Processo nº 110/2018 Data: 04.03.2020
(Autos de recurso civil e laboral)
Assuntos : Obrigação de indemnizar.
Reconstituição natural.
Indemnização em dinheiro.
Liquidação em execução de sentença.
SUMÁRIO
1. A reparação do dano pela sua reposição ou reconstituição natural constitui (verdadeiro) princípio geral da obrigação de indemnizar, tendo a “indemnização em dinheiro” carácter subsidiário.
2. Se os factos provados, embora conduzam à condenação do R., não permitirem concretizar inteira e adequadamente a “prestação devida”, o Tribunal condena no que se liquidar em execução de sentença.
O relator,
José Maria Dias Azedo
Processo nº 110/2018
(Autos de recurso civil e laboral)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A (甲), e B (乙), AA., casados entre si, instauraram no Tribunal Judicial de Base acção ordinária contra “C” (“丙”), e D (丁), RR., pedindo a condenação solidária destes no pagamento de importâncias indemnizatórias a título de danos patrimoniais (MOP$1.560.000,00) e não patrimoniais (MOP$250.000,00), bem como nos respectivos juros de mora; (cfr., fls. 2 a 24 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Oportunamente, proferiu-se sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou os R.R. no pagamento solidário das importâncias de MOP$750.000,00 a título de indemnização por danos patrimoniais, e de MOP$110.000,00, a cada um dos AA., a título dos seus danos não patrimoniais; (cfr., fls. 468 a 480-v).
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Inconformados, recorreram os AA. e os R.R..
Os AA., pedindo um aumento do quantum indemnizatório; (cfr., fls. 517 a 527).
Os RR., imputando à dita sentença maleitas várias e que identificaram como os vícios de:
“- Contradição insanável da matéria provada;
- Erro na apreciação da prova;
- Nulidade por excesso de pronúncia;
- Erro de direito nos pressupostos de condenação em indemnização (no máximo deveria a indemnização deveria ser em reconstituição natural);
- Erro na fixação do montante indemnizatório pelos danos patrimoniais;
- Erro na fixação do montante indemnizatório pelos danos não patrimoniais”; (cfr., fls. 494 a 508).
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Apreciando os recursos, por Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 19.07.2018 deliberou-se:
“1 – Conceder parcial provimento ao recurso interposto pelos RR e, em consequência disso, decidem:
1.1 – Considerar que a matéria dos artigos 17º e 18º da Base Instrutória terá a seguinte respostas:
a) - A reparação de todos os danos provocados aos Autores ascende a montante não apurado (resposta ao quesito 17º); e---
b) - Provado que o preço proposto, apresentado em 26/09/2014, apresentava um valor de MOP$ 1.380.000,00, concernente a consolidação/restauro e plano de segurança (resposta ao quesito 18º).
1.2 – Revogar a sentença na parte impugnada e, em consequência disso, determinam:
a) - Relegar a atribuição dos danos patrimoniais para liquidação em execução de sentença.
1.3 – Manter a sentença quanto ao mais ali decidido.
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2 – Negar provimento ao recurso dos AA.
(…)”; (cfr., fls. 550 a 568).
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Novamente inconformados vieram os R.R. recorrer, alegando para concluir nos termos seguintes:
“1ª O presente recurso vem interposto do douto acórdão de 19 de Julho de 2018 pelo Venerando TSI, nomeadamente quanto à decisão de revogar a sentença do Tribunal Judicial de Base na parte impugnada, que havia arbitrado uma indemnização pelos danos patrimoniais alegadamente sofridos pelos ora Recorridos com fundamento na equidade, e, em consequência, relegar a liquidação dos danos patrimoniais para a sede de execução de sentença.
2ª Em síntese, no que respeita à fixação dos danos patrimoniais eventualmente devidos pelos Recorrentes aos Recorridos, o Venerando TSI entendeu, através do referido Acórdão, que face aos danos provados e não provados, o Tribunal Judicial de Base não tinha conhecimentos técnicos de engenharia e de construção civil para fixar o valor da compensação pelos danos patrimoniais sofridos e, portanto, decidiu que a melhor solução seria relegar a liquidação desses danos para sede de execução de sentença.
