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Processo nº 34/2019 Data: 11.03.2020
(Autos de recurso civil e laboral)

Assuntos : Reconvenção, (contra autor e terceiro).
Pressupostos.
Intervenção principal provocada.



SUMÁRIO

1. O pedido reconvencional constitui uma espécie de “contra-acção”, (ou “acção cruzada”), em que existe um pedido autónomo formulado pelo R. contra o A.: à acção proposta pelo A. contra o R., responde este com outra “acção” proposta contra aquele.

2. Atento o estatuído no art. 218°, n.° 1, al. a) do C.P.C.M. a reconvenção é admissível “quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa”.

3. Verificando-se que no seu pedido de condenação, alega o autor “incumprimento contratual” do réu, e se no pedido reconvencional deste, alegado estiver que nulo é o acordado por “simulação” entre o autor e terceiro que em sua representação celebrou o contrato, verificado está o pressuposto referido na al. a) do n.° 1 do referido art. 218°.

4. Assim, deve ser admitido o pedido reconvencional pelo réu deduzido contra o autor e o “terceiro”, desde que (tempestivamente) requerida a sua intervenção principal provocada.

O relator,

José Maria Dias Azedo




Processo nº 34/2019
(Autos de recurso civil e laboral)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. “A”, (“甲”), sociedade comercial por quotas, com sede em Macau, instaurou no Tribunal Judicial de Base, acção declarativa com processo ordinário, (Proc. n.° CV3-16-0063-CAO), contra “B”, (“乙”), pedindo a condenação desta no pagamento de uma indemnização, a título de cláusula penal, no valor de HKD$20.006.000,00, equivalente a MOP$20.606.180,00; (cfr., fls. 23 a 27 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Regularmente citada, a R. contestou, excepcionando a “nulidade do contrato” por simulação, bem como o seu “não cumprimento”, deduzindo, também, reconvenção contra a A. e C, aliás, C1 (丙); (cfr., fls. 73 a 78).

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A A. deduziu réplica, (cfr., fls. 82 a 90), a que se seguiu a tréplica da R., onde deduziu pedido de intervenção principal provocada da dita C.

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Oportunamente, conclusos os autos ao Mmo Juiz do Tribunal Judicial de Base titular do processo, decidiu-se não admitir a “reconvenção” pela R. deduzida, indeferindo-se o requerido “chamamento de C”; (cfr., fls. 47 a 48).

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Em sede do recurso pela R. interposto, proferiu o Tribunal de Segunda Instância o Acórdão de 17.05.2018, (Proc. n.° 686/2017), onde, julgando-se o mesmo procedente, admitiu-se o aludido pedido de intervenção principal provocada assim como o pedido reconvencional; (cfr., fls. 126 a 137-v).

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De assim decidido, vem agora a A. recorrer, concluindo as suas alegações nos termos que se passa a transcrever:

“A. Vem o presente recurso interposto do acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância em 17 de Maio de 2018, que decidiu deferiu o pedido reconvencional e, bem assim, o pedido de intervenção principal provocada de C, ambos deduzidos pela aí Recorrente, ora Recorrida, nos presentes autos – decisão com a qual não concorda a Autora, ora Recorrente;
B. A decisão do Tribunal a quo revela uma errada aplicação e interpretação da lei processual aos factos carreados para os autos, bem como um entendimento desvirtuado da lei substantiva, motivos pelos quais deve a sobredita decisão colectiva ser revogada e, consequentemente, reposta a decisão do Tribunal Judicial de Base, no sentido da improcedência do pedido reconvencional e do pedido de intervenção principal provocada formulados pela ora Recorrida;
C. Uma das questões controvertidas em discussão nos presentes autos neste reconduz-se à correcta e concreta aplicação do requisito substantivo constante da norma do artigo 218.º, n.º 2, alínea a) do CPC, isto é, à admissibilidade (ou não) da formulação do pedido reconvencional, quando o pedido do réu emirja [ou não] do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa;
D. A matéria da admissibilidade do pedido reconvencional se encontra regulamentada no artigo 218.º do CPC, donde resulta que i) o pedido reconvencional terá ser dirigido contra o Autor (n.º 1 do artigo) e, por outro lado, ii) que a formulação de tal pedido não é livre no âmbito de uma acção existente, antes estando dependente da observância de requisitos de natureza substantiva (n.º 2 do artigo);
E. Quanto à primeira questão, o Tribunal a quo pronunciou-se no sentido de ser admissível o pedido reconvencional deduzido contra terceiro não parte da lide, estribando-se na analogia entre o sistema jurídico de Macau e o de Portugal – mas de forma errada, salvo melhor opinião;
F. Com efeito, a analogia com o homólogo diploma legal existente em Portugal não poderá ser admitida porquanto, desde logo, não há nenhuma norma no ordenamento jurídico de Macau como a que apresenta o art.º 274.º, n.º 4 do CPC português, nos termos da qual se preceitua expressamente a possibilidade de pedido reconvencional contra terceiros que não fazem parte dos autos:
G. É certo que a doutrina local para que o Tribunal a quo aponta parece sugerir tal possibilidade, mas apenas uma leitura apressada poderia desembocar em tal conclusão, porquanto aí apenas se fala de soluções legais de iure constituendo e não de iure condendo;
H. Ou seja, as inovações a que a doutrina local se refere pertencem à realidade do direito a porvir, mas nunca do actual, sendo errado o entendimento de que se poderá aplicar ao direito de Macau uma solução que não existe no seu direito vigente;
I. Assim, uma aplicação do direito no sentido da admissibilidade da reconvenção contra alguém mais que não o autor, configurará uma autêntica interpretação extensiva, contemplando casos que expressamente não constam do elenco legal referido no n.º 1 do artigo 218.º do CPC;
J. Ao decidir assim, o Tribunal a quo substituiu-se ao papel do legislador e sacrificando o conteúdo da supracitada norma do CPC em prol de um entendimento, repita-se, manifestamente não compreendido no ordenamento jurídico-legal de Macau;
K. É certo que o Tribunal a quo refere que, mesmo antes de a actual versão ser consagrada em Portugal, era esse o entendimento. Contudo, não se pode olvidar que, tendo essa alteração ocorrido em 1996, jamais foi a mesma acolhida na RAEM, donde se pode concluir que houve uma opção legislativa-legal de manter o regime então vigente e alterada até agora no ordenamento jurídico local em matéria de pedido reconvencional;
L. Ainda que assim não se entenda, sempre se dirá que tal pedido implicará o chamamento por via do incidente da intervenção principal provocada, contanto que se processe de acordo com as regras expressamente previstas para a intervenção principal provocada – o que não sucede in casu;
M. Ademais, não pode, de modo algum, acolher-se o entendimento professado pelo Tribunal a quo relativamente à admissibilidade da reconvenção nos presentes autos, com fundamento no artigo 218.º, 2, alínea a) do CPC, em conformidade, aliás, com os ensinamentos professados pela doutrina;
N. Com efeito, nos termos da alínea a), do número 2 do artigo 218.º do CPC, a reconvenção é admissível “a) Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa”, ou seja, exige-se que exista uma conexão material entre o pedido da Autora e da Ré, de forma a que tanto a acção como a reconvenção se fundamente no mesmo facto jurídico;
