Processo nº 67/2020 Data: 31.07.2020
(Autos de recurso jurisdicional)
Assuntos : Pedido de renovação da concessão.
Erro nos pressupostos de facto.
Erro nos pressupostos de direito.
SUMÁRIO
1. O “recurso contencioso” é o meio (processual) próprio para obter o reconhecimento judicial da existência de (todos os) vícios que possam inquinar um acto administrativo lesivo, e, assim, obter a sua anulação contenciosa.
2. Constituindo o “erro nos pressupostos” um dos vícios de violação de lei que conduzem à anulação do acto administrativo, e competindo ao recorrente alegar e provar no recurso os factos integrativos do erro, cabe ao Tribunal, face a todos elementos legalmente admissíveis de que dispõe, formular um juízo sobre a conformidade com a realidade dos pressupostos de facto que a Administração teve em conta aquando da prolação do acto impugnado.
3. O “erro nos pressupostos de facto” constitui assim uma das causas de invalidade do acto administrativo, consubstanciando um vício de violação de lei que configura uma ilegalidade de natureza material, pois é a própria substância do acto administrativo que contraria a lei.
Tal vício consiste na divergência entre os pressupostos de que o autor do acto partiu para prolatar a decisão administrativa final e a sua efectiva verificação na situação em concreto, resultando do facto de se terem considerado na decisão administrativa factos não provados ou desconformes com a realidade.
Assim, se o pressuposto (factual) de que o acto recorrido partiu, não se mostra verificado, o mesmo encontra-se inquinado com o vício de “violação de lei” por “erro nos pressupostos de facto”.
O «erro sobre os pressupostos de facto», traduz-se na divergência entre os factos que a entidade administrativa teve em conta para decidir como decidiu, e a sua real ocorrência;
4. O «erro nos pressupostos de direito», traduz-se na inadequação do regime jurídico e normas jurídicas aplicadas pela entidade administrativa à base factual convocada.
O relator,
José Maria Dias Azedo
Processo nº 67/2020
(Autos de recurso jurisdicional)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Em sede dos Autos de Recurso Contencioso no Tribunal de Segunda Instância registados com o n.° 48/2019 proferiu-se o seguinte Acórdão, (que se passa a transcrever na parte que agora se considera relevante para a decisão proferir):
“I – Relatório
CHEOK HOI ou CHEOC HOI, com os demais sinais dos autos,
Recorre contenciosamente do despacho do CHEFE DO EXECUTIVO, datado de 30 de Novembro de 2018 e exarado na Proposta n.º 294/DSO/2018,---
Através do qual indeferiu o pedido de renovação da concessão de um terreno rústico, com a área de 886.74 m2, sito na ilha da Taipa, junto ao caminho da Povoação de Cheoc Ká (lote TN2b) destinado a fins agrícolas.
Na petição inicial, formulou as seguintes conclusões:
(…)
III – Os Factos
1 - Por escritura pública outorgada em 11 de Novembro de 1974, lavrada a fls. 1 do Livro n.º 157 da Repartição Provincial das Serviços de Finanças de Macau, foi titulada a favor de Cheoc Hoi, a transmissão do direito resultante da concessão, por arrendamento, do terreno com à área de 886.74 m2, situado na ilha da Taipa, junto ao Caminho da Povoação de Cheok Ká, Lote TN2b, descrito na Conservatória do Registo Predial (CRP) sob o n.º 21 125 a fls. 106V do livro B47, conforme inscrição a seu favor sob o n.º 8409 a fls. 75V do livro F9.
2 - Foi estabelecido na cláusula segunda do aludido contrato que o terreno se destina, unicamente, a fins agrícolas, sendo, de acordo com o previsto na cláusula terceira do mesmo contrato, o prazo do arrendamento de 50 anos, a contar de 25 de Dezembro de 1952 (data da primitiva escritura do contrato), ou seja, até de 24 de Dezembro de 2002.
3 - Em 6 de Dezembro de 2002, “G”, na qualidade de procuradora substabelecida de CHEOC HOI, solicitou a renovação da concessão do referido terreno por mais um período de 10 anos.
4 - A DSSOPT efectuou o cálculo da contribuição especial devida pela renovação do prazo da concessão do terreno por um período de 10 anos e enviou à Direcção dos Serviços de Finanças (DSF) a respectiva folha de cálculo, solicitando que notificasse a requerente para cobrança.
5 - Por outro lado, a DSSOPT deu conhecimento à requerente do envio da aludida folha de cálculo à DSF e de que esta oportunamente a notificaria para pagamento da contribuição especial, nos termos da Portaria n.º 219/93/M, de 2 de Agosto, juntando ao ofício cópia do requerimento da interessada a fim de esta proceder ao registo da renovação junto da CRP.
6 - Por requerimento apresentado em 10 de Fevereiro de 2006, a sociedade “B”, depois de expor que adquiriu, por escritura pública de 31 de Outubro de 2005, outorgada no Cartório do Notário Privado Adelino Correia, lavrada a fls. 112 e seguintes do Livro n.º 43, os direitos resultantes da concessão por arrendamento do sobre dito terreno e de que a CRP recusou o registo de aquisição desses direitos a seu favor com fundamento na violação da alínea a) do artigo 146.º da Lei de Terras, apesar de terreno se encontrar aproveitado dado ter sido recentemente renovada a concessão por mais um período de 10 anos, solicitou que fosse autorizada a alteração da sua finalidade para fins habitacionais e comerciais, em virtude de não se justificar a continuidade dessa a concessão nos termos e moldes como foi inicialmente atribuída, atentos a falta de vocação dos terrenos naquela zona para a prática de actividades relacionadas com a agricultura e aumento do parque habitacional na Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), sobretudo na zona da Taipa.
Essa requerente solicitou ainda que fosse autorizada, nos termos do artigo 143.º da Lei de Terras, a transmissão dos direitos resultantes da concessão por arrendamento do terreno em causa a seu favor.
7 - Todavia, em 11 de Maio de 2010, “B”, declarou a desistência dos aludidos pedidos.
