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Processo nº 44/2020(I) Data: 26.06.2020
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “tráfico ilícito de estupefacientes”.
Rejeição do recurso.
Decisão sumária.
Reclamação.
Justo impedimento.
Medida da pena.




SUMÁRIO

1. Em conformidade com o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b), do C.P.P.M., após exame preliminar, o relator profere “decisão sumária” sempre que o recurso deva ser rejeitado, o que sucede quando for “manifesta a sua improcedência”.

2. A possibilidade de “rejeição do recurso por manifesta improcedência”, destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando, também, moralizar o uso (abusivo) do recurso.

3. O efeito do “justo impedimento” não é, nem o de impedir o início do curso de um prazo peremptório, nem o de interromper tal prazo em curso, mas apenas o de suspender o termo de um prazo peremptório, diferindo-o para momento posterior.

4. Se, em consequência do “pedido de escusa” do Defensor Oficioso da arguida recorrente ficou esta na impossibilidade da prática de acto processual, adequado é considerar-se que verificado está o justo impedimento (pelo novo Defensor alegado) em relação aos dias em que aquela permaneceu sem assistência.

5. Se a decisão sumária que rejeita o recurso – no qual se coloca apenas a questão da “adequação da pena” – se apresenta clara, lógica e adequada na sua fundamentação, nela se tendo efectuado correcta identificação e tratamento da “questão” colocada, acertada sendo igualmente a solução a que se chegou, inevitável é a improcedência da sua reclamação.

O relator,

José Maria Dias Azedo

Processo nº 44/2020(I)
(Autos de recurso penal)
(Incidente)





ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Aos 28.04.2020, proferiu o relator dos presentes Autos de Recurso Penal a seguinte “decisão sumária”:

“Relatório

1. A (甲), arguida com os restantes sinais dos autos, veio recorrer do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância datado de 27.02.2020, (Proc. n.° 4/2020), que confirmou a decisão do Tribunal Judicial de Base que a condenou como autora material da prática de 1 crime de “tráfico de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, na redacção resultante da Lei n.° 10/2016, fixando-lhe a pena de 9 anos de prisão; (cfr., fls. 384 a 390-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público douto Parecer pugnando pela improcedência do recurso; (cfr., fls. 481 a 481-v).

*

Conclusos os autos ao ora relator para exame preliminar, e atento o teor da decisão recorrida e a natureza da questão pela recorrente colocada, constatou-se da “manifesta improcedência” do recurso, que deve assim ser objecto de rejeição; (cfr., art. 410°, n.° 1 do C.P.P.M.).

Nesta conformidade, e atento o estatuído no art. 407° do C.P.P.M., em especial, o n.° 6, al. b), segue “decisão sumária”.

Fundamentação

2. Entende a ora recorrente que “excessiva” é a pena que lhe foi aplicada, batendo-se pela sua redução para uma outra não superior a 6 anos e 9 meses de prisão; (cfr., fls. 452 a 454-v).

Não questionando a “decisão da matéria de facto”, (cfr., fls. 384-v a 387), que por motivos também não termos para alterar, se tem como “definitivamente fixada”, e da mesma se constatando que verificados estão todos os elementos, objectivos e subjectivos, do tipo de crime de “tráfico” pelo qual foi condenada, vejamos.

Ao crime de “tráfico de estupefacientes” pela recorrente cometido cabe a pena de 5 a 15 anos de prisão; (cfr., art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009 com a redacção dada pela Lei n.° 10/2016).

Como sabido é, a “determinação da medida concreta da pena”, é tarefa que implica a ponderação de vários aspectos.

Desde logo, há que ter presente que nos termos do art. 40° do C.P.M.:

“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.

Sobre a matéria preceitua também o art. 65° do mesmo código que:

“1. A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal.
2. Na determinação da medida da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
3. Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da determinação da pena”.

Por sua vez, nos termos do art. 66° do C.P.M.:

“1. O tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.
2. Para efeitos do disposto no número anterior são consideradas, entre outras, as circunstâncias seguintes:
a) Ter o agente actuado sob influência de ameaça grave ou sob ascendente de pessoa de quem dependa ou a quem deva obediência;
b) Ter sido a conduta do agente determinada por motivo honroso, por forte solicitação ou tentação da própria vítima ou por provocação injusta ou ofensa imerecida;
c) Ter havido actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados;
d) Ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta;
e) Ter o agente sido especialmente afectado pelas consequências do facto;
f) Ter o agente menos de 18 anos ao tempo do facto.
3. Só pode ser tomada em conta uma única vez a circunstância que, por si mesma ou em conjunto com outras, der lugar simultaneamente a uma atenuação especial da pena expressamente prevista na lei e à atenuação prevista neste artigo”.