O. Neste domínio, é inteiramente pacífico na doutrina e jurisprudência, locais e de outros ordenamentos jurídicos similares ao de Macau, que a expressão “quando o pedido do réu emirja do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa” deverá ser entendida como a causa de pedir, pelo que é, assim, despropositado falar-se em reconvenção quando não se logra uma certa compatibilidade com a causa de pedir do autor;
P. Ora, os assertos da Recorrida relativamente aos factos carreados à lide, foram astuciosamente seleccionados, de tal forma que esta considera-se “causa o facto jurídico que serve de fundamento à acção, e que, a par disso, a reconvenção só é admissível quando os pedidos da acção e da reconvenção são oriundos da mesma causa”.
Q. Contudo, não há dúvidas – como a mesma vem posteriormente a afirmar – que o objecto do litígio do caso resulta da celebração de dois contratos de fornecimento de alojamentos em hotel;
R. Também não existem dúvidas que o pedido inicial formulado pela Autora, ora Recorrente, e o pedido de reconvenção submetido pela Ré, ora Recorrida, tem origem nos referidos contratos de fornecimento de alojamentos em hotel;
S. Destas premissas, contudo, não devemos precipitar a conclusão retirada pela aqui Recorrida, suportado, na verdade, num raciocínio falacioso, e portanto em nada correspondente com a verdade dos factos que fundamentam a admissibilidade da reconvenção à luz da supracitada disposição legal;
T. É que, nas considerações da aqui Recorrida, fica por se dizer o mais importante, preto no branco, ou seja, que as causas de pedir da ora Recorrente e da ora Recorrida são distintas: enquanto que a causa de pedir da Recorrente consiste na celebração de dois contratos de fornecimento de quartos validamente celebrados entre a Autora, ora Recorrente, e a Ré, ora Recorrida, a causa de pedir subjacente ao pedido reconvencional da Recorrida tem por fundamento a celebração de um contrato de mútuo entre a Autora, ora Recorrente, e C;
U. Daí que o pedido formulado na acção e o que foi apresentado na reconvenção não sejam, de todo, oriundos da mesma causa, do mesmo facto jurídico, o que, tendo em conta que foi este o argumento central na construção de toda a defesa da Ré, ora Recorrida, torna duplamente inadmissível o deferimento do pedido por si formulado;
V. Em suma, tal como é entendimento maioritário da jurisprudência de Portugal, para além do pedido reconvencional se ter que fundar na mesma causa de pedir do pedido dos Autor, ele deve “brotar” naturalmente da defesa apresentada pela Reconvinte, ora Recorrida, contanto que não se esgote nela.
W. Ademais, não é de um qualquer ponto de contacto entre o objecto da lide in casu e o pedido reconvencional deduzido pela Recorrida que podemos dar por suficiente a consignação dos pressupostos avançados pela Recorrida àqueloutros espelhados pelo art.º 218.º, n.º 2, al. a) do CPC;
X. Posições, de resto, igualmente contrapostas em termos de pedidos: a primeira persiste no pagamento da indemnização da Recorrida à Recorrente, a título de cláusula penal, ao passo que a segunda se apega à nulidade do contrato, por entender que existe simulação entre a Recorrente e C, e consequente enriquecimento sem causa;
Y. A este propósito, importante é referir que o pedido de reconvenção da Recorrida dirigiu-se exclusivamente contra a referida C, ainda que tal pedido tenha sido formalmente dirigido contra a Autora, ora Recorrente, e a Sra. C1;
Z. Ademais, note-se que o próprio pedido é diferente. Com efeito, se retomarmos os factos carreados aos autos até à tréplica, verificamos que a ora Recorrente, então Autora, e a ora Recorrida, então Ré, reconheceram muita da factualidade adiantada;
AA. Desde logo que celebraram validamente dois contratos de fornecimento de alojamentos em hotel, tendo a primeira procedido aos pagamentos devidos à luz daqueles contratos e a segunda, na pessoa da sua gerente-geral (tal como expressamente admitido pela Ré, ora Recorrida, no artigo 27.º da sua reconvenção), dado quitação de tais montantes;
BB. Seguidamente, que tais contratos de fornecimento de alojamentos em hotel foram sido cumpridos até meados de Dezembro de 2015, sendo que durante todo esse período, a Ré, ora Recorrida, forneceu à Autora, ora Recorrente, um total de 84275 (oitenta e quatro mil duzentos e setenta e cinco) alojamentos de um total de 120000 (cento e vinte mil) alojamentos acordados, até ter deixado de os fornecer nos finais do ano de 2015;
CC. Perante tal recusa de fornecimento, a Autora, ora Recorrente, lançou mão da presente acção, a qual teve como fundamento, assim, o incumprimento parcial de contratos de fornecimento por parte da Ré, ora Recorrida, sendo o respectivo pedido o pagamento de uma indemnização com base na cláusula penal constante dos referidos contratos;
