a recorrente a colocar a questão de marca notória, com intenção de ser apreciada pelo Tribunal.
Tal questão aparece nas contra-alegações apresentadas pela ora recorrente no recurso interposto pela ora recorrida da decisão do TJB para o Tribunal de Segunda Instância, em que, apesar de ter tocado nas marcas notórias e de prestígio, com indicação da norma contida na al. b) do n.º 1 do art.º 214.º do RJPI, limitou-se a recorrente a dizer, no fim das suas conclusões, que deve improceder o recurso, “por se verificarem os fundamentos de recursa previstos nos art.º 214.º n.º 2 al. b) ex vi art.º 215.º n.º 1 e art.º 9.º n.º 1 al. c), todo do RJPI”.
Daí que a questão não foi objecto de apreciação pelos tribunais. Trata-se duma questão nova, que não é de conhecimento oficioso.
Seja como for, é sempre de dizer que, concluído pela não imitação das marca registanda, não assite razão à recorrente.
3.2. Da concorrência desleal
Na óptica da recorrente, a semelhança das marcas em causa permite certamente inferir uma situação objectiva de concorrência desleal.
Nos termos da al. c) do n.º 1 do art.º 9.º do RJPI, é fundamento de recusa de concessão dos direitos de propriedade industrial “O reconhecimento de que o requerente pretende fazer concorrência desleal, ou que esta é possível independentemente da sua intenção”.
Dispõe o art.º 158.º do Código Comercial que “Constitui concorrência desleal todo o acto de concorrência que objectivamente se revele contrário às normas e aos usos honestos da actividade económica”.
E estabelece o art.º 159.º do mesmo diploma o seguinte:
“Artigo 159.º
(Actos de confusão)
1. Considera-se desleal todo o acto que seja idóneo a criar confusão com a empresa, os produtos, os serviços ou o crédito dos concorrentes.
2. O risco de associação por parte dos consumidores relativo à origem do produto ou do serviço é suficiente para fundamentar a deslealdade de uma prática”.
Sobre a matéria em causa, este Tribunal de Última Instância foi já chamado a pronunciar, num caso idêntico em que se envolvem as mesmas partes e estão em causa as mesmas marcas.6
「Ensina FERRER CORREIA7 que “… a defesa conferida pela proibição da concorrência desleal – nas diferentes formas que tal proibição reveste – é uma defesa complementar: complementar da legalmente assegurada pela tutela mais específica, mais rigorosa, mas por isso mesmo também mais circunscrita, desses vários elementos concretos (entre eles, os chamados sinais distintivos do comércio: marca, firma, nome e insígnia).8
Trata-se, pois, repetimos, de uma defesa complementar e, digamos, de segunda linha”.
Igualmente, explica CARLOS OLAVO9, referindo-se ao direito português, com normas semelhantes ao de Macau, que “…é hoje pacífico, quer na jurisprudência10, quer na doutrina11, que a protecção contra os actos de concorrência desleal tem, no nosso direito, um tratamento jurídico distinto da protecção dos direitos privativos da propriedade industrial, que permite considerá-la como constituindo um instituto autónomo.
Com efeito, enquanto que na violação de um direito privativo nos encontramos perante um ilícito meramente formal, independentemente da idoneidade ou inidoneidade do acto para provocar um qualquer prejuízo, no quadro da concorrência desleal o acto só terá a natureza de desleal quando possa originar um prejuízo a outra pessoa, através da subtracção da sua clientela, efectiva ou potencial”.
3.3. O caso dos autos
Tanto o acórdão recorrido como a sentença de 1.ª Instância consideraram não haver semelhança entre a marca Sanilac da recorrida particular e as marcas registadas Similac e Similac Isomil, da recorrente, que seja idónea a criar confusão com a empresa, os produtos, os serviços ou o crédito desta última, inexistindo, igualmente, risco de associação por parte dos consumidores relativo à origem do produto ou do serviço.
Concordamos com estas conclusões, pelo que se não configura uma situação de concorrência desleal.」
É de manter tal posição.
Com efeito, não decorre das alegações da recorrente qualquer invocação concreta e muito menos desenvolvida sobre o prejuízo já provocado ou a provocar para a recorrente, através da subtracção da sua clientela, efectiva ou potencial.
Concluindo, improcede o recurso jurisdicional.
4. Decisão
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, em todas as instâncias.
Macau, 31 de Julho de 2020
Juízes: Song Man Lei (Relatora)
José Maria Dias Azedo
Sam Hou Fai
1 FERRER CORREIA, Lições de Direito Comercial, Universidade de Coimbra, Volume I, 1973, p. 323.
2 FERRER CORREIA, Lições de Direito Comercial, Universidade de Coimbra, Volume I, 1973, p. 328 e 331.
3 FERRARA JUNIOR, ob. cit., pág. 254.
4 Na marca nominativa, o que interessa é a imitação do conteúdo ideológico. Neste tipo de marcas, com efeito, o direito ao uso exclusivo abrange não apenas o uso da marca na forma em que tenha sido registada, mas ainda o uso da mesma palavra ou palavras noutras formas em que possam ser reproduzidas (v.g., em diferentes caracteres tipográficos, com outra tinta, em diferente tamanho, etc.).
5 CARLOS OLAVO, Propriedade …, p 102 e 110.
6 Cfr. Ac. do TUI, de 18 de Setembro de 2019, Proc. n.º 78/2016.
7 FERRER CORREIA, Propriedade Industrial, Registo do nome de estabelecimento, Concorrência desleal in «Estudos Jurídicos II – Direito Civil e Comercial, Direito Comercial, Direito Criminal», Coimbra 1969, p. 235.
8 Mario Rotondi, Diritto Industriale, pág. 420 (apud Ferrara, loc cit.)
9 CARLOS OLAVO, A Concorrência Desleal, em Concorrência Desleal, Textos de Apoio, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1996, p. 329 e 330
10 Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21 de Novembro de 1951, Bol. Min. Just., n.º 22, pág.347.
11 Cfr. Prof. A. Ferrer Correia, «Propriedade Industrial, Registo do nome de estabelecimento, Concorrência desleal» in «Estudos Jurídicos II – Direito Civil e Comercial, Direito Comercial, Direito Criminal», Coimbra 1969, págs. 235 e segs., Patrício Paul, «Concorrência Desleal», 1965, págs. 43 e segs.
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Processo n.º 9/2018