Processo nº 45/2020 Data: 31.07.2020
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Acidente de viação.
Enxerto civil (em processo penal).
Incapacidade para o trabalho.
Perícia médica.
Insuficiência da matéria de facto provada para a decisão.
Conhecimento oficioso.
Reenvio.
SUMÁRIO
1. A “perícia médica” não constitui meio probatório imprescindível para se poder dar como provado que a vítima de um acidente de viação ficou a padecer de “incapacidade para o trabalho” em consequência das lesões que com o mesmo sofreu.
2. Porém, se se dá como “provado” que o lesado de um acidente de viação “perdeu a capacidade para o trabalho”, sem se esclarecer, de forma clara e fundamentada, a razão de tal “afirmação”, nem se concretizando a “extensão” de tal “incapacidade”, (se parcial ou absoluta, temporária ou permanente), inviável é uma decisão quanto à adequação de uma reclamada indemnização por “perdas salariais” e “danos não patrimoniais”.
3. Padecendo assim a decisão proferida do vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, e sendo este um vício de conhecimento oficioso, mas não passível de ser sanado pelo Tribunal de recurso que o detecta, imperativo é o reenvio dos autos para novo julgamento nos termos do art. 418° do C.P.P.M..
O relator,
José Maria Dias Azedo
Processo nº 45/2020
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Por Acórdão de 26.09.2018 proferido nos Autos de Processo Comum Colectivo CR3-17-0360-PCC do 4° Juízo do Tribunal Judicial de Base, foram, A, (甲), e B, (乙), (2ª e 3°) demandados no pedido de indemnização civil aí enxertado, condenados a pagar a quantia total de MOP$1.313.102,30 e juros legais, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais do demandante C, (丙); (cfr., fls. 642 a 654-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformados, os aludidos demandados recorreram para o Tribunal de Segunda Instância que, por Acórdão de 12.12.2019, (Proc. n.° 1069/2018), concedeu parcial procedência ao recurso, reduzindo o quantum indemnizatório para o de MOP$1.309.419,30; (cfr., fls. 749 a 761).
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Ainda inconformados, os ditos demandados recorreram para este Tribunal de Última Instância, alegando para, a final, produzir as conclusões seguintes:
“i. Por Decisão do Tribunal de Segunda Instância, proferida em 12 de Dezembro de 2019, o Colectivo acordaram em julgar o seguinte: "não provida a parte penal do recurso da arguida e julgar parcialmente provida a parte cível do mesmo recurso, e julgar parcialmente provido o recurso do 3.° demandado, passando, por conseguinte, a soma pecuniária indemnizatória de MOP1.313.102,30 por cujo pagamento vinham condenados solidariamente estes dois recorrente no acórdão recorrido a favor do demandante (para além da condenação também no pagamento das despesas futuras de tratamento psiquiátrico do demandante) a ser de MOP1.309.419,30 (um milhão, trezentas e nove mil e quatrocentas e dezanove patacas e trinta avos), com juros legais contados da data do acórdão recorrido até integral e efectivo pagamento;
ii. Inconformados com a decisão ora recorrida, na parte em que diz respeito que as duas primeiras despesas médicas consideradas estranhas pelos recorrentes, as quais alegadas no artigo 17.° do ser recuso, terão de ser suportadas pelos recorrentes, a título de indemnização em virtude do acidente de viação ora em causa;
iii. Inconformados também com a decisão, mormente na parte em que diz respeito à questão da inexistência de perícia médico-legal para aferição da incapacidade corporal não é obstáculo para a tomada da decisão judicial de atribuição de indemnização por percas salariais futuras previsíveis, por se tratar uma questão da livre apreciação da prova - cfr. página 19, 4.° parágrafo, do Acórdão ora recorrido;
iv. Por último, inconformados os ora recorrentes quanto à manutenção da decisão da primeira instância, pelo Tribunal "a quo", na fixação do valor dos danos não patrimoniais, uma vez que os recorrentes consideram este valor é demasiado excessivo e na havendo provas suficientes para justificar o pagamento do valor de MOP$750.000,00 (setecentas e cinquenta mil patacas---), a título de danos não patrimoniais, a favor de Demandante;
v. Tendo o Tribunal "a quo" considerado que as primeiras duas despesas ditas estranhas, alegadas pelos recorrentes no seu articulado de recurso para o Tribunal de Segunda Instância, artigo 17.°, devem entrar no cômputo da soma total dos valores de danos patrimoniais;
vi. Despesas estas que dizem respeito a uma despesa médica no valor de RMB317,20 (trezentos e dezassete renminbi e vinte avos de renminbi---), cujo recibo n.° KC9399450 (vd. Doe. n.° 1, junto com o pedido de ampliação), emitido pelo "中山大學孫逸仙紀念醫院", hospital de Cantão da República Popular da China, em 20/03/2017; e outra de MOP$4.652,00 (quatro mil e seiscentas e cinquenta e duas patacas---), cujo recibo n.° 65684, emitido pela TRANSMAC – TRANSPORTES URBANOS DE MACAU S.A.R.L.;