DD. Por sua vez, a reconvenção deduzida pela ora Recorrida teve como fundamento a existência de alegados contratos de empréstimo, os quais, ademais, esta configura entre a Autora, ora Recorrida, e a Sra. C1, sendo o respectivo pedido o pagamento, a título de enriquecimento sem causa, do montante correspondente aos alojamentos fornecidos à Autora pela Sra. C1;
EE. De facto, como pode a Recorrida concluir pelo enquadramento da norma em apreço à conclusão por si formulada, quando as causas de pedir, os pedidos, e mesmo as partes que serviram de fundamento à sua defesa são em tudo diferentes daqueles que deram origem à acção intentada pela Recorrente?
FF. Tudo o que torna evidente e sem qualquer margem para dúvidas a conclusão de que não existe qualquer nexo entre o pedido da reconvenção e o da acção e a posição da defesa, tratando-se ao invés de uma questão distinta, a qual merecerá tratamento em sede própria, que não em reconvenção;
GG. Em resumo, não merece provimento a admissibilidade da reconvenção, por se tratar de um pedido absolutamente inadmissível, traduzido numa aplicação errada do direito à questão submetida a julgamento, pelo que deverá a decisão do Tribunal a quo neste ponto ser revogada, mantendo-se a decisão do Tribunal Judicial de Base que havia decidido pela não admissão do pedido reconvencional nos presentes autos;
HH. A par do que vem a ser dito, é também ponto assente que não só não pode C ser objecto de pedidos contra ela nos presentes autos, como evidentemente não poderá ela vir a ocupar a posição de reconvinda através da intervenção principal provocada, ao contrário do que decidiu o Tribunal a quo, com o que não se pode concordar;
II. Primus, porquanto a norma que sustenta o chamamento de C1 em sede de reconvenção, na qualidade de co-autora, é inexistente em Macau, conforme se tornou já claro pela linha argumentativa supra aduzida;
JJ. Secundus, porquanto é inaplicável ao caso sub judice a norma do artigo 267.º do CPC, dada a dissemelhança da posição de C relativamente à da Recorrente ou da Recorrida, bem como a sua falta de interesse próprio da mesma no caso vertente;
KK. Finalmente, porque a decisão do TSI de deferimento da intervenção principal incorre em claro errore in judicando, uma vez que a alegada dedução implícita em reconvenção e a sua alegação autónoma em sede de tréplica são ambas inadmissíveis, devendo dessarte ser restabelecida a decisão correctamente arrazoada pelo TJB;
LL. Ora a confusão de conceitos e o desrespeito pelos requisitos e formalidades legalmente previstas para o chamamento são óbvios e não podem, de forma alguma, escapar ao crivo deste Tribunal de Última Instância;
MM. Em sede de alegações de recurso, a Recorrente, ora Recorrida, defendeu que deduziu, de forma implícita, o incidente de intervenção principal provocada na reconvenção – alegações totalmente falsas como resulta dos artigos 267.º e 268.º do CPC, nos termos dos quais se exige, por um lado, que o chamamento seja alegado com causa alegada e correspondente justificação, e outrossim que a intervenção de terceiros seja realizada, por outro lado, em articulado ou requerimento autónomos;
NN. O incidente de intervenção provocada, por mais que a ora Recorrida o deseje, não se faz por operação de osmose entre o pedido pretendido e aquela instância superior, devendo tal pedido ser dirigido expressis verbis, em obediência aos termos prescritos pela lei, pelo que jamais se poderia aceitar um pedido de intervenção implícito, em sede de reconvenção;
OO. Por outro lado, não há cabimento legal para o chamamento na medida em que o terceiro chamado não é parte na relação material controvertida, tal como configurada pela Autora, ora Recorrente;
PP. Aliás, a Recorrida, de forma pouco clara e habilidosa, procura enxertar nos autos uma nova acção, sem qualquer conexão com aqueloutra apresentada pela ora Recorrente – como já se demonstrou –, pretendendo chamar à lide, através do instituto da intervenção principal provocada, para figurar como parte principal ao lado da Autora, ora Recorrente, uma pessoa totalmente estranha à relação material controvertida, nem com qualquer outra relação conexa com aquela – algo inadmissível em face das regras jurídico-processuais vigentes, mormente os arts. 262.º e 263.º do CPC, dos quais resulta que o interveniente principal irá assumir uma posição paralela às partes primitivas, e nunca uma nova – a qual implicará sempre uma demanda distinta, nova e autónoma;
QQ. O que a ora Recorrida pretendeu foi a de, mediante o alargamento ilegítimo do campo de aplicação da figura da intervenção de terceiros, introduzir nos autos iniciais uma nova acção, solução totalmente infirmada pelas disposições legais aplicáveis in casu;
RR. A doutrina e jurisprudência local e portuguesa defendem que a figura da intervenção principal é caracterizada pela igualdade ou paralelismo do interesse do interveniente com o da parte a que se associa;
