Processo nº 33/2020 Data: 20.05.2020
(Autos de recurso jurisdicional)
Assuntos : Pena disciplinar de demissão.
Reabilitação.
Conversão da pena.
SUMÁRIO
1. Importa distinguir “reabilitação”, e (todos) os seus “efeitos”, (como a “conversão da pena”), pois que, uma coisa é a “reabilitação” (stricto sensu), que – desde que verificados os seus pressupostos quanto aos “períodos de tempo” e “boa conduta” do funcionário ou agente – “(…) faz cessar as incapacidades e demais efeitos da condenação ainda subsistentes, devendo ser registada no processo individual do funcionário ou agente”; (cfr., art. 349°, n.° 4 do E.T.A.P.M.).
Isto é, o reabilitado, volta a adquirir “capacidade para o exercício de funções públicas”, (cfr., art. 13°, n.° 1, al. d) do E.T.A.P.M.), embora “sem direito ao lugar ou cargo que detinha”, necessário sendo então um novo processo de candidatura/selecção e (eventual) provimento, tudo nos termos e em conformidade com o previsto no “Regime Jurídico da Função Pública”.
2. Porém, não se trata de um “voltar tudo atrás, ficando tudo na mesma”, pois que também a (eventual) “conversão da pena de demissão em aposentação” prevista no n.° 6 do art. 349° do E.T.A.P.M., constitui, apenas, uma “probabilidade” ou uma “expectativa” do trabalhador, à qual corresponde uma “faculdade” – ou melhor, um “poder discricionário” – da Administração, não sendo ou constituindo um efeito, “directo”, “imediato” ou “necessário” da concessão da reabilitação.
O relator,
José Maria Dias Azedo
Processo nº 33/2020
(Autos de recurso jurisdicional)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A (甲), com os restantes sinais dos autos, interpôs recurso contencioso do despacho do SECRETÁRIO PARA A ECONOMIA E FINANÇAS, datado de 28.12.2018, (na parte) que lhe indeferiu o “pedido de conversão da pena disciplinar de demissão para a de aposentação compulsiva”; (cfr., fls. 2 a 10 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Oportunamente, proferiu o Tribunal de Segunda Instância Acórdão julgando improcedente o recurso; (cfr., Ac. de 21.11.2019, Proc. n.° 143/2019, a fls. 114 a 123).
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Ainda inconformada, do assim decido vem recorrer para esta Instância, alegando para, a final, produzir as conclusões seguintes:
“A) O presente recurso foi interposto da decisão proferida em 21 de Novembro de 2019, pelo Tribunal de Segunda Instância que julgou improcedente o recurso contencioso;
B) A Recorrente requereu a reabilitação e, num segundo pedido, que lhe fosse concedida a concessão da conversão da pena de demissão em aposentação compulsiva ao abrigo do art.° 349.° do ETAPM;
C) O Despacho, de 28/12/2018, do Secretário para a Economia e Finanças, exarado na Informação n.° XXX/NAJ/DB/18, ao conceder a reabilitação e, ao mesmo tempo, indeferir a pretensão da Recorrente de conversão da pena disciplinar de demissão em aposentação compulsiva incorreu em violação de lei, por desrespeito ao art.° 349.° n.° 6 do ETAPM (art.° 21.° n.° 1 al. d) do CPAC), por manifesta falta de razoabilidade no exercício dos poderes discricionários, desviando-se do fim pugnado pelo legislador, com o que também violou o art.° 21.° n.° 1 al. d) do CPAC, e, ainda, por falta de fundamentação face ao disposto no art.° 21.° n.° 1 al. c ) do CPAC;
D) No caso em apreço, a entidade competente ponderou que a Recorrente tinha mantido "boa conduta", tinha um comportamento merecedor, e também levou em consideração os elementos objectivos trazidos ao processo (certidões de registo criminal e de dívidas à RAEM "limpas"), conforme os fundamentos constantes da Informação n.° XX/NAJ/DB/18, ponto 8., pelo que lhe concedeu a reabilitação, nos termos aliás previstos nos n.°s 1 a 5 do art.° 349.° do ETAPM.
E) Tanto quanto ao regime da reabilitação como quanto ao da concessão da conversão da demissão em aposentação compulsiva, a lei prevê a reanálise dos pressupostos, previstos no art.° 349.° do ETAPM, atendendo à realidade subsequente à condenação e cumprimento da pena disciplinar, pois que só assim se poderá proceder à eventual alteração da situação jurídico-funcional do agente;
F) Existe uma conexão entre o resultado da reabilitação, que produz os seus efeitos necessários, e a concessão da conversão da demissão em aposentação compulsiva.
G) A decisão recorrida viola a lei quando, em vez de analisar a situação actual de um ponto de vista estritamente objectivo, procede à reanálise da situação anterior, reforçando as razões justificativas da pena de demissão, bem como dos factos que levaram à instauração do processo disciplinar, como se fossem aquele e estes que estivessem de novo sob julgamento;
H) A apreciação do exercício profissional enquanto "funcionário activo", deverá reportar-se à actualidade, porquanto a aprecia porquanto a apreciação do passado já foi feita, e apreciada e não há que fazê-lo de novo porque o funcionário saiu do activo.
I) A decisão posta em crise ignorou completamente o comportamento posterior da Recorrente, e nem sequer fez a avaliação da sua conduta subsequente à condenação e ao cumprimento a pena;
J) Não deixa de ser manifestamente contraditório que a Administração conclua que a visada manteve uma boa conduta após a aplicação da pena de demissão, para logo de seguida ignorar completamente tudo o que acabara de concluir pata negar a conversão em aposentação compulsiva;
K) A pretensão do legislador no art.° 349.° conjugado com o art.° 315.°, n.° 3, ambos do do ETAPM, foi a de conceder ao agente a possibilidade, decorrido um certo prazo de prova mínimo, a sua conduta ser posterior ser ponderada e avaliada para num segundo momento poder concluir no sentido da verificação e integração, ou não, dos pressupostos da reabilitação e concessão da aposentação compulsiva;
L) A Recorrente reuniu o período mínimo de 15 anos de serviço contados para efeitos de aposentação, nos termos do n.° 3 do art.° 315.° do ETAPM.
