Processo nº 49/2020 Data: 22.07.2020
(Autos de recurso jurisdicional)
Assuntos : Responsabilidade civil extra-contratual.
Perito.
Perícia médica.
SUMÁRIO
Após a sua “nomeação”, o perito torna-se um “assistente do Tribunal”, auxiliando-o na percepção e esclarecimento de matéria com complexidade e para a qual se exigem conhecimentos específicos, cabendo-lhe o dever de “colaborar com o Tribunal” – com diligência – podendo ser condenado em multa caso infrinja tal dever, (ou destituído em caso de negligência), não bastando meras “alegações” sobre a sua eventual parcialidade para se questionar da sua integridade para efeitos de se por em causa a decisão do Tribunal.
O relator,
José Maria Dias Azedo
Processo nº 49/2020
(Autos de recurso jurisdicional)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A (甲), com os restantes sinais dos autos, propôs e fez seguir no Tribunal Administrativo, acção para efectivação da responsabilidade civil extracontratual contra B (乙) e SERVIÇOS DE SAÚDE (衛生局), pedindo a sua condenação no pagamento de uma indemnização no montante total de MOP$28.306.800,00; (cfr., fls. 2 a 23 do Volume I, que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Oportunamente, realizada que foi a audiência de julgamento, preferiu o Colectivo de Juízes Acórdão onde se pronunciou sobre a matéria da base instrutória, (cfr., fls. 1972 a 1979), e, após alegações do A. e RR., (cfr., fls. 1981 a 2002), proferiu sentença onde julgou a acção improcedente; (cfr., fls. 2003 a 2013-v, Volume 9 e 2186 a 2218, Volume 10).
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Inconformado, o A. recorreu para o Tribunal de Segunda Instância que, por Acórdão de 31.10.2019, negou provimento ao recurso, (cfr., fls. 2359 a 2383-v).
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Ainda inconformado, traz agora a este Tribunal de Última Instância o presente recurso, alegando para concluir nos termos seguintes:
“1. A formação da perícia em causa padece do vício da ilegalidade por violação do art.º 25.º da Lei Básica, art.º 4.º e art.º 316.º n.º 1 alínea e) do Código de Processo Civil, aplicado por remissão do art.º 492.º n.º 1.
2. Uma vez que os 2 peritos têm a relação jurídica de função pública com os 1º e 2º recorridos, o 1º recorrido é superior dos 2 peritos (Nos termos do art.º 30.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 81/99/M) e os 2 peritos são funcionários públicos do 2º recorrido.
3. É óbvio que os 2 peritos médicos adoptaram uma posição inclinada e não foram absolutamente neutral!
4. Se em qualquer processo de responsabilidade extracontratual por erro médico do CHSJ dos Serviços de Saúde os funcionários públicos destes possam ser peritos, são completamente violados o princípio da igualdade previsto pelo art.º 25.º da Lei Básica e o princípio da igualdade das partes previsto pelo art.º 4.º do Código de Processo Civil, uma vez que os Serviços de Saúde terão privilégio quando os seus funcionários públicos sejam peritos, fazendo com que, o lesado residente de Macau – lesado do erro médico – não possa julgar a causa do erro através duma perícia médica justa!
5. O art.º 493.º n.º 3 do Código de Processo Civil, que impede a interposição de recurso contra a sentença sobre obstáculo à nomeação de perito, viola necessariamente o princípio da igualdade previsto pelo art.º 25.º da Lei Básica e o princípio da igualdade das partes previsto pelo art.º 4.º do Código de Processo Civil, portanto, é inaplicável ao presente processo!
6. O TSI julgou improcedente o recurso na parte de nomeação dos peritos médicos com fundamento em que, o recorrente não interpôs recurso, com base em obstáculo à nomeação de perito, contra o despacho constante da fls. 1812, é inibida a interposição de recurso contra esse despacho nos termos do art.º 493.º n.º 3 do Código de Processo Civil, e o recorrente não juntou no processo da 1ª instância o novo relatório médico dele. (vide as fls. 33 e 34 do acórdão do TSI)
7. Não está em causa se o recorrente recorreu do despacho, porque o art.º 493.º n.º 3 do Código de Processo Civil impede a interposição de recurso!