Como temos vindo a considerar “A atenuação especial só pode ter lugar em casos “extraordinários” ou “excepcionais”, – e não para situações “normais”, “vulgares” ou “comuns”, para as quais lá estarão as molduras normais – ou seja, quando a conduta em causa se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo”, (cfr., v.g., o Ac. deste T.U.I. de 03.04.2020, Proc. n.° 23/2020(I)).

Com efeito, a figura da atenuação especial da pena surgiu em nome de valores irrenunciáveis de justiça, adequação e proporcionalidade, como necessidade de dotar o sistema de uma verdadeira válvula de segurança que permita, em hipóteses especiais, quando existam circunstâncias que diminuam de forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer uma imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo «normal» de casos que o legislador terá tido ante os olhos quando fixou os limites da moldura penal respectiva, a possibilidade, se não mesmo a necessidade, de especial determinação da pena, conducente à substituição da moldura penal prevista para o facto, por outra menos severa.

E, atento o que se deixou exposto, tendo presente a “factualidade” dada como provada, de onde resulta que a ora recorrente, natural e residente de Hong Kong, dedicava-se, em conformidade com um plano previamente traçado, ao “tráfico” de estupefacientes para (e em) Macau, apresenta-se-nos pois evidente que a decisão do Tribunal de Segunda Instância (que confirmou a do Colectivo do Tribunal Judicial de Base), não merece qualquer censura, sendo assim, de se confirmar, na íntegra, a pena à ora recorrente aplicada.

Na verdade, na completa ausência de qualquer “circunstância” que permita considerar a situação em questão como “excepcional” ou “extraordinária”, motivos não existem para qualquer “atenuação especial da pena” ao abrigo do art. 66° do C.P.M., (sendo de consignar igualmente que inverificados também estão os necessários pressupostos legais do art. 18° da Lei n.° 17/2009 para qualquer atenuação especial, pois que, como se tem decidido: “Para efeito de atenuação especial da pena prevista no art.º 18.º da Lei n.º 17/2009, só tem relevância o auxílio concreto na recolha de provas decisivas para a identificação ou captura de outros responsáveis do tráfico de drogas, especialmente no caso de grupos, organizações ou associações, ou seja, tais provas devem ser tão relevantes capazes de identificar ou permitir a captura de responsáveis de tráfico de drogas com certa estrutura de organização, com possibilidade do seu desmantelamento”; cfr., v.g., o Ac. deste T.U.I. de 30.07.2015, Proc. n.° 39/2015).

E quanto a uma (eventual) “redução da pena”?

Pois bem, aqui há que se ter também presente que, como temos afirmado, com o recurso não se visa eliminar a margem de livre apreciação reconhecida em matéria de determinação da pena, e que esta deve ser confirmada se verificado estiver que no seu doseamento foram observados os critérios legais atendíveis; (cfr., v.g., o Ac. deste T.U.I. de 03.12.2014, Proc. n.° 119/2014 e de 04.03.2015, Proc. n.° 9/2015).

E, nesta conformidade, ponderando no que até aqui se expôs, na referida moldura penal – 5 a 15 anos de prisão – atentos os critérios para a determinação da medida da pena previstos nos transcritos art°s 40° e 65° do C.P.M., no que vem sendo entendido pelos Tribunais de Macau em matéria de pena em processos análogos, e apresentando-se-nos evidente que o Tribunal a quo não deixou de ponderar, adequadamente, em todas as circunstâncias relevantes para efeitos de fixação da pena em questão, mostra-se-nos pois que se impõe confirmar a pena de 9 anos de prisão à ora recorrente decretada, (a 4 anos do seu limite mínimo, e a 6 anos do seu máximo).

Com efeito, a “factualidade provada” revela que a recorrente desenvolveu uma conduta que não constitui uma “situação pontual”, (cfr., facto provado referenciado com o n.° 5), não se podendo também desconsiderar as “quantidades” e “natureza” do estupefaciente que a mesma envolveu, (tendo sido surpreendida com 70 embalagens, “doses”, de “Cocaína”), muito intenso e directo sendo o seu dolo, assim como elevado o grau de ilicitude, e que (muito) fortes são as necessidades de prevenção criminal, face aos graves malefícios e prejuízos que o crime de “tráfico de estupefacientes” causa para a saúde pública.