8 - Posteriormente, em 21 de Junho de 2012, C e D, na qualidade de administradores da “Sociedade de Investimento e Desenvolvimento San Son Meng, Limitada”, sendo esta sociedade na qualidade de procuradora substabelecida de CHEOC HOI, declararam, nos termos do n.º 1 do artigo 55.º da Lei de Terras, que este concessionário pretende “a renovação por dez anos, a contar de 25 de Dezembro de 2012, da concessão definitiva, por arrendamento”.
9 - Foram tiradas fotografias no local, em 20 de Agosto de 2012 e 31 de Janeiro de 2013.
10 - Em 15/07/2015 foi elaborada a seguinte Proposta nº 221/DSODEP/2015:
“Proposta N.º: 221/DSODEP/2015
Data: 15/07/2015
Assunto: Pedido de renovação da concessão do terreno, com a área de 886,74 m2, situado na ilha da Taipa, junto ao Caminho da Povoação de Cheoc Ká (lote TN2b), concedido por arrendamento, destinado a fins agrícolas. (Processo n.º 6198.02)
1. Relativamente a um terreno com a área de 886,74 m2, situado na ilha da Taipa, junto ao Caminho da Povoação de Cheok Ká, destinado à finalidade rústica, cujo contrato de concessão por arrendamento titulado por escritura pública outorgada em 11 de Novembro de 1974 foi transmitido a favor de CHEOC HOI (卓開), e após a análise do respectivo processo, sobretudo tomando como referência o parecer do Departamento Jurídico (DJUDEP) emitido para casos semelhantes, bem como tendo em consideração que:
1) O terreno cuja renovação foi solicitada encontra-se abandonado e sem qualquer indício de actividade rústica;
2) O concessionário do terreno não alterou a finalidade ou o aproveitamento do terreno simplesmente não desenvolveu qualquer actividade no mesmo;
3) O Departamento de Planeamento Urbanístico (DPUDEP) informou que, conforme o novo estudo do planeamento, basicamente, a finalidade rústica não é adequada aos terrenos situados naquela zona serem, devendo as condições principais de desenvolvimento serem de finalidade não industrial;
4) O concessionário ainda é vivo;
5) Foram considerados condicionalmente passíveis de aprovação, por esta Direcção de Serviços, os projectos de construção registados sob o n.º T-3304 de 6 de Julho de 1992 e sob o n.º T-5093 de 12 de Outubro de 1992 apresentados pelo concessionário, e foi emitido parecer favorável condicionado ao estudo prévio de alteração registado sob o n.º T-4839 de 13 de Outubro de 2006 apresentado pela “B” (procuradora substabelecida do concessionário);
Através da informação n.º 061/DSODEP/2013 (vide o original em anexo 1) de 4 de Fevereiro, este departamento solicitou as instruções superiores sobre a renovação ou não da concessão por arrendamento acima referida por 2 anos de acordo com a disposição do n.º 4 do artigo 61.º da Lei de Terras.
2. Para o efeito, pelo despacho do Sr. Director desta Direcção de Serviços de 15 de Março de 2013 exarado na referida informação, foi ordenado a este departamento a solicitação do parecer jurídico antes de submeter a informação ao Sr. Secretário para os Transportes e Obras Públicas (STOP).
3. Em cumprimento do referido despacho do Sr. Director, este departamento, através da CSI n.º 167/6198.02/2013 de 18 de Março, enviou a referida informação ao DJUDEP para análise e emissão de parecer. (Anexo 2)
4. Nestas circunstâncias, através da proposta n.º 67/DJUDEP/2013 (Anexo 3) de 30 de Outubro, o DJUDEP emitiu a análise do respectivo processo como segue:
「II - Enquadramento jurídico
11. Importa antes de mais averiguar se a Lei n.º 6/80/M, de 5 de Julho, é aplicável ao caso vertente, uma vez que a escritura de contrato foi outorgada em 11 de Novembro de 1974.
12. De acordo com a cláusula sétima do contrato em tudo a que neste foi omisso aplica-se as disposições do Regulamento de Ocupação e Concessão de Terrenos do Estado, aprovado pelo Diploma Legislativo n.º 1679, de 21 de Agosto de 1965 e demais legislação aplicável.
13. A este diploma sucedeu a Lei n.º 6/80/M, de 5 de Julho, que revogou toda a legislação geral e especial que contrarie as suas disposições (cfr artigo 202.º).
14. Em sede de disposições finais e transitórias, prevê o artigo 195.º da Lei n.º 6/80/M, com a redacção dada pela Lei n.º 8/83/M, de 13 de Agosto, que as concessões provisórias anteriores à sua entrada em vigor se passam a reger pela lei nova (Lei n.º 6/80/M), ainda que com algumas ressalvas.
15. No que concerne às concessões definitivas de pretérito, isto é, constituídas ao abrigo da legislação anterior, de acordo com o artigo 197.º, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 78/84/M, de 21 de Julho, as concessionárias devem declarar, até 31 de Dezembro de. 1984, se desejam que os respectivos arrendamento continuem a rege-se pela ou do período decorrente dos seus contratos, se pretendem optar pelo regime da lei nova, considerando-se que optam por esta, na falta de declaração.
16. No caso vertente, tendo em conta que em 1974 o então Governador de Macau autorizou o pedido formulado por CHEOC HOI de transmissão a seu favor do direito de arrendamento do aludido terreno, que havia sido concedido para fins agrícolas a seu irmão F, mas que este trespassara, sem autorização expressa da entidade concedente, ao requerente que o cultivava há mias de 15 anos, afigura-se que a concessão tem carácter definitivo.
17. Assim, não existindo no processo n.º 6198.02 da DSSOPT, nem no processo n.º 73/74 da Comissão de Terras a declaração a que se refere o artigo 197.º da Lei de Terras, a concessão do terreno em causa passou a reger-se pela lei nova (Lei n.º 6/80/M).
18. Dado que se trata de um arrendamento de terreno rústico destinado a fins agrícolas, afigura-se que o mesmo não pode beneficiar do regime de renovação previsto no artigo 55.º, na redacção dada pela Lei n.º 2/94/M, de 4 de Julho, aplicável tão só às concessões por arrendamento, onerosas e definitivas, de terrenos para fins urbanos.