vii. Sobre esta questão o Tribunal "a quo" explicou na sua douta fundamentação jurídica o seguinte: "Pois bem, perante dos dados coligados nos pontos 11 e 12 da parte II do presente acórdão de recurso, nada há a censurar a livre convicção do Tribunal recorrido sobre o carácter das efectivas despesas de serviço de tratamento médico do demandante nos montantes referidos no recibo n.° KC93945074 (despesas de "Physical examination") passado em 20 de Março de 2017 e junto com doc. 1 à mesma petição a fl. 519 (do qual consta que a entidade cobradora foi o Hospital Memorial de Sun Yat-Sen da Universidade de Zhongshan), e no recibo n.° 65684 de 28 de Abril de 2017 da Transmac junto com doc. 2 a essa petição a fl. 520 (do qual consta que essa sociedade comercial recebeu de C a quantia de MOP4.652,00, a título de reembolso da despesa de internamento em quarto para doente de Fok Ying Tung", então adiantada pela mesma sociedade comercial)" – cfr. página 17, 3.° parágrafo, do Acórdão ora recorrido;
viii. Os recorrente não podem concordar com o ponto de vista jurídica do Tribunal "a quo", uma vez que, e tal como tinha sido alegado no articulado de recuso para o Tribunal "a quo", nessas duas despesas nada se tinha demonstrado alguma conexão directa ou indirecta em sequência do acidente de viação ora em causa;
ix. O supra-referido recibo n.° KC93945074, passado em 20 de Março de 2017, apenas consta que houve um senhor, cujo nome 丙, tinha recebido exame médico no Hospital Memorial de Sun Yat-Sen da Universidade de Zhongshan
x. Sem quaisquer dúvidas, do ponto de vista jurídico, o recibo n.° KC93945074 diz respeito apenas um documento particular, logo o ónus da prova cabe ao portador do mesmo provar a realidade dos factos. Isto é, cabe ao Demandante mediante este recibo provar que foi a pessoa que tinha recebido o exame médico naquele Hospital, e que este exame foi feita precisamente em virtude das lesões sofridas do acidente de viação em causa;
xi. A situação já seria diferente que este recibo estiver acompanhado uma declaração emitida por este Hospital, cuja qual consta os dados de identificação do Demandante e fim deste exame, o que não tinha acontecido;
xii. Também no que diz respeito ao recibo n.° 65684 de 28 de Abril de 2017 da Transmac, embora consta do qual que essa sociedade comercial recebeu de C a quantia de MOP4.652,00, a título de reembolso da despesa de internamento em quarto para doente de Fok Ying Tung" , então adiantada pela mesma sociedade comercial, todavia, nada consta neste mesmo recibo qualquer indicação sobre a data e o período de internamento hospitalar por parte do demandante;
xiii. a respeito do recibo da Transmac sendo também um documento particular, logo o ónus da prova cabe ao portador do mesmo provar a realidade dos factos. Neste caso, o Demandante terá também o ónus da prova, no sentido de provar qual o período de internamento hospitalar a que este recibo diz respeito, o que não tinha feita qualquer prova em sede de audiência e de julgamento, bem como não tinha explicado no seu douto pedido de ampliação;
xiv. Estas duas despesa, ditas estranhas, devem ser retiradas no cômputo dos valores de danos patrimoniais, uma vez que não houve quaisquer provas produzidas em sede de audiência e de julgamento, que estas despesas dizem respeito directa ou indirectamente às consequências das lesões sofridas pelo próprio Demandante, em virtude do acidente de viação em causa, devido da falta de testemunha para tal efeito, bem como a falta de examinação, por parte do Colectivo do Tribunal de Primeira Instância, no decurso da audiência e de julgamento;
xv. o princípio de livre apreciação das provas encontra-se previsto no artigo 114.° do CPP e no artigo 558.° do Código de Processo Civil (em termos de matéria cível), e de acordo com a doutrina, ensina que "O princípio da livre de apreciação da prova situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade, e concentração (ver o n.° 2 da anotação ao artigo. 652): é porque há imediação, oralidade, e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas de experiência aplicável." (sublinhado e negro nosso) - vd. JÓSÉ LEBRE DE FREITAS, CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume 2.°, Coimbra Editora, 2001, pág. 635, 2.° parágrafo;
xvi. Sabemos que os juízes podem apreciar livremente as provas e decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto;
xvii. Tendo em conta que o Tribunal "a quo" tinha confirmado a decisão do Tribunal da Primeira Instância, no sentido de integrar estas duas despesas para efeitos do cômputo dos valores de danos patrimoniais, sem ter havido provas para as suportarem, violou inequivocamente o próprio princípio de livre de apreciação de provas;
xviii. Entendem os recorrentes que o Tribunal "a quo" ao confirmar esta parte de decisão ora impugnada, tinha também violado o princípio de livre de apreciação de provas, uma vez que, segundo o artigo 336.° n.° 1 do CPP dispõe expressamente que "não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzido ou examinadas em audiência";