M) O poder discricionário da Administração também não permite uma interpretação, arbitrária e comprometida com pré-juízos da letra da lei e do seu espírito, para assim se voltar a penalizar quem já cumpriu e é merecedor da reabilitação, pois que outro modo não faria sequer sentido a possibilidade de conversão prevista pelo legislador;
N) Ainda que a conversão não resulte automaticamente da lei, haverá sempre uma margem discricionária de apreciação que cabe à Administração fazer dentro dos limites da lei e dos poderes que lhe foram conferidos, não podendo desviar-se nesse juízo do fim para que os poderes lhe são conferidos.
O) A Recorrente já cumpriu a pena, a sanção foi devidamente executada, pelo que não se deve em fase de apreciação da eventual conversão da demissão em aposentação compulsiva reapreciar e repetir a matéria que levou ao processo disciplinar;
P) Para apreciar ao pedido da concessão de conversão da demissão em aposentação compulsiva deve-se avaliar a conduta posterior à sanção aplicada à Recorrente, e não a conduta antecendente da sanção;
Q) Sobre o comportamento posterior da Recorrente, A Administração, bem como a decisão recorrida ignoraram, e nem sequer fizeram a avaliação da conduta daquela subsequente à condenação e ao cumprimento da pena para concluir no sentido da verificação e integração, ou não, dos pressupostos para a concessão da aposentação compulsiva, reportada esta a outra base factual e temporal, como se pode ver no ponto n.° 9 da Informação em causa.
R) A Administração, bem como a decisão recorrida ignoraram completamente todos os demais factores favoráveis à apreciação do pedido, designadamente aqueles que se verificaram durante todo o demais período da relação laboral na função pública;
S) O acto administrativo devia ter apontado factos concretos e objectivos que consubstanciassem a sua decisão, para que se pudesse considerar pela negação da pretensão da Recorrente;
T) O indeferimento da concessão de conversão não contém a fundamentação devida, pois que aquela que foi expendida não corresponde minimamente aos pressupostos legais, quer quanto à letra e ao seu espírito, omitindo-se qualquer menção à conduta da Recorrente posterior à aplicação da sanção da pena de demissão;
U) O acto recorrido devia ter apontado factos concretos e objectivos que consubstanciassem a sua decisão, designadamente o que de errado fez durante e após o cumprimento da pena, para que se pudesse considerar pela negação da pretensão da Recorrente, o que não foi feito, daí também decorrendo violação de lei por manifesta falta de fundamentação do despacho posto em crise.
V) A decisão recorrida ao manter na íntegra o acto recorrido acaba por subscrever a decisão administrativa, assumindo os vícios como normais, e enfileirando pelos mesmo argumentos.
W) Com o devido respeito, a Recorrente entende que a decisão recorrida fez erradamente a interpretação jurídica, enferma o vício de violação da lei atento o disposto no art.° 349.° do ETAPM, pelo que deve a decisão recorrida ser revogada.
X) A decisão Recorrida enferma o vício de violação da lei, violou o disposto no artigo 349.° do ETAPM, ao julgar válida os argumentos utilizados pela Administração no ponto 9 da Informação, pois, não obstante estar em causa o exercício dos poderes discricionários, a margem de actuação da actividade administrativa deve esta observar os princípios fundamentais do Direito Administrativo, designadamente o da legalidade e de proporcionalidade, previstos nos art.°s 3.° e 5.° do CPA.
Y) Pelo exposto se conclui que a decisão recorrida, ao decidir como decidiu violou os art.°s 349.° do ETAPM, e 21.° n.° 1 al. d) e alínea c) do CPAC)”; (cfr., fls. 133 a 151).
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Nas suas alegações, pugna a entidade recorrida pela improcedência do recurso; (cfr., fls. 156 a 165).
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Na vista que dos autos teve, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público douto Parecer, dando como reproduzida a posição antes já assumida e considerando que o recurso não merecia provimento; (cfr., fls. 174-v).
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Adequadamente processados os autos, cumpre apreciar.
Fundamentação
Dos factos
2. Pelo Tribunal de Segunda Instância estão dados como “provados” os factos seguintes:
«1. A Recorrente ingressou na Função Pública em 23 de Setembro de 1987, tomando-se “trabalhador da Administração Pública”.
2. Em 23 de Outubro de 2009, o Secretário para a Economia e Finanças proferiu um despacho no apenso n.º XXX/CF/2009-A, decidindo aplicar à Recorrente a pena disciplinar de demissão.
3. Da decisão a Recorrente recorreu imediatamente junto do Tribunal de Segunda Instância, tendo o recurso sido julgado não provido por acórdão de 10/06/2009, Proc. nº 1075/2009.
4. Em 9 de Janeiro de 20l5, a Recorrente, nos termos do art.º 349º, nº 2, n.º 3, al. d), e n.º 6, do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, requereu a reabilitação e pediu conversão da pena de demissão em aposentação compulsiva.
5. No entanto, o pedido foi indeferido pelo despacho “Indefere-se o pedido de reabilitação”, proferido em 27 de Agosto de 2015 pelo Secretário para a Economia e Finanças.
6. Do despacho de 27/08/2015, proferido pelo Secretário para a Economia e Finanças que foi mencionado nos pontos anteriores, a Recorrente interpôs recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância (Processo n.º 836/2015).
7. Em 7 de Dezembro de 2016, o Tribunal de Segunda Instância proferiu acórdão no processo n.º 836/2015, julgando o recurso contencioso procedente e anulando o acto.
8. Uma vez que o despacho de indeferir o pedido de reabilitação da Recorrente, datado de 27/08/2015, do Secretário para a Economia e Finanças, foi anulado pelo acórdão no processo nº 836/2015, o Director dos Serviços das Finanças ordenou, em 8 de Março de 2017, a devolução do processo da Recorrente ao Centro do Apoio Jurídico, para elaborar um novo relatório para se submeter à apreciação do Sr. Secretário.
9. Em 7 de Junho de 2017, a Recorrente enviou carta à DSF para pedir informações sobre o processo.
10. Posteriormente, recebeu em 13/07/2017 o ofício da DSF (n.º XXX/NAJ/DB/17) em que notificou a Recorrente para apresentar audiência escrita no prazo de 10 dias.
11. A Recorrente apresentou, em 24/07/2017, a audiência escrita à DSF no prazo fixado, anexando o certificado de registo criminal, certidão de não devedor à Fazenda Pública da RAEM e rol de testemunhas.
