Processo n.º 64/2019
Recurso jurisdicional em matéria cível
Recorrente: A
Recorridos: Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual da Direcção dos Serviços de Economia e B
Data da conferência: 9 de Setembro de 2020
Juízes: Song Man Lei (Relatora), José Maria Dias Azedo e Sam Hou Fai
Assuntos: - Marca
- Imitação de marca
SUMÁRIO
1. Vigora em matéria de marcas o princípio da novidade ou da especialidade, segundo o qual a marca há-de ser constituída por forma a que não se confunda com outra anteriormente adoptada para o mesmo produto ou semelhante.
2. No exame comparativo das marcas, deve considerar-se decisivo o juízo que emitiria o consumidor médio do produto ou produtos em questão.
3. No presente caso, não se nota, do ponto de vista global, a semelhança entre as marcas em confronto que atinge um grau acentuado até que possa fazer confundi-las e não estamos perante as marcas (registandas) que possam confundir os consumidores, fazendo-os a pensar que tais marcas (e os respectivos produtos) estão conectados com a recorrente ou a ela pertence.
A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
1. Relatório
A, melhor identificada nos autos, interpôs recurso judicial do despacho da Senhora Chefe do Departamento de Propriedade Intelectual da Direcção dos Serviços de Economia, que concedeu à B o registo das marcas N/115179 e N/115180 para as classes 30 e 41, respectivamente.
O Tribunal Judicial de Base julgou improcedente o recurso.
Inconformada com a decisão, recorreu A para o Tribunal de Segunda Instância, que por sua vez negou provimento ao recurso, mantendo a decisão de primeira instância recorrida.
Deste acórdão vem A recorrer para o Tribunal de Última Instância, apresentando nas suas alegações as seguintes conclusões:
1. A empresa B requereu o registo das marcas N/115179 e N/115180 para produtos classe 30: “Café;chá;cacau;sucedâneos de café.” e serviços na classe 41: “Educação; prestação de formação.”
2. As marcas concedidas são uma marca mista cujo elemento nominativo reproduz a parte característica – “TWG” – da firma e denominação social da recorrente – A – uma sociedade constituída em Singapura.
3. O Douto Tribunal de Segunda Instância, com o devido respeito, errou ao considerar que “a configuração e as letras componentes da marca são diferenciadoras” é suficiente para não alterar o douto entendimento do Tribunal Judicial de Base de que a parte contrária usa também uma marca para designar a sua empresa B e que tal está de acordo com o princípio da verdade. Porquanto,
4. Tal facto nada tem que ver o argumento da recorrente para peticionar o provimento do recurso e a recusa do registo das marcas N/115179 e N/115180;
5. O que a recorrente alegou foi que é errado o entendimento do Tribunal Judicial de Base de que a denominação “TWG”, usada nas marcas N/115179 e N/115180, “corresponde às iniciais de Grupo X X (nome da Recorrida)” o que impede de se “concluir que está a usar a firma da recorrente”.
6. O “nome” da parte contrária é B, tal como identificada no registo das marcas em crise e na própria sentença do Tribunal Judicial de Base, pelo que a conclusão de que a firma da Recorrida é “Grupo X X” não tem assento nos factos carreados ao processo ou no registo comercial.
7. Ainda que o “nome” da parte contrária fosse “Grupo X X”, o que é certo é que ainda assim desse nome não faria parte a expressão “TWG” não cabendo, com o devido respeito, ao Douto Tribunal criar iniciais que não são usadas nem individualizadas na firma da parte contrária, mas apenas na firma da Recorrente.
8. No texto das marcas concedidas – “TWG COFFEE CONNOISSEURS ACADEMY” – não são as expressões “COFFEE”, “CONNOISSEURS” ou “ACADEMY” que possuem eficácia distintiva, por serem expressões fracas e de uso comum, mas sim a expressão “TWG” a qual é preponderante.