xix. cumpre-nos reiterar mais uma vez que estas duas despesas, chamadas nós estranhas, não devem ser integradas no montante de indemnização dos danos patrimoniais, uma vez que não tinha produzida quaisquer prova em sede de audiência e de julgamento, por falta de testemunha, nem tendo examinados os dois recibos em causa na audiência, bem como nem tendo o próprio Demandante explicado qual o efeito daquelas despesas, no seu douto pedido de ampliação, apenas juntaram por juntar, o Tribunal "a quo" não deverá confirmá-los simplesmente pelo facto de os estarem provados pela decisão da primeira instância;
xx. Pelo que estas duas despesas devem ser excluídas, para efeitos de cálculo do montante dos danos patrimoniais;
xxi. Segundo a douta convicção formulada pelo Tribunal da Primeira Instância, tinha considerado o seguinte: “Analisando o relatório médico e o parecer de perícia médico-legal, prova-se que: o ferimento na cabeça do ofendido foi medicamente considerado curado, mas a gravidade do transtorno de estresse pós-traumático sofrido pelo ofendido fez com que perdesse a capacidade de trabalho”(sublinhado e negro nosso);
xxii. O Tribunal da Primeira Instância tinha baseando apenas numa declaração médica do Centro Hospitalar Conde S. Januário de 04/09/2018 (julgamos nós, na medida em que o Colectivo "a quo" tinha apreciados apenas os relatórios médicos (“Analisando o relatório médico e o parecer de perícia médico-legal, prova-se que: (…)”), para formular a sua convicção de que o Demandante tinha perdido permanentemente a capacidade de trabalho, após do acidente de viação;
xxiii. Condenou os demandados a pagarem uma quantia total de MOP$1.421.951,40 (um milhão e quatrocentas e vinte e uma mil e novecentas e cinquenta e uma patacas e quarenta avos---), a título de indemnização pela perda de capacidade permanente de trabalho/ganho, contados desde 17/09/2018 até o Demandante completar os 65 anos, ou seja, até 23/10/2023;
xxiv. Inconformados os ora Recorrentes sobre esta parte da condenação, não em termos de erro nos cálculos, mas sim, porque nunca o Demandante tinha procedido à perícia médico-legal para efeitos de apuramento da sua incapacidade, quer seja ela permanente absoluta (IPA), quer seja ela parcial (IPP);
xxv. A falta de perícia médico-legal para efeitos de apuramento da incapacidade de trabalho, por banda do Demandante, foi uma das razões que os recorrentes invocaram no seu recurso para o Tribunal "a quo", por não estando conformados com a condenação de uma quantia de MOP$1.421.951,40, a favor do Demandante, a título de indemnização pela perda de capacidade permanente de trabalho/ganho, contados desde 17/09/2018 até o Demandante completar os 65 anos, ou seja, até 23/10/2023;
xxvi. Há de ter em consideração que o acidente de viação em causa trata-se, inequivocamente, um acidente de trabalho, pelo que a perícia médico-legal é fundamental para efeitos de apuramento da incapacidade de trabalho do demandante, por forma poder calcular o montante de indemnização;
xxvii. Todavia, o Tribunal "a quo" entendeu o seguinte: "É de frisar que a inexistência de perícia médico-legal para aferição da incapacidade corporal do demandante não é obstáculo para a tomada dessa decisão judicial de atribuição de indemnização por perca salariais futuras previsível. No fundo, trata-se de uma questão da livre apreciação da prova sobre os factos então alegados pelo demandante no seu pedido cível, sendo certo que a matéria de facto finalmente saída provada em primeira instância já suporta cabalmente essa parte da decisão cível. Não tem, pois, razão os dois recorrentes quando defendem que uma simples declaração médica do Centro Hospitalar Conde S. Januário não serve de prova bastante para através dela formar a convicção judicial de que a demandante tinha perdido permanentemente a capacidade de trabalho naquele período de tempo. É que o legislador não chegou a ditar qualquer norma legal sobre a maneira ou forma de prova da perda da capacidade de ganho salarial, pelo que é livre a apreciação da prova a fazer pelo tribunal sobre isto, podendo recorrer até às presunções judiciais a partir de factos provados concretos (art. 342.° do CC). Improcede o recuso dos dois recorrentes nesta parta em causa, sem mais indagação por prejudicada";
xxviii. Sempre com o devido respeito, e salvo das diversas melhores opiniões, consideramos que o Tribunal "a quo" não deveria acolher a forma de convicção feita pelo Tribunal de Base, baseando de uma simples declaração médica, para tomar como prova, que o Demandante tinha perdido permanentemente a capacidade de trabalho/ganho;
xxix. Salvo das diversas melhores opiniões, a perda permanente a capacidade de trabalho não diga apenas respeito à profissão em que o paciente/vítima do acidente de trabalho exercia antes do acidente. Esta perda tem num sentido mais lato, isto é, uma perda de capacidade de trabalho em todos os tipos de profissões;
xxx. Para efeitos de apuramento a medida de incapacidade por parte do Demandante, é necessária seguir as instruções descritas na tabela de incapacidade por acidentes de trabalho e doenças profissionais, anexada no Decreto-Lei n.° 40/95/M, o regime jurídico da reparação por danos emergentes de acidentes de trabalho e doenças;