3ª É, pois, dessa parte do Acórdão que vem interposto o presente recurso, por com ele os ora Recorrentes não poderem conformar-se, porquanto se trata de uma decisão injusta, bem como um entendimento desvirtuado da lei substantiva, que não respeita fundamentalmente o princípio da reconstituição natural defendido pelos Recorrentes e consagrado na nossa lei.
4ª Com efeito, salvo o devido respeito que nos merece a decisão do Venerando TSI, a mesma deverá ser revogada nessa parte por violação das normas infra explanadas e, consequentemente, ser arbitrada a reconstituição natural do prédio dos Recorridos, a efectuar pelos recorrentes.
5ª O diferendo que opõe as partes resulta desde o início duma avaliação divergente dos danos que devem ser alvo de reparação por parte dos Recorrentes e dos que já pré-existiam ao início das obras por si levadas a cabo, tendo em consideração a vetustez do prédio dos Recorridos.
6ª Os Recorrentes entendem que não são obrigados a proceder à reparação de todos e quaisquer danos simplesmente porque os Recorridos os reclamam.
7ª Os Recorrentes têm o direito de discordar do elenco dos danos que lhes são imputados, relegando para os meios indicados a resolução das disputas entre partes civis.
8ª Como se viu, em primeira instância, não lograram os Recorridos provar a totalidade dos danos que reclamavam desde o primeiro momento terem sido causados pelos Recorrentes.
9ª Os Recorridos insurgem-se desde o primeiro momento porque os Recorrentes não aceitaram custear o projecto de restauração total do prédio constante a fls. 177-199 dos autos, o que é muito diferente de não pretender operar qualquer reparação.
10ª Assiste aos Recorrentes o direito de não procederem às obras e reparações que lhes foram exigidas pelos Recorridos, dado que as mesmas vão muito além das que eventualmente serão da responsabilidade dos Recorrentes.
11ª O pedido dos Recorridos sempre se cifrou muito além dos danos elencados pela DSSOPT no seu relatório, pelo que não se deve confundir o não acatar com intimações desta entidade governamental com o não acatar com os desideratos dos Recorridos – o que é bem distinto.
12ª Os Recorrentes, ao longo de todo o processo, pugnaram pela condenação na prestação do facto reparador, ao invés de serem condenados a pagar uma indemnização compensatória.
13ª De facto, vigora no nosso ordenamento jurídico o princípio da reparação integral do dano com prevalência pela modalidade da reconstituição natural, previsto desde logo no art.º 556.º do CC.
14ª Apenas subsidiariamente (cf. art.º 560.º n.º 1 do CC), e não sendo possível a reconstituição natural, se deve proceder ao apuramento duma indemnização em dinheiro.
15ª Em conformidade com os dispositivos legais aplicáveis e em vigor, não poderá ser outra a solução a adoptar.
16ª Tendo em conta a opção do legislador pela prevalência da reconstituição natural, sempre deverão os Recorrentes ser condenados na obrigação de reparar os danos efectivamente apurados.
17ª A virtualidade de se proceder, quando possível, à reconstituição natural dos danos deve ser não só um princípio orientador na actividade do julgador na determinação da indemnização, como também uma faculdade a conceder ao devedor, quando este, por qualquer motivo (e.g., por ser uma opção menos onerosa), prefira essa via.
18ª De resto, é incontroverso que a reconstituição natural dos danos é também a solução última (directa ou indirectamente) pretendida pelos Recorridos, como ao longo de todo o processo fizeram saber.
19ª O douto Acórdão recorrido, embora reconheça razão aos argumentos aduzidos pelos Recorrentes acaba por adoptar uma solução diversa, optando por relegar para execução de sentença a liquidação concreta dos danos sofridos pelos Recorridos.
20ª No entanto, atendendo à prevalência do princípio da reconstituição natural, deverá ser corrigido o Acórdão recorrido, e consequentemente serem os Recorrentes condenados na obrigação de reparar os danos efectivamente apurados.
21ª Ao decidir doutro modo, dúvidas não restam que o Acórdão proferido é nulo, na parte que decidiu relegar a atribuição dos danos patrimoniais a favor dos Recorridos para liquidação em execução de sentença, por violação dos dispositivos legais citados.