Por sua vez, e como já se referiu, importa ter presente que, (nomeadamente), em “matéria de pena”, o recurso não deixa de possuir o paradigma de remédio jurídico, pelo que o tribunal de recurso deve intervir na pena, (alterando-a), apenas e só quando detectar desrespeito, incorrecções ou distorções dos princípios e normas legais pertinentes no processo de determinação da sanção, pois que o recurso não visa, nem pretende eliminar, a imprescindível margem de apreciação livre reconhecida ao Tribunal julgamento.

Com efeito, de forma repetida e firme temos também vindo a entender que “Ao Tribunal de Última de Instância, como Tribunal especialmente vocacionado para controlar a boa aplicação do Direito, não cabe imiscuir-se na fixação da medida concreta da pena, desde que não tenham sido violadas vinculações legais – como por exemplo, a dos limites da penalidade – ou regras da experiência, nem a medida da pena encontrada se revele completamente desproporcionada”; (cfr., v.g., Ac. de 07.04.2018, Proc. n.° 27/2018 e de 30.07.2019, Proc. n.° 68/2019).

Dest’arte, revelando-se pela decisão recorrida, a selecção dos elementos factuais elegíveis, a identificação das normas aplicáveis, o cumprimento dos passos a seguir no iter aplicativo e a ponderação devida dos critérios legalmente atendíveis, imperativa é a confirmação das penas aplicadas; (neste sentido, cfr., v.g., o Ac. deste Tribunal de 03.12.2014, Proc. n.° 119/2014 e de 04.03.2015, Proc. n.° 9/2015).

Aliás, como nota Figueiredo Dias, (in “Dto Penal, Parte Geral”, Tomo 1, pág. 84), “em síntese, pode dizer-se que, toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa é uma pena justa”.

Dest’arte, imperativa é a decisão que segue.

Decisão

3. Em face do exposto, decide-se rejeitar o recurso.

Pagará a recorrente a taxa de justiça individual que se fixa em 4 UCs, e como sanção pela rejeição do recurso, o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$2.000,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, devolvam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
(…)”; (cfr., fls. 483 a 488 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Após vicissitudes várias – de entre as quais se destacam uma carta da recorrente a pedir esclarecimentos e a manifestar inconformismo com o decidido assim como com a assistência que lhe foi proporcionada pelo Exmo. Defensor que a vinha representando desde o seu anterior recurso para o Tribunal de Segunda Instância, ao que se associou a dedução de pedidos vários de escusa por parte do Defensor nomeado e do entretanto designado para o substituir, (cfr., fls. 492 a 532) – veio a recorrente, através de novo Defensor Oficioso, reclamar do decidido, invocando “justo impedimento” pelo atraso da sua reclamação, e, alegando – em síntese – que o seu recurso para este Tribunal de Última Instância não devia ter sido considerado “manifestamente improcedente”, (e rejeitado), insiste no entendimento que em sede do dito recurso tinha deixado exposto quanto à pretendida “redução da pena” que lhe tinha sido fixada; (cfr., fls. 533 a 536).

*

Oportunamente, sobre o assim processado emitiu, o Exmo. Representante do Ministério Público douta pronúncia com o teor seguinte:

“O Ministério Público, notificado da reclamação para a conferência deduzida pela Recorrente, A tendo por objecto a douta decisão sumária proferida pelo Meritíssimo Juiz Relator a fls. 483 a 488 dos presentes autos que rejeitou o recurso interposto por manifestamente improcedente, e do requerimento pela mesma apresentado no sentido de ser deferida a prática do aludido acto processual impugnatório fora do prazo legalmente estabelecido, com fundamento em justo impedimento, vem sobre os mesmos pronunciar-se, o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:
I. Sobre a invocação de justo impedimento
I.1.
A Reclamante, para além da reclamação para a conferência propriamente dita, dirigiu a esse Venerando Tribunal um requerimento, com fundamento na norma do artigo 97.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (CPP), no sentido de que, não obstante ter sido apresentada fora de prazo, seja aquela reclamação admitida em virtude da verificação de justo impedimento à sua dedução tempestiva.
Para fundamentar esse requerimento, além de ter alegado que a douta decisão sumária reclamada se encontra redigida em língua portuguesa, que a mesma não domina, e que, isso teria obstado a que a mesma se tivesse inteirado em devido tempo do teor de tal decisão, a Reclamante alegou que a sua anterior Defensora oficiosa pediu escusa das suas funções no dia 11 de Maio de 2020, a qual lhe foi concedida por douto despacho nessa mesma data, com a consequente nomeação de um outro defensor ao qual, igualmente, foi concedida escusa por douto despacho de 14 de Maio de 2020, com a consequente nomeação do actual Defensor, Dr. B, nessa mesma data, nomeação da qual foi o mesmo notificado por telecópia ainda no dia 14 de Maio de 2020, às 18 horas e 1 minuto.
Tudo isto, no entender da Reclamante, teria obstado à dedução tempestiva da reclamação para a conferência.
I.2.
Vejamos.
A douta decisão reclamada foi notificada à anterior Defensora da Reclamante através de carta com registo datado de 29 de Abril de 2020, pelo que, face ao que dispõe o n.º 2 do artigo 100.º do CPP, a mesma se deve ter por notificada no dia 4 de Maio de 2020, data a partir da qual se deve contar o prazo da reclamação para a conferência, atento o disposto no artigo 100.º, n.º 8, do CPP.
O prazo para reclamar para a conferência de uma decisão sumária proferida pelo relator do processo é, na falta de disposição legal específica que preveja outro, o prazo geral de 10 dias a que alude o n.º 1 do artigo 95.º do CPP.
Deste modo, o prazo para reclamar para a conferência da douta decisão sumária proferida nos presentes autos exauriu-se no dia 14 de Maio de 2020.
A este esgotamento do prazo não obstou, diga-se, a circunstância de a anterior Defensora da Reclamante ter pedido escusa do exercício das suas funções no dia 11 de Maio de 2020, nem de o Defensor depois nomeado ter igualmente pedido escusa, dois dias depois, em 13 de Maio de 2020.
Na verdade, de acordo com o disposto no n.º 4 do artigo 55.º do CPP, «enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um acto mantém-se para os actos subsequentes do processo», o que significa, de acordo com a melhor doutrina, não ser aplicável em processo penal a interrupção do prazo que se encontra prevista no artigo 32.º da Lei n.º 13/2012, que estabelece o Regime geral do apoio judiciário, e sem que tal contenda com quaisquer garantias de defesa do arguido (neste sentido, desenvolvidamente, pode ver-se, na jurisprudência portuguesa, o Ac. do Tribunal Constitucional n.º 487/2018, publicado no Diário da República n.º 225/2018, Série II de 22.11.2018).
O acto processual em causa – a reclamação para a conferência - foi, pois, praticado fora de prazo. Ora, como decorre do disposto no n.º 2 do artigo 97.º do CPP, «os actos processuais só podem ser praticados fora dos prazos estabelecidos por lei, por despacho da autoridade referida no número anterior (leia-se: autoridade judiciária que dirigir a fase do processo a que o acto respeitar), desde que se prove justo impedimento».
A questão, pois, é a de saber, se, no caso, ocorre o falado justo impedimento.
I.3.
Não contendo a nossa lei processual penal a definição do que seja o «justo impedimento», teremos de a pedir de empréstimo ao Código de Processo Civil (CPC), que é de aplicação subsidiária (cfr. artigo 4.º do CPP).
De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 96.º do CPC «considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do acto».
Na situação em apreço está em causa a prática de um acto processual que corresponde ao exercício de um direito por parte da Arguida: o de reclamar para a conferência da douta decisão sumária proferida nos presentes autos (cfr. artigo 407.º, n.º 8, do CPP).
Por outro lado, a Arguida não pode, por si, praticar o dito acto, necessita de o fazer através do seu Defensor.