8. O Código de Processo Civil não prevê uma maneira de revisão jurídica desse despacho, por isso, só se pode recorrer da decisão da 1ª instância.
9. Essa norma não é aplicável ao presente processo por violação do art.º 25.º da Lei Básica.
10. A posição jurídica da Lei Básica é superior à posição jurídica do Código de Processo Civil, portanto, é necessário aplicar a lei superior!
11. A nomeação de qualquer perito em causa não foi proposta pelo recorrente, deste modo, os 1º e 2º recorridos tinham mais vantagem em obter a perícia médica como meio de prova!
12. Isso viola o direito fundamental de acção do recorrente (art.º 36.º n.º 1 da Lei Básica, art.º 14.º n.º 1 do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e art.º 1.º n.º 1 do Código de Processo Civil) e o direito à prova decorrente.
13. Em face da formação da perícia totalmente desfavorável, é violado o direito à prova do recorrente, impedindo-o de usar as provas que depuseram ao seu favor para suportar o pedido apresentado ao Tribunal.
14. Assim sendo, o relatório da perícia e as respostas dos 2 referidos peritos são provas proibidas.
15. O Tribunal não deve apreciar essas provas proibidas, uma vez que o relatório da perícia e as respostas dos 2 peritos violam a lei, as provas produzidas são necessariamente ilegais.
16. A formação da perícia viola a lei, as provas-chave do erro médico em causa só podem ser produzidas por meio de prova da perícia para descobrir a realidade e influenciar necessariamente o julgamento e a decisão, por isso, o acto processual da perícia é nulo. (art.º 147.º n.º 1 do Código de Processo Civil)
17. A perícia deve ser anulada por nulidade, então, obviamente, também devem ser anulados o processo da 1ª instância sobre o conhecimento de facto e de direito e os actos processuais ulteriores. (art.º 147.º n.º 2 do Código de Processo Civil)
(…)”; (cfr., fls. 2414 a 2426 e 101 a 105 do Apenso).
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Em (contra-)alegações pedem os recorridos, (R.R.), a improcedência do recurso; (cfr., fls. 2429 a 2451 e 2453 a 2463).
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Remetidos os autos a esta Instância, em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:
“A, tendo demandado, sem sucesso, no Tribunal Administrativo, um médico e os Serviços de Saúde de Macau, em vista da efectivação de responsabilidade civil extracontratual decorrente de erro médico ocorrido no Centro Hospitalar Conde de S. Januário, recorreu para o Tribunal de Segunda Instância da sentença de 26 de Outubro de 2018 do Tribunal Administrativo, pondo em causa a perícia efectuada no âmbito da acção, por via da nomeação dos peritos, que diz padecer de irregularidade, e verberando o julgamento de parte da matéria de facto.
Tendo sucumbido nas suas pretensões recursórias no Tribunal de Segunda Instância, recorre agora para este Tribunal de Última Instância, circunscrevendo o recurso à questão da perícia, por irregularidade na nomeação dos peritos.
Sobre o assunto pronunciámo-nos no parecer exarado a fls. 2354 e seguintes, cujo sentido reiteramos em abono da manutenção do acórdão recorrido, sendo que este convocou acrescidos argumentos, igualmente válidos e procedentes, para resolver a questão em desfavor das pretensões do recorrente, o que também aconselha a confirmação do decidido.
De novo, vem agora suscitada a questão da “constitucionalidade” do artigo 493.°, n.° 3, do Código de Processo Civil, por alegada desconformidade com os artigos 25.° e 36.° da Lei Básica e 14.°, n.° 1, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos.
Parece-nos, salvo melhor juízo, e sem necessidade de grandes elucubrações, que a questão não tem a ver com o princípio da igualdade postulado pelo artigo 25.° da Lei Básica.