(…)”; (cfr., fls. 580 a 585).
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Adequadamente processados os autos, é momento de decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Pelo Tribunal Judicial de Base foram dados como provados os factos seguintes:
“«Da Matéria de Facto Assente:
- Mediante usucapião reportada a 1996, os Autores adquiriram por força de sentença transitada em julgado em 2012 a propriedade do prédio urbano sito no nº 26 [Rua(1)], descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nºXXXX. (alínea A) dos factos assentes)
- A 1ª Ré é a proprietária do prédio urbano imediatamente contíguo ao dos AA., ou seja, o nº 24 [Rua(1)], descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº XXXX. (alínea B) dos factos assentes)
- A partir de Junho de 2010 e até cerca da 1ª semana de Dezembro de 2010, a 1ª Ré promoveu obras de construção civil no referido nº 24 [Rua(1)], designadamente obras que incidiram obre as fundações e cave. (alínea C) dos factos assentes)
- Para tanto, a 1ª Ré contratou para o efeito terceiros, designadamente o 2º Réu, empresário em nome individual, Sr. D, titular do estabelecimento comercial 丁建築. (alínea D) dos factos assentes)
- Durante a realização das obras nº 24 [Rua(1)], foram causados danos no prédio nº 26 [Rua(1)]. (alínea E) dos factos assentes)
Da Base Instrutória:
- Desde 1996, os Autores sempre moraram no nº 26 [Rua(1)]. (resposta ao quesito 10 da base instrutória)
- Os danos referidos em E) são os seguintes:
a) As paredes da casa de banho do piso térreo surgiram várias fendas verticais e transversais;
b) No piso térreo as paredes virada para a [Rua(1)] e a [Rua(2)] surgiram fendas horizontais e verticais, as paredes onde se colocam as vigas surgiram fendas;
c) O assentamento do pavimento térreo junto da Travessa da Esperança e surgiram fendas no soalhos;
d) No piso térreo, as paredes da porta traseira situada na Travessa da Esperança surgiram fendas verticais e fendas no soalho colocado à porta;
e) Fissuras na viga colocada em cima da escada do rés-da-chão para piso 1º;
f) Fendas verticais nas paredes do piso 1º virada para a [Rua(2)] e fendas nas paredes onde se colocam as vigas;
g) Assentamento do pavimento térreo com inclinação para o lado do prédio n.º24;
h) O tecto ficou com manchas de água;
i) O tecto da casa-de-banho tinha infiltração, aparecendo manchas de água;
j) Nos dois lados do quarto principal, o tecto de madeira permitia infiltração, a parede tinha fungus. (resposta ao quesito 3º da base instrutória)
- Instado em 3 de Dezembro de 2010 pelos AA. o 2º Réu comprometeu-se a reparar os danos supra referidos. (resposta ao quesito 4º da base instrutória)
- Por ofício de 6 de Janeiro de 2011, a DSSOPT intimou a lª Ré para que reparasse os danos causados e para que, para tanto, enviasse à DSSOPT o respectivo projecto/proposto de reparação. (resposta ao quesito 5º da base instrutória)
- A 1ª Ré limitou-se a aplicar escoramentos temporários na casa dos Autores, permanecendo os mesmos aí apostos na presente data. (resposta ao quesito 6 da base instrutória)
- Por via dos danos que a respectiva casa padecia, em Fevereiro de 2013, os AA. passaram a residir em casa do pai / sogro. (resposta ao quesito 7º da base instrutória)
- Na casa id. em A), os AA. pernoitavam, tomavam as refeições e recebiam os amigos e família há 17 anos. (resposta ao quesito 8 da base instrutória)
- Desde o início das obras (cerca de Junho de 2010) até à data referida em 7º haviam decorrido mais de 2 anos e 8 meses sem que os Réus, apesar dos instantes e reiterados pedidos feitos pelos AA. e pela DSSOPT, efectuassem qualquer reparação. (resposta ao quesito 9 da base instrutória)
- Os Autores saíram da casa id. em A) e sentem-se tristes. (resposta ao quesito 11 da base instrutória)
- Os AA. solicitaram à empresas [Empresa(1)] e [Empresa(2)]. que elaborassem um projecto para a reparação do nº 26 [Rua(1)]. (resposta ao quesito 13 da base instrutória)
- Seguidamente, através de carta de 12 de Novembro de 2014, os advogados dos AA. enviaram à 1ª Ré uma carta que instruíram com o projecto elaborado pelas referidas empresas [Empresa(1)] e [Empresa(2)]. (resposta ao quesito 16 da base instrutória)
- A reparação de todos os danos alegados pela Autores ascende a MOP$1.380.000,00. (resposta ao quesito 17 da base instrutória)
- … valor apurado pelo projecto apresentado pelas empresas supra referida à data de 26 de Setembro de 2014. (resposta ao quesito 18 da base instrutória)
- As obras realizados e referidas em C) implicaram escavações e movimentação de terras a um nível subterrâneo, atingindo e afectando as fundações e os sustentáculos do prédio dos Autores. (resposta ao quesito 20 da base instrutória)»”; (cfr., fls. 554 a 556-v).