12. No dia 4/05/2018 foi lavrada a seguinte Proposta N.º: XXX/NAJ/DB/18:
“Assunto: Pedido de Reabilitação - A Proposta N.º: XXX/NAJ/DB/18
Data: 04/05/2018
Exmo. Senhor Director dos Serviços,
Relativamente ao assunto identificado cumpre informar o seguinte:
1. Mediante despacho do Sr. Director dos Serviços de 08/03/17, exarado na Informação n.º XXX/NAJ/DB/2017, foi reenviado a este Núcleo o pedido de reabilitação de A, ex-funcionária da Direcção dos Serviços de Finanças, punida com pena de demissão, a fim de se elaborar nova informação para submeter à consideração do Sr. Secretário para a Economia e Finanças, uma vez que por sentença do Tribunal de Segunda Instância de 7 de Dezembro de 2016 foi anulado o despacho do Sr. SEF de 27 de Agosto de 2015, que havia indeferido o pedido de reabilitação, uma vez que não foi tida em conta a conduta da requerente a partir da aplicação da pena de demissão até à data do pedido.
2. Por despacho do Sr. Secretário para a Economia e Finanças de 15 de Junho de 2017, foi a Proposta n.º XXX/NAJ/DB/17 e o respectivo processo administrativo devolvido à DSF a fim de se proceder à audiência da interessada, nos termos do artigo 93.º do CPA.
3. Tendo a interessada sido notificada mediante o Ofício n.º XXX/NAJ/DB/17, de 13.07, do sentido provável de indeferimento do seu pedido de reabilitação e para dizer o que tivesse por conveniente, veio a mesma apresentar a sua audiência escrita por documento que deu entrada na DSF no dias 24 de Julho de 2017.
4. O presente parecer incidirá sobre a verificação dos pressupostos objectivos e subjectivos a que se refere o artigo 349º do ET APM, os quais, verificados cumulativamente, serão susceptíveis de permitir a concessão da reabilitação requerida e a eventual conversão da pena de demissão em aposentação compulsiva.
5. Nos termos do citado artigo, a reabilitação será concedida:
a) A quem a tenha merecido por boa conduta (n.º 2);
b) Se for requerida decorrido o prazo fixado no n.º 3 do mesmo artigo, que é de 5 anos, nos casos de demissão;
c) Nos casos de ter sido aplicada a pena de demissão, poderá decretar-se a sua conversão em aposentação compulsiva, se o funcionário punido reunisse, na data da punição, o período mínimo de 15 anos de serviço contados para efeitos de aposentação.
6. À requerente, no âmbito do Processo Disciplinar que correu os seus termos na Direcção dos Serviços de Finanças, sob o n.º XXX/CF/2009 e apenso XXX/CF/2009-A, foi aplicada a pena de demissão, pelo despacho do Sr. Secretário para a Economia e Finanças de 23.10.2009 exarado na Informação n.º XXX/CF/2009, tendo a mesma recorrido desse acto para o Tribunal de Segunda Instância, recurso ao qual foi negado provimento.
O presente pedido de reabilitação deu entrada na DSF no dia 9 de Janeiro de 2015.
Conforme consta da página 29 do Registo Biográfico junto ao Processo Disciplinar 001/CF/2009 citado, a recorrente iniciou funções na Administração Pública de Macau no dia 23 de Setembro de 1987.
Do exposto, retira-se pois que se encontram verificado o pressuposto objectivo a que se refere o artigo 349º do ET APM, isto é, terem decorrido 5 anos entre a aplicação da pena de demissão e o pedido de reabilitação (al. d) do n.º 3 do artigo 349º). A requerente tinha igualmente um período mínimo de 15 anos de serviço contados para efeito de aposentação à data da aplicação da pena, o que permite que possa ser decretada a conversão da pena de demissão em aposentação compulsiva (n.º 6 do artigo 349º).
7. Resta pois apreciar o conceito indeterminado “boa conduta”, o qual, nos termos do n.º 2 do citado artigo, pode ser demonstrado pela interessada utilizando todos os meios de prova permitidos em direito.
Com o pedido de reabilitação da interessada e consequente audiência escrita juntou a requerente um certificado de registo criminal, onde nada consta acerca da requerente, bem como certidão de que não é devedora ao Cofre do Tesouro da RAEM.
Afirma na audiência escrita que depois de demitida não procurou outra actividade profissional, tendo-se dedicado aos assuntos domésticos, cuidando da sua filha menor e dando-lhe apoio nos seus estudos e participando esporadicamente em actividades organizadas por associações de beneficência locais, bem como se matriculou nalguns cursos de curta duração.
8. A “boa conduta” a que se refere o artigo em causa tem sido entendida como uma atitude positiva e responsável perante a sociedade em que o reabilitando se insere, desde o momento da aplicação da pena. Trata-se de um conceito indeterminado, sendo assim um problema de interpretação, pelo que deverá a decisão ser tomada de acordo com todos os princípios conformadores da actividade administrativa, e tomando em consideração todas as circunstâncias concretas no caso em apreço e o interesse público. Isto é, deverá fazer-se uma análise global, competente, rigorosa e objectiva da conduta da interessada, desde o dia da sua demissão até à apresentação do pedido de reabilitação, competindo à administração integrar e valorar esse conceito legal indeterminado, para que usufrui de uma margem de livre apreciação.
Ora analisados os elementos constantes do presente processo, terá de poder concluir-se no sentido de ter havido uma inflexão segura no comportamento da requerente desde a sua demissão, que permita tirar a ilação, em função de critérios de avaliação do homem médio, que a sancionada tem mantido uma boa conduta desde essa data, sem perigo de uma “recaída”.
Tomando em consideração os elementos objectivos trazidos pela requerente ao processo (certidões de registo criminal e de dívida à RAEM “limpas”), bem como a conduta da mesma desde a demissão, tendo abdicado de continuar a sua carreira profissional e dedicando-se à família, concretamente cuidando da sua filha menor, bem como a algumas actividades de beneficência, levando como a própria afirma uma vida igual à generalidade das “domésticas”, sem nada que mereça especial atenção, julgamos que se pode considerar preenchido o conceito de “boa conduta” da requerente desde a data da sua demissão, podendo pois ser concedida a reabilitação, nos termos dos n.ºs 1 a 5 do artigo 349.º do ETAPM.
9. Já no que refere ao pedido de conversão da pena de demissão em aposentação compulsiva, julgamos existirem razões fortes e ponderosas para a não conversão, pelos motivos que passamos a expor.