9. Na firma da recorrente – “A” – não são as expressões “TEA”, “COMPANY”, “PTE” ou “’LTD” que possuem eficácia distintiva, mas sim a expressão “TWG”, coincidente nas marcas concedidas e na firma da recorrente.
10. Em face das disposições dos artigos 207.º, n.º 1, alínea d) e 214.º n.º 2 alínea e) do RJPI, é jurisprudência assente dos nossos tribunais que, para que ocorra recusa do registo da marca, torna-se necessária a verificação dos seguintes pressupostos:
1) Que a marca ou algum dos seus elementos contenha a firma, nome ou insígnia de estabelecimento ou parte característica dos mesmos;
2) Que essa firma, nome ou insígnia não pertençam à parte contrária nem esta esteja autorizado a utilizá-las.
11. A parte contrária não é titular da referida firma nem está autorizada a utilizá-la.
12. Mantêm-se assim plenamente válidos os argumentos da Recorrente de que as marcas concedidas são uma marca mista cujo elemento nominativo reproduz a parte característica – “TWG” – da firma e denominação social da recorrente, conforme cópia de certidão de registo comercial que se juntou.
13. A utilização de firma ou parte dela numa dada marca, por outra empresa, e a não apresentação do documento complementar de autorização, é factor impeditivo da realização do registo das marcas N/115179 e N/115180 e, nos termos dos artigos 214.º, n.º 2, alínea e) e do 207.º, n.º 1, alínea d), ambos do RJPI, e do artigo 8.º da Convenção da União de Paris de 1883, sendo que tal omissão constitui até fundamento de anulação do registo ao abrigo do artigo 230.º, n.º 1, al. a) também do RJPI.
14. Os três requisitos de recusa de registo previstos no artigo 214.º, n.º 2, alínea b) do RJPI, verificam-se.
15. As marcas da recorrente gozam de prioridade face às marcas concedidas.
16. Os produtos da marca N/115179 são idênticos e afins dos das marcas N/55908 e N/69140 da Recorrente, face à natureza, necessidades que satisfazem e circuitos de distribuição e tal afinidade aumenta face à relação de substituição, complementaridade, acessoriedade e derivação entre os mesmos.
17. Nos termos do artigo 215.º, n.º 2 do RJPI “Considera-se reprodução ou imitação parcial de marca, a utilização de certa denominação de fantasia que faça parte de marca alheia anteriormente registada, …” sendo desnecessária a verificação da possibilidade psicológica de indução em erro.
18. As marcas em crise coincidem na expressão “TWG”.
19. O entendimento do Douto Tribunal de que, face à imagem de conjunto não se verifica acentuada semelhança entre as duas marcas em exame, é errado. Porquanto,
20. No confronto entre uma marca mista e uma marca figurativa “... o elemento nominativo deva ser considerado o elemento predominante.”.
21. “o elemento que se destaca em ambas as marcas em confronto, a registada e a impugnada nos autos, é a sigla TWG, que constitui o núcleo central dessas marcas mistas. A marca “TWG tea” representa uma marca de renome e prestígio que a marca “TWG coffee” pretenderá, aparentemente, copiar, gerando desse jeito confusão no consumidor acerca da proveniência dos produtos.”
22. A marca N/115179 e N/115180 reproduz a parte característica das marcas anteriores N/55908 e N/69140 da Recorrente, destina-se a produtos afins podendo induzir em erro ou confusão o consumidor e compreende o risco de associação com a marca registada.
23. A Recorrente granjeou prestígio e reputação internacional e em Macau nesta actividade pelo que existe assim o perigo de engano do consumidor quanto à proveniência dos produtos.
24. A Recorrente é titular das marcas N/69138 a N/69142, N/55907, N/55908, N/55909, N/68517, N/070637, N/070638, N/070639, N/070640, N/070641, N/070642, N/070643, N/82802, N/82803, N/82804 e N/82805.