19. A renovação das concessões definitivas de terrenos urbanos é praticamente automática, uma vez que basta a apresentação de uma declaração pelo titular ou contitular do direito à concessão, junto de DSSOPT (cfr. n.º 1 do artigo 55.º).
20. Por essa renovação é devida uma contribuição especial cujo montante, processamento e liquidação foram estabelecidas pela Portaria n. º 219/93/M, de 2 de Agosto.
21. Quanto ao registo de renovação, estabelece o n.º 1 do artigo 135.º da Lei de Terras que “A renovação da concessão onerosa definitiva é registada a requerimento de qualquer dos titulares, contitulares, credores ou demais interessados, como tal definidos nos termos desta lei.”, prevendo o n.º 2 deste artigo que “o requerimento é acompanhado do duplicado da declaração referida no n.º 1 do artigo 55.º , com registo de entrada nos serviços públicos a que se refere o artigo 112.º”, ou seja, na DSSOPT.
22. Às renovações dos arrendamentos de terrenos rústicos aplica-se a norma específica do n.º 4 do artigo 61.º da Lei de Terras, que estipula que “o prazo das renovações não deve exceder, para cada uma, dois anos”.
23. Neste contexto, a DSSOPT não devia ter efectuado e enviado o cálculo da contribuição especial à DSF, no seguimento do pedido de renovação do prazo de concessão por um período de 10 anos, apresentado pela G, em 6 de Dezembro de 2002, o qual devia ter sido indeferido com fundamento no facto de a norma invocada para sustentar o pedido apenas ter aplicação nas concessões de terrenas urbanas, o que não é o caso.
24. Outrossim, a Conservatória do Registo Predial deveria ter recusado o registo porquanto compete ao conservador apreciar a viabilidade do pedido de registo em face das disposições legais aplicáveis, conforme preceitua o artigo 59.º do Código de Registo Predial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46/99/M, de 20 de Setembro.
À luz do artigo 59.º do Código de Registo Predial, compete ao conservador apreciar a viabilidade do pedido de registo em face das disposições legais aplicáveis, dos documentos apresentados e dos registos anteriores, verificando a legitimidade dos interessados, a regularidade formal dos títulos e a validade dos actos dispositivos nele contidos.
O sistema do registo na RAEM é, em geral, declarativo e não constitutivo de direitos. Isto quer dizer que o direito constituiu-se fora do registo, designadamente por mero efeito do contrato, e ao assento registal fica apenas adstrito o papel de publicar (declarar) o direito.
Este sistema de registo não garante o direito, não torna incontestável nenhuma aquisição, mas em princípio quem figura no registo é havido como titular do direito (cfr. Artigo 7.º do CRP).
Deste modo, o efeito imediato ou automático do registo definitivo é a presunção de titularidade do direito. Trata-se de uma presunção elidível, ou seja, admite prova em contrário.
Mas enquanto não for comprovado e decidido o contrário (por decisão judicial), há-de consideram-se que a verdade que publicita é coincidente com a verdade material.
A impugnação dos factos registados só pode ter lugar no âmbito de uma acção judicial, nos termos decorrente do artigo 8.º da CRP.
Assim, embora se passa provar que o registo de renovação de concessão em apreço foi efectuado contra legem, tal só pode ser impugnado através de uma acção judicial, em que seja pedido o cancelamento do referido averbamento.
Resumindo, não é pelo facto de constar do registo a renovação de concessão por um período de 10 anos que se considera que essa renovação é válida, porque o registo não garante direito. Porém, o cancelamento do registo só pode ser efectuado com base na extinção dos direitos, ónus ou encargos nele definidos ou em execução de decisão judicial transitada em julgado (cfr. artigo 14.º do CRP)
25. O acto de liquidação da contribuição especial efectuado com base no n.º 4 do artigo 55.º de Lei de terras e na Portaria n.º 219/93/M, de 2 de Agosto está, pois, ferido de ilegalidade.
26. Ora, a ilegalidade de um acto administrativo determina como consequência a sua invalidade cuja sanção é, neste caso, a da anulabilidade, atento o disposto no artigo 124.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), por estarmos perante um vício de violação dele, por erro nos pressupostos de direito.
27. Porém, o acto anulável só pode ser revogado com fundamento na sua invalidade e dentro de certos prazos, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 130.º do CPA.
28. Enquanto não for anulado, o acto é eficaz, produz efeitos como se fosse válido e se não for impugnado dentro do prazo legal, a ilegalidade não pode mais ser invocada, consolidando-se o acto na ordem jurídica.
29. É o que sucede no caso vertente, tendo em conta o tempo decorrido desde a prática do acto.
30. Cabe agora analisar a transmissão do direito de concessão pro arrendamento do referido terreno a favor de sociedade “B”, através do contrato de compra e venda titulado por escritura de 31 de Outubro de 2005, exarada a fls. 112 a 116 do livro 43.
31. Ora, na concessão de terrenos rústicos aplica-se o regime previsto no artigo 146.º da Lei de Terras.
32. Segundo esta norma é permitida a transmissão de concessão no caso de morte do arrendatário e pode ser autorizada em caso de execução judicial. Porém, se o terreno se destinar a fins agrícolas, no caso de morte do arrendatário os herdeiros só tem direito a manter a concessão pelo tempo indispensável para o integral aproveitamento das culturas já implantadas.
33. Daqui parece resultar que a transmissão inter-vivos só é permitida, mediante autorização, em caso de execução judicial.
34. Neste sentido, o aludido contrato de compra e venda do direito de concessão do terreno com a área de 886,74 m2 contraria o regime previsto no artigo 146.º da Lei de terras, de cariz imperativo.
35. Com efeito, em relação aos terrenos rústicos a lei não quis, de todo em todo, permitiu a realização de negócios que visem a transferência do direito de arrendamento da esfera jurídica do concessionário para a de outrem.
36. Assim, o referido contrato de compra e venda é nulo porque o seu objecto é contrário à lei, nos termos do disposto no artigo273.º do Código Civil.
37. Resta agora analisar a questão da declaração de renovação da concessão, por um período de dez anos a contar de 25 de Dezembro de 2012, apresentada pela “Sociedade de Investimento e Desenvolvimento San Son Meng, Limitada”, na qualidade de procuradora substabelecida de CHEOC HOI.