xxxi. Como não tendo realizado qualquer perícia médico-legal, para efeitos de apuramento da incapacidade por banda do Demandante, não deveria o Tribunal "a quo" acolher a decisão do Tribunal de Base, concluindo que o Demandante tinha perdido permanentemente a capacidade de trabalho, baseando numa declaração médica, e consequentemente condenar os Demandados pagarem, a favor dele, uma quantia de MOP$1.421.951,40, a título de indemnização por danos não patrimoniais;
xxxii. Consideramos que não está em causa a questão de livre apreciação da prova, na medida em que o Demandante deverá apurar a sua incapacidade, por forma poder saber se essa incapacidade ser temporária ou absoluta;
xxxiii. Pelo que, o Tribunal "a quo" violou inequivocamente o princípio da livre apreciação das provas;
xxxiv. O Tribunal "a quo" confirmou por unanimidade a decisão do Tribunal de Base, considerando que o Demandante tinha o direito de receber uma quantia de MOP$750.000,00 (setecentas e cinquenta mil patacas---), a título de indemnização por danos não patrimoniais;
xxxv. Sempre com o devido respeito, não podemos concordar com este valor arbitrado pelo Tribunal "a quo", na medida em que nada consta na matéria de facto provada, os factos em que dizem respeito ao “(…) o acidente de trânsito causou trauma ao corpo do ofendido e, durante o período de reabilitação física, o ofendido sentiu dores, ansiedades e depressões e sofreu de transtorno de estresse pós-traumático” (sublinhado negro nosso);
xxxvi. Ficou apenas provado que (cfr. Sentença do Tribunal de Base, pág. 11):
➢ 16. O acidente causou ao ofendido a ofensa à integridade física, a hemorragia subdural direita, a fraqueza nos membros e a instabilidade na posição;
➢ 18. Após o acidente, o ofendido não se atreveu a conduzir nenhum veículo e perdeu a capacidade de trabalho devido a ferimentos e sequelas de trauma;
xxxvii. E não provado (cfr. Sentença do Tribunal de Base, págs. 12 e 13):
➢ Não provado: as alterações degenerativas da coluna cervical do ofendido são lesões directa e necessariamente causadas pelo acidente de trânsito em causa;
➢ Não provado: poucos meses após o tratamento, o ofendido sofria de dores fortes na cabeça e só conseguiu adormecer de duas a três horas por noite, sofrendo de insónia crónica;
➢ Não provado: os ferimentos na cabeça do ofendido estão recuperados;
➢ Não provado: os ferimentos nas vértebras da cabeça do ofendido ainda não foram curados e, pior ainda, não poderão ser completamente curados. De vez em quando, sentia dores nas articulações, rigidez, fraqueza e paralisia nas actividades de movimentação, o que causou grandes obstáculos à sua vida quotidiana.
xxxviii. Importa salientar que nada ficou provada, na matéria de facto, que o Demandante sofria dores, ansiedade e o estado de depressão, ao longo do tratamento médico;
xxxix. Há de ter em consideração que o Demandante não tinha apresentado quaisquer testemunhas na audiência e de julgamento, tendo-lhe apenas juntado alguns relatórios médicos, quer na sua petição inicial, quer no seu pedido de ampliação;
xl. Embora, em alguns relatórios médicos que constam nos presentes autos tinha relatado a situação das dores, da ansiedade e do estado de depressão por banda do Demandante, todavia, este relato tinha por base, apenas, nas declarações do próprio Demandante, que podem ser confirmadas das fls. 116 e 123 dos presente autos;
xli. Sempre com o devido respeito, este tipo de prova acolhido pelo Colectivo "a quo" não é mais do que um depoimento das partes, o que nunca tinha sido pedido pelo Demandante, pelo que não podia ser apreciado e tomado como provado pelo Tribunal;
xlii. Pelo que, consideramos que o Tribunal "a quo", violou mais uma vez o princípio de livre apreciação das provas, por lhe ter dado como provado factos que não constam na matéria de facto provada;
xliii. consideramos nós, à luz do princípio da equidade, o montante de indemnização deveria ser MOP$90.000,00 (noventa mil patacas---), equivalente a 90 dias x MOP$1.000,00 diária; e
xliv. Sendo este valor mais adequada e proporcional, na medida em que não foi produzida nenhuma prova, em sede de audiência e de julgamento, sobre a situação de ansiedade e o estado de depressão por banda do Demandante, durante e após da alta hospitalar”; (cfr., fls. 774 a 788-v).
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Após contra-alegações do demandante pedindo a improcedência do recurso, (cfr., fls. 804 a 808-v), e remetidos os autos a esta Instância, cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Está provada a “matéria de facto” elencada a fls. 646 a 648 do Acórdão do Tribunal Judicial de Base que – em conformidade com o “princípio da economia e celeridade processual” – aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os legais efeitos.
Do direito
3. Insurgem-se os (2ª e 3°) demandados do pedido de indemnização civil enxertado nestes autos, considerando – em síntese – incorrecta e inadequada a decisão proferida pelo Tribunal de Segunda Instância.
Sem demoras, vejamos se lhes assiste razão.
O seu inconformismo assenta em “3 segmentos decisórios”, do Acórdão recorrido.