O que poderia porventura estar em causa seriam princípios ligados à imparcialidade da perícia e, por arrastamento, ao processo justo e equitativo, esses, sim, caucionados pelos artigos 36.° da Lei Básica e 14.° do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos.
Só que, à luz do ordenamento jurídico de Macau, não vislumbramos que os peritos tenham actuado em situação de impedimento ou de suspeição (cf. artigos 311.° e 316.°, ex vi do artigo 492.° do Código de Processo Civil). Nomeadamente, os peritos em causa não integram a hipótese da alínea e) do n.° 1 do artigo 316.° do Código de Processo Civil, avançada pelo recorrente, pois não são patrões de qualquer das partes, nem são membros da direcção ou administração da pessoa colectiva Serviços de Saúde parte na causa.
Substancialmente, não se divisa, pois, qualquer afronta a princípios com dignidade constitucional.
Por outro lado, não pode o recorrente aguardar o desfecho da perícia e do julgamento em primeira e segunda instâncias para, só depois, vir suscitar a questão da inconstitucionalidade do artigo 493.°, n.° 3, do Código de Processo Civil, por alegada ofensa a princípios tributários do processo justo e equitativo. Se o artigo é inconstitucional, devia ter suscitado a questão logo que ela se colocou no processo. Não o tendo feito, nem tendo, aliás, requerido segunda perícia, ficou ultrapassada, porque firmada com trânsito, a matéria da prova pericial, que, salvo melhor juízo, não pode agora ser repristinada por via de uma suposta inconstitucionalidade do artigo 493.°, n.° 3, do Código de Processo Civil.
De resto, a norma em questão não padece de desconformidade com aqueles preceitos da Lei Básica e do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, pois o ordenamento processual civil contém os mecanismos adequados a prevenir situações de possível imparcialidade na produção de prova pericial e da sequente diminuição de garantias do processo justo e equitativo. Desde logo, os motivos de impedimento e suspeição, que as partes podem suscitar e sindicar e que, como já referido, não ocorrem no caso em escrutínio. Depois, a possibilidade de reclamação contra o relatório pericial. Ainda, a hipótese de requerimento de segunda perícia. E, por fim, a viabilidade de fazer comparecer o perito em audiência, para esclarecimento, sob juramento, do seu laudo pericial. Ao que tudo acresce que, nos termos do artigo 383.° do Código Civil, a força probatória da perícia é fixada livremente pelo tribunal.
Em conclusão, e ante o exposto, não se divisa a ocorrência de qualquer obstáculo relevante à nomeação dos peritos que intervieram na acção, não foi posto em causa o processo justo e equitativo postulado pelos artigos 36.° da Lei Básica e 14.° do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, o artigo 493.° do Código de Processo Civil não padece de insconstitucionalidade e, ainda que esse fosse o caso, não suscitou o recorrente, em devido tempo, a questão da conformidade de tal normativo com os preceitos da Lei Básica e do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos.
Estas, em suma, as razões por que o recurso deve improceder”; (cfr., fls. 2475 a 2476-v).
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Adequadamente processados os autos, cumpre apreciar.
Fundamentação
2. Como resulta do que até aqui se deixou relatado, com o presente recurso opõe-se o ora recorrente à “perícia” efectuada nos presentes autos, suscitando – em síntese – questões relativas à “integridade dos peritos” e “genuinidade do seu resultado”.
Esta “matéria” foi assim apreciada pelo Tribunal de Segunda Instância:
“Neste recurso são as seguintes questões que importa analisar e decidir:
- A sentença recorrida violou ou não o disposto nos artigos 493º/1, 492º/1, 316º/1-e) e 495º/2 do CPC, por os peritos médicos nomeados estarem numa situação de impedimento e como tal não podiam desempenhar tais funções:
- Veio a impugnar as respostas dadas aos factos constantes dos artigos 2º a 5º, 26º, 27º, 33º.
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Comecemos pela primeira questão.
Estão em causa os despachos de 25/11/2016, 06/02/2016, e 9/03/2017, constantes de fls. 1777, 1785 e 1812, que têm o seguinte teor respectivamente:
Fls. 1713 a 1714 e o seu v. : Vista
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Fls. 1710 a 1711 e 1715 a 1773: Vista.