A requerente foi punida com pena de demissão por violação dos deveres de assiduidade, obediência e colaboração, tendo-se dado como provados os seguintes factos relevantes, no acórdão do Tribunal de Segunda Instância no Processo n.º 1075/2008, que negou provimento ao recurso contencioso por ela interposto:
a) No dia 14 de Maio de 2009, quinta-feira, a requerente comunicou ao Coordenador do Núcleo de Apoio Jurídico que pretendia aposentar-se através de um processo disciplinar por falta de comparência ao serviço;
b) Nessa altura, o Coordenador daquele Núcleo referiu à arguida que o que ela estava a dizer era extremamente grave e que devia reconsiderar a sua decisão até porque a lei não diz que a pena, nesses casos, deve ser a aposentação compulsiva;
c) A arguida comunicou de seguida que deixaria de se apresentar ao serviço na segunda-feira seguinte, 18 de Maio de 2009, o que fez, não tendo apresentado qualquer justificação para as suas faltas.
d) Face à não justificação nos termos legais, foram consideradas injustificadas as faltas dadas desde o dia 18 de Maio de 2009 até 4 de Setembro de 2009, num total de 110 faltas seguidas, até à data da conclusão da acusação no processo disciplinar que lhe foi instaurado.
e) A requerente não compareceu à hora marcada pela instrutora para ser ouvida no processo disciplinar, o que motivou a instauração de outro processo disciplinar.
f) A requerente tinha a seu cargo um elevado volume de trabalho que teve de ser feito por outra interprete-tradutora, com manifesta sobrecarga de trabalho e consequente prejuízo grave para o serviço.
g) Os factos descritos têm a agravante da premeditação, o não acatamento de advertência oportuna e produção efectiva de resultados prejudiciais ao serviço, todas previstas no artigo 283.º do ETAPM.
Na acção intentada pela requerente no Processo supra referido foi negado provimento ao recurso, tendo o tribunal entendido não existir na pena de demissão aplicada, violação do “princípio da proporcionalidade”, uma vez que “face à conduta da ora recorrente podia-se optar entre a aplicação da pena de aposentação compulsiva e a de demissão. E tendo em conta os factos provados e a fundamentação na escolha da pena de demissão, cremos também que adequada não é uma consideração de que incorreu a entidade administrativa em “erro grosseiro” ou “manifesta injustiça.”
Com efeito, atendendo à conduta da requerente e do fim último pretendido por ela com a sua conduta (a aposentação), a aplicação da pena de aposentação compulsiva acabaria por ser um prémio para a mesma e não uma punição para um comportamento extremamente grave, que manifestou um total desinteresse pelo prosseguimento do vínculo e total desrespeito pelos objectivos e fins de interesse público subjacentes ao exercício da função pública que exercia e que inviabilizou irreversivelmente a manutenção da relação jurídica- funcional.
Ora a verdade é que a recorrente bem sabia que tinha ainda ao seu dispor a possibilidade de uma conversão posterior da pena de demissão em aposentação compulsiva, assim que passassem os 5 anos sobre a aplicação da pena, nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 349.º do ETAPM.
Ora atendendo a que essa conversão é um poder discricionário da administração, como claramente ressalta do termo “poder-se-á” previsto no n.º 6 do mesmo artigo, e atendendo aos factos descritos e ao fim último de todo este comportamento reprovável da recorrente, julgamos não ser de decretar a conversão da pena de demissão em aposentação compulsiva.
À consideração superior,
O Técnico Superior Assessor
(B)”
13. A coordenadora do NAJ pronunciou-se assim:
“Exmº Sr. Director dos Serviços,
Concordo com os termos e conclusões da presente Proposta, pelo que deverá em conformidade com o exposto ser concedida a reabilitação à requerente, sem que, todavia, a pena que lhe foi aplicada (demissão) seja convertida em aposentação compulsiva, pelos motivos que ficam expostos, devendo a presente proposta ser submetida ao Exmº SEF, para tal efeito.
À consideração superior
A Coordenadora do NAJ
C”
14. Foi então emitido o seguinte parecer:
“Parecer:
Exmo. Sr.º Secretário para a Economia e Finanças,
Concordo com a análise e o conteúdo da presente Proposta. É manifesto que o requerente tinha no início a “intenção” de aposentar-se por via de aposentação compulsiva, porém, a pena que finalmente veio a ser-lhe aplicada foi a de demissão. Por outro lado, por força do artigo 349.º, n.º 3, al. d) e n.º 6 do ETAPM, decorridos cinco anos sobre a aplicação da pena de demissão, o interessado “pode” requerer a sua conversão em aposentação compulsiva, para efeitos da reabilitação. No entanto, não podemos estimular este acto indevido de ignorar os interesses públicos e a disciplina da Função Pública, nem premiar o mal comportamento da falta dolosa ao serviço, mesmo que o mesmo revele um bom comportamento após a aplicação da pena de demissão.
Face ao exposto, peço a V. Ex.ª que indefira o pedido de conversão da pena de demissão em aposentação compulsiva.
À consideração superior
O Director dos Serviços
D
26/06/2018”
15. Em 28/12/2018 o Secretário para a Economia e Finanças proferiu o seguinte despacho:
“Concordo com a proposta”»; (cfr., fls. 117 a 121).
Do direito
3. Inconformada com o decidido pelo Tribunal de Segunda Instância, traz a recorrente o presente recurso (jurisdicional), pedindo que (com a sua procedência) se anule o despacho de 28.12.2018 do Secretário para a Economia e Finanças; (cfr., pedido deduzido a final das alegações da recorrente, a fls. 151).
Sabendo-se que o dito “despacho” indeferiu o seu pedido de “conversão da pena disciplinar de demissão para a de aposentação compulsiva”, adequado se apresenta desde já de atentar nas razões que levaram o Tribunal de Segunda Instância a confirmar tal acto administrativo.
Assim ponderou:
“(…)
Os vícios imputados ao acto pela recorrente foram:
- Violação de lei (art. 349º do ETAPM);
- Violação de lei (por desrazoabilidade no exercício dos poderes discricionários);
- Vício de forma (falta de fundamentação).
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2. Do vício de violação do art. 349º do ETAPM
Este preceito apresenta o seguinte teor:
Reabilitação
Artigo 349.º
(Regime aplicável)
1. Os funcionários e agentes punidos em quaisquer penas podem ser reabilitados, independentemente da revisão do processo disciplinar, competindo ao Governador conceder a reabilitação.