–– Comecemos pelo primeiro.
Aqui, a questão coloca-se em relação aos montantes de RMB¥317,20 e MOP$4.652,00 em que os ora recorrentes foram condenados a pagar ao demandante, (ora recorrido), a título de “despesas de tratamento médico”; (cfr., conclusões I a XX).
Na opinião dos recorrentes, nada justifica o seu pagamento, pois que “provada” não está a sua “relação” com o acidente de viação dos autos, do qual foi o referido demandante vítima.
Vejamos.
O Tribunal de Segunda Instância confirmou a decisão do Tribunal Judicial de Base em relação à dita condenação dos ora recorrentes, avançando com a seguinte fundamentação:
“(…)
Pois bem, perante os dados coligidos nos pontos 11 e 12 da parte II do presente acórdão de recurso, nada há a censurar à livre convicção do Tribunal recorrido sobre o carácter das efectivas despesas de serviço de tratamento médico do demandante nos montantes referidos no recibo n.° KC93945074 (de despesa de “Physical examination”) passado em 20 de Março de 2017 e junto como doc. 1 à mesma petição a fl. 519 (do qual consta que a entidade cobradora foi o Hospital Memorial de Sun Yat-Sen da Universidade de Zhongshan), e no recibo n.° 65684 de 28 de Abril de 2017 da Transmac junto como doc. 2 a essa petição a fl. 520 (do qual consta que essa sociedade comercial recebeu de C a quantia de MOP4.652,00, a título de reembolso da despesa de internamento em quarto para doente de “Fok Ying Tung”, então adiantada pela mesma sociedade comercial)”; (cfr., pág. 17 do Acórdão recorrido, assim com o ponto VII das conclusões dos recorrentes).
Em nossa opinião, censura não merece o assim decidido.
Na verdade, importa ter presente que os “montantes” em causa foram pelo demandante expressa e especificamente reclamados – no pedido, (enxerto), de indemnização civil que deduziu – com a alegação de que foram por ele “gastos” em tratamento médico das lesões que sofreu em consequência do acidente dos autos, juntando, para a sua prova, os documentos que possuía, no caso, o referido recibo n.° KC945074 e o n.° 65684, (cfr., fls. 519 e 520), e que, com outras despesas, foram, pelo Tribunal Judicial de Base, após oportuno contraditório, considerados como efectivamente verificados; (cfr., §2 do ponto 15 da “matéria de facto dada como provada”, onde se consignou que “das lesões causadas pelo acidente de trânsito ao ofendido resulta os seguintes danos e despesas”, estando, as agora em causa, aí incluídas).
É claro que melhor seria se a referida factualidade dada como provada fosse mais explícita e pormenorizada, especificando-se, com maior detalhe, a que (tipo de) “tratamento” corresponde cada uma das “despesas”.
Porém, cremos que atento os termos em que elaborado está o segmento decisório em questão, e ponderando-se na sua respectiva fundamentação, apresenta-se-nos de confirmar o decidido, pois que do mesmo transparece que o Tribunal não deixou de ponderar tal matéria.
Refira-se, por fim, e de qualquer forma, que inexiste qualquer violação ao “princípio da livre apreciação da prova”, sendo que o que sucedeu, foi – exactamente – o inverso, tendo-se – nesta parte – proferido uma decisão em sua (total) conformidade, em que o Tribunal, perante o pelo demandante alegado, o pelo demandados contestado, e após análise do material probatório existente, deu, (de forma lógica, com suporte documental e de acordo com as regras de experiência), crédito à versão pelo demandante apresentada.
Assim, visto está que, nesta parte, o recurso terá que improceder.
Continuemos.
–– A segunda questão pelos recorrentes suscitada tem a ver com a dada como verificada “incapacidade do demandante para o trabalho” e consequente indemnização por perdas salariais; (cfr., conclusões XXI a XXXIII).
Notando-se que os recorrentes não discutem a “quantia arbitrada” a título de “perdas salariais” do demandante, mas, tão só, a invocada “causa” e “justificação factual” de tais reclamadas perdas, eis o que sobre a questão se nos mostra de dizer.
Percorrida a “decisão da matéria de facto dada como provada”, verifica-se que para a solução da questão relevantes se apresentam os seguintes pontos da matéria de facto dada como provada:
“5. O acidente supracitado causou directa e necessariamente ao ofendido a hemorragia subdural do lado direito, a contusão na cabeça e no rosto e a laceração na pele da sobrancelha esquerda de cerca de 2 cm. Até ao dia da perícia médica, o ofendido ainda não se recuperou completamente, a sua marcha era lenta e precisava de usar muletas. Ele sofria de tontura e dor na cabeça após o acidente e a sua orelha direita continuava com zumbido. O ofendido precisa de 3 meses para se recuperar. O acidente causou ao ofendido o perigo de vida e a ofensa grave à integridade física. Para as lesões, vide o parecer de clínica médica, a fls. 116 dos autos e o relatório médico, a fls. 121 dos autos, para os devidos efeitos jurídicos, o respectivo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
(…)
11. Quando o acidente aconteceu, o ofendido ficou ferido pelo embate e sofreu imediatamente das frustrações na cabeça, fazendo com que o ofendido C perdesse temporariamente a consciência.