25. A protecção das marcas de prestígio impede o registo de marcas iguais ou semelhantes ainda que se destinem a identificar produtos que não são idênticos nem afins. Ou seja,
26. Verifica-se o pressuposto a existência de elementos de similitude visual, fonética ou conceptual que impliquem um grau de semelhança que leve os consumidores a estabelecerem uma ligação entre as marcas;
27. Existe assim disputa de clientela, efectiva e potencial e consequentemente uma concorrência;
28. A recorrente, dedica-se à actividade comercial de produção e venda dos produtos e fornecimento dos serviços referidos;
29. As marcas da recorrente, são facilmente identificáveis por qualquer consumidor médio dada a sua notoriedade, prestígio e tradição adquirida pela inquestionável qualidade dos seus produtos e serviços, mas também pelas imensas parcerias internacionais que a Recorrente;
30. Tendo presente as marcas de grande prestígio da recorrente, resulta a aplicação do artigo 214.º, n.º 1, alínea c) do RJPI que impede o registo de marcas iguais ou semelhantes;
31. A actividade económica da Recorrente é amplamente promovida através das suas marcas, as quais são copiadas pelas marcas N/115179 e N/115180, existindo assim disputa de clientela, efectiva e potencial, bem como e consequentemente uma concorrência.
32. Ao abrigo do artigo 214.º, n.º 1, al. c), do RJPI, deve ser recusado o registo das marcas N/115179 e N/115180;
33. O Douto Acórdão viola, assim, as normas do artigo 8 da Convenção da União de Paris de 1883, dos artigos 207.º, n.º 1, alínea d), 214.º n.º 1, alíneas a) e c) e n.º 2, alínea e) do RJPI, pelo que deve ser revogado.
2. Os Factos
Nos autos foram dados como assentes os seguintes factos:
1) Em 07/09/2016, a parte contrária, B, solicitou o registo das marcas n.º N/115179 e N/115180 para assinalar serviços incluídos na classe 30 e 41;
2) As marcas n.º N/115179 e N/115180 são marcas mistas, compostas por: ;
3) Os pedidos dos registos foram publicados no BO da RAEM n.º 44-II Série de 03/11/2016, com rectificação republicada no BO da RAEM n.º 1-II Série de 4/01/2017;
4) Não havendo reclamação, foi a marca concedida, por despacho da Exma Sra. Chefe do DPI da DSE de 24/11/2017, publicado no BO da RAEM n.º 51-II Série de 21/12/2017;
5) A 19/01/2018, vem a Recorrente, A, interpor a presente recurso;
6) A Recorrente é titular das marcas N/69140 e N/55908;
7) A marca N/69140 consiste em TWG e foi concedida em 12/09/2012;
8) A marca N/55908 consiste em e foi concedida em 19/08/2009;
9) A Recorrida é titular da marca N/43102 que consiste em:
e foi concedida em 29/10/2009.
3. O Direito
Imputa a recorrente a violação das normas do art.º 8 da Convenção da União de Paris de 1883, dos art.ºs 207.º n.º 1, al. d), 214.º n.º 1, al.s a) e c) e n.º 2, al. e) do RJPI.
Nos presentes autos, as marcas registandas são marcas mistas, compostas por: .
E as marcas já registadas da recorrente consiste, respectivamente, em TWG (N/69140) e (N/55908).
Na óptica da recorrente, o elemento nominativo das marcas registandas reproduz a parte característica – “TWG” – da sua firma e denominação social – A e das suas marcas anteriormente registadas, sendo coincidentes na expressão “TWG”.
Invoca ainda as figuras de marca notória e de prestígio.
Vejamos.
Como se sabe, a marca é um dos direitos de propriedade industrial, que confere ao respectivo titular a plena e exclusiva fruição, utilização e disposição das invenções, criações e sinais distintivos, dentro dos limites, condições e restrições fixados na lei – art.º 5.º do RJPI.
