Processo nº 26/2020(I) Data: 17.06.2020
(Autos de recurso jurisdicional relativo a uniformização de jurisprudência)
Assuntos : Recurso relativo a uniformização de jurisprudência.
Prazo.
Justo impedimento.
SUMÁRIO
1. O prazo para a interposição de “recurso relativo a uniformização de jurisprudência” – a que se refere o art. 149°, n.° 2 e 161° e segs. do C.P.A.C. – é de 10 dias contados da notificação do “acórdão recorrido” ao recorrente.
2. O “justo impedimento” constitui uma “excepção” à regra de que o decurso do prazo peremptório opera a extinção do direito de praticar o acto, (“regra” consagrada no n.° 3 do art. 95° do C.P.C.M.).
3. O efeito do justo impedimento não é nem o de impedir o início do curso do prazo, nem o de interromper tal prazo quando em curso, (no momento em que ocorre o facto que se deva considerar como justo impedimento, inutilizando o tempo já decorrido), mas tão só o de suspender o termo de um prazo, deferindo-o para o dia imediato àquele que tenha sido o último de duração do impedimento.
4. A mera invocação do surto da “Pneumonia causada pelo novo coronavírus”, por falta de (adequada) alegação (com concretização factual) do (motivo do) “justo impedimento”, e (absoluta) falta de oportuno oferecimento da sua prova, não constitui motivo adequado para justificar eventual conduta processual menos diligente (ou negligente) e não desculpável.
O relator,
José Maria Dias Azedo
Processo nº 26/2020(I)
(Autos de recurso jurisdicional relativo a uniformização de jurisprudência)
(Incidente)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Na sequência de expediente datado de 25.02.2020, pela “A” – “甲” – apresentado, proferiu o ora relator o despacho seguinte:
“1. Vem interposto o presente “recurso com fundamento em oposição de acórdãos” a que alude o art. 161° do C.P.A.C..
Suscitada que foi a questão da sua “tempestividade”, e observado o contraditório, cumpre decidir.
2. O prazo para o dito recurso é de “dez (10) dias”, contados da notificação ao recorrente feita do “acórdão recorrido”, ou seja, no caso, da data de notificação do acórdão por esta Instância proferido nos Autos de Recurso Jurisdicional n.° 80/2018; (cfr., art. 149°, n.° 2 do C.P.A.C. e art. 591°, n.° 1 do C.P.C.M., podendo-se, sobre a questão ver, Cândido Pinho in, “Notas e Comentários ao C.P.A.C.”, vol. II, pág. 446 e, V. Lima e A. Dantas in, “C.P.A.C. Anotado”, pág. 419).
Nos termos do art. 201° do C.P.C.M., (aqui aplicável por força do art. 1° do C.P.A.C.):
“1. O mandatário é notificado por carta registada, dirigida para o seu escritório ou para o domicílio por ele escolhido, podendo ser também notificado pessoalmente pelo funcionário quando este o encontre no edifício do tribunal.
2. A notificação postal considera-se feita no terceiro dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil a seguir a esse, quando o não seja.
3. A notificação produz efeito mesmo que os papéis sejam devolvidos, desde que a remessa tenha sido feita para o escritório do mandatário ou para o domicílio por ele escolhido; em qualquer destes casos, ou no de a carta não ter sido entregue por ausência do destinatário, junta-se ao processo o sobrescrito, considerando-se que a notificação foi efectuada nos termos do número anterior.
4. As presunções estabelecidas nos números anteriores só podem ser ilididas pelo notificado provando que a notificação não foi efectuada ou ocorreu em data posterior à presumida, por razões que lhe não sejam imputáveis”; (sub. nosso).
No caso, o “acórdão recorrido” foi proferido em 22.01.2020, e em 24.01.2020, pela Secretaria deste Tribunal foi expedida a carta para a sua “notificação” que, assim, e em conformidade com o n.° 2 do transcrito comando legal, se presume feita no dia 01.02.2020.
Atenta a data de apresentação do presente recurso, em 25.02.2020, e ponderando no pela recorrente alegado aquando da dita apresentação, no sentido de que devido ao surto da “Pneumonia causada pelo novo tipo de coronavírus”, o serviço de levantamento de correspondência foi suspenso até 09.02.2020, razão pela qual apenas levantou a notificação da D.S.C.T. no dia 10.02.2020, devendo-se assim considerar o dia 11.02.2020 como o primeiro dia do aludido prazo de 10 dias, (cfr., fls. 3 a 6), mostra-se de concluir que o recurso em questão é “extemporâneo”.
Com efeito, em face do que dos presentes autos consta, apresenta-se de considerar que no dia 01.02.2020, foi o “aviso de correspondência” entregue à ora recorrente, (cfr., o “aviso” pelo recorrente junto a fls. 5), e, de acordo com as informações disponibilizadas pela D.S.C.T. – no sítio “www.gov.mo/MacauPost/” – o serviço de levantamento de correspondência não foi suspenso, tendo funcionado nos dias 03 e 04.02.2020, respectivamente, 2ª e 3ª feira; (cfr., v.g., fls. 61 a 67).