12. Após o acidente, o ofendido foi imediatamente transportado pela ambulância de bombeiros para o Centro Hospitalar Conde S. Januário, e foi transferido para o Hospital Kiang Wu no mesmo dia (18 de Dezembro de 2016) e internado no Hospital para receber tratamento, só teve alta até 24 de Janeiro de 2017 (ficava internado no Hospital pelo período de 37 dias).
13. Este acidente de trânsito causou imediatamente ao ofendido a hemorragia subdural direita e a contusão na cabeça e na cavidade ocular esquerda.
(…)
16. O acidente causou ao ofendido a ofensa à integridade física, a hemorragia subdural direita, a fraqueza nos membros e a instabilidade na posição.
18. Após o acidente, o ofendido não se atreveu a conduzir nenhum veículo e perdeu a capacidade de trabalho devido a ferimentos e sequelas de trauma”; (cfr., 18 a 20 do Apenso).
Porém, (totalmente) irrelevante também não é que, do pelo demandante alegado se considerou (que resultou) “não provado” que:
“- as alterações degenerativas da coluna cervical do ofendido são lesões directa e necessariamente causadas pelo acidente de trânsito em causa.
- poucos meses após o tratamento, o ofendido sofria de dores fortes na cabeça e só conseguiu adormecer de duas a três horas por noite, sofrendo de insónia crónica.
- os ferimentos na cabeça do ofendido estão recuperados.
- os ferimentos nas vértebras da cabeça do ofendido ainda não foram curados e, pior ainda, não poderão ser completamente curados. De vez em quando, sentia dores nas articulações, rigidez, fraqueza e paralisia nas actividades de movimentação, o que causou grandes obstáculos à sua vida quotidiana”; (cfr., 22 do Apenso).
Por sua vez, mostra-se igualmente de consignar que, em sede de exposição dos motivos da sua convicção, e no que à matéria em questão diz respeito, fez o Tribunal constar que “O relatório médico e o parecer de perícia médico-legal mostram as lesões do ofendido e as consequências destas lesões”, e que, “Analisando o relatório médico e o parecer de perícia médico-legal, prova-se que: o ferimento na cabeça do ofendido foi medicamente considerado curado, mas a gravidade do transtorno de estresse pós-traumático sofrido pelo ofendido fez com que perdesse a capacidade de trabalho”; (cfr., 25 do Apenso).
E, perante o que se deixou relatado, quid iuris?
Dizem os recorrentes que “O Tribunal da Primeira Instância tinha baseando apenas numa declaração médica do Centro Hospitalar Conde S. Januário de 04/09/2018 (julgamos nós, na medida em que o Colectivo “a quo” tinha apreciados apenas os relatórios médicos (“Analisando o relatório médico e o parecer de perícia médico-legal, prova-se que: (…)”), para formular a sua convicção de que o Demandante tinha perdido permanentemente a capacidade de trabalho, após do acidente de viação” e que “Condenou os demandados a pagarem uma quantia total de MOP$1.421.951,40 (um milhão e quatrocentas e vinte e uma mil e novecentas e cinquenta e uma patacas e quarenta avos---), a título de indemnização pela perda de capacidade permanente de trabalho/ganho, contados desde 17/09/2018 até o Demandante completar os 65 anos, ou seja, até 23/10/2023”; (cfr., conclusões xxii e xxiii).
E, em relação à questão, assim ponderou o Tribunal de Segunda Instância:
“É de frisar que a inexistência de perícia médico-legal para aferição da incapacidade corporal do demandante não é obstáculo para a tomada dessa decisão judicial de atribuição de indemnização por percas salariais futuras previsíveis. No fundo, trata-se de uma questão da livre apreciação da prova sobre os factos então alegados pelo demandante no seu pedido cível, sendo certo que a matéria de facto finalmente saída provada em primeira instância já suporta cabalmente essa parte da decisão cível.
Não têm, pois, razão os dois recorrentes quando defendem que uma simples declaração médica do Centro Hospitalar Conde de São Januário não serve de prova bastante para através dela formar a convicção judicial de que a demandante tinha perdido permanentemente a capacidade de trabalho naquele período de tempo.
É que o legislador não chegou a ditar qualquer norma legal sobre a maneira ou forma de prova da perda da capacidade de ganho salarial, pelo que é livre a apreciação da prova a fazer pelo tribunal sobre isto, podendo recorrer até às presunções judiciais a partir de factos provados concretos (art.° 342.° do CC)”; (cfr., fls. pág. 19 a 20 do Acórdão recorrido).
Pois bem, cremos, também aqui, que censura não merece o considerado no Acórdão recorrido.
Na verdade, não se conhece – nem os recorrentes indicam – princípio ou norma jurídica que imponha determinado “meio de prova” para a decisão da matéria em questão, ou seja, no sentido de se dar como verificada, (ou não), a “incapacidade para o trabalho” de uma vítima de um acidente de viação, (ainda que, simultaneamente, de trabalho).