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Fls. 1712:
Quanto ao pedido do autor de nomear um perito médico residente fora de Macau (Dr. C, Vice-Presidente do Hospital da Cirurgia de Tumores da Universidade de Su Zhou, Director do Serviço da Cirurgia, Chefe do Gabinete de Ensino e Estudo da Cirurgia, Professor da Cirurgia a 3ª nível, membro especializado da Comissão de Perícia de Deficiência de Shang Hai), o autor limitou-se a dizer vagamente que não há médico privado adequado do Território para ser nomeado como perito médico.
Nos termos do artigo 495.° n.° 2 do Código de Processo Civil: “O juiz só pode nomear peritos de fora quando os não haja em Macau com a idoneidade técnica necessária.” Tendo em conta que o teor da perícia em causa tem a ver com os conhecimentos especializados da cirurgia cerebral, para saber melhor a situação de forma a apreciar o pedido do autor de nomeação do referido perito médico, e para o Tribunal conhecer os médicos registados especialistas de Macau de forma a nomear o 3.º perito médico nos termos do art.º 490.º n.º 4 do Código de Processo Civil, é ordenado o 2º réu a oferecer dentro de 10 dias a lista dos médicos registados especialistas de Macau e o seu domicílio profissional.
Notifique e D.N..
Fls. 1780:
O autor não se pronunciou-se sobre a nomeação de perito médico depois de ter sido notificado da lista dos médicos, oferecida pelo 2º réu, portanto, nos termos do art.º 490.º n.º 6 do Código de Processo Civil, o Tribunal decide nomear o Dr. D e o Dr. E, médicos especialistas do Centro Hospitalar Conde de São Januário, como peritos médicos do processo.
Nos termos dos art.º 501.º n.º 1 e art.º 502.º n.º 1 do Código de Processo Civil, os peritos médicos vão prestar juramento às 16H00 em 10 de Março de 2017.
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Fls. 1783 e 1784: Vista
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Notifique e D.N..
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Fls. 1791 a 1793, 1806 a 1809 e 1810 a 1811:
Sendo notificado do despacho de nomeação dos peritos médicos, constante da fls. 1785 dos autos, o autor indicou que os dois peritos médicos nomeados, Dr. D e Dr. E, são subordinados do 1º réu, e é inadequado nomear para realizar a perícia os médicos especialistas do Centro Hospitalar Conde de São Januário, que é subordinado do 2º réu, fazendo acreditar que os 2 peritos médicos têm um interesse que permita aos 2 réus ser parte principal, portanto, pediu dispensar os 2 peritos médicos referidos do exercício da função.
Os 2 réus replicaram o pedido do autor e pediram rejeitá-lo.
Como indicaram os 2 réus, o Tribunal já fez justificação no despacho constante da fls. 1785, o autor não se pronunciou-se sobre a nomeação de perito médico depois de ter sido notificado da lista dos médicos, oferecida pelo 2º réu (da qual consta a entidade patronal dos médicos, todos prestam serviço nos Serviços de Saúde excepto o Dr. F nomeado). Por isso, nos termos do art.º 493.º n.º 1 do Código de Processo Civil, não se pode entender que o autor só conheceu que os 2 peritos médicos são funcionários do 2º réu (Serviços de Saúde) após a prolação da decisão de nomeação.
Além disso, nesta causa trata-se da questão de saber se se verifica ou não a violação do preceito legal ou do princípio, ou da respectiva norma profissional da técnica médica e da rotina médica na actividade médica disponibilizada pelo 1º Réu ao Autor, e se a 2ª Ré, como pessoa colectiva pública do 1º Réu, necessita ou não de assumir a responsabilidade civil extracontratual proveniente do acto ilícito a provar. Deste modo, só por dois peritos médicos exercerem funções no Centro Hospitalar Conde de S. Januário e por 1º Réu ser director do Centro Hospitalar Conde de S. Januário, não se demonstra que esses dois peritos médicos tenham interesse igual ao dos dois Réus como parte principal, e também isso não leva as pessoas a duvidarem fundadamente que, devido à relação em apreço, os dois peritos médicos não exerçam, sincera e autonomamente, as suas funções periciais consoante os seus conhecimentos profissionais e deontologia (cfr. o n.º 1 do art.º 492º e a alínea a) do n.º 1 do art.º 316.º do Código de Processo Civil).