Do direito
3. Como resulta do que se deixou relatado, o Tribunal de Segunda Instância negou provimento ao recurso dos AA. e concedeu parcial provimento ao dos RR. que, ainda inconformados, trazem o presente recurso do que decidido foi.
Colhe-se do que pelos ora recorrentes vem alegado e levado às “conclusões” do seu recurso – que como sabido é, identificam às “questões” a conhecer, com excepção das de conhecimento oficioso que, no caso, não existem – que os mesmos não se conformam com o decidido no que toca à sua “condenação no pagamento solidário dos danos patrimoniais dos AA., (ora recorridos), em montante que se vier a liquidar em execução de sentença”, considerando-o – em síntese – um entendimento “injusto, desvirtuado da lei substantiva e que não respeita o princípio da reconstituição natural”, pedindo a sua alteração por decisão que os condene na “obrigação de reparar os danos efectivamente apurados”.
Identificada que assim cremos ter ficado a questão a decidir, vejamos se lhes assiste razão.
Antes de mais, importa ter presente que o Tribunal de Segunda Instância alterou a resposta pelo Tribunal Judicial de Base dada à matéria dos art°s 17° e 18°, decidindo que das mesmas passassem a constar o que segue:
“A reparação de todos os danos provocados aos Autores ascende a montante não apurado”; (resposta ao quesito 17º), e,
“Provado que o preço proposto, apresentado em 26/09/2014, apresentava um valor de MOP$ 1.380.000,00, concernente a consolidação/restauro e plano de segurança”; (resposta ao quesito 18º).
Certo sendo que a dita “decisão” (e “matéria”) não vem agora impugnada, nem tem esta Instância motivos para a alterar, havendo assim de se ter a mesma como definitivamente fixada, continuemos.
E, nesta conformidade, cabe desde já dizer que em (face da referida “matéria”) inegável é que apurado não está o montante – “quantum” necessário – para a reparação dos “danos patrimoniais” pelos ora recorrentes causados aos AA., (recorridos), pelo que nenhuma censura merece a decisão de revogação da respectiva decisão do Tribunal Judicial de Base, (que fixou tal indemnização em MOP$750.000,00).
Porém, e como se viu, o verdadeiro inconformismo dos ora recorrentes está no segmento decisório do Acórdão recorrido que não acolheu a sua pretendida “indemnização por espécie ou restauração natural”, e que “relegou a atribuição dos danos patrimoniais para liquidação em execução de sentença”, (considerando-o, como vimos, injusto, incorrecto e não consentâneo com o princípio da reconstituição natural).
Ora, não cremos que assim seja, pois que esta “questão” foi pelo Tribunal recorrido – adequadamente – ponderada, apresentando-se-nos correctas as razões de facto e de direito expostas para a solução a que chegou.
Vejamos.
Nos termos do art. 556° do C.C.M.:
“Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”.
Por sua vez, em conformidade com o preceituado no art. 560° do mesmo código:
“1. A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível.
2. Quando a reconstituição natural seja possível mas não repare integralmente os danos, é fixada em dinheiro a indemnização correspondente à parte dos danos por ela não cobertos.