Daí que não tinha o Tribunal de se socorrer, (necessariamente), de uma “perícia médica”, (especialmente efectuada), para tal fim; (cfr., também o D.L. n.° 40/95/M de 14.08, sobre o “regime aplicável à reparação dos danos emergentes dos acidentes de trabalho e doenças profissionais”, onde é esta matéria regulada com bastante pormenor, não se exigindo, mesmo assim, nenhum meio de prova específico para a prova das lesões ou incapacidade do trabalhador acidentado).
Aliás, (e pelo menos, em certas situações), cremos também que conhecimentos (científicos) especiais não são precisos para se concluir, (v.g.), que um pianista profissional que, em consequência das lesões sofridas com um acidente fica sem – mobilidade das – mãos e dedos, padece de “incapacidade (total) para o trabalho” (que vinha prestando).
E, o mesmo sucede, (v.g.), com uma dançarina de uma Companhia de Ballet que, em virtude de um acidente, fica sem – mobilidade das – pernas…
Como cremos ser de ver, não se trata de matéria excluída à “livre apreciação” do Tribunal, podendo (perfeitamente) proferir-se decisão em conformidade com o estatuído no art. 114° do C.P.P.M., (onde se consagra o princípio da “livre apreciação da prova”), atentas as regras de experiência, da lógica e da normalidade das coisas.
Porém – e sem com isto se querer negar, desde já, que aconselhável seria, ter o respaldo de uma “perícia médico-legal”, nomeadamente, em situações não fácil e directamente perceptíveis – no caso dos autos, a verdadeira questão é outra.
Isto é, em nossa opinião, a questão não está em se saber se podia o Tribunal dar como provado que o demandante ficou “incapacitado” para o trabalho sem “perícia médica”, mas sim se tal “situação” está, clara, adequada, e suficientemente dada como “provada” (e esclarecida).
E, sem prejuízo do muito respeito por outros entendimentos, (que, obviamente, se admitem), temos para nós que a “factualidade provada” não nos dá a pretendida resposta, (notando-se, também, no que toca à “recuperação” do demandante, algum “desencontro” entre esta e a “não provada” e a própria a “fundamentação”).
Vejamos.
Antes de mais, afigura-se-nos que os invocados “documentos de fls. 116 e 121”, não se apresentaram “claros”, (nem bastantes), para se poder concluir no sentido de que o demandante se encontra “incapacitado para o trabalho”.
São aí (tão só) feitas algumas “referências” (gerais) sobre as “lesões” que sofreu e suas “consequências”, não se podendo daí, e com a necessária segurança e exactidão, concluir que em causa esteja uma (efectiva) “incapacidade – muito menos, total – para o trabalho”.
Importa atentar que os ditos “documentos” são datados de 07.02.2017 e 08.02.2017, (cfr., fls. 116 e 121), que o acidente teve lugar em 18.12.2016, e que, tanto quanto resulta dos autos, na audiência de julgamento realizada em 11.09.2018 – v.d., a “acta” a fls. 639 a 641-v – não foram os seus autores ouvidos, (nem tão pouco, ao abrigo do art. 321° do C.P.P.M.).
Por fim, (como se tal não bastasse, e para além de já se apresentar escassa a prova e curta a matéria de facto provada sobre tal “circunstância”), não se pode olvidar que vários factos alegados sobre tal “questão” foram pelo Tribunal dados como “não provados”, afastada estando assim também a possibilidade de, nesta parte, se poder confirmar que, em consequência do acidente e das lesões que sofreu, ficou o demandante a padecer de uma “incapacidade (total e absoluta) de trabalho”, de forma a que, justificada seja uma indemnização correspondente ao seu salário mensal pelos anos que lhe faltam até atingir a idade de 65 anos, ou seja, a da “reforma”.
Na verdade, e como é sabido, a incapacidade em causa pode ser “parcial” ou “absoluta”, “temporária” ou “permanente”.
E, em nossa opinião, em face dos “elementos” que os presentes autos fornecem, (notando-se, igualmente, que a mera afirmação que o “ofendido perdeu a capacidade para o trabalho” é conclusiva), como decidir?
Ora, excluída que se nos apresenta a possibilidade de dar por verificada, como sucedeu, uma “incapacidade total e permanente”, só nos restam, como possíveis, duas soluções: uma, que consiste em decidir dar apenas por verificada uma “incapacidade parcial”, (com a dificuldade no que toca à sua exacta “dimensão” e “duração”), sendo a outra a de se decidir pela devolução dos autos para novo julgamento, onde, após mais completo e preciso apuramento da matéria de facto quanto ao “estado de saúde” do demandante, (em especial, quanto à sua “recuperação”, “lesões” e “incapacidades” que mantém), e com uma nova e melhor justificação fáctica, se venha a proferir nova decisão sobre a questão.
Afigurando-se-nos que tão só com uma “boa matéria de facto”, clara, suficiente e exacta, se pode encontrar ou chegar a uma “boa solução” para as questões (jurídicas), onde, com a necessária reflexão, ponderação e segurança se pode decidir, motivos não temos para não se abraçar a segunda solução, havendo, assim, em face da detectada “insuficiência da matéria de facto dada como provada”, (em relação à qual pode este Tribunal conhecer, ex offício, cfr., o Ac. deste T.U.I. de 30.07.2001, Proc. n.° 11/2001, de 30.05.2002, Proc. n.° 7/2002, e mais recentemente, de 01.11.2017, Proc. n.° 47/2017), e, em conformidade com o art. 418° do C.P.P.M., que se decidir pelo reenvio dos autos para novo julgamento na parte em questão.
