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Processo nº 105/2019 Data: 11.03.2020
(Autos de recurso civil e laboral)

Assuntos : Execução.
Oposição por embargos.
Título executivo.
Genuinidade da assinatura do executado.
“Princípio de prova”.
Peritagem.
Suspensão da execução.



SUMÁRIO

1. “Se a execução se fundar em documento particular sem a assinatura reconhecida e o embargante alegar a não genuinidade da assinatura e juntar documento que constitua princípio de prova, pode o juiz, ouvido o embargado, suspender a execução”; (cfr., art. 701°, n.° 2 do C.P.C.M.).

2. Declarada assim suspensa a execução, nada impede que em sede de recurso do decidido, e ainda que pendente esteja uma “peritagem”, se venha a entender que por inexistência de “princípio da prova”, motivos (legais) não existiam para a decretada suspensão.

3. O pedido de “peritagem” por parte do executado não tem efeitos suspensivos.

O relator,

José Maria Dias Azedo




Processo nº 105/2019
(Autos de recurso civil e laboral)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Nos Autos de Embargos de Executado que correm termos por apenso aos de Execução Ordinária no Tribunal Judicial de Base registados com a referência CV2-17-0134-CEO, e em que é exequente “A.”, (“甲”), e executado B (乙), proferiu-se despacho atribuindo-se aos ditos embargos efeito suspensivo da execução; (cfr., fls. 77 dos autos de embargos, que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Do assim decidido recorreu a exequente (embargada), e, oportunamente, por Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 23.05.2019, (Proc. n.° 274/2019), concedeu-se provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida a fim de os autos prosseguirem os seus normais termos; (cfr., fls. 75 a 77-v dos presentes autos de recurso).

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Inconformada com o assim decidido, vem a embargante (executada) recorrer, formulando, a final das suas alegações, o que a seguir se passa a transcrever:

“1. É ao Laboratório de Peritagem Cientifica da Policia Judiciária que compete aferir da falsidade, ou não, das assinaturas da recorrente;
2. Tal peritagem foi tempestivamente requerida pela ora Recorrente e deferida pelo Meritissímo Juiz do Tribunal Judicial de Base.
3. Porém, até ao momento tal peritagem não foi junta aos autos.
4. Como também não foi proferida decisão sobre esse facto, seja no sentido de o julgar provado, seja no sentido de o julgar não provado
5. O exame pericial que se requereu, e que o TJB deferiu, é imprescindível para o apuramento daqueles factos.
6. Os Venerandos Juízes do TSI vieram pronunciar-se sobre a matéria, de exclusiva competência da peritagem requerida à PJ, sem existirem no processo elementos técnicos sobre a mesma.
7. Tal pronúncia corresponde a a um juízo conclusivo que, como tal, não tem pressuposto correspondente na matéria de facto.
8. E, sendo certo, também, que não existe qualquer outra prova onde essa decisão do Tribunal a quo se possa fundamentar.
9. Aliás, é precisamente a falta desses conhecimentos especiais por parte do julgador que está subjacente à realização da perícia (cfr. art. 382° do CC) – por isso, foi determinada a sua realização – e, nessa medida, não parece que o julgador se deva substituir ao perito para emitir, ele próprio, um juízo valorativo e técnico que só o perito pode avaliar (Cfr. Ac. da Relação de Coimbra n° 171/10.8TBIDN-A.C1).
10. Pelo que os Venerandos Juízes do TSI ao conhecerem da falsidade ou não da assinatura, na medida em que se tratam de questões periciais, andaram mal, pois não podiam tomar conhecimento das mesmas, violando assim o disposto no n° 1 alínea d) do artigo 571° do CPC e sendo o Douto Acórdão nulo.
11. Assim sendo, deve ser declarada nula a decisão proferida na 2ª instância, mantendo-se a suspensão da execução, para que, em face dos resultados da perícia da PJ, seja proferida nova decisão que contemple o facto (positivo) supra mencionado e que (expressamente) julgue provado ou não provado que a assinatura aposta nos documentos em causa foi, ou não, aposta pelo punho da Embargante ora Recorrente”; (cfr., fls. 87 a 100).