Nos termos do art.º 197.º do RJPI, que prevê o objecto da protecção da marca, “Só podem ser objecto de protecção ao abrigo do presente diploma, mediante um título de marca, o sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas”.
Daí que a marca deve ser adequada a distinguir produtos ou serviços, sendo ela “um sinal distintivo de coisas, há-de ela ser dotada, para o bom desempenho da sua função, de eficácia ou capacidade distintiva, isto é, há-de ser apropriada para diferenciar o produto marcada de outros idênticos ou semelhantes”1.
Ora, vigora em matéria de marcas o princípio da novidade ou da especialidade, segundo o qual a marca há-de ser constituída por forma a que não se confunda com outra anteriormente adoptada para o mesmo produto ou semelhante.
Nos termos da al. d) do n.º 1 art.º 207.º do RJPI, para além dos elementos indicados no art.º 206.º do diploma, o pedido de registo de marca deve ser complementado, se for o caso, com os elementos respeitantes à “autorização de pessoa cujo nome, firma, nome ou insígnia de estabelecimento, retrato, pintura ou quaisquer outras expressões ou figurações figure na marca e não seja o requerente, ou, sendo tal pessoa já falecida, dos seus herdeiros ou parentes até ao quarto grau”.
E prevê o art.º 214.º do RJPI o seguinte:
“Artigo 214.º
(Fundamentos de recusa do registo de marca)
1. O registo de marca é recusado quando:
a) Se verifique qualquer dos fundamentos gerais de recusa da concessão de direitos de propriedade industrial previstos no n.º 1 do artigo 9.º;
b) A marca constitua, no todo em parte essencial, reprodução, imitação ou tradução de outra notoriamente conhecida em Macau, se for aplicada a produtos ou serviços idênticos ou afins e com ela possa confundir-se, ou que esses produtos possam estabelecer ligação com o proprietário da marca notória;
c) A marca, ainda que destinada a produtos ou serviços sem afinidade, constitua reprodução, imitação ou tradução de uma marca anterior que goze de prestígio em Macau, e sempre que a utilização da marca posterior procure tirar partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca ou possa prejudicá-los.
2. O pedido de registo também é recusado sempre que a marca ou algum dos seus elementos contenha:
a) …;
b) Reprodução ou imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem, para produtos ou serviços idênticos ou afins, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor, ou que compreenda o risco de associação com a marca registada;
c) …;
d) …;
e) A firma, nome ou insígnia de estabelecimento, ou apenas parte característica dos mesmos, que não pertençam ao requerente ou que o mesmo não esteja autorizado a utilizar, se for susceptível de induzir o consumidor em erro ou confusão;
f) ….
3. ….
4. ….
5. ….”
Ao mesmo tempo, estabelece o art.º 230.º n.º 1, al. b) do RJPI que, para além nos casos previstos no art.º 48.º do mesmo diploma, que prevê causas gerais de anulabilidade dos títulos de propriedade industrial, os registos de marca são ainda anuláveis quando o título for concedido “em violação das normas contidas nas alíneas b) e c) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 214.º”.
Por seu lado, prevê o art.º 8.º da Convenção de Paris para a Protecção da Propriedade Industrial de 1883 que “o nome comercial será protegido em todos os países da união sem obrigação de depósito ou de registro, quer faça ou não parte de uma marca de fábrica ou de comércio”.
Desde logo, é de reparar que, não obstante a alegada violação do disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 214.º, que remeta para o n.º 1 do art.º 9.º, a recorrente não chegou a indicar concretamente qual norma que entendia violada, pois o art.º 9.º contém vários fundamentos gerais de recusa da concessão dos direitos de propriedade industrial, o que torna impossível a apreciação da questão em causa.
No que respeita à invocada reprodução da parte característica – “TWG” – da firma e denominação social da recorrente, é verdade que as marcas registandas da recorrida contêm a expressão “TWG”.