38. Como explicitámos anteriormente às concessões de terrenos rústicos não se aplica o regime de renovação previsto no artigo 55.º, mas sim o disposto no n.º 4 do artigo 61.º da Lei de Terras, segundo o qual o prazo das renovações não deve exceder, para cada uma, dois anos.
39. Sucede que, no caso vertente, há já longos anos o terreno deixou de ser utilizado para fins agrícolas, deixando portanto de prosseguir a finalidade que justificou a concessão.
40. As fotografias tiradas no local em 20 de Agosto de 2012 e 31 de Janeiro de 2013 confirmam que o terreno se encontra devoluto.
41. Com o desenvolvimento urbanístico da ilha da Taipa, devido à escassez de terrenos disponíveis na península de Macau, a zona onde o terreno se insere perdeu a sua vocação agrícola e industrial, conforme resulta da CSI n.º 1486/DPU/2012, de 25 de Outubro.
42. Como é consabido, a configuração do espaço urbano e os usos dos solos não permanecem estáticos, mas antes em permanente evolução.
43. Não obstante essa alteração, afigura-se que tendo há muito cessado o aproveitamento e finalidade do terreno, este (prédio rústico) deixa de preencher a sua função socioeconómica, que foi causa da concessão pelo que não se justifica a renovação da concessão por dois anos, ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 61.º da Lei de Terras.
44. Aliás, em nosso entender, o facto de no terreno não está a sua explorada qualquer actividade agrícola não pode deixar de constituir uma alteração pela abstenção ou omissão do aproveitamento do terreno e da finalidade subjacente à concessão, tão ou mais reprovável do que a alteração positiva, não autorizada, do aproveitamento e da finalidade, atento o interesse público que enforma as concessões de terrenos do domínio privado do Estado.
45. Tal situação de facto constitui incumprimento do contrato de concessão e justifica a rescisão do contrato ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 169.º da Lei de Terras.
46. Face a todo o exposto, não obstante as irregularidades cometidas pela DSSOPT e pela CRP nos anteriores procedimentos de renovação, e bem como o facto de o terreno não estar a prosseguir a finalidade de agrícola para que foi concedido, assim sendo, somos de parecer que a concessão não deve ser renovada, e consequentemente o terreno deve reverter ao Estado, devendo a decisão ser precedida de audiência dos interessados nos termos dos artigos 93.º e 94.º do CPA.
5. Em 27 de Outubro de 2014, esta Direcção de Serviços emitiu a Planta de Condições Urbanísticas (PCU) n.º 88A003, mas na altura o prazo de arrendamento do terreno já tinha terminado em 24 de Dezembro de 2012. (Anexo 4)
6. Através da CSI n.º 1101/DURDEP/2015 de 7 e Julho, o DURDEP informou este departamento de que conforme o despacho do Subdirector, substituto, de 24 de Junho de 2015, o anteprojecto de arquitectura (T-4817) apresentado pelos procuradores do concessionário em 27 de Março de 2015 foi considerado passível de aprovação, devendo o SDODEP proceder à revisão do contrato de concessão do terreno. Pelo ofício n.º 8874/DURDEP/2015 de 7 de Julho, os procuradores foram informados do referido despacho.
7. De acordo com o ponto 4 da presente proposta que se refere o parecer jurídico do DJUDEP, deve-se desencadear o procedimento de rescisão do contrato da concessão ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 169.º da Lei de Terras.
8. Face a todo o exposto, dado o parecer do DJUDEP, submete-se a presente proposta à consideração superior sobre o acompanhamento do anteprojecto de arquitectura relativo ao terreno em causa.
À consideração superior
A Chefe do Departamento de Gestão de Solos,
H”
11 - O Secretário para os Transportes e Obras Públicas, por despacho de 5/08/2015, pôs termo a eventualidade de revisão, revogando a PCU e o despacho que considerou o anteprojecto de arquitectura passível de aprovação para efeito de construção no terreno de um edifício habitacional e comercial.
12 - Em 8/11/2018 foi elaborada a Proposta nº 294/DSO/2018, com o seguinte teor:
“Pedido de renovação do prazo de concessão do terreno coma área de 886,74 m2, situado na ilha da Taipal junto ao Caminho da Povoação de Cheoc Ka (lote TN2b), concedido por arrendamento, destinado a fins agrícolas (Proc. nº 6198.02)
1. Pelo despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas (STOP) de 5 de Agosto de 2015, exarado na proposta n.º 221/DSODEP/2015 de 15 de Julho de 2015, através dos ofícios n.ºs 642/6198.02/DSODEP/2015 e 664/6198.02/DSODEP/2015, foi comunicada, respectivamente, ao “Banco Tai Fung S.A.” (credor hipotecário) e à “Sociedade de Investimento e Desenvolvimento San Son Meng, Limitada” (procuradora do concessionário), a intenção de tomada de decisão sobre o indeferimento do pedido de renovação do prazo de Concessão do terreno, com a área de 886,74 m2, situado na ilha da Taipa, junto ao Caminho da Povoação de Cheoc Ká (lote TN2b), concedido por arrendamento, destinado a fins agrícolas, bem como a audiência prévia no prazo de 10 dias. (Anexo 1)
2. Através da entrada n.º 116794/2015 de 2 de Setembro de 2015, o “Banco Tai Fung S.A.” apresentou uma resposta escrita na fase de audiência, indicando que se trata de uma concessão definitiva e que a «Lei de Terras» não proíbe a conversão, mediante a revisão do contrato de concessão, de terrenos rústicos em terrenos urbanos devido à alteração do plano urbanístico. (Anexo 2)
3. Além disso, através da entrada n.º 125 063/2015 de 21 de Setembro de 2015, a “Sociedade de Investimento e Desenvolvimento San Son Meng, Limitada” também apresentou uma resposta escrita na fase de audiência. (vide o teor exarado em anexo 3)
4. Em cumprimento do despacho do Senhor Director destes Serviços, de 24 de Março de 2016, exarado na proposta n.º 055/DSODEP/2016 de 22 de Março de 2016, através das CSI’s n.ºs 0228/6198.02/DSODEP/2016, 0638/6198.02/2016 e 427/6198.02/2018, (Anexo 4), solicitámos ao Departamento Jurídico a emissão de parecer sobre as respostas escritas apresentadas na fase de audiência, e o respectivo parecer jurídico já foi emitido mediante a CSI n.º 292/DJUDEP/2018 de 15 de Outubro de 2018. (Anexo 5)
5. De acordo com as fotografias tiradas no local, verifica-se: (Anexo 6)
Data de fotografias
Situações concretas de terreno
20 de Agosto de 2012
O terreno está coberto de vegetação natural.