3. A indemnização é igualmente fixada em dinheiro quando a reconstituição natural seja excessivamente onerosa para o devedor.
4. Quando, todavia, o evento causador do dano não haja cessado, o lesado tem sempre o direito a exigir a sua cessação, sem as limitações constantes do número anterior, salvo se os interesses lesados se revelarem de diminuta importância.
5. Sem prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos.
6. Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julga equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”.
Resulta assim dos transcritos comando legais que a “obrigação de reconstituir a situação material hipotética” constitui a “primeira forma” de reparação do dano causado.
Com efeito, a reparação do dano pela sua reposição ou reconstituição natural constitui (verdadeiro) princípio geral da obrigação de indemnizar, (ou por outras palavras, a “trave mestra da reparação do dano ao nível do direito civil”), tendo a “indemnização em dinheiro” carácter subsidiário, ou seja, tão só para as situações excepcionalmente previstas no transcrito art. 560°; (sobre a matéria, cfr., v.g., P. de Lima e Antunes Varela in “C.C. Anot.”, Vol. I, pág. 581; A. Costa in “Direito das Obrigações”, pág. 525; Mota Pinto in “Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo”, Vol. II, pág. 1490; Vaz Serra no seu estudo sobre a “Obrigação de Indemnização”, in B.M.J. 84°-126; Pessoa Jorge in “Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil”, pág. 422; Menezes Leitão in “Direito das Obrigações”, Vol. I, pág. 377; podendo-se ainda ver, sobre as origens do princípio da “prioridade da reconstituição natural”, o estudo de David Magalhães com o título “A Primazia da Reconstituição Natural sobre a Indemnização por Equivalente”, in Revista de Direito da Responsabilidade, Ano I, 2019, “Responsabilidade Civil, 50 Anos em Portugal, 15 Anos no Brasil”, Vol. II, pág. 485 segs.).
Todavia, e como – acertadamente – se observa no Acórdão recorrido, (e vale a pena aqui recordar), “(…) a verdade é que a restauração natural, muitas vezes, pela própria natureza das coisas e do dano, acaba por não justificar essa solução. Nalgumas situações é necessário perceber a dinâmica física dos bens, a densidade molecular dos objectos, o comportamento das coisas perante a reparação, a insuficiência desta como modo para a reposição ao estado que existiria sem o dano, muito menos reposição ao status quo ante. Portanto, em cada caso, será importante entender o que se passou e qual o desenvolvimento dos efeitos do dano e da sua eventual reparação. (…).
Ora, quanto a nós, o caso em apreço ilustra bem uma daquelas situações em que se não está perante uma situação material passível de reconstituir através de uma simples reparação de obras pontuais e específicas. O que se provou foi um quadro de danos estruturais traduzidos em fendas verticais e transversais em várias paredes do piso térreo e do 1º piso, fendas nos soalhos, fissuras numa viga, inclinação no piso térreo e infiltrações (arts. 1º e 3º, da BI). As obras levadas a cabo no prédio vizinho afectaram as fundações e sustentáculos do prédio dos AA (art. 20º da BI).
(…)”; (cfr., fls. 563).
Perante isto, atenta a matéria de facto dada como provada – não se olvidando também que entendimentos existem no sentido de que o “princípio da reposição natural” encontra-se estabelecido no “interesse de ambas as partes, devedor e credor”, outros havendo que o consideram instituído “em benefício do lesado e não do lesante”, tendo a ver com a melhor forma de satisfazer, não o interesse do lesante, mas do lesado, a este cabendo a opção entre a “restauração natural” e a “indemnização em dinheiro”, (cfr., v.g., P. Coelho in “Obrigações”, pág. 174) – cremos pois que censura não merece o decidido.
Na verdade, (e como se colhe da dita factualidade dada como provada), em causa não estão “pequenas reparações”, (não se podendo olvidar que danificadas estão as próprias “fundações do prédio”), certo sendo também que os danos ocorreram há (quase) “10 anos”, que o 2° R. comprometeu-se a efectuar a sua reparação em “Dezembro de 2010”, que (entretanto) decorreram mais de 2 anos e 8 meses sem que qualquer reparação fosse efectuada, e que, posteriormente, limitaram-se a aplicar “escoramentos temporários” (para tentar “segurar” o prédio no estado em que se encontrava).