–– Quanto à última questão relacionada com o quantum fixado a título de “indemnização pelos danos não patrimoniais do demandante”, vejamos.
Pois bem, em sede de “danos não patrimoniais”, adequado parece de se considerar que a indemnização por danos não patrimoniais tem como objectivo proporcionar um conforto ao ofendido a fim de lhe aliviar os sofrimentos que a lesão lhe provocou ou, se possível, lhos fazer esquecer, visando pois, proporcionar ao lesado momentos de prazer ou de alegria, em termos de neutralizar, na medida do possível, o sofrimento moral de que padeceu, sendo também de considerar que nestas matérias inadequados são “montantes simbólicos ou miserabilistas”, (vd., M. Cordeiro, in “Tratado de Direito Civil Português”, II, Direito das Obrigações, III, pág. 755, onde se afirma que “há que perder a timidez quanto às cifras…”), não sendo igualmente de se proporcionar “enriquecimentos ilegítimos ou injustificados”, exigindo-se aos tribunais, com apelo a critérios de equidade, um permanente esforço de aperfeiçoamento atentas as circunstâncias (individuais) do caso; (cfr., também, o recente Acórdão deste Tribunal de 01.07.2020, Proc. n.° 9/2020).
Na verdade, a reparação dos “danos não patrimoniais” não visa uma “reparação directa” destes, pois que estes – “danos não patrimoniais” – são insusceptíveis de serem “contabilizados em dinheiro”, sendo pois que com o seu ressarcimento se visa tão só viabilizar um lenitivo ao lesado, (já que é impossível tirar-lhe o mal causado).
Trata-se de “pagar a dor com prazer”, através da satisfação de outras necessidades com o dinheiro atribuído para compensar aqueles danos não patrimoniais, compensando as dores, desgostos e contrariedades com o prazer derivado da satisfação das referidas necessidades.
Visa-se, no fundo, proporcionar à(s) pessoa(s) lesada(s) uma satisfação que, em certa medida possa contrabalançar o dano, devendo constituir verdadeiramente uma “possibilidade compensatória”, devendo o montante de indemnização ser proporcionado à gravidade do dano, ponderando-se, na sua fixação, todas as regras de prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida.
Importa, pois, ter na sua justa consideração, as lesões sofridas pela vítima, o período de incapacidade, (eventualmente, com demorado internamento), as dores e angústia sentidos aquando do acidente, dores sofridas, a ansiedade, a perda de auto-estima, as insónias, etc…
Porém, e como sabido é, o C.C.M., não enumera os “danos não patrimoniais”, confiando ao Tribunal a tarefa de os apreciar no quadro das várias situações concretas e atento o estatuído nos seus art°s 489° e 487°, são de ponderar circunstâncias várias, como a natureza e grau das lesões, suas sequelas físicas e psíquicas, as intervenções cirúrgicas eventualmente sofridas e o grau de risco inerente, os internamentos e a sua duração, o quantum doloris, o dano estético, o período de doença, situação anterior e posterior da vítima em termos de afirmação social, apresentação e autoestima, alegria de viver, a idade, a esperança de vida e perspectivas para o futuro, entre outras…
Nos temos do n.° 3 do art. 489° do dito C.C.M.: “O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 487.º; (…)”.
Outrossim, prescreve o art. 487° deste mesmo Código que: “Quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, pode a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem”.
Aqui chegados, e (cremos nós), clarificada a natureza, sentido e alcance dos “danos não patrimoniais” assim como das razões para a sua “indemnização”, importa ter ainda em conta que se mostra de considerar que quando o cálculo da indemnização assente em juízos de equidade, não deve caber ao Tribunal ad quem a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar, devendo centrar a sua censura na verificação dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo de equidade tendo em conta o caso concreto.
Por sua vez, importa, igualmente, ponderar que na fixação da compensação por danos não patrimoniais, há que ter presentes os valores habitualmente atribuídos pela jurisprudência e em especial os atribuídos a situações de gravidade próxima nas decisões mais recentes e paradigmáticas, de forma a harmonizar os valores a arbitrar com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência actualista, vêm sendo seguidos em situações análogas ou equiparáveis.
No caso, fixado foi o quantum de MOP$750.000,00.
E, na falta de uma clara factualidade em relação à “incapacidade” que padece o demandante, inviável é aferir-se da bondade do decidido, devendo, assim, o Tribunal Judicial de Base, após o decretado novo julgamento, emitir também (nova) pronúncia sobre esta matéria.
Decisão
4. Em face do exposto, em conferência, acordam decretar o reenvio dos autos para novo julgamento nos exactos termos consignados.
Pelo decaimento, pagarão os recorrentes, a taxa individual de justiça de 4 UCs.
Registe e notifique.
Macau, aos 31 de Julho de 2020
Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei
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