2. A reabilitação será concedida a quem a tenha merecido por boa conduta, podendo para esse fim o interessado utilizar todos os meios de prova permitidos em direito.
3. A reabilitação pode ser requerida pelo interessado ou seu representante, decorridos os prazos seguintes sobre a aplicação ou cumprimento da pena:
a) 1 ano, nos casos de repreensão escrita;
b) 2 anos, no caso de multa;
c) 3 anos, nos casos de suspensão;
d) 5 anos, nos casos de aposentação compulsiva e demissão.
4. A reabilitação faz cessar as incapacidades e demais efeitos da condenação ainda subsistentes, devendo ser registada no processo individual do funcionário ou agente.
5. A concessão da reabilitação não atribui ao indivíduo a quem tenha sido aplicada pena de aposentação compulsiva ou demissão o direito de reocupar, por esse facto, um lugar ou cargo na Administração.
6. Se a pena aplicada tiver sido a de demissão poder-se-á decretar a sua conversão em aposentação compulsiva, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 315.º
Para a recorrente, a conversão seria automática e , por tal não ter sucedido, nisso consistiria a aludida violação de lei.
Porém, como se pode constatar, nem o nº 5 estabelece o direito de reocupar o lugar ou cargo anteriormente na Administração na sequência da concessão da reabilitação, nem o nº6 determina, vinculadamente, a conversão (automática) da pena disciplinar de demissão em aposentação compulsiva em caso de reabilitação. O legislador apenas confere ao órgão competente o poder de permitir a conversão, desde que reunido o requisito do período mínimo de garantia de 15 anos de exercício previsto no nº3 do art. 315º do mesmo diploma. Mas, a circunstância de o interessado possuir esse período mínimo de serviço não lhe confere nenhum direito potestativo à conversão. Significa apenas que esse requisito está preenchido, mas o deferimento da pretensão carecerá, em primeiro lugar de uma pretensão nesse sentido por parte do interessado e, em segundo lugar, de uma decisão administrativa que analise os pressupostos substantivos e subjectivos, nomeadamente comportamentais e relacionados com o próprio exercício profissional, enquanto funcionário no activo (neste sentido, v.g., Ac. do TSI, de 7/04/2016, Proc. nº 465/2014).
É, pois, claramente, um poder discricionário aquele que ali está inscrito. O que também nos leva a concluir que não podemos aceitar que o art. 349º, nº6 tenha sido violado.
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3. Do vício de violação de lei (por desrazoabilidade no exercício dos poderes discricionários)
Entende a recorrente que o acto ultrapassou os limites da razoabilidade dos poderes discricionários.
Mas não. A fundamentação exarada na Proposta nº XXX/NAJ/DB/18, e de que o acto se apropriou é razoável, como razoável é a decisão administrativa tomada. O que esteve em causa no acto foi todo o circunstancialismo que rodeou a própria aplicação da pena disciplinar. E como se pode ler do acórdão proferido no Proc. nº 1075/2009, na parte em que transcreve os factos apurados no procedimento disciplinar, a própria recorrente tudo terá feito para provocar conscientemente um sancionamento disciplinar (e acabaram por ser dois os procedimentos respectivos) que fosse de aposentação compulsiva.
Ora, com esse fito em mente, a conversão agora pretendida iria corresponder à realização do seu propósito ilícito.
Por conseguinte, não nos parece que o acto se tenha desviado, nem um milímetro sequer, do padrão de razoabilidade que em geral se espera da actuação administrativa, nem igualmente cremos que ele tenha incorrido em erro grosseiro, palmar e intolerável do exercício dos poderes discricionários.
Improcede, pois, este vício.
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4. Do vício de forma por insuficiência de fundamentação
Pretende a recorrente, por fim, acometer o acto de vício de forma por insuficiente fundamentação.
Contudo, não só o acto está suficientemente fundamentado – pois as razões para o indeferimento do pedido de conversão estão contidos no ponto 9 da referida Proposta, transcrito nos factos acima dados por assentes – como a recorrente as percebeu muito bem, ao interpor o recurso contencioso sem sinais de qualquer constrangimento ou limitação. Se a recorrente não concorda com a fundamentação, isso é outra coisa totalmente diferente e que já escapa ao vício formal suscitado.
Portanto, foi respeitado o dever de fundamentação inscrito no art. 115º do CA.
(…)”; (cfr., fls. 121 a 123).
Transcrita que ficou a “factualidade dada como assente”, assim como o “segmento decisório” do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância em que se aprecia do seu enquadramento jurídico e se decide dos vícios pela recorrente assacados ao “acto administrativo” (aí) recorrido, é momento para se ver se o presente recurso merece provimento.
–– Eis o nosso ponto de vista.
Pois bem, antes de mais, cabe salientar que com o presente recurso (jurisdicional), a recorrente repete, (quase) a totalidade, do que antes, em sede do “recurso contencioso” interposto para o Tribunal de Segunda Instância tinha alegado, suscitando, a final, as mesmas (três) questões: “errada aplicação – violação – da lei”, referindo-se ao art. 349° do E.T.A.P.M.; “desrazoabilidade no exercício do poder discricionário”; e, “falta de fundamentação”.
Aliás, o que agora se acaba se consignar não deixa de ser pela própria recorrente (expressamente) reconhecido nas suas alegações, onde, (atento o princípio da economia processual e para o que agora interessa), afirma, o que segue:
“ 1.°
O presente recurso foi interposto da decisão proferida em 21 de Novembro de 2019 pelo Tribunal de Segunda Instância, que julgou improcedente o recurso contencioso.
2.°
A Recorrente requerera a sua reabilitação e, num segundo pedido, que lhe fosse concedida a concessão da conversão da pena de demissão em aposentação compulsiva.
3.°
Conforme se pode verificar pelo Despacho, de 28/12/2018, do Secretário para a Economia e Finanças, exarado na Informação n.° XXX/NAJ/DB/18, aquele concedeu a reabilitação, mas, entretanto, indeferiu a pretensão da aludida conversão da pena disciplinar de demissão em aposentação compulsiva.
4.°
Inconformada com tal decisão, a Recorrente interpôs recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância contra o despacho acima referido, na parte em que indeferiu o seu pedido de conversão em aposentação compulsiva da pena de demissão e, ademais, pedindo a anulação do acto recorrido por entender que:
a) O acto administrativo enfermava de vício de violação de lei (art.° 349.° do ETAPM); e
b) De igual vício por desrazoabilidade no exercício dos poderes discricionários, além de
c) Vício de forma por insuficiência de fundamentação.