E mais, a lei não considera expressamente a referida situação como obstáculo à nomeação de perito, até indica que “O juiz só pode nomear peritos de fora quando os não haja em Macau com a idoneidade técnica necessária.” (cfr. o artigo 495.° n.° 2 do Código de Processo Civil)
Face ao expendido, e nos termos do artigo 493.° n.° 1 do Código de Processo Civil, este tribunal indeferimos o pedido do autor.
Custas do deste incidente pelo Autor, com taxa de justiça que se fixa em 2 UC, delas o mesmo estar dispensado por lhe ter sido concedido o apoio judiciário.
(cfr. nos termos do artigo 2.° Lei n.º 13/2012, Regime geral de apoio judiciário)
Notifique e D.N..
Todos estes despachos foram notificados ao patrono do Recorrente/Autor e aos mandatários dos Réus (fls. 1778 a 1790).
Nomeados os 2 médicos do CHSJ, o Recorrente veio a impugnar o despacho de nomeação com os seguintes argumentos:
1. Os 2 peritos nomeados pelo Tribunal são médicos em serviço do CHSJ.
2. Conforme a estrutura organizacional do CHSJ, os médicos trabalham observando as instruções legais do superior e exercem as funções segundo os regulamentos do Hospital e o Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau.
3. O resultado da classificação anual dos médicos são consideravelmente importantes para o seu cargo, influencia directamente a carreira profissional e as oportunidades de trabalho dos classificados quer na renovação ou cessação do contrato quer na promoção.
4. O 1º réu é o Presidente do CHSJ, sendo o líder mais superior, os seus poderes podem influenciar directa ou indirectamente a carreira profissional de todos os médicos subordinados em serviço.
5. Os 2 peritos nomeados são subordinados do 1º réu, se tiverem realizado a perícia sobre a conduta de tratamento do líder mais superior, pronunciada por causa do erro médico, surgirá necessariamente conflito de interesse.
6. O 2º réu é uma pessoa colectiva pública, é parte do processo, é indevido e inadequado no sentido jurídico que se realize a perícia pelos médicos especialistas do órgão da mesma pessoa colectiva pública.
7. Para o autor, outra parte do processo, é difícil garantir a sua igualdade e a justiça no presente processo civil.
Artigo 492.º
(Obstáculos à nomeação dos peritos)
1. É aplicável ao perito o regime de impedimentos e suspeições que vigora para os juízes, com as necessárias adaptações.
Artigo 311.º
(Casos de impedimento do juiz)
1. O juiz está impedido de exercer as suas funções quando:
a) Seja parte na causa, por si ou como representante de outra pessoa, ou quando nela tenha um interesse que lhe permitisse ser parte principal;
8. Os 2 peritos, que se pede ser dispensados do exercício da função, objectivamente levam as pessoas a acreditar que têm um interesse que permita aos 1º e 2º réus ser parte principal. (fls. 1791 a 1793)
Na sequência disto, foi proferido o despacho de fls. 1812, do qual o Recorrente não veio a recorrer!
O artigo 493º (Verificação dos obstáculos à nomeação) do CPC estipula:
1. As causas de impedimento, suspeição e dispensa do exercício da função de perito podem ser alegadas pelas partes e pelo próprio perito designado, consoante as circunstâncias, dentro do prazo de 10 dias a contar do conhecimento da nomeação ou, sendo superveniente o conhecimento da causa, nos 10 dias subsequentes; e podem ser oficiosamente conhecidas até à realização da diligência.
2. A escusa a que se refere o n.º 3 do artigo anterior é requerida pelo próprio perito, no prazo de 5 dias a contar do conhecimento da nomeação.