Ora, atentas as específicas vicissitudes que os autos bem documentam (cfr. fls. 498 e seguintes) que marcaram os últimos dias do prazo de que a Recorrente dispôs para apresentar reclamação para a conferência da douta decisão sumária, parece-nos que, a partir do pedido de escusa da Defensora, Dra. C, que foi de imediato deferido com a consequente nomeação de um novo Defensor, que também foi escusado, a Recorrente ficou, na prática e por motivo que lhe não é imputável, impedida de praticar o acto processual por si pretendido. Isso, em nosso modesto entendimento, configura uma situação de justo impedimento.
Como é sabido, o efeito do justo impedimento não é, nem o de impedir o início do curso de um prazo peremptório, nem o de interromper tal prazo em curso, mas apenas o de suspender o termo de um prazo peremptório, diferindo-o para momento posterior (assim, ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Coimbra, 2018, p. 167).
No caso, o termo do prazo ocorreu no dia 14 de Maio e foi justamente nessa data que cessou o impedimento da Recorrente, com a nomeação do seu novo Defensor, Dr. B. A partir desse momento, a Recorrente dispôs de um prazo de 5 dias para requerer a prática do acto fora do prazo legalmente estabelecido, tal como decorre do disposto no n.º 3 do artigo 97.º do CPP, pelo que, além de, como vimos, ter fundamento bastante, é, outrossim, tempestivo o requerimento por si apresentado no passado dia 18 de Maio.
Cremos, face ao exposto, que, com fundamento na verificação de justo impedimento, deve a Recorrente ser admitida deduzir a reclamação para a conferência da douta decisão sumária proferida nos presentes autos.
II. Sobre a reclamação para a conferência
II.1.
No recurso que interpôs do douto acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância, que por sua vez negou provimento ao recurso interposto do Acórdão do Tribunal Colectivo do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base que a condenou pela prática de um crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, previsto e punido pelo n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 17/2009, na redacção resultante da Lei n.º 10/2016, na pena única de 9 anos prisão, a Recorrente apenas colocou a esse Venerando Tribunal de Última Instância (TUI) a questão do excesso da pena que concretamente lhe foi aplicada.
Tendo considerado que o recurso interposto pela Arguida era manifestamente improcedente, o Meritíssimo Juiz Relator, proferiu decisão sumária através da qual decidiu rejeitar o recurso, nos termos previstos nos artigos 407.º, n.º 6, alínea b) e 410.º, n.º 1 do CPP.
A Recorrente, na reclamação para a conferência a que agora se responde, impugna o assim decidido, reiterando os fundamentos do recurso.
II.2.
Salvo o devido respeito, parece-nos que a Reclamante labora em confusão entre o objecto da reclamação para a conferência e o objecto do próprio recurso.
Na verdade, como é sabido, o objecto da reclamação é, apenas, a decisão sumária que rejeitou o recurso com fundamento na sua manifestamente improcedência. Daí que a questão a discutir na reclamação se circunscreva a saber se a rejeição do recurso está ou não em conformidade com a lei, nela não cabendo discutir o mérito do recurso.
Para nós, é muito claro que a douta decisão de rejeição do recurso interposto pela ora Reclamante é inatacável.
Com efeito, a manifesta improcedência como fundamento de rejeição «significa que o recurso, pelos termos em que se encontra motivado ou pelo objecto que o recorrente lhe define, se apresenta imediatamente insubsistente, sendo claro, patente e de primeira leitura que é manifestamente destituído de fundamento» (assim, na jurisprudência comparada, o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 3.11.2011, processo n.º n.º2/00.7TBSJM.P2.S1) e é patente, no caso, que a pretensão impugnatória deduzida por meio do recurso carecia de qualquer fundamento viável que a sustentasse.
Isto porque, no rejeitado recurso apenas estava em discussão a concreta medida da pena aplicada à ora Reclamante e, como foi assinalado na douta decisão reclamada, ao Tribunal de Última Instância não cabe imiscuir-se na fixação da concreta medida da pena, salvo se tiverem sido violadas vinculações legais, as regras da experiencia ou a pena se revelar manifestamente desproporcionada, algo que, no caso, de modo algum sucedeu.
Manifestamente improcedente, portanto, como bem se decidiu na douta decisão reclamada, o recurso interposto pelo Recorrente e daí que, em nossa humilde opinião, se deva manter a respectiva rejeição (artigo 410.º, n.º 1, do CPP).
II.3.
Acaso esse Venerando Tribunal atenda a reclamação para a conferência e, em consequência, conheça do recurso, somos a considerar, pelas razões por nós já expostas a fls. 457 a 459 dos presentes autos e que aqui reiteramos, que tal recurso deve ser julgado improcedente.
Nestes termos e nos melhores de direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve a presente reclamação para a conferência ser admitida e, após, ser julgada improcedente, assim se fazendo a costumada
Justiça”; (cfr., fls. 542 a 545-v).