5.°
A decisão recorrida decidiu julgar improcedente o recurso contencioso interposto pela Recorrente.
6.°
Com o devido respeito, a Recorrente não concorda com a decisão recorrida, porquanto a mesma padece dos mencionados vícios.
(…)”; (cfr., fls. 133 a 134, sendo de notar também que, mesmo em sede de “conclusões” confunde a recorrente o “objecto” deste seu recurso, referindo-se, a maior parte das vezes, à “Administração”).
Perante isto, que dizer?
Ora, é sabido que o (anterior) “recurso contencioso” pela recorrente apresentado no Tribunal de Segunda Instância tinha como “objecto” o “despacho do Secretário para a Economia e Finanças”, e que o presente “recurso jurisdicional” tem como “objecto” o “Acórdão do Tribunal de Segunda Instância no aludido recurso contencioso proferido”.
Abordando esta matéria considera José Cândido de Pinho que: “A delimitação objectiva do recurso é feita segundo os parâmetros definidos no art. 589° do CPC. Isto quer dizer que o tribunal de recurso não pode senão apreciar as questões que lhe tenham sido submetidas expressamente nas alegações/conclusões do recurso interposto e que sejam invocadas na sequência da própria decisão recorrida.
Ou seja, o recurso é um ataque dirigido contra a decisão judicial impugnada e só para isso ele serve: demonstrar o erro do acórdão recorrido. O recurso tem por objecto o acórdão do TSI (mas esta afirmação serve para todos os recursos, mesmo quando a impugnação jurisdicional versa sobre uma sentença do TA) e não o acto administrativo (se estiver em causa um recurso contencioso). (…)”; (in “Notas e Comentários ao C.P.A.C.”, vol. II, C.F.J.J., 2018, pág. 392).
E tratando também esta “questão”, igualmente já teve este Tribunal oportunidade de consignar que:
“Em recurso jurisdicional interposto de decisão proferida em recurso contencioso de anulação, não é de conhecer da questão de vício de acto administrativo, se o tribunal a quo considerou sanado o vício e o recorrente, do recurso contencioso e do recurso jurisdicional, neste último recurso repete a argumentação deduzida perante aquele tribunal, omitindo qualquer pronúncia sobre os fundamentos aduzidos para a decisão no sentido da sanação”, (cfr., Ac. de 28.07.2004, Proc. n.° 22/2004);
“Se o recorrente, no recurso para o Tribunal de Última Instância (TUI), não impugna o conteúdo do acórdão recorrido do Tribunal de Segunda Instância, que não apreciou o mérito do recurso para este Tribunal, limitando-se o recorrente a discutir o mérito da decisão de 1.ª Instância, o recurso para o TUI improcede sem mais”, (cfr., Ac. de 13.04.2016, Proc. n.° 8/2016); e,
“Se, num recurso jurisdicional de decisão do Tribunal de Segunda Instância (TSI), proferida em recurso contencioso, o recorrente (destes dois recursos) se limita a repetir a argumentação utilizada no recurso contencioso, não impugnando os fundamentos utilizados pelo acórdão do TSI para (I) não conhecer de questão colocada pelo recorrente e (ii) para julgar improcedente o recurso contencioso, a decisão do recurso jurisdicional limita-se a negar provimento a este recurso, sem necessidade de conhecer do mérito da argumentação utilizada”; (cfr., Ac. de 25.05.2016, Proc. n.° 10/2016).
Nesta conformidade, atento o que pelo Tribunal de Segunda Instância foi considerado e decidido, o pela recorrente (agora) alegado (e concluído), e tendo também presente o estatuído no art. 152° do C.P.A.C. – onde se estatui que “O recurso dos acórdãos do Tribunal de Segunda Instância apenas pode ter por fundamento a violação ou a errada aplicação de lei substantiva ou processual ou a nulidade da decisão impugnada” – vista cremos que está a “solução” para os “vícios” suscitados, (que, como se viu, se identificam com os de “violação de lei”, “desrazoabilidade no exercício do poder discricionário” e “falta de fundamentação”).
–– Ponderando, porém, que “São atribuições dos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, reprimir a violação da legalidade e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados”, (cfr., art. 4° da Lei n.° 9/1999), e cabendo-lhes o dever de proporcionar não só uma “paz jurídica”, mas, igualmente, uma “paz social”, mostra-se de consignar o que segue.
Começando-se pela assacada “falta de fundamentação”, e, em conformidade com o que sobre esta matéria tem esta Instância entendido – cfr., v.g., o recente Ac. de 03.04.2020, Proc. n.° 57/2018, para onde se remete – patente é que à recorrente não assiste razão, pois que – tanto o acto administrativo de 28.12.2018 como – o Acórdão recorrido é claro e bastante na exposição dos motivos de facto e de direito da solução que adoptou.
Continuemos.
À “pretensão” da ora recorrente responde o art. 349° do “Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau” aprovado pelo D.L. n.° 87/89/M de 21.12, que, a respeito da “reabilitação”, e sob a epígrafe “Regime aplicável”, prescreve que:
“1. Os funcionários e agentes punidos em quaisquer penas podem ser reabilitados, independentemente da revisão do processo disciplinar, competindo ao Governador conceder a reabilitação.
2. A reabilitação será concedida a quem a tenha merecido por boa conduta, podendo para esse fim o interessado utilizar todos os meios de prova permitidos em direito.
3. A reabilitação pode ser requerida pelo interessado ou seu representante, decorridos os prazos seguintes sobre a aplicação ou cumprimento da pena:
a) 1 ano, nos casos de repreensão escrita;
b) 2 anos, no caso de multa;
c) 3 anos, nos casos de suspensão;
d) 5 anos, nos casos de aposentação compulsiva e demissão.
4. A reabilitação faz cessar as incapacidades e demais efeitos da condenação ainda subsistentes, devendo ser registada no processo individual do funcionário ou agente.
5. A concessão da reabilitação não atribui ao indivíduo a quem tenha sido aplicada pena de aposentação compulsiva ou demissão o direito de reocupar, por esse facto, um lugar ou cargo na Administração.
6. Se a pena aplicada tiver sido a de demissão poder-se-á decretar a sua conversão em aposentação compulsiva, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 315.º”.