3. Das decisões proferidas sobre os obstáculos à nomeação dos peritos não cabe recurso.
Discordando da conclusão dos peritos, o Recorrente podia lançar mão de nova peritagem com recurso a outros peritos e juntando com este recurso novo relatório, não o tendo feito, subsiste o relatório anterior que serve para a base da decisão.
Por ora, o Tribunal não dispõe de outros elementos para sustentar uma conclusão diferente”; (cfr., fls. 49 a 56 do Apenso).
Aqui chegados, “quid iuris”?
Cremos que a decisão recorrida não merece censura, sendo, aliás, evidente a falta de (qualquer) razão do ora recorrente, bastando, para isso, atentar-se no considerado no douto Parecer do Ministério Público que dá cabal resposta ao recurso, e que, dada a sua clareza e acerto, (e por economia processual), aqui se adopta como fundamentação da decisão que a final se irá proferir, não se deixando, porém, de consignar o que segue.
Antes de mais, cabe notar que o ora recorrente não reagiu oportunamente ao despacho do Mmo Juiz do Tribunal Administrativo que nomeou os peritos, apresentando-se-nos até que, o que agora alega a este respeito, raia a má-fé processual…
Por sua vez, importa atentar que o mero facto de os “peritos” em questão serem profissionais de saúde que prestam serviços no Centro Hospitalar Conde de São Januário não os torna, (imediata e necessariamente), inabilitados, incapazes ou impedidos para o exercício de tais funções, pois que não se pode esquecer que, nos termos do art. 491 do C.P.C.M.:
“1. O perito é obrigado a desempenhar com diligência a função para que foi nomeado, podendo o juiz condená-lo em multa quando infrinja os deveres de colaboração com o tribunal.
2. O perito pode ser destituído pelo juiz se desempenhar de forma negligente a tarefa que lhe foi cometida, designadamente quando não apresente ou impossibilite, pela sua inércia, a apresentação do relatório pericial no prazo fixado”.
Na verdade, após “nomeação”, o perito torna-se um “assistente do Tribunal”, auxiliando-o na percepção e esclarecimento de (determinada) matéria com (alguma) complexidade e para a qual se exigem conhecimentos específicos, cabendo-lhe o dever de “colaborar com – diligência com – o Tribunal”, podendo ser condenado em multa caso infrinja tal dever, podendo, também, ser (mesmo) destituído em caso de negligência, não bastando meras “alegações” para se questionar a sua integridade para efeitos de se por em causa a decisão do Tribunal.
Ora, no caso, os “trabalhos periciais” decorreram com toda a normalidade, nenhum incidente tendo sido suscitado, nenhum sentido fazendo o que (agora) alega o ora recorrente, que em concreto, não aponta um (só) motivo para se admitir sequer que razoável seria outra solução.
De facto, a se entender em sentido inverso, e assim, que estariam impedidos, (com a consequente invalidade da prova), pelo simples facto de serem “médicos do C.H.C.S.J.”, então (também) nenhum superior hierárquico de um arguido em processo disciplinar podia desempenhar funções de instrutor, (e por aí fora…), sabendo-se, claramente, que tal não corresponde à verdade, não sendo esta a real vontade legislativa.
Por fim, também não se pode deixar de ter presente que, nos termos do art. 383° do C.C.M.: “A força probatória da perícia é fixada livremente pelo tribunal”.
In casu, e como se vê, nem o recorrente aponta um (só) motivo para não ter como adequada a decisão do Tribunal nesta matéria, nenhum motivo se vislumbrando também assim para não se confirmar o decidido, com a – aqui sim – necessária e imperativa improcedência do presente recurso.
Decisão
3. Nos termos e fundamentos que se deixam expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com a taxa de justiça de 6 UCs, (não tendo que as suportar enquanto beneficiar da isenção concedida).
Registe e notifique.
Macau, aos 22 de Julho de 2020
Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei
Proc. 49/2020 Pág. 4
Proc. 49/2020 Pág. 3