É de salientar, no entanto, que ao abrigo da al. e) do n.º 2 do 214.º o fundamento de recusa invocado pela recorrente só é relevante se a marca “for susceptível de induzir o consumidor em erro ou confusão”.
Daí que se mostra decisivo o juízo a formar sobre a susceptibilidade, ou não, das marcas registandas em induzirem o consumidor em erro ou confusão.
Ora, a firma e denominação social da recorrente consiste em “A”.
Tal como se frisa na resposta ao recurso judicial apresentada pela Direcção dos Serviços de Economia, a firma da recorrente indica claramente que a companhia, fundada em 2008, tem como objecto o comércio ligado a produtos derivados em especial das folhas do chá, entre outros, onde granjeou grande notoriedade pela qualidade que avoca “TWG Tea”, que representa um conceito de luxo que incorpora lojas únicas e originais, salas de chá requintadas e uma rede de distribuição internacional para profissionais2.
Por seu lado, a companhia ora recorrida, tal como se revela pelas marcas registandas, ficou conhecida pelo comércio de café, mas fornece também serviços de alimentos e bebidas de reconhecimento mundial e dedica-se ao estudo dos grãos de café e dá formação através da Academia de Connoisseurs (daí que se assinala também serviços incluídos na classe 41). E o Grupo promove negócios há mais 80 anos.3
E conforme a factualidade assente, a ora Recorrida é titular da marca N/43102, concedida em 29/10/2009, que consiste em: .
Daí que, não obstante a utilização da mesma expressão “TWG”, não se pode afirmar, com clareza, que estamos perante as marcas que reproduzem a firma e denominação social da recorrente.
Na tese da recorrente, nas marcas registandas da recorrida – “TWG COFFEE CONNOISSEURS ACADEMY” – não são as expressões “COFFEE”, “CONNOISSEURS” ou “ACADEMY” que possuem eficácia distintiva, por serem expressões fracas e de uso comum, mas sim a expressão “TWG” a qual é preponderante, enquanto na firma da recorrente – “A” – não são as expressões “TEA”, “COMPANY”, “PTE” ou “’LTD” que possuem eficácia distintiva, mas sim a expressão “TWG”, coincidente nas marcas registandas e na firma da recorrente. Por outras palavras, do ponto de vista da recorrente, sobressai-se apenas a expressão “TWG”.
Não podemos acompanhar tal opinião, pois com a composição das marcas registandas por aqueles vários elementos, fica segura e consideravelmente diminuída a relevância da expressão coincidente em toda a imagem global das marcas registandas, não sendo aquelas expressões (nomeadamente “CONNOISSEURS” e “ACADEMY”) sinais fracos, quando aparecem nas macas em conjugação com os outros elementos.
Como se sabe, são sinais fracos aqueles desprovidos de capacidade distintiva e que, por consequência, não podem ser protegidos como marca, tais como o desenho de uma simples linha, os números, as letras do alfabeto, os simples vocábulos, quando tomados isoladamente4.
A verdade é que, com aquela composição e configuração das marcas registandas, sobressai muito menos a expressão “TWG”.
O mais importante é averiquar se as marcas registandas são susceptíveis de induzir o consumidor em erro ou confusão, pressuposto este que se releva também no caso de imitação de marcas que é um dos fundamentos de recusa do registo de marca previsto na al. b) do art.º 214.º, também invocado pela recorrente.
Para os efeitos em causa, o consumidor deve ser o médio, não o distraído, nem o perito5.
E “os consumidores a considerar são, em primeiro lugar, aqueles a quem os produtos assinalados com as marcas em causa se destinam”6.
Por outras palavras, são os consumidores médios do mercado que devem ser considerados.
Neste aspecto, há que chamar atenção para os produtos da companhia recorrente que, pela sua qualidade, representam até um conceito de luxo, o que significa que, pelo menos, os seus consumidores são, naturalmente, de classe social média, que conhecem bem a companhia e os seus produtos e são exigentes.
