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Processo nº 864/2020
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 29 de Outubro de 2020
Recorrente: A
Recorrida: B, S.A.
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  Nestes autos de processo especial do trabalho em que é sinistrada,
  A, e
  Entidade patronal C, S.A., e
  Seguradora B, S.A.
  todos com os demais sinais dos autos,
  foi proferida decisão segundo a qual foi fixado o valor de desvalorização da IPP da sinistrada A em 0%, absolvendo a seguradora B, S.A. do pagamento de indemnização a título de IPP.
  Não se conformando com a decisão proferida vem a sinistrada interpor recurso da mesma, formulando as seguintes conclusões e pedido:
A. A recorrente não está a colocar em questão a livre convicção do juiz a quo, particularmente a sobre os pareceres, emitidos pelo perito médico-legal efectuador do exame físico e pelos médicos da junta médica, relativamente à incapacidade da recorrente. A recorrente concorda inteiramente que o Tribunal a quo goza duma margem de livre apreciação quanto às provas relativas à incapacidade dela.
B. No entanto, a recorrente é da opinião de que a aludida perícia da junta médica a fls. 122 - base da convicção da decisão recorrida - viola as regras de avaliação legalmente estabelecidas e padece de erro notório, o que leva a que o respectivo resultado pericial não pode reflectir fielmente o verdadeiro grau de incapacidade da recorrente. Consequentemente, a decisão recorrida também incorre em erro de apreciação de facto.
C. Do referido relatório pericial resulta demonstrado que os três peritos que compuseram a junta médica concluíram unanimemente que o grau de desvalorização da IPP da recorrente foi de 0%.
D. A junta médica não negou que a lesão da recorrente, ou seja, as dores de cabeça, pudessem comprometer a sua capacidade de trabalhar ou ganhar o seu sustento. Apenas não as considerou como sequela da lesão cerebral leve sofrida em Abril de 2018. Quer dizer que a junta médica entendeu não haver nexo de causalidade entre a lesão e o acidente de trabalho, pelo que fixou o grau de desvalorização da IPP em 0%.
E. No caso dos autos, por um lado, não há prova de que a recorrente tenha sofrido dores de cabeça anteriormente ao acidente de trabalho, existindo, pelo contrário, indícios manifestos de ela começar a sofrer dores na cabeça logo depois do acidente; por outro lado, tendo o facto ocorrido no local e no tempo de trabalho, a lesão corporal (dores de cabeça) sofrida pela recorrente deve ser considerada como resultante do acidente de trabalho em causa nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alíneas a) e c) do DL n.º 40/95/M.
F. Além disso, cumpre salientar que a seguradora, a empregadora e a recorrente já chegaram a acordo, na tentativa de conciliação, sobre a existência do nexo causal entre a lesão e o acidente de trabalho, o que foi confirmado pelo Venerando Juiz na forma de sentença (fls. 97 dos autos). Por outras palavras, ficou provado que a lesão corporal sofrida pela recorrente tinha sido causada pelo acidente de trabalho em escrutínio.
G. O objecto da perícia em questão é a desvalorização da IPP da recorrente. A junta médica não devia nem podia negar o nexo de causalidade que já se tinha considerado processualmente provado. De facto, a verdadeira atribuição dessa junta médica devia ser determinar o grau de desvalorização da capacidade de trabalho ou de ganho infligida pelas lesões sofridas (incluindo as dores de cabeça).
H. Por conseguinte, a avaliação da junta médica relativamente à IPP da recorrente manifestamente não observa a ordem do juiz respeitante ao objecto da perícia, pelo que não devia ter sido admitida.
I. Face ao exposto, o Tribunal a quo incorreu em erro notório na apreciação das provas dos autos, sobretudo o relatório da junta médica a fls. 122 e o resultado do exame físico a fls. 77 e, em consequência, erroneamente dando como provado o resultado pericial do relatório a fls. 122.
J. Atentos os dados dos autos, entendemos que o resultado do exame físico a fls. 77 é mais objectivo do que o parecer da junta médica a fls. 122. Portanto, a desvalorização da IPP da recorrente deve ser fixada em 7% de acordo com o resultado de fls. 77.
Pelo expendido, pede que se julgue procedente o presente recurso, revogando-se a sentença recorrida, confirmando-se a desvalorização da IPP de 7%, tal como avaliada pelo exame físico, e condenando-se a recorrida B, S.A. a pagar à recorrente a indemnização em dívida, a título da IPP de 7%.
  Contra-alegando veio a seguradora pugnar para que fosse negado provimento ao recurso, apresentando as seguintes conclusões:
I. Veio a aqui Recorrente utilizar a faculdade prevista nos artigos 110.º e seguintes do Código de Processo do Trabalho, interpondo o seu Recurso contra a decisão do douto Tribunal a quo, em suma, por esta ter violado as regras da livre apreciação da prova, concluindo pela alegação de que a douta sentença enferma o vício de erro notório na apreciação da prova.