SS. Da leitura conjunta dos factos carreados à lide e dos elementos aqui expostos, resulta claramente que a chamada, C, foi meramente instrumental na celebração dos contratos entre a Recorrente e a Recorrida, competindo-lhe um papel de mera representante – e nada mais – da Recorrida – facto, aliás, bem conhecido e reconhecido tanto pela Recorrida como do próprio Tribunal a quo;
TT. Mais se diga que a ora Recorrida não logrou, em qualquer momento das suas alegações de recurso, identificar minimamente a causa do chamamento ou sequer justificar o interesse que, através do mesmo, pretende acautelar;
UU. E não o fez porque tal não era possível, na medida em que no caso sub judice o incidente de intervenção de terceiros não poderá ser manifestamente atendível;
VV. É isento de dúvidas que a ora Recorrida não pode, a pretexto da intervenção principal provocada, chamar um terceiro titular de uma relação jurídica material completamente distinta da causa principal;
WW. Apesar de o Tribunal a quo ter assumido que a intervenção de C na causa era a única forma de a associar à Autora, ora Recorrente, com o intuito de ver declarados nulos os contrato de fornecimento dos alojamentos em hotel, há que dizer que tanto a causa de pedir como o pedido que a aqui Recorrida pretende fazer valer são totalmente distintos daqueles contidos nos presentes autos, donde resulta, pelas razões já identificadas, a inadmissibilidade do pedido de intervenção principal provocada;
XX. Sendo certo que o interveniente principal, espontâneo ou provocado, vai assumir uma posição paralela a uma das partes primitivas, e já não uma nova posição, é inegável que a assumpção de uma nova posição implicará, destarte, uma nova e autónoma demanda;
YY. Nos presentes autos, é evidente que a posição a ser assumida na lide pelo terceiro interveniente chamado pela Ré, ora Recorrida, não seria o de co-réu ou co-autor, com um interesse paralelo a uma das partes, mas, outrossim, um interesse e posição contrapostos ao das partes primitivas;
ZZ. Pelo que, em suma, o interessado cujo chamamento a Recorrida requer não tem “direito a intervir na causa”, à luz da distinta natureza das relações jurídicas em causa e das posições contrapostas das partes e, destarte, não se encontra justificado o chamamento de C à causa na medida em que da sua intervenção no processo rigorosamente nenhum proveito ou prejuízo esta irá colher da decisão que venha a ser proferida sobre o mérito da causa;
AAA. Para além disso, é manifesta a inexistência dos pressupostos indicados nos artigos 60.º e 61.º do CPC, referentes ao instituto do litisconsórcio, o que inviabiliza processualmente a intervenção da C, nem tampouco a título de coligação, como facilmente se percebe, porquanto a coligação passiva não é possível para efeitos da intervenção principal provocada;
BBB. Ou seja, tendo defronte duas relações jurídicas distintas, não se pode, legalmente por razões de conveniência – como pretende fazer valer a Recorrida e o Tribunal a quo parece dar cobertura, admitir a intervenção;
CCC. Somente uma obediência despropositada aos princípios da celeridade e da economia processual e um entendimento desvirtuado das regras jurídico-processuais permitirá à Recorrida fazer valer, com sucesso, uma intervenção por si engendrada e sem qualquer ligação com a relação jurídica material primitiva, conforme configurada pela Autora, ora Recorrente;
DDD. Convenhamos que o princípio da economia processual tem limites legais que não podem ser ultrapassados apenas porque uma das partes entende que um terceiro há-de ser chamado à demanda, mesmo quando, como sucede in casu, não haja qualquer ligação com a relação jurídica material primitiva;
EEE. De resto, tal como afirmado pela jurisprudência citada, há que concluir que o fundamento da intervenção principal provocada não é o de substituir a Ré (e ora Recorrida) por quem ela entende ser a responsável, pois é à Autora (ora Recorrente) e não àquela que cabe a configuração da relação material controvertida, pelo que, assim, não existe qualquer fundamento legal para o acolhimento do pedido de intervenção principal provocada deduzido pela Recorrida, pois que, face à total inexistência de interesse paralelo do terceiro para intervir na causa, jamais aquele seria admissível;
FFF. Em conclusão, face à ausência decisiva de fundamentos legais nos presentes autos que sustentem a decisão que admitiu o pedido de intervenção provocado pela Recorrida, deve o Tribunal ad quem revogar aquela decisão do Tribunal a quo, devendo em consequência ser mantida a decisão do TJB, que julgou inadmissível o pedido reconvencional e o pedido de intervenção provocada formulados pela Ré, ora Recorrida.
(…)”; (cfr., fls. 148 a 166).