*

Por despacho do ora relator, foram os presentes autos conclusos para visto dos Mmos Juízes-Adjuntos e, seguidamente, nada vindo de novo, inscritos em tabela para decisão da referida reclamação em conferência; (cfr., fls. 546).

*

Com a nota prévia de que se regista a pronta e eficiente intervenção da Associação de Advogados de Macau na indicação de um Ilustre Advogado para, em substituição do anterior Defensor Oficioso assistir a arguida no presente incidente, e consignando-se também que o mesmo se mostra de dizer quanto ao empenho e diligência do Exmo. Defensor nomeado, passa-se a decidir.

Fundamentação

2. Do alegado “justo impedimento”

As considerações pelo Exmo. Representante do Ministério Público tecidas a propósito da “questão” evidenciam já todos os elementos que para a sua apreciação se mostram relevantes, demonstrando, também, de forma clara, suficiente e adequada as razões de facto e de direito pelas quais se deve acolher o pelo Exmo. Defensor Oficioso alegado em relação à mesma.

Nesta conformidade, (e em prol da economia processual), dando-se aqui como integralmente reproduzido o pelo Ministério Público exposto sobre a aludida questão, tem-se como verificado o alegado “justo impedimento”, admitindo-se, assim, porque legal e tempestiva, a reclamação apresentada; (sobre a matéria, cfr., v.g., o recente Acórdão deste T.U.I. de 17.06.2020, Proc. n.° 26/2020).

3. Da “reclamação”

Em conformidade com o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b), do C.P.P.M., após exame preliminar, o relator profere “decisão sumária” sempre que o recurso deva ser rejeitado, o que pode suceder quando for “manifesta” a sua improcedência; (cfr., art. 410°, n.° 1 do dito código).

Apresentando-se ser a situação dos presentes autos, e tendo-se presente que a possibilidade de “rejeição do recurso por manifesta improcedência” destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando, também, moralizar o uso (abusivo) do recurso, proferiu-se a decisão sumária que se deixou (integralmente) transcrita.

Invocando a faculdade que lhe é legalmente reconhecida pelo art. 407°, n°. 8 do C.P.P.M., vem a recorrente reclamar da aludida decisão.

Porém, não se pode reconhecer mérito à sua pretensão, muito não se mostrando necessário aqui consignar para o demonstrar.

Com efeito, a decisão sumária agora reclamada (e atrás retratada), apresenta-se perfeitamente inteligível na sua fundamentação fáctica e jurídica, nela se tendo efectuado correcta identificação e resolução da (única) “questão” colocada, (quanto à “medida da pena” decretada), mostrando-se acertada a solução a que se chegou.

Na verdade, (pelos motivos de facto e de direito que na referida decisão sumária se deixaram expostos), patente se mostra que justo e adequado foi o deliberado no Acórdão do Colectivo do Tribunal de Segunda Instância objecto do recurso pela ora reclamante trazido a este Tribunal, o que, por sua vez, implica, a necessária e natural conclusão de que se impunha, como sucedeu, com a sua total confirmação.

Há pois que referir que sendo a questão colocada a da “adequação da pena aplicada”, e constituindo entendimento repetido e firme desta Instância que com o recurso não se visa eliminar a margem de livre apreciação reconhecida em matéria de determinação da pena, devendo esta ser confirmada se verificado estiver que no seu doseamento foram observados os critérios legais atendíveis, evidente se apresenta a sem razão da ora recorrente.

Com efeito, e como temos vindo a entender, “Ao Tribunal de Última de Instância, como Tribunal especialmente vocacionado para controlar a boa aplicação do Direito, não cabe imiscuir-se na fixação da medida concreta da pena, desde que não tenham sido violadas vinculações legais – como por exemplo, a dos limites da penalidade – ou regras da experiência, nem a medida da pena encontrada se revele completamente desproporcionada”; (cfr., v.g., entre outros, Ac. de 07.04.2018, Proc. n.° 27/2018, de 30.07.2019, Proc. n.° 68/2019, e, mais recentemente, a Decisão Sumária de 12.05.2020, Proc. n.° 42/2020).

Dest’arte, e mais não se mostrando de consignar, já que a ora reclamante se limita a reproduzir o antes já alegado e adequadamente apreciado na decisão sumária agora em questão, inevitável é a improcedência da pretensão apresentada.

Decisão

4. Nos termos que se deixam expostos, em conferência, acordam julgar improcedente a apresentada reclamação.

Pagará a reclamante a taxa de justiça individual que se fixa em 3 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor Oficioso no montante de MOP$3.000,00.

Registe e notifique.

Oportunamente, e nada vindo de novo, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 26 de Junho de 2020


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei

Proc. 44/2020-I Pág. 16

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