II. Entendendo que a junta médica andou mal ao ter considerado que as dores de cabeça apresentadas pela Autora não serem uma sequela do acidente de trabalho melhor descrito nos autos, alegando ainda que, por um lado, não há informações para demonstrar que a Autora já padecia de dores de cabeça antes do acidente e que estas apenas começaram após o mesmo, como também, sustenta que tendo o acidente ocorrido no local e no horário de trabalho, se presumem como consequência do acidente de trabalho.
III. Entende a ora Recorrida, que não assiste razão às alegações da ora Recorrente, sendo que, as normas legais aplicáveis são claras e concisas, sendo concedida ao Juiz a livre apreciação das provas existentes nos autos.
IV. Foi requerida a competente perícia médica para, tendo para esse efeito, cada uma das partes designado um perito e o CHCSJ indicado, a pedido do Tribunal a quo, um especialista para completar o colégio de 3 peritos, ao quais reuniram no dia 22 de Maio de 2020, tendo sido opinião dos 3 peritos presentes, de que a Incapacidade Permanente Parcial a atribuir no presente caso é de 0%.
V. Assim, os três peritos integrantes da junta médica foram unânimes quanto ao resultado a que chegaram e justificaram, com toda a clareza, as suas conclusões médicas, que os levaram a considerar que o IPP era de 0%.
VI. Nessa conformidade, considerou o douto Tribunal a quo, na sua douta sentença, que a IPP a atribuir à Autora seria de 0%, entendendo que, ninguém melhor do que os peritos médicos, munidos de todas as informações necessárias, poderia apurar qual a real situação da Autora e as sequelas e incapacidades que a mesma teve com o acidente de trabalho.
VII. Pelo que, o douto Tribunal a quo, adoptou, na sua plenitude, o resultado do exame da junta médica, o qual reuniu o consenso dos 3 médicos integrantes do mesmo, entendendo a ora Recorrente, que a decisão do douto Tribunal a quo se encontra devidamente justificada, não enfermando o qualquer vício seja ele erro de julgamento ou erro notório na apreciação das provas.
VIII. Não existe qualquer fundamento válido para desvalorizar o resultado da perícia colegial que, avaliando todos os factos existentes nos autos, ajuizou, por unanimidade dos seus membros, que a sinistrada não apresenta sequelas do acidente dos Autos e consequentemente concluiu pela atribuição de 0% de IPP.
IX. Os relatórios médicos visam habilitar o Meritíssimo Juiz, como “perito dos peritos”, com os necessários conhecimentos técnicos de especialistas de forma a poder proferir a mais justa das decisões, pois, tratando-se de matéria clínica, ninguém melhor do que os especialistas na referida matéria para elucidarem quem não esteja na posse dos conhecimentos técnicos necessários a tal entendimento.
X. Assim, e tendo em conta a clara e unânime resposta dos Senhores peritos que integraram a Junta, entendeu, o douto Tribunal a quo, adoptar essas mesmas conclusões, a nosso ver, correctamente.
XI. O valor probatório das respostas dos peritos é, como se sabe, livremente apreciado e fixado pelo Tribunal, conforme artigos 383º do Código Civil e 512º do Código de Processo Civil, embora entendamos que a livre apreciação deste tipo de prova tem contornos mais exigentes do que os postulados pela regra geral da livre apreciação das provas consagrada no número 1 do artigo 558º do C.P.C.
XII. No presente caso, muito embora o Juiz a quo não esteja forçosamente vinculado à rigorosa observância das respostas periciais, (... ainda que unânimes), sempre terá de admitir que às conclusões a retirar presidam mais do que as regras normalmente decorrentes da lógica, da razão e das máximas da experiência comum, que terão naturalmente de ser precedidas/complementadas com as regras de uma ciência cultivada em especial pelos peritos intervenientes.
XIII. Face às suas naturais limitações científicas, e tratando-se de uma valoração eminentemente técnica, é induzido a aceitar, por via de regra, o saber técnico-científico inerente às “legis artis” dos peritos e foi precisamente isso que aconteceu.
XIV. A ora Recorrida concorda, totalmente, com a decisão do Tribunal a quo, pois a prova produzida nos presentes autos, nomeadamente os relatórios médicos e especialmente o relatório da junta médica, o qual expressa a opinião unânime dos 3 médicos designados, foi devidamente valorado.
XV. Pelo que consideramos que não assiste qualquer razão à ora Recorrente, e, no nosso entender, não houve qualquer erro de julgamento ou na apreciação da prova por parte do Tribunal a quo, sendo que, após a apreciação dos argumentos apresentados, por parte desse Venerando Tribunal da Segunda Instância deverá ser proferido douto Acórdão que julgue improcedente o presente recurso, mantendo-se a sentença ora Recorrida.
  Foram colhidos os vistos.
  