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Após contra-alegações da R., pedindo a improcedência do recurso, (cfr., fls. 173 a 179-v), vieram os autos a esta Instância.

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Corridos os vistos dos Mmos Juízes-Adjuntos, vieram à conferência.

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Passa-se a decidir.

Fundamentação

2. Insurge-se a A. contra o decidido no Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, pedindo a sua revogação com a consequente manutenção da decisão antes proferida pelo Tribunal Judicial de Base.

Como resulta do relatado, o Tribunal Judicial de Base não admitiu a reconvenção pela R. deduzida, indeferindo o chamamento de C, e tendo o Tribunal de Segunda Instância invertido tal decisão, pretende a A., ora recorrente, que se revogue o assim decidido para ficar a valer a primeira destas decisões.

Porém, analisados os autos, ponderada a fundamentação pelo Tribunal de Segunda Instância exposta no seu Acórdão, e tendo presente os argumentos pela recorrente invocados para justificar o pedido que deduz, somos a concluir que bem andou o Tribunal recorrido, nenhuma censura merecendo a decisão que proferiu.

Vejamos.

–– Comecemos pela (admitida e agora contestada) “reconvenção”.

Nos termos do art. 218° do C.P.C.M.:

“1. O réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor.
2. A reconvenção é admissível nos seguintes casos:
a) Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa;
b) Quando o réu se propõe obter a compensação ou tornar efectivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida;
c) Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.
3. Não é admissível a reconvenção, quando ao pedido do réu corresponda uma forma de processo diferente da que corresponde ao pedido do autor, salvo se a diferença provier do diverso valor dos pedidos ou o juiz a autorizar, nos termos dos n.os 3 e 4 do artigo 65.º, com as necessárias adaptações.
4. A improcedência da acção e a absolvição do réu da instância não obstam à apreciação do pedido reconvencional regularmente deduzido, salvo quando este seja dependente do formulado pelo autor”.

Atento o assim estatuído, diz a recorrente que não se podia admitir o pedido reconvencional contra C, dada a sua qualidade de “terceiro”.

Porém, a questão não pode (apenas) ser equacionada com base na “letra” do transcrito art. 218°.

Aliás, o Acórdão recorrido, fazendo referência a abundante doutrina, justifica, clara e cabalmente, a razão de facto e de direito da sua decisão, sendo de subscrever o que aí considera que se tem como correcto e adequado.

Com efeito, importa chamar à colação o instituto da “intervenção principal provocada” consagrado no art. 267° do C.P.C.M., onde, no seu n.° 1, se prescreve que: “Qualquer das partes pode chamar a juízo os interessados com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária”.

E, nesta conformidade, (totalmente) adequada é a observação explanada no Acórdão recorrido no sentido de que “(…) através da intervenção principal provocada, o terceiro requerido passa a assumir a posição de titular de uma situação subjectiva própria, paralela à invocada pelo autor reconvindo, gozando de todos os direitos de parte principal a partir do momento da sua intervenção (…)”.

No caso, e dúvidas não havendo que tempestiva foi a peticionada “intervenção” em questão – em sede da “tréplica”; cfr., art. 268°, n.° 1 do C.P.C.M. – adequada se apresenta a decisão recorrida.