Comentando o instituto da “reabilitação” diz L. Henriques que o mesmo será “«o expediente através do qual se obtém uma declaração de cessação de certas incapacidades e efeitos resultantes da censura disciplinar, tendo como fundamento a boa conduta entretanto demonstrada pelo funcionário faltoso».
Trata-se, portanto, de um instrumento que nada tem a ver com o processo de revisão – com o qual, de resto, se pode cumular –, pois, enquanto na revisão se procura reabilitar um infractor inocente com base em prova superveniente, alterando, assim, a própria decisão punitiva, na reabilitação o que se visa não é alterar a sanção – que permanece intocável – mas tão só premiar um infractor bem comportado, retirando-lhe certas incapacidades e efeitos resultantes da punição sofrida.
É isso mesmo que subjaz à intenção da lei quando nela se prescreve que a reabilitação «será concedida a quem a tenha merecido por boa conduta» (art.° 349.°, n.° 2 ).
Bom comportamento, boa conduta, será, pois, o fundamento do expediente.
(…)
Perante a omissão da lei vem a jurisprudência admitindo que por boa conduta se deve ter, não aquela que se identifica com a normal prestação funcional do trabalhador censurado – pois essa é a exigência mínima a fazer a quem serve a causa pública –, mas algo mais que ateste que o visado arrepiou caminho e se encontra completamente recuperado e de todo integrado na estrutura do serviço, não oferecendo por isso perigo de recaída.
Na verdade, como se decidiu já, para que a reabilitação possa proceder é indispensável que o arguido prove essa boa conduta, «no sentido de ter havido, sem margem para dúvidas, uma inflexão segura no seu comportamento e conduta anteriores antifuncionais, que permitam ilaccionar, em função de critérios da avaliação do homem médio, que o sancionado retomou uma situação de comportamento normal dos seus deveres funcionais sem perigo de recidiva».
A respectiva avaliação deve, pois, repousar sobre o que levou o arguido à censura e o esforço feito e conseguido para que igual comportamento não venha a repetir-se no futuro”; (in “Manual de Direito Disciplinar”, 2ª ed., C.F.J.J., 2009, pág. 312 a 313).
Opinando sobre a mesma matéria considera também Paulo Veiga e Moura que “A reabilitação é um processo a que os trabalhadores públicos podem recorrer após o decurso de um determinado período de tempo sobre a aplicação ou cumprimento de uma pena disciplinar com o intuito de fazer cessar algum dos efeitos produzidos por essas mesmas penas e ainda subsistentes.
(…)
A concessão da reabilitação é averbada no registo biográfico do trabalhador, não envolvendo a eliminação do registo da infracção e da punição, mas apenas se acrescentando a tal registo a menção de ter sido reabilitado.
A reabilitação só opera para o futuro e nunca envolve uma reconstituição da situação jurídico-funcional hipotética nem o pagamento de quaisquer indemnizações, pelo que mesmo que a pena reabilitada tenha sido a de demissão/despedimento nunca se reconstituirá a relação jurídica de emprego.
Tendo em conta os actuais efeitos das diversas penas disciplinares, parece-nos que, para além da inscrição da reabilitação no registo biográfico, os únicos efeitos que pela reabilitação podem vir a cessar de imediato são a incapacidade do trabalhador punido com pena expulsiva voltar a ser admitido para funções que façam apelo às mesmas condições de confiança e dignidade e a incapacidade de o dirigente punido com a pena de cessação de comissão de serviço voltar a ser nomeado antes de decorridos três anos”; (in “Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública Anotado”, 2ª ed., Coimbra Editora, pág. 313 a 315).
In casu, na opinião da recorrente, e em síntese que se nos apresenta adequada, verificados estão todos os pressupostos para que se decidisse – não só pela sua “reabilitação”, como efectivamente sucedeu, mas também – pela “conversão da pena disciplinar de demissão que lhe foi aplicada para a de aposentação compulsiva”, considerando que “Para apreciar ao pedido da concessão de conversão da demissão em aposentação compulsiva deve-se avaliar a conduta posterior à sanção aplicada à Recorrente, e não a conduta antecendente da sanção”, concluindo que “A decisão Recorrida enferma o vício de violação da lei, violou o disposto no artigo 349.° do ETAPM, ao julgar válida os argumentos utilizados pela Administração no ponto 9 da Informação, pois, não obstante estar em causa o exercício dos poderes discricionários, a margem de actuação da actividade administrativa deve esta observar os princípios fundamentais do Direito Administrativo, designadamente o da legalidade e de proporcionalidade, previstos nos art.°s 3.° e 5.° do CPA”; (cfr., conclusões P e X).
Ora, em face do que até aqui se deixou exposto, em especial, quanto à “natureza” e “efeitos” do instituto da “reabilitação”, evidente se nos apresenta (já) a sem razão da recorrente.
Contudo, útil se nos apresentam as seguintes considerações.
Como se mostra evidente, (e nos presente autos nunca foi posto em causa), dúvidas não há quanto à verificação dos “pressupostos objectivos” do art. 349° do E.T.A.P.M., ou seja, o “decurso de 5 anos a contar da decisão disciplinar punitiva” e o período de “15 anos de serviços contados para efeitos de aposentação” para que possível fosse a pretendida “conversão da pena”.
A (verdadeira) “questão”, (na opinião da ora recorrente), está no estatuído no n.° 2 do transcrito art. 349°, mais concretamente no pressuposto (subjectivo) relativo à sua “boa conduta”, e se se pode (ou deve) considerar como verificado para tal efeito.
E, então, o que dizer?
É uma “falsa questão”.
Antes de mais, e como vimos, convém salientar que o Acórdão recorrido – com a fundamentação que atrás se deixou transcrita – não detectou nenhum motivo para não confirmar o acto (então) recorrido, (o “despacho do Secretário para a Economia e Finanças”), dando como não verificado qualquer dos (três) vícios pela ora recorrente então (e agora, novamente), invocados, e a que já se fez referência.
Considerou (e decidiu) que não incorreu a entidade administrativa recorrida em “errada interpretação do art. 349° do E.T.A.P.M.”, em especial, quanto ao aludido pressuposto da “boa conduta” da recorrente, que não houve “desrazoabilidade – ou abuso – no exercício do poder discricionário” que àquela competia na apreciação do aludido pressuposto e pedido da ora recorrente, e que, a decisão de indeferimento do pretendido pedido de conversão se apresentava adequadamente fundamentada.