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Decorrido o prazo para as contra-alegações, (sem a sua apresentação), ordenou-se a remessa do recurso a esta instância; (cfr., fls. 106).

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Nada obstando, cumpre decidir.

Fundamentação

2. Como resulta do até aqui relatado, o presente recurso tem como objecto a decisão ínsita no Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 23.05.2019, com o qual se revogou – inverteu – a decisão que atribuiu “efeitos suspensivos” aos embargos pela ora recorrente opostos à execução (pela recorrida instaurada), ordenando-se, consequentemente, a sua prossecução.

Nos termos do art. 598° do C.P.C.M.:

“1. Ao recorrente cabe apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2. Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.
3. Na falta de alegação, o recurso é logo julgado deserto.
4. Quando as conclusões faltem, sejam deficientes ou obscuras, ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o n.º 2, o recorrente é convidado a apresentá-las, completá-las ou esclarecê-las, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afectada.
5. A parte contrária é notificada da apresentação do aditamento ou esclarecimento pelo recorrente, podendo responder-lhe no prazo de 10 dias.
6. O disposto nos n.os 1 a 4 deste artigo não é aplicável aos recursos interpostos pelo Ministério Público, quando recorra por imposição da lei”.

Nesta conformidade sendo nas “conclusões” do seu recurso que deve o recorrente identificar as questões que pretende ver apreciadas, e atentas as pela ora recorrente suscitadas, apresenta-se-nos que a questão a apreciar consiste em saber se a decisão recorrida padece da “nulidade do art. 571°, n.° 1, al. d) do C.P.C.M.”, onde se prescreve que na mesma se incorre “Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”; (cfr., conclusão 10ª).

Identificada estando a “questão” a apreciar que, no caso, e na opinião da recorrente, consiste no vício de “excesso de pronúncia”, (cfr., “2ª parte” do transcrito preceito legal), para uma boa, (melhor), compreensão dos seus contornos, mostra-se útil relembrar o que pelo Tribunal recorrido foi considerado e que de seguida se passa a transcrever:

“(…)
No caso vertente, foi instaurada uma acção executiva contra a executada B.
Devidamente notificada, esta deduziu embargos à execução, tendo pedido ainda a suspensão da execução a qual foi deferida.
A questão que se coloca neste recurso é saber se os documentos juntos pela embargante podem constituir como “princípio de prova” susceptíveis de provocar a suspensão da execução, nos termos consentidos no n.º 2 do artigo 701.º do Código de Processo Civil.
Dispõe-se no n.º 2 do artigo 701.º do Código de Processo Civil que “Se a execução se fundar em documento particular sem a assinatura reconhecida e o embargante alegar a não genuinidade da assinatura e juntar documento que constitua princípio de prova, pode o juiz, ouvido o embargado, suspender a execução.”
Em boa verdade, considerando que qualquer documento particular, assinado pelo devedor, que importe constituição ou reconhecimento de uma obrigação pode valer como título executivo, o n.º 2 do artigo 701.º do CPC surge da necessidade sentida pelo legislador de contrabalançar a tal situação, permitindo ao juiz ordenar a suspensão da execução caso entenda que a assinatura constante do título executivo que serve de base à execução muito provavelmente não será do embargante executado.
Decidiu-se no Acórdão da Relação de Porto, de 7.4.2005, no Processo n.º 0531715, citado a título de direito comparado, o seguinte:
“Portanto, se parece certo que com a introdução do nº 2 do artº 818º, CPC, pretendeu o legislador, face ao aumento exponencial dos títulos executivos, criar uma válvula de segurança ao processo executivo para situações de manifesta falsificação do título executivo, não pode, porém, o juiz com a simples junção de documento, suspender desde logo e sem mais a execução. Antes lhe é imposto o dever de averiguar se pela análise do documento -- embora sumária, pois outras diligências probatórias, como é o caso de exames periciais, extravasam desta fase-- é verosímil a invocada falsidade da assinatura, ou, pelo menos, se dessa análise sumária resulta para si uma dúvida séria sobre a autenticidade da mesma, já que só assim se pode dizer que o dito documento constitui o citado “princípio de prova”.” – sublinhado nosso
Como observa Lebre de Freitas1, “a suspensão não é automática: o juiz só suspenderá a execução se se convencer da séria probabilidade de a assinatura não ser do devedor”.
Dito por outras palavras, não basta qualquer dúvida para que a suspensão seja deferida, pois, se assim fosse, bastava juntar qualquer papel para se criar essa dúvida, mínima que fosse, sobre a autenticidade da assinatura constante do título.2
Por outro lado, embora haja doutrina3 e jurisprudência4 que consideram só constituir princípio de prova o bilhete de identidade, cartão de cidadão, passaporte, carta de condução ou outro autêntico subscrito pelo executado, mas somos a entender que não deve haver essa restrição por não existir qualquer fundamento legal neste sentido, antes devendo o juiz avaliar, caso a caso, se existe séria probabilidade de a assinatura constante do título executivo não ser a do embargante.
No caso vertente, a executada embargante pediu a suspensão da execução, juntando para o efeito alguns documentos com vista a demonstrar que a assinatura constante dos títulos executivos era falsa.
Ora bem, atenta a assinatura constante nos dois documentos que servem de base à execução, é bom de ver que aquela é constituída pelas letras “乙一”, enquanto nos documentos apresentados pela executada embargante (um contrato-promessa e um contrato de alteração da estrutura da fracção autónoma) já se referem ao nome “乙”, daí que parece que haja alguma discrepância quanto ao nome ou pessoa da executada.
Mas socorrendo-se de um outro documento junto aos autos, a saber, o Passaporte da República Popular da China da executada embargante, verificamos que ela assinou nesse documento de viagem com o nome “乙一” (cfr. fls. 63 dos autos), ou seja, tal e qual a assinatura constante dos respectivos títulos executivos.
Ademais, segundo a declaração prestada pela executada embargante em 10.10.2017, cuja assinatura foi reconhecida presencialmente no Cartório Notarial das Ilhas (fls. 51), a mesma declarou ainda sob compromisso de honra que a assinatura com o nome “乙一” corresponde à sua genuína e verdadeira assinatura.
Posto isto, perante a prova sumária carreada aos autos, somos a concluir que, pelo menos nesta fase processual, não se vislumbra a suposta falsificação da assinatura aposta nos documentos que servem de base à execução, pelo que verificados não estão os pressupostos previstos no n.º 2 do artigo 701.º do CPC, não há lugar a suspensão da execução”; (cfr., fls. 77-v a 79).

Ora, como resulta da decisão recorrida, em causa está a aplicação do art. 701°, n.° 2 do C.P.C.M., (que foi o mesmo preceito invocado pelo Mmo Juiz do Tribunal Judicial de Base).

Vejamos então se o decidido merece a censura que pela ora recorrente lhe é feita.

Pois bem, preceitua o dito art. 701° do C.P.C.M. que:

“1. O recebimento dos embargos não suspende a execução, salvo se o embargante requerer a suspensão e prestar caução.
2. Se a execução se fundar em documento particular sem a assinatura reconhecida e o embargante alegar a não genuinidade da assinatura e juntar documento que constitua princípio de prova, pode o juiz, ouvido o embargado, suspender a execução.
3. A suspensão da execução, quando decretada após a citação dos credores, não abrange o apenso destinado à verificação e graduação dos créditos.
4. Se os embargos não compreenderem toda a execução, esta prossegue na parte não embargada, ainda que o embargante preste caução.
5. Cessa a suspensão da execução se o processo de embargos estiver parado durante mais de 30 dias, por negligência do embargante em promover os seus termos”; (sub. nosso).

E admitindo-se – obviamente – outro entendimento, somos de opinião que em nenhum “excesso de pronúncia” incorreu o Tribunal recorrido, sendo antes caso para se dizer que, contrariamente, verificado estaria sim o vício de “omissão de pronúncia” se, na apreciação do recurso que lhe foi apresentado se tivesse dispensado de proceder à análise que efectuou, (e de apreciar a “questão” que lhe tinha sido colocada e) que levou à decisão proferida e ora recorrida.