Aliás, pronunciando-se sobre a (mesma) questão, (e citando também vasta doutrina com a mesma relacionada), considera também V. Lima (no seu “Manual de Direito Processual Civil”, 2018, pág. 320 e 321), que:

“Suscitou-se o problema de saber se o pedido que o réu quer fazer reconvencionalmente é de litisconsórcio passivo, pode o réu fazer intervir o litisconsorte do autor ou dele réu.
O caso põe-se com frequência tratando-se de marido e mulher.
A doutrina estava dividida, sendo maioritariamente a favor. A jurisprudência é favorável, em geral.
No Código Português, a reforma processual de 1995/96 solucionou expressamente a questão no sentido afirmativo, dispondo o n.° 4 do artigo 274.°, o seguinte:
“Se o pedido reconvencional envolver outros sujeitos que, de acordo com os critérios gerais aplicáveis à pluralidade de partes, possam associar-se ao reconvinte ou ao reconvindo, pode o réu suscitar a respectiva intervenção provocada, nos termos do disposto no artigo 326.°”.
No Código de Macau não se contém preceito idêntico, mas afigura-se-nos, de acordo com a opinião dominante na vigência do Código de 1961, que nada obsta à reconvenção nos termos indicados”.

Porém, diz ainda a A., ora recorrente, que o decidido colide com o preceituado na al. a) do n.° 2 do art. 218° do C.P.C.M., alegando que “enquanto que a causa de pedir da Recorrente consiste na celebração de dois contratos de fornecimento de quartos validamente celebrados entre a Autora, ora Recorrente, e a Ré, ora Recorrida, a causa de pedir subjacente ao pedido reconvencional da Recorrida tem por fundamento a celebração de um contrato de mútuo entre a Autora, ora Recorrente, e C”, concluindo assim que “não existe qualquer nexo entre o pedido da reconvenção e o da acção e a posição da defesa, tratando-se ao invés de uma questão distinta, a qual merecerá tratamento em sede própria, que não em reconvenção”; (cfr., conclusão T e FF).

Também aqui não se pode reconhecer razão à recorrente, muito não sendo necessário consignar para o demonstrar.

Como sabido é, o pedido reconvencional constitui uma espécie de “contra-acção”, (ou “acção cruzada”), em que existe um pedido autónomo formulado pelo R. contra o A.: à acção proposta pelo A. contra o R., responde este com outra “acção” proposta contra aquele.

Admitindo-se a vantagem de tal “acção cruzada” em prol do princípio da economia processual – já que se dá solução a “várias pretensões num só processo” – e não se ignorando que o referido pedido reconvencional causa também inconvenientes de ordem processual, entendeu-se necessário condicionar a sua admissão à verificação de certos requisitos legais como os previstos no já referido art. 218° do C.P.C.M., sendo pois o que, pelo que já se deixou exposto, se irá proceder em relação ao estatuído na alínea a) do seu n.° 2, e que consiste em saber se o “pedido do R. emerge de facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa”.

E da reflexão que nos foi possível efectuar, de sentido positivo é a nossa resposta.

Com efeito, não se pode olvidar que o pedido de condenação da R. pela A. deduzido assenta em dois “contratos de prestação de alojamento” (ou “fornecimento de quartos”), por parte da R. à A., e que a intervenção de C, tem – precisamente – a ver com a celebração destes (mesmos) dois contratos, no qual teve intervenção pessoal, representando a R. na qualidade de sua directora, e em relação aos quais, considera a R. serem “contratos fictícios” (e “nulos” por serem fruto de “simulação”) entre a A. e a dita C, a fim de encobrir 2 empréstimos em dinheiro que a A. lhe fez, justificando-se, assim, plenamente a “intervenção” em causa, para se (tentar) esclarecer (e eventualmente contrariar) a versão pela R. apresentada no que toca à invocada “nulidade dos contratos”, apresentando-se-nos, desta forma e em face de todo o exposto, de negar provimento ao recurso interposto.

Decisão

3. Nos termos e fundamentos que se deixaram expendidos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente, com a taxa de justiça de 10 UCs.

Notifique.

Macau, aos 11 de Março de 2020


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator) – Sam Hou Fai – Song Man Lei

Proc. 34/2019 Pág. 20

Proc. 34/2019 Pág. 1