31 de Janeiro de 2013
O terreno está coberto de vegetação natural.
29 de Fevereiro de 2016
A pequena parte do terreno está a ser plantada, no local existem algumas construções temporárias de estrutura metálica, árvores e alguns veículos automóveis cujos proprietários são desconhecidos.
26 de Outubro de 2018
A pequena parte do terreno está a ser plantada, no local existem algumas construções temporárias de estrutura metálica, árvores e alguns veículos automóveis cujos proprietários são desconhecidos.
Análise e conclusão
6. Em primeiro lugar, dado que não se encontra qualquer declaração apresentada à Administração, a Lei n.º 10/2013 «Lei de Terras» aplica-se ao presente caso conforme os n.º s 1 e 3 do artigo 216.º da mesma lei.
7. Quanto às respostas escritas apresentadas pelo “Banco Tai Fung S.A.” e pela procuradora do concessionário, a “Sociedade de Investimento e Desenvolvimento San Son Meng, Limitada”, tendo em conta o parecer emitido pelo departamento jurídico destes Serviços em anexo 5, que aqui se dá por integralmente reproduzido, nomeadamente a análise nos n.ºs 5 a 17, julga-se de que os argumentos trazidos pelo concessionário e pelo credor hipotecário em sede de audiência prévia não contribuíram para uma alteração do projecto de decisão, devendo ser mantido o sentido da decisão de indeferir o pedido de renovação de concessão, como tal, impõe-se à Administração declarar a caducidade da concessão do terreno em apreço.
8. Assim sendo, considerando o parecer jurídico acima referido, nomeadamente a análise nos n.ºs 5 a 17, submete-se a presente proposta à consideração de V. Ex.ª, a fim de:
8.1. Indeferir o pedido de renovação do prazo de concessão do terreno, com a área de 886,74 m2, situado na ilha da Taipa, junto ao Caminho da Povoação de Cheoc Ká (lote TN2b) concedido por arrendamento, destinado a fins agrícolas, tendo em conta o parecer jurídico em anexo 5 e nos termos do artigo 59.º da Lei n.º 10/2013 «Lei de Terras»;
8.2. Autorizar o seguimento de declaração da caducidade da concessão em causa nos termos do artigo 52.º da mesma Lei;
8.3 Notificar as interessadas do despacho sobre o indeferimento do pedido de renovação do prazo de concessão do terreno, bem como enviar o processo à Comissão de Terras para efeitos de parecer e ulterior tramitação sobre a declaração da caducidade da concessão em causa mediante a publicação do despacho do Chefe do Executivo no Boletim Oficial, nos termos do artigo 167.º da mesma Lei.
À consideração superior.
A Técnica Superior
I”
13 - O Chefe do DSO, na mesma data, pronunciou-se assim:
“Considerando o parecer jurídico constante dos pontos 5 a 17 da CSI nº 292/DJUDEP/2018 no anexo 5, propõe-se que seja autorizado o proposto nos pontos 8.1 a 8.3 ou seja, indeferimento do pedido de renovação da concessão, seguimento do processo de declaração da caducidade da concessão, comunicação aos interessados do despacho que vier a recair sobre esta proposta, e envio do processo à Comissão de Terras para parecer e ulterior tramitação.”.
14 - Após o Director de Serviços ter manifestado a sua concordância com o proposto pelo Chefe do DSODEP, o Secretário para os Transportes e Obras Públicas, em 20/11/2018 despachou:
“À consideração superior com a minha concordância” (fls. 10 dos autos).
15 - O Chefe do Executivo, em 30/11/2018, proferiu o seguinte despacho (a.a.):
“ Indeferido conforme proposta” (fls. 10 dos autos).
16 - No momento a que se referem as fotografias referidas no facto 10, o terreno apresentava uma situação de incultivo revelando estado de abandono.
17 - Posteriormente a recorrente juntou aos autos novas fotografias ao procedimento, obtidas após a notificação do recorrente para efeito de audiência prévia de interessados.
18 - A sociedade “San Chon Meng” tem administrado o terreno, sob procuração de CHEOC HOI, que por sua vez o tem cedido gratuitamente, a terceiros, nomeadamente a testemunha que depôs em audiência, K, que mora muito perto do terreno, a fim de, gratuitamente, e em proveito próprio, numa parcela do terreno ali ir fazendo algum cultivo de vegetais e legumes, desde início de 2017.
19 - Em 2012 o terreno não estava a ser utilizado para fins agrícolas pelo recorrente.
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IV – O Direito
1. Este terreno tinha sido concedido ao recorrente para fins agrícolas, pelo período de 50 anos, com termo previsto para 24/12/2002. Era uma concessão definitiva.
Contudo, foi requerida a renovação da concessão. Em consequência, porém, da utilização de fotografias tiradas ao local em 2012 e 2013, teve a Administração oportunidade de constatar que o fim agrícola não estava a ser respeitado, dado que o recorrente não exercia ali nenhuma actividade agrícola com carácter regular e permanente.
E, com este fundamento, foi o pedido de renovação indeferido.
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2. O recorrente acha que a decisão de indeferimento (a.a.) sofre dos vícios de:
- Erro nos pressupostos de facto;
- Violação de lei (por erro nos pressupostos de direito);
- Violação do princípio da boa fé.
Apreciemo-los.
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3. Do vício de erro nos pressupostos de facto
Pretende o recorrente com este vício investir contra o fundamento com base no qual a decisão foi tomada. Para si, não é verdade que o terreno não estivesse a ser aproveitado para os fins agrícolas estabelecido no contrato de concessão.
Acontece que o procedimento administrativo revela um conjunto de fotografias que mostram claramente o estado de abandono e incultivo na data em que foram tiradas. E se alguma pequena franja do terreno apresentasse alguma cultura incipiente, o recorrente nem sequer demonstrou que fosse ele quem a estivesse a efectuar.