E – como se deixou adiantado – para além de “claro” nas suas razões de facto e de direito, censura não merece o decidido.
Com efeito, (sendo de se subscrever na íntegra o consignado no Acórdão recorrido), cabe notar que não corresponde à verdade que não se tenha ponderado na “conduta posterior à sanção aplicada à recorrente”, bastando, para tal, atentar-se na “matéria de facto dada como provada”, em especial, no “ponto 12”, que se refere à Proposta n.° XXX/NAJ/DB/18, onde, no seu §7 e §8 se não deixa de assinalar os “factos pela recorrente invocados em relação à sua pretensão”.
Por sua vez, e em nossa (modesta) opinião, importa distinguir “reabilitação”, e (todos) os seus “efeitos”, (como a agora almejada “conversão da pena”).
Uma coisa é a “reabilitação” (stricto sensu), que – desde que verificados os seus atrás referidos pressupostos quanto aos “períodos de tempo” e “boa conduta” do funcionário ou agente – “(…) faz cessar as incapacidades e demais efeitos da condenação ainda subsistentes, devendo ser registada no processo individual do funcionário ou agente”; (cfr., art. 349°, n.° 4 do E.T.A.P.M.).
Porém, importa desde já notar que como se estatui no n.° 5 do mesmo comando legal, “A concessão da reabilitação não atribui ao indivíduo a quem tenha sido aplicada pena de aposentação compulsiva ou demissão o direito de reocupar, por esse facto, um lugar ou cargo na Administração”.
Isto é, (o reabilitado) volta a adquirir “capacidade para o exercício de funções públicas”, (cfr., art. 13°, n.° 1, al. d) do citado E.T.A.P.M.), embora “sem direito ao lugar ou cargo que detinha”, necessário sendo enão um novo processo de candidatura/selecção e (eventual) provimento, tudo nos termos e em conformidade com o previsto no “Regime Jurídico da Função Pública”.
No caso, a ora recorrente, disciplinarmente punida com a pena de “demissão”, (que consiste no afastamento definitivo do funcionário ou agente com a cessação do seu vínculo laboral), pode, após reabilitada, restabelecer o referido vínculo de emprego público, não podendo porém voltar ao seu lugar de origem, tendo, antes, caso assim o queira, que se colocar na mesma posição que qualquer outro candidato que se apresente a disputar o lugar.
No fundo, com a “reabilitação”, (e como sua “consequência directa”), cessa a “impossibilidade de reocupação de um lugar ou cargo na Administração”.
Porém, e como se viu, não se trata de um “voltar tudo atrás, ficando tudo na mesma”, nesta óptica se devendo perspectivar a medida em causa, pois que também a “conversão da pena de demissão em aposentação” prevista no n.° 6 do preceito em questão, constitui, apenas, uma “probabilidade” ou uma (eventual) “expectativa” do trabalhador, à qual corresponde uma “faculdade” – ou melhor, um “poder discricionário” – da Administração, não sendo ou constituindo um efeito, “directo”, “imediato” ou “necessário” da concessão da reabilitação.
Doutra forma, e como se mostra evidente, outra seria a “redacção” do preceito, sem necessidade de se regular de forma expressa, separada e específica, a questão da (“reocupação do cargo” e da) pretendida “conversão”.
E se assim é, é porque foi (real) intenção do legislador (local) “separar as águas”, exigindo uma “nova”, global, (e “diferente”), ponderação da Administração aquando da decisão a proferir em relação à dita “conversão da pena”, como (foi o que sucedeu e) acabou por concluir o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância.
Portanto, (para além dos aludidos “prazos”), não está só (e apenas) em causa, a “boa conduta” da recorrente.
Ou seja, a “boa conduta”, que no caso até se deu como verificada para efeitos da sua “reabilitação”, não implica uma (necessária e automática) “conversão da pena”.
Esta, como um dos possíveis efeitos da “reabilitação”, pressupõe uma (nova) “ponderação de interesses” – onde, para além do interesse do requerente, (no caso, da recorrente), sobressai, obviamente, o “interesse público e da colectividade” – e uma decisão em conformidade.
No caso, o Acórdão recorrido é cristalino na justificação dos motivos da inexistência de qualquer desrespeito ou “violação à lei”, o mesmo sucedendo com a razão da inexistência de qualquer “abuso ou excesso no exercício do poder administrativo discricionário”.
E só não vê quem não quer ver, pois que, atentos os “factos” que levaram à aplicação da “pena de demissão” em questão, e, em especial, os “motivos da sua prática”, a sua “conversão”, nos termos pretendidos, acabaria, no fundo, por permitir a consideração, que se estaria a “beneficiar o infractor”, com graves prejuízos para a dignidade e moralização da Administração Pública, (não sendo pois de olvidar que, in casu, a conduta desenvolvida pela recorrente consistiu – precisamente – em faltar ao serviço de forma intencional para com as faltas cometidas alcançar, ou melhor, “provocar”, a sua “aposentação compulsiva” com os benefícios que a mesma proporciona).
Dir-se-á que, desta forma, “inútil” ou “vazia de conteúdo” é a norma do n.° 6 do art. 349° do E.T.A.P.M..
Em nossa opinião, de forma alguma assim é.
Para além do demais, importa pois ter presente que a pena disciplinar de “demissão” pode ser aplicada a (um conjunto de) “situações” que integram outras “infracções disciplinares”, (cfr., art. 315° do E.T.A.P.M.), e que, para o “efeito” aqui em causa são objecto de apreciação casuística, em face dos interesses atingidos e que à Administração Pública cabe prosseguir e assegurar.
Seja como for, com o consignado, não se quer dizer que esteja a ora recorrente (absoluta e eternamente) “excluída” de poder vir a beneficiar da prevista “conversão”, sendo apenas de sublinhar que, em face da “situação” no momento existente e verificada, e em resultado da análise e ponderação que se efectuou, (tanto no acto administrativo objecto do recurso para o Tribunal de Segunda Instância, como no Acórdão deste mesmo Tribunal), não se vislumbram motivos para qualquer divergência ou reparo.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos que se deixam expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, com a taxa de justiça de 6 UCs.
Registe e notifique.
Macau, aos 20 de Maio de 2020
Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator) – Sam Hou Fai – Song Man Lei
O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa
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