Assim sendo, não se nos afigura que, só com a expressão “TWG” utilizada, as marcas registandas são susceptíveis de induzir os consumidores (sobretudo os consumidores dos produtos da recorrente) em erro ou confusão, nem há risco de associação com a firma da recorrente nem com as suas marcas registadas.
Quanto à reprodução ou imitação de marca, dispõe o art.º 215.º do RJPI o seguinte:
“1. A marca registada considera-se reproduzida ou imitada, no todo ou em parte, por outra, quando, cumulativamente:
a) A marca registada tiver prioridade;
b) Sejam ambas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins;
c) Tenham tal semelhança gráfica, nominativa, figurativa ou fonética com outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto.
2. Considera-se reprodução ou imitação parcial de marca, a utilização de certa denominação de fantasia que faça parte de marca alheia anteriormente registada, ou somente do aspecto exterior do pacote ou invólucro com as respectivas cores e disposição de dizeres, medalhas e recompensas, de modo que pessoas analfabetas os não possam distinguir de outras adoptadas por possuidor de marcas legitimamente utilizadas.”
Como explica FERRER CORREIA7,《A marca não pode, portanto, ser igual ou semelhante a outra já anteriormente registada. O grau de semelhança que a marca não deve ter com outra registada anteriormente é definido por este elemento: possibilidade de confusão de uma com outra no mercado. Mas não pode haver confusão entre a marca adoptada para certo produto e a marca adoptada para outro que daquele seja completamente distinto. Por isso a lei restringe o princípio da especialidade da marca aos produtos da mesma espécie ou afins, nessa conformidade tendo substituído ao sistema do registo por classes o sistema de registo por produtos.
Vejamos, com mais pormenor, em que termos se deve aplicar o princípio da novidade.
Importa referir, antes de mais, que este princípio se refere às marcas e não aos produtos. O princípio da novidade deve ser respeitado mesmo quando os produtos a assinalar com determinada marca se possam distinguir (v.g., pelas dimensões. pelo peso, pelo tipo de embalagem) dos produtos congéneres assinalados com marca idêntica ou semelhante. Além de outras razões, fáceis de intuir, pode invocar-se neste sentido a própria letra da lei.
Por outro lado, a imitação de uma marca por outra existira, obviamente, quando, postas em confronto, elas se confundam. Mas existirá ainda, convém sublinhá-lo, quando, tendo-se à vista apenas a marca a constituir, se deva concluir que ela é susceptível de ser tomada por outra de que se tenha conhecimento. Este processo de aferição da novidade é o que melhor tutela o interesse que a lei visa proteger – o interesse em que se não confundam, através da marca, mercadorias idênticas ou afins pertencentes a empresários diversos. Com efeito, o consumidor, quando compra determinado produto marcado com um sinal semelhante a outro que já conhecia, não tem ã vista (em regra) as duas marcas, para fazer delas um exame comparativo. Compra o produto por se ter convencido de que a marca que o assinala é aquela que retinha na memória.
No exame comparativo das marcas, feito nestes termos, deve considerar-se decisivo o juízo que emitiria o consumidor médio do produto ou produtos em questão. Se, por exemplo, se trata de um produto consumido, em regra, por pessoas com certo grau de cultura, a confusão de marcas com alguns elementos comuns não será tão fácil como nos casos em que determinado produto se destine de preferência a camadas sociais de cultura rudimentar.
Concretizemos, por último, a aplicação destas directrizes aos vários tipos de marca.
…
Por último, as marcas mistas e as marcas complexas deverão ser consideradas globalmente, como sinais distintivos de natureza unitária, mas incidindo a averiguação da novidade sobre o elemento ou elementos prevalentes – sobre os elementos que se afigurem mais idóneos a perdurar na memória do público (não deverão tomar-se em linha de conta, portanto, os elementos que desempenhem função acessória, de mero pormenor). Uma marca mista ou complexa não será nova quando o seu núcleo se confunda com marca mais antiga.》
Citadas as normas legais e as considerações doutrinárias, é de voltar às marcas em confronto.