E a prova efectuada em audiência no âmbito do presente processo judicial de recurso contencioso também não revelou melhor prova. Com efeito, apenas se apurou que o terreno tem vindo a ser pontualmente cultivado, mas a título gratuito e precário por uma pessoa (testemunha) residente nas imediações do local, aparentemente contrariando o disposto no art. 147º da Lei de Terras. Quem tirava proveito de parte do terreno era, pois, a testemunha e não o concessionário.
E quando foi feita a concessão para aquele efeito, obviamente o objectivo era extrair a utilidade e aptidão do terreno com aquela finalidade agrícola, ao serviço da população e do interesse público do fornecimento de alimentos de origem vegetal, e com carácter regular e permanente (e nunca ao serviço de um interesse privado, tal como vem acontecendo com a utilização precária por parte de um vizinho).
Ora, assim sendo, não tendo o recorrente feito prova do que alega (e era seu o ónus de prova neste caso) e como o terreno não estava a ser utilizado, ao tempo da prática do acto, com a finalidade para a qual foi concedido, temos que dar por inexistente o vício de erro nos pressupostos de facto.
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4. Do vício de violação de lei
A este respeito, o digno Magistrado do MP tece ocasião de sublinhar que «…o recorrente afirma que a lei não impõe qualquer condicionamento ou limite temporal para a suspensão do aproveitamento, pelo que inexiste base legal para a não renovação da concessão com fundamento no não aproveitamento do terreno na actividade agrícola a que se destinava a sua concessão.
Também não se crê que neste ponto lhe assista razão. Como se retira dos normativos aplicáveis (artigos 59.º e 50.º a 52.º da Lei de Terras), a renovação das concessões de terrenos rústicos está dependente de prévia autorização do Chefe do Executivo, que a dá ou denega a coberto de poderes eminentemente discricionários. No exercício de tais poderes, a Administração tem que prosseguir o interesse público, sem menosprezo desnecessário pelos interesses particulares, estando obrigada a observar limites internos e externos impostos à actividade administrativa, avultando entre estes o dever de exteriorizar os fundamentos relevantes para a adopção da decisão, ou seja, o dever de fundamentação. Constata-se que, na fundamentação, um dos motivos arregimentados foi a ausência de aproveitamento do terreno, onde não se detectava qualquer indício de actividade agrícola (cf. despacho recorrido e pareceres para que remete, incluindo as considerações jurídicas avançadas na comunicação de serviço n.º 292/DJUDEP/2018, a fls. 1246 e 1189 do processo instrutor). Pois bem, não proibindo a lei que o juízo discricionário sobre a renovação assente em elementos relativos à forma como o terreno é ou não aproveitado, apresenta-se óbvio que nenhuma afronta a pressupostos de direito é cometida por via de uma tal referência, cuja ponderação faz todo o sentido, dada a finalidade social inerente à ocupação dos terrenos do Estado».
Fazemos nossa a fundamentação acabada de transcrever.
Improcede, pois, invocado vício de erro nos pressupostos de direito.
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5. Do vício de violação do princípio da boa fé (art. 8º).
A este propósito, o recorrente vem afirmar que, já desde finais da década de 80 do século passado, vem tentando junto da Administração a alteração da finalidade da concessão, de modo que passe a ser possível a sua conversão em finalidade habitacional e comercial, por ao terreno faltar vocação agrícola. E que com vista a esse desiderato tem apresentado vários projectos, o ultimo dos quais em Março de 2015. E apenas nesta data, diz o recorrente, em virtude de só em Outubro de 2014 ter sido emitida pela DSOP a planta de condições urbanísticas (PCU 88A003).
Ao vir agora a Administração indeferir o pedido de renovação, e dessa maneira inviabilizar a alteração da finalidade que estava em marcha, entende ele estar perante uma posição que contraria a conduta anterior, além de não contribuir para assegurar o interesse público com vista a um mais eficaz aproveitamento do terreno, designadamente para fins habitacionais, o que contraria o princípio da boa fé previsto no art. 8º do CPA.
Apreciando.
Não cremos que ao recorrente assista razão. Com efeito, desde Agosto de 2015 que o recorrente já sabia que não haveria lugar a revisão, e que a PCU fora revogada e que fora impossibilitada a aprovação do projecto de arquitectura.
Além disso, é preciso não esquecer que estes factos (emissão de PCU e a passibilidade de aprovação do projecto de arquitectura) foram todos posteriores ao decurso do prazo de arrendamento, que era Dezembro de 2012.
Portanto, não cremos que, pelo menos, desde 2015, o recorrente pudesse manter a esperança no deferimento do pedido de renovação, ou que a Administração lhe tivesse incutido a ideia de que a sua pretensão.
De qualquer maneira, e como é sabido, “O princípio da boa fé plasmado no art. 8º do CPA significa que devem ser considerados os valores fundamentais do direito relevantes em cada caso concreto, em face da confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa (nº2, al. a)), ou em face do objectivo a alcançar com a actuação empreendida (al. b)). A invocação da violação do princípio a boa fé só faz sentido ante uma atitude da Administração que fira a confiança que nela o particular depositou ao longo do tempo, levando-o a crer que diferente decisão estaria para ser tomada.” (Ac. do TSI, de 5/06/2014, Proc. nº 625/2013).
Ora, tendo em conta o que se disse, ao recorrente não era legítimo pensar que a Administração tudo fez para o levar a crer que o terreno iria mudar de finalidade de aproveitamento e que o pedido de renovação iria ser deferido e que, uma vez renovado, iria ser aprovado o projecto de arquitectura para a construção de um edifício habitacional e comercial.
Acresce que, no domínio da actividade discricionária, a sindicabilidade dos actos administrativos praticados, só nos casos de erro notório ou manifesto e grosseiro é possível (v.g., Ac. do TSI, de 27/06/2019, Proc. nº 531/2018). E, sinceramente, não vemos qualquer motivo para avistar no acto em crise qualquer erro grosseiro e manifesto.
Improcede, pois, o vício.