  Cumpre, assim, apreciar e decidir.
  
II. FUNDAMENTAÇÃO

  É o seguinte o teor da decisão recorrida:
  «No presente processo especial do trabalho, a sinistrada A, a entidade empregadora C, S.A. e a entidade seguradora B, S.A. não alcançaram uma transacção na tentativa de conciliação. A entidade seguradora não concordou com a IPP de 7% descrita no relatório de perícia médico-legal e requereu a constituição de junta médica para realizar a nova perícia.
  As partes chegaram a acordo sobre os seguintes factos:
  - O acontecimento em causa foi um acidente de trabalho;
  - Existiu nexo de causalidade entre o acidente de trabalho e a lesão;
  - A retribuição base mensal da sinistrada era de 27.468,34 patacas;
  - As despesas médicas da sinistrada, no montante de 17.384 patacas,
foram totalmente pagas;
  - A sinistrada sofreu, devido ao acidente de trabalho, incapacidade temporária absoluta durante 50 dias, e já foi totalmente indemnizada pelo dano;
  - A responsabilidade derivada do acidente em questão foi transferida para a supra referida companhia seguradora.
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  Tendo sido realizada a perícia da junta médica, os membros desta concordaram unanimemente em fixar o valor de desvalorização da IPP em 0%. Para os efeitos devidos, dá-se por integralmente reproduzido o teor do relatório da perícia da junta médica constante de fls. 122 dos autos.
  Notificadas do aludido relatório, nenhuma das partes se pronunciou no prazo legal.
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  Este Tribunal é competente.
  o processo é o próprio.
  As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias e mostram-se legítimas.
  Inexistem nulidades, excepções ou outras questões prévias que obstem à apreciação “de meritis”.
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  Considerando que o relatório da junta médica a fls. 122 é mais objectivo do que o resultado do exame físico a fls. 77, este Tribunal admite o resultado pericial do relatório a fls. 122.
  Tendo em conta os factos a que as partes chegaram a acordo na tentativa de conciliação, o resultado do atrás falado relatório pericial da junta médica e os dados constantes dos autos, fica provado que o que aconteceu à sinistrada foi um acidente de trabalho, e que a partir de 11 de Julho de 2019, data em que foi considerada recuperada das lesões, a IPP causada pelo dito acidente de trabalho passou a ser 0%.
  Dada a inexistência da IPP da sinistrada, a entidade seguradora não fica obrigada a indemnizá-la a esse respeito.
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  Nestes termos, decide-se:
  - Fixar o valor de desvalorização da IPP da sinistrada A em 0%;
  - Absolver a seguradora B, S.Á. do pagamento de indemnização a título de IPP.
  As partes estão isentas de custas.».
  Vejamos então.
  
  Entende a Recorrente e sinistrada que o relatório médico elaborado pelo clínico que a examinou na fase conciliatória do processo e cujo relatório consta de fls. 77 atribuindo-lhe uma desvalorização de 7% devia ser aquele a que a sentença haveria de ter atendido aquando da fixação da IPP e não o resultado da perícia médica cujo relatório consta de fls. 122.
  Na decisão sob recurso entendeu-se que o relatório da perícia médica é mais objectivo do que o resultado do exame antes realizado por um único médico.
  A Recorrente entende que por ter dores de cabeça deveria o tribunal ter acompanhado o resultado do exame clínico que lhe fixava uma incapacidade de 7%, contudo, da perícia médica realizada a qual está devidamente fundamentada em exames médicos realizados, nomeadamente CT e MRI, dos quais resulta não ter havido qualquer alteração traumática, não se apurou qualquer nexo de causalidade entre as invocadas dores de cabeça e eventuais sequelas do acidente sofrido pela sinistrada.
  No que concerne à impugnação da matéria de facto tem vindo a ser entendimento deste tribunal que, «para que a decisão da 1ª instância seja alterada, haverá que averiguar se algo de “anormal”, se passou na formação dessa apontada “convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção do julgador de 1ª instância, retratada nas respostas que se deram aos factos, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, ou com outros factos que deu como assentes» - veja-se Acórdão de 09.05.2019 proferido no processo nº 240/2019.
  No caso em apreço a Recorrente/sinistrada apenas invoca a sua discordância por se ter dado prevalência ao resultado da perícia colegial em detrimento do exame feito por um único médico cujo resultado lhe era mais favorável.
  No entanto o tribunal asserçou a sua escolha na maior objectividade do relatório pericial, o que se mostra adequado em face do texto da fundamentação do exame realizado a fls. 77 e do relatório a fls. 122, dado que o exame colegial considerou e observou exames clínicos e o exame médico assentou apenas nas queixas apresentadas pela sinistrada.
  Destarte, nada se indicando que se resulte ter havido erro na formação da convicção do tribunal quanto à decisão recorrida, impõe-se concluir no sentido de negar provimento ao recurso mantendo esta (a decisão recorrida).
  
III. DECISÃO
  
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos nega-se provimento ao recurso mantendo a decisão recorrida nos seus precisos termos.
  
  Sem custas por delas estar isenta a Recorrente.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 29 de Outubro de 2020.
  Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
Lai Kin Hong
Fong Man Chong

864/2020 CÍVEL 1