No caso vertente, não obstante a utilização da expressão “TWG” posta em causa, certo é que se repara uma grande diferença entre as marcas registandas da recorrida e as marcas registadas da recorrente.
As marcas registandas são marcas mistas, compotas por .
A recorrente tem uma marca nomoinativa consistente em TWG e outra marca mista consistente em .
Para nós, é notória a diferença, visual e gráfica, entre as marcas em confronto.
Na composição das marcas registandas, e também na marca mista da recorrente, encontram-se vários elementos distintos, para além da expressão “TWG”, o que torna muito menos atraente tal expressão comum, sendo que a probabilidade de confusão deve ser apreciada globalmente, tomando em conta toda a imagem das marcas, compostas por todas as suas partes integrantes.
Mesmo sendo predominante o elemento nominativo da marca, certo é que as marcas em confrontos só têm uma parte em comum.
Normalmente os elementos fonéticos das marcas são mais idóneos para perdurar na memória do público do que os elementos gráficos ou figurativos8.
No entanto, quando as marcas têm uma composição com alguma complexidade, como no presente caso, o elemento fonético (nomeadamente apenas em relação a um dos componentes da marca) já não releva tanto como nas marcas simples.
Resumindo, do ponto de vista global, não se nota a semelhança entre as marcas que atinge um grau acentuado até que possa fazer confundi-las. E inclina-se para concluir que não estamos perante as marcas (registandas) que possam confundir os consumidores, fazendo-os a pensar que tais marcas (e os respectivos produtos) estão conectados com a recorrente ou a ela pertence.
Assim sendo, não se vislumbra a alegada violação do disposto na al. b) do art.º 214.º do RJPI.
Resta ver a figura de marca de prestígio, invocada pela recorrente nos termos da al. c) do n.º 2 do art.º 214.º do RJPI.
Ao abrigo de tal norma, acima já transcrita, a recusa do registo duma marca tem como fundamento que “a utilização da marca posterior procure tirar partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca ou possa prejudicá-los”, para além de reprodução, imitação ou tradução da marca anterior (pressuposto este que não se verifica no caso vertente, como já vimos).
Na realidade, resulta dos autos que a recorrente se limita a chamar atenção para a reprodução, imitação ou tradução da sua marca, sem que tenha procurado, muito menos esforçado, a demonstrar a verificação de outro requisito necessário para que seja recusado e anulado o registo das marcas registandas da recorrida.
Não se constata nos autos quaisquer elementos que revelem que a recorrida tende, com a utilização das suas marcas, “tirar partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio” das marcas da recorrente ou prejudicar os produtos ou serviços dela.
Daí que não se pode lançar mão da aplicação da al. c) do n.º 2 do art.º 214.º.
Concluindo, improcede o recurso.
4. Decisão
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.
Macau, 9 de Setembro de 2020
Juízes: Song Man Lei (Relatora)
José Maria Dias Azedo
Sam Hou Fai
1 FERRER CORREIA, Lições de Direito Comercial, Universidade de Coimbra, Volume I, 1973, p. 323.
2 http://www.twgtea.com/the-twg-tea-story.
3 http://www.twcoffee.com/tc/home.html.
4 Cfr. FERRER CORREIA, Lições de Direito Comercial, Vol.III, p. 387 e ss.
5 JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU, Curso …, p. 377 e CARLOS OLAVO, Propriedade Industrial, p. 108.
6 JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU, Curso …, p. 377
7 FERRER CORREIA, Lições de Direito Comercial, Vol. I, p. 328 a 331v.
8 CARLOS OLAVO, Propriedade …, p 102 e 110.
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