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V – Decidindo
Face ao exposto, acordam em julgar improcedente o recurso contencioso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça em 8 UC.
(…)”; (cfr., fls. 146 a 158 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformado com o assim decidido, traz agora o recorrente, (CHEOK HOI), o presente recurso, onde, nas suas alegações, produz as conclusões seguintes:
“1. O presente recurso tem por objecto a revogação do acórdão do Tribunal de Segunda Instância, de 27 de Fevereiro de 2020, proferido nos autos supra identificados, o qual negou provimento à pretensão do Recorrente em ver anulado o acto de indeferimento da renovação do contrato de concessão de um terreno rústico, sito no Caminho de Cheoc Ká (Lote TN2B), na Taipa.
2. O Recorrente não se conforma, desde logo, que o Tribunal a quo não tenha considerado a verificação de um vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto, na medida em que considera que, ao contrário do que preconiza a decisão recorrida, o terreno em causa jamais deixou de ser cultivado e aproveitado, tal como o demonstra a prova documental junta, desde logo as fotografias juntas pela DSSOPT (fls. 1201-1205 do Processo Administrativo) e as que foram juntas pelo Recorrente (fls. 1218-1223 do Processo Administrativo), assim como a prova testemunhal produzida.
3. Pelo contrário, a decisão de indeferimento fundou-se apenas em duas fotografias, tiradas em 20 de Agosto de 2012 e 31 de Janeiro de 2013, facto que se afigura manifestamente-insuficiente para fundamentar o acto de indeferimento.
4. Ficou bem demonstrado o aproveitamento do terreno, pelo que entende o Recorrente que o Tribunal. a quo fez uma errada apreciação das provas por si carreadas, razão pela qual deveria ter decidido em sentido diverso, anulando o acto por vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto.
5. A decisão do Tribunal a quo está também ferida de ilegalidade ao não confirmar a anulação do acto por vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito.
6. Não suscita qualquer dúvida que a decisão do Chefe do Executivo tem uma margem de discricionariedade, mas tal não significa que a mesma não tenha que obedecer a princípios de Direito Administrativo, maxime, os princípios da proporcionalidade e da boa fé.
7. É preciso não esquecer que o contrato objecto dos autos vigora desde 25 de Dezembro de 1952, pelo que é normal que ao longo de mais de 65 anos de vigência tenha tido períodos de pousio, mas entende o Recorrente que não é qualquer paragem que fundamenta a decisão de não renovação, pois trata-se de uma concessão definitiva já com uma longa duração.
8. A ser fundamento do indeferimento da renovação, o não aproveitamento tem que se verificar por um período mínimo, nunca inferior aos 12 meses que o artigo 166.°, n.° 2, alínea 2), da Lei n.° 10/2013 estabelece para as concessões provisórias de terrenos rústicos, sob pena de a situação precária ter um tratamento mais favorável do que aquela que está juridicamente consolidada, violando-se assim a necessária proporcionalidade, razão pela qual entende o Recorrente que o Tribunal a quo avaliou maio acto recorrido sob o prisma do Direito.
9. Finalmente, o acórdão recorrido decidiu que o indeferimento da renovação não viola o princípio da boa fé por entender que a conduta da Administração não criou a convicção legítima no Recorrente de que o contrato de concessão seria revisto e renovado.
10. Pelo contrário, a Administração sempre deu a entender que o contrato seria revisto, começando em Janeiro de 1989, ano em que o Recorrente submeteu à apreciação da DSSOPT um estudo prévio para a construção de um edifício de cinco andares, com finalidades habitacional e comercial, requerendo, para o efeito, a revisão do contrato de concessão e a emissão da então planta de alinhamento oficial, a que se juntam os projectos de construção registados sob os números T-3304, de 6 de Julho de 1992, T-5093, de 12 de Outubro de 1993, o estudo prévio de alteração registado sob o número T-4839, de 13 de Outubro de 2006 e, mais recentemente, o anteprojecto de arquitectura apresentado em 27 de Março de 2015, precedido da PCU n.° 88A003.
11. O projecto de arquitectura de 27 de Março de 2015 só foi apresentado nesta data por causa da morosidade provocada pelas constantes alterações promovidas pela Administração, designadamente em função de um alegado novo plano de ordenamento urbanístico da zona norte da Taipa (vide ofícios n.os 1035/DPU/2008, de 17.10.2008 (fls. 388 do PA), 3261/DURDEP/2009, de 07.04.2009 (fls. 319 do PA) e 821/DPU/2009, de 16.07.2009 (fls. 389 do PA).
12. Em retrospectiva, mal andou o Tribunal recorrido nesta matéria, pois a verdade é que a conduta da Administração criou no Recorrente a confiança legítima de que iria renovar o contrato de concessão e, mais ainda, que o mesmo iria ser objecto de revisão, chegando mesmo a emitir PCU nesse sentido, razão pela qual outra não poderia ter sido a sua decisão que não fosse a anulação da decisão por violação do princípio da boa fé”; (cfr., fls. 166 a 170).
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Na sequência das contra-alegações da entidade recorrida pugnando pela improcedência do recurso, (cfr., fls. 176 a 184), vieram os autos a este Tribunal, onde, em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público douto Parecer, considerando também que o recurso não merecia provimento; (cfr., fls. 192-v).
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Cumpre apreciar.
Fundamentação
2. Como resulta do que até aqui se deixou relatado, o presente recurso tem como objecto o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 27.02.2020, com o qual se negou provimento ao anterior recurso contencioso pelo recorrente interposto do despacho do Chefe do Executivo de 30.11.2018 que indeferiu o seu pedido de “renovação da concessão” do terreno rústico identificado no “ponto 1” da matéria de facto atrás retratada.
E, como igualmente se colhe do que se deixou consignado, (e neste mesmo sentido se pronunciam a entidade recorrida e o Ministério Público), volta o recorrente a invocar os “argumentos” esgrimidos em sede do seu anterior recurso contencioso que foram objecto de apreciação pelo Tribunal de Segunda Instância.