Importa aliás referir que labora a ora recorrente em (manifesto) equívoco quando alega que “O exame pericial que se requereu, e que o TJB deferiu, é imprescindível para o apuramento daqueles factos”; (cfr., conclusão 5ª).

Com efeito, e independentemente do demais, não se pode olvidar que a aludida requerida “peritagem” – sobre a qual adiante nos ocuparemos – não tem a virtude (nem os efeitos) que a recorrente parece pretender.

Note-se que o Tribunal a quo se limitou a apreciar – em conformidade com a questão que lhe foi suscitada – se a decisão do Mmo Juiz do Tribunal Judicial de Base objecto do (seu) recurso tinha dado boa aplicação ao estatuído no art. 701°, n.° 2 do C.P.C.M., (atrás transcrito).

E a se entender de outra forma, ter-se-ia que concluir que algo “estaria – muito – mal”, pois que podia o Tribunal Judicial de Base decidir (um pedido da ora recorrente) apreciando se a situação dos autos se enquadrava no previsto no dito comando legal, e impedido de o fazer estava o Colectivo que em sede de apreciação do recurso pela recorrida interposto da decisão (assim) proferida competia ponderar do seu acerto.

Por sua vez, cabe notar que como cremos que sabido é, nem o pedido de uma peritagem – e seja ela qual for – tem “efeitos suspensivos”, cabendo (também) salientar que nos termos do aludido art. 701°, n.° 2, é o Juiz do processo que “pode …, ouvido o embargado, suspender a execução”.

Claro se nos afigurando o que se deixou consignado, evidente é a inexistência de qualquer “nulidade”, nomeadamente, a pela ora recorrente assacada ao Acórdão em questão.

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Aqui chegados, mostra-se ainda adequado consignar o seguinte.

No “ponto 11°” das suas conclusões, considera a recorrente que:

“Assim sendo, deve ser declarada nula a decisão proferida na 2ª instância, mantendo-se a suspensão da execução, para que, em face dos resultados da perícia da PJ, seja proferida nova decisão que contemple o facto (positivo) supra mencionado e que (expressamente) julgue provado ou não provado que a assinatura aposta nos documentos em causa foi, ou não, aposta pelo punho da Embargante ora Recorrente”; (cfr., conclusão 11ª).

Ora, como se viu, nenhum motivo existe para a pretendida “declaração de nulidade”.

Mas, para além disto, vale a pena ter em conta que os presentes autos contém um elemento que contribui para o que pensamos ser uma boa solução para a questão.

É que a dita “peritagem” encontra-se feita, estando o seu “relatório” junto aos Autos de Embargos, (aos quais este Tribunal teve acesso), mostrando-se já notificado às partes e sem que sobre o mesmo algo tenham requerido ou dito.

E não resultando do dito relatório que as assinaturas apostas nos “títulos” dados à execução e cuja autoria é imputada à ora recorrente são “falsas”, daí resultando, pelo contrário, que existe probabilidade de terem sido por ela feitas, (cfr., fls. 123 dos autos de embargos), visto está que inexiste “séria probabilidade” de as assinaturas não serem do devedor, nenhum motivo havendo assim para que se mantenha a pela recorrente pretendida suspensão da execução, impondo-se, consequentemente, a improcedência do presente recurso.

Decisão

4. Em face do exposto, e em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente, com a taxa de justiça de 8 UCs.

Notifique.

Macau, aos 11 de Março de 2020


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator) – Sam Hou Fai – Song Man Lei

1 Acção Executiva à Luz do Código Revisto 2.ª edição, pág. 167
2 Conforme o Acórdão da RP, acima citado
3 Por exemplo, Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 11.ª edição, pág. 197
4 Por exemplo, Acórdão da RP, de 6-3-2012, Processo n.º 5882/10.5TBMTS-F.P1
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Proc. 105/2019 Pág. 14

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