Dest’arte, e ponderando, igualmente, no tempo entretanto decorrido até à presente data – bem demonstrativo do “manifesto desentendimento” quanto a “forma de compensação” – e não sendo de olvidar também que desde Fevereiro de 2013, os AA. tiveram que abandonar o prédio e passar a residir na casa do pai/sogro, o que não deixa de representar um “dano patrimonial” por ora não calculado, (totalmente) inviável se nos apresenta a pretendida “reposição in natura”.
Como observa Jacinto F. Rodrigues Bastos, “A reintegração em forma especifica é o meio mais natural de eliminar o dano injusto. Algumas vezes, porém, tem de recorrer-se à forma pecuniária de ressarcimento, ou porque a reintegração especifica é impossível, como acontece quando a coisa é fungível, ou porque se trata do dano referente, àquele período de tempo decorrido entre o evento e a reintegração, durante o qual o prejudicado não pode gozar a coisa destruída ou danificada, (…)”; (in “Notas ao Código Civil”, Vol. III, pág. 38).
–– Entendem também os recorrentes que ainda que se considere que adequada é uma “indemnização em dinheiro”, esta sempre devia ser “fixada equitativamente”, e não, como se decidiu, relegando-se a fixação do seu quantum para liquidação em sede de execução de sentença.
Também aqui temos para nós que bem decidiu o Tribunal de Segunda Instância; (sobre a questão, cfr., v.g., o Ac. deste Tribunal de 19.10.2018, Proc. n.° 60/2018).
De facto, nos termos do n.° 2 do art. 564° do C.P.C.M., “Se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condena no que se liquidar em execução de sentença, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida”.
E pronunciando-se a propósito da “condenação no que se liquidar” escreveu Alberto dos Reis o seguinte:
“(…).
O tribunal encontra-se perante esta situação: verifica-se que o réu deixou de cumprir determinada obrigação ou praticou certo facto ilícito; quer dizer, reconhece que tem de o condenar; mas o processo não lhe fornece elementos para determinar o objecto ou a quantidade da condenação. Em face desses factos, nem seria admissível que a sentença absolvesse o réu, nem seria tolerável que o condenasse à toa, naquilo que ao juiz apetecesse. A única solução jurídica é a que o texto consagra: proferir condenação ilíquida. O juiz condenará o réu no que se liquidar em execução de sentença. (…)”; (in “C.P.C. Anot.”, Vol. V, Coimbra Editora, pág. 70).
Ora, cremos ser a situação dos autos.
Com efeito, e como se ponderou no Acórdão ora recorrido “(…) estamos convencidos que o tribunal, sob pena de estar a ser injusto, não pode arbitrar uma indemnização com fundamento na equidade. É que o tribunal não sabe - nem tem capacidade para tal, porque lhe faltam conhecimentos técnicos de engenharia e de construção civil, – qual o valor para compensar os AA dos danos. Não sabe minimamente o que é preciso fazer, que tipo de operações devem ser realizadas na reparação, se é necessário derrubar paredes e construí-las de novo, se é imperioso reforçar vigas ou se é mandatório eliminá-las e efectuar outra em seu lugar, se é aconselhável erguer pilares, etc., etc., etc. Sem esses conhecimentos – que não são do senso comum, mas de área específica do saber – e sem outros elementos dos autos que iluminem o tribunal da decisão nesse caminho, cremos, sinceramente, que seguir pela via da equidade, mesmo que bem intencionada (e até em muitos casos preferível, por encurtar caminho e poupar tempo e gastos), apresenta o perigo de ficar aquém, ou ir além, do montante mais próximo do dano real”; (cfr., fls. 565).
Nesta conformidade, e merecendo o assim considerado a nossa inteira concordância, nenhuma censura merece também a decisão em questão.
Tudo visto, resta decidir.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso, condenando-se os recorrentes nas respectivas custas com 10 UCs de taxa de justiça.
Notifique.
Macau, aos 4 de Março de 2020
Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei
Proc. 110/2018 Pág. 22
Proc. 110/2018 Pág. 1