Nesta conformidade, sendo de se considerar que no dia 01.02.2020, foi o dito “aviso” entregue à ora recorrente, e nenhum motivo existindo para se considerar o não levantamento da carta de notificação nos dias 03 e/ou 04.02.2020 como “justificado” – por (absoluta) falta de concreta alegação (de facto) e manifesta inverificação dos seus pressupostos legais, (cfr., art. 96° do C.P.C.M.) – impõe-se a conclusão que se deixou adiantada.
Na verdade, a (tão só) alegada “impossibilidade” de proceder ao levantamento da carta até ao dia a 09.02.2020 com a mera invocação, (em abstracto), do surto da “Pneumonia causada pelo novo tipo de coronavírus”, não permitem, sem mais, considerar que verificado está um “justo impedimento” para efeitos de se poder dar por tempestiva a apresentação do presente recurso.
3. Dest’arte, e nos termos do que se deixou expendido, não se admite o recurso interposto.
Pelo incidente, pagará a recorrente a taxa de 3 UCs.
Notifique.
(…)”; (cfr., fls. 70 a 72 e 103 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Notificada do assim decidido, a aludida “A” (recorrente) reclamou.
Alegou, em síntese, que devia beneficiar de “justo impedimento”, juntando documentos vários; (cfr., fls. 76 a 102).
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Respondendo, diz a entidade recorrida que a reclamação apresentada deve ser objecto de indeferimento; (cfr., fls. 107 a 115).
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Adequadamente processados os autos, e com os vistos dos Mmos Juízes-Adjuntos, vieram os autos à conferência, cumprindo decidir.
A tanto se passa.
Fundamentação
2. Como resulta do até aqui relatado, vem a recorrente reclamar do despacho que não admitiu o recurso que deu origem a estes Autos de Recurso Jurisdicional Relativo a Uniformização de Jurisprudência.
A razão para tal “não admissão” foi, como se deixou consignado, a sua “extemporaneidade”, (pelos motivos atrás explicitados).
Vem – agora – a recorrente invocar “justo impedimento” para o seu atraso na apresentação do dito recurso, juntando, documentos com os quais pretende demonstrar a sua verificação.
Como se apresenta evidente, não se pode ir ao encontro de tal pretensão.
O instituto do “justo impedimento” vem previsto no art. 96° do C.P.C.M., (aqui aplicável por força do art. 1° do C.P.A.C.), aí se preceituando que:
“1. Considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do acto.
2. A parte que alegar o justo impedimento deve oferecer logo a respectiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária, admite o requerente a praticar o acto fora do prazo, se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou”.
Como sem esforço se alcança do transcrito comando legal, o “justo impedimento” constitui uma “excepção” à regra de que o decurso do prazo peremptório opera a extinção do direito de praticar o acto, (“regra” consagrada no n.° 3 do art. 95° do mesmo código).
O efeito do justo impedimento não é nem o de impedir o início do curso do prazo, nem o de interromper tal prazo quando em curso, (no momento em que ocorre o facto que se deva considerar como justo impedimento, inutilizando o tempo já decorrido), mas tão só o de suspender o termo de um prazo, deferindo-o para o dia imediato àquele que tenha sido o último de duração do impedimento.
Por sua vez, tem-se entendido que apenas o “evento” que impeça, em absoluto, a prática atempada do acto pode ser considerado “justo impedimento, excluindo-se, assim, a “simples dificuldade” daquela; (cfr., v.g., R. Bastos in, “Notas ao C.P.C.”, Vol. I, pág. 321).
No caso dos presentes autos, e como – cremos – que no despacho reclamado se deixou (claramente) consignado, a ora recorrente não observou, (oportunamente), o “ónus” que lhe cabia nos termos do n.° 2 do transcrito art. 96° do C.P.C.M., no sentido de, logo no momento da prática do acto, alegar o justo impedimento e oferecer (simultaneamente) a respectiva prova, pois que, como na aludida decisão se fez constar, limitou-se a invocar, sem concretizar (minimamente), como causa do seu atraso, o surto da “Pneumonia causada pelo novo tipo de coronavírus” – vulgo, “COVID-19” – (e, assim, como na mesma decisão ora reclamada já se tinha consignado), “nenhum motivo existindo para se considerar o não levantamento da carta de notificação nos dias 03 e/ou 04.02.2020 como “justificado” – por (absoluta) falta de concreta alegação (de facto) e manifesta inverificação dos seus pressupostos legais, (cfr., art. 96° do C.P.C.M.) – (…)”.
Com efeito, e como se apresenta evidente, a dita “circunstância epidémica”, abstractamente invocada não constitui motivo adequado para justificar eventual conduta processual menos diligente (ou mesmo negligente) e não desculpável.
Nesta conformidade, por falta de (adequada) alegação (com concretização factual) do “justo impedimento”, e (absoluta) falta de oportuno oferecimento da sua prova – notando-se, igualmente, que os “documentos” apresentados também não invertem o que se entendeu – evidente é a solução que se impõe adoptar para a reclamação ora apresentada, com a consequente confirmação da decisão reclamada.
Decisão
3. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam indeferir a apresentada reclamação.
Custas pela reclamante, com a taxa de justiça que se fixa em 3 UCs.
Registe e notifique.
Macau, aos 17 de Junho de 2020
Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei
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