Claro nos parecendo assim que não se pode ir ao encontro da sua pretensão em ver o Acórdão ora recorrido revogado, pois que se tem o aí decidido como claro, adequadamente fundamentado e acertado na solução a que se chegou, nenhuma censura se nos apresentando de efectuar, e voltando o dito recorrente a suscitar as “mesmas questões”, apresenta-se-nos, desde já, atento o princípio da economia processual, de se dar como reproduzido tudo o que se consignou no dito veredicto para efeitos da decisão que se irá proferir.
Seja como for, julgam-se pertinentes as seguintes considerações.
–– Do alegado “erro nos pressupostos de facto”.
Vejamos.
Como é sabido, o “recurso contencioso”, é o meio (processual) próprio para obter o reconhecimento judicial da existência de (todos os) vícios que possam inquinar um acto administrativo lesivo, e, assim, obter a sua anulação contenciosa; (cfr., art. 21° do C.P.A.C.).
Por sua vez, no âmbito da temática dos “vícios do acto administrativo”, tem-se entendido, atento o preceituado nos atrás transcritos comandos legais, que estes se identificam com os (tradicionais vícios) de “usurpação de poder”, “incompetência”, “vício de forma”, “desvio de poder” e “violação de lei” (sendo, este último, o pelo ora recorrente invocado no persente seu recurso).
O conceito de “violação de lei”, não abarca toda e qualquer violação da lei: com efeito, por definição, qualquer vício do acto administrativo implica uma violação da lei (no sentido amplo de “bloco de legalidade”).
Há um critério positivo e um critério negativo de identificação do vício da violação de lei.
O conteúdo essencial do vício de violação de lei respeita às ilegalidades objectivas materiais dos actos administrativos: o vício de violação de lei é, assim, aquele em que incorrem os actos administrativos que desrespeitem requisitos de legalidade relativos aos pressupostos de facto, ao objecto e ao conteúdo.
O vício de violação de lei é também doutrinalmente empregue para garantir o caracter fechado da teoria dos vícios do acto administrativo.
Nestes termos, padecem de “violação de lei” os actos administrativos (ilegais) cuja ilegalidade não se possa reconduzir a qualquer dos outros vícios, tendo, portanto, este vício, “carácter residual”.
Constituindo o “erro nos seus pressupostos” um dos vícios de violação de lei que conduzem à anulação do acto administrativo, e competindo ao recorrente alegar e provar no recurso os factos integrativos do erro, cabe ao Tribunal, face a todos elementos legalmente admissíveis de que dispõe, formular um juízo sobre a conformidade com a realidade dos pressupostos de facto que a Administração teve em conta aquando da prolação do acto impugnado.
O “erro nos pressupostos de facto” constitui assim uma das causas de invalidade do acto administrativo, consubstanciando um vício de violação de lei que configura uma ilegalidade de natureza material, pois é a própria substância do acto administrativo que contraria a lei.
Tal vício consiste na divergência entre os pressupostos de que o autor do acto partiu para prolatar a decisão administrativa final e a sua efectiva verificação na situação em concreto, resultando do facto de se terem considerado na decisão administrativa factos não provados ou desconformes com a realidade.
Assim, se o pressuposto (factual) de que o acto recorrido partiu, não se mostra verificado, o mesmo encontra-se inquinado com o vício de “violação de lei” por “erro nos pressupostos de facto”.
Adequado é desta forma dizer-se que:
- o «erro sobre os pressupostos de facto», traduz-se na divergência entre os factos que a entidade administrativa teve em conta para decidir como decidiu, e a sua real ocorrência; e que,
- o «erro nos pressupostos de direito», traduz-se na inadequação do regime jurídico e normas jurídicas aplicadas pela entidade administrativa à base factual convocada.
Aqui chegados, imperativo é concluir no sentido da improcedência do recurso nesta parte.
Com efeito, sendo de notar que – agora – não estamos em sede de um “recurso contencioso”, cujo objecto é um “acto administrativo”, mas sim de um “recurso jurisdicional”, em causa estando o atrás referido Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, mas, não deixando de (tentar) responder ao ora recorrente, apresenta-se de consignar que, em síntese, é seu entendimento que se incorreu no dito “erro”, dado que se considerou – indevidamente – que o terreno em questão estava em estado de “abandono” e “incultivo”, sem ter sido objecto de “aproveitamento”.
Ora, (infelizmente, porque com grande prejuízo para o interesse público da R.A.E.M.), esta é a “situação” que temos como a correspondente com realidade.
E, para assim se concluir, basta atentar na factualidade dada como “provada”, (em especial, na referida no ponto 5 da Proposta n.° 294/DSO/2018, a fls. 19 deste aresto), assim como no pelo Tribunal de Segunda Instância explanado quanto à “prova efectuada em audiência” para que (muito) mais não se mostre de dizer.
Com efeito, se até mesmo com recurso a tal elemento probatório se apurou (apenas) que o terreno era, (tão só), “pontualmente cultivado”, a “título precário”, pela própria testemunha, e em seu (próprio) proveito, (e não pelo e para o concessionário, ora recorrente), inútil, (porque totalmente ociosas), são mais alongadas considerações sobre este ponto.
–– Quanto à “violação de lei por erro nos pressupostos de direito” e do “princípio de boa fé”.
Como resulta igualmente evidente, também aqui não tem o recorrente razão, mostrando de salientar que importa ter presente que o verdadeiro motivo (legal) da “decisão administrativa” (confirmada pelo Acórdão recorrido) assenta na circunstância de que não tendo havido “aproveitamento do terreno” em questão, justificação socio-económica para a (própria) “concessão” (feita ao ora recorrente) não existe, o que não pode deixar de acarretar, natural e necessariamente, o indeferimento do pedido de “renovação da (dita) concessão”.
Parecendo-nos desta forma claro que a aludida decisão administrativa se apresenta em conformidade com o princípio da “prossecução do interesse público” que à Administração Pública cabe assegurar, visto cremos que está que também não existe qualquer (eventual) violação ao “princípio da boa fé”, imperativa sendo a conclusão que correcta foi a decisão agora recorrida.
Tudo visto, resta decidir.
Decisão
3. Nos termos e fundamentos que se deixam expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com a taxa de justiça de 10 UCs.
Registe e notifique.
Macau, aos 31 de Julho de 2020
Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei
O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa
Proc. 67/2020 Pág. 30
Proc. 67